Resumo: Este artigo visa a esclarecer a importância da aprovação da PEC 82/2007, que atribui autonomia funcional, administrativa e financeira à Advocacia da União e seus órgão vinculados, à Procuradoria das autarquias e às Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a fim de que possam cumprir seu mister constitucional de Advocacia de Estado.
Palavras Chaves: Advocacia-Geral da União, PEC 82/2007, autonomia.
O constituinte de 1988 destacou no Título IV da Constituição Federal da Republica de 1988 um capítulo próprio para tratar das Funções Essenciais à Justiça. Não à toa, pois na tentativa de posicionar a Advocacia Pública, a Defensoria Pública e o Ministério Público fora de quaisquer Poderes, seja o Executivo, o Legislativo ou o Judiciário. Tanto é assim que o Capítulo IV (Das Funções Essenciais à Justiça) divide-se em quatro seções, sendo a primeira reservada ao Ministério Público, a seção II discorre acerca da Advocacia Pública, a seção III trata da Advocacia e a seção IV traz disposições sobre a Defensoria Pública.
Esse posicionamento das demais funções essenciais à justiça fora dos poderes da República ocorre em virtude de um fim maior que é, de modo geral, a atuação autônoma de seus órgãos na defesa dos interesses da sociedade.
Neste diapasão, o constituinte originário fez por bem destacar a autonomia funcional, financeira e administrativa do Ministério Público, diante do relevante papel constitucional no desempenho na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, consoante art. 127, da CRFB/88, in verbis:
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
§ 1º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.
§ 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 3º - O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.
§ 4º Se o Ministério Público não encaminhar a respectiva proposta orçamentária dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do § 3º.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 5º Se a proposta orçamentária de que trata este artigo for encaminhada em desacordo com os limites estipulados na forma do § 3º, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta orçamentária anual.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 6º Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Na mesma linha de raciocínio, verificado o patamar constitucional da Defensoria Pública na defesa dos interesses dos mais necessitados, o constituinte derivado, por sua vez, encampando luta das Defensorias Públicas Estaduais, com advento da EC/45, que fora denominada de reforma do judiciário, modificou o art. 134 da Constituição Federal e, mais precisamente, em seu §2º, deixou prevista a autonomia funcional e administrativa das Defensorias Públicas Estaduais, dispondo “§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º”.
O aludido preceito constitucional reformado não incluía Defensoria Pública da União, permanecendo como órgão vinculado à Administração Pública Federal e subordinado ao Ministério da Justiça.
Pois bem, a Emenda Constitucional 74, promulgada em 06.08.2013, advindo da PEC 207, acrescentou o parágrafo terceiro ao art. 134, da CRFB/88, corrigindo a distorção ao conferir à Defensoria Pública da União previsão igualitária às Defensorias Públicas Estaduais, tendo o dispositivo constitucional a seguinte redação:
§ 3º Aplica-se o disposto no § 2º às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 74, de 2013)
E a Emenda Constitucional 80, promulgada em 04 de junho de 2014, alterou o Capítulo IV - Das Funções Essenciais à Justiça, do Título IV - Da Organização dos Poderes, em compasso com o aludido § 3º do art. 134 da CRFB/88, trouxe garantias necessárias ao desempenho autônomo de suas funções constitucionais pelos membros das Defensorias. Vejamos:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)
(...)
§ 4º São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no art. 93 e no inciso II do art. 96 desta Constituição Federal.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)
Assim, demonstrado que a Magistratura, o Ministério Público e a Defensoria Pública foram sabiamente dotadas de autonomia funcional, financeira e administrativa, a Advocacia Pública tornou-se, entre as funções essenciais à justiça, única que não possui autonomia, totalmente dependente do orçamento do poder executivo e em absoluto confronto ao princípio da paridade das armas.
Com base nessa disparidade a ser sensatamente corrigida, tramita no Congresso Nacional Brasileiro a PEC 82/2007, que atribui autonomia funcional, administrativa e financeira, bem como prerrogativas aos membros da Advocacia da União, Procuradoria da Fazenda Nacional, Procuradoria-Geral Federal, Procuradoria das autarquias e às Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a fim de que possam cumprir seu mister constitucional de Advocacia de Estado, na defesa dos interesses da sociedade brasileira, assegurando a continuidade das políticas estatais em favor do cidadão e a melhor defesa jurídica do órgão público presentado, judicial ou extrajudicialmente.
Importante destacar o valoroso ensinamento do Min. Gilmar Mendes para quem “são também funções essenciais à Justiça a Advocacia Pública e Privada e a Defensoria Pública. O constituinte não as tratou com a minúncia que devotou ao Ministério Público – opção que não deve ser interpretada como valoração diferente da relevância dos entes que compõe esse capítulo da Carta. Todos, dentro das peculiaridades, são fundamentais para realização da Justiça”.
Note-se que, em oposição à igualdade de relevância das funções essenciais, a atual redação do artigo 131 da Constituição da República de 1988, conquanto exponha a importância da Advocacia-Geral da União, foi omissa quanto à autonomia necessária aos desempenho de suas funções constitucionais, in verbis:
A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
§ 1º - A Advocacia Geral da União tem por chefe o Advogado Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadão maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
§ 2º - O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.
§ 3º - Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei.
Do presente preceito, extrai-se que a Advocacia-Geral da União é o órgão brasileiro responsável pelo exercício da advocacia pública federal, na forma contenciosa e consultiva. Por sua vez, atua na defesa de todos os poderes da União em sede judicial ou extrajudicial, interna ou externamente, bem como o exercício de atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo Federal. Entretanto, não possui, absurdamente, autonomia necessária à sua atuação, o que torna prejudicial e limitada a defesa do erário por seus membros.
Assim, urge a aprovação pelo Congresso Nacional da PEC 82/2007, do então Deputado Flávio Dino, que acresce os arts. 132-A e 135-A e altera o art. 168 da Constituição Federal de 1988, com as seguintes redações:
Art. 1.º Ficam acrescentados os seguintes Artigos 132-A e 135-A à Constituição Federal:
“Art. 132-A. O controle interno da licitude dos atos da administração pública, sem prejuízo da atuação dos demais órgãos competentes, será exercido, na administração direta, pela Advocacia-Geral da União, na administração indireta, pela Procuradoria-Geral Federal e procuradorias das autarquias, e pelas Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, as quais são asseguradas autonomias funcional, administrativa e financeira, bem como o poder de iniciativa de suas políticas remuneratórias e das propostas orçamentárias anuais, dentro dos limites estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias.”(NR)
Art. 135 -A. Aos integrantes das carreiras da Defensoria Pública, bem como da Advocacia da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Procuradoria-Geral Federal, dos procuradores autárquicos e das procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios serão garantidas:
a) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa;
b) irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39, § 4º, e ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I;
c) independência funcional.” (NR)
Art. 2.º O art. 168 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público, da Avocadcia-Geral da União, das Procuradorias Gerais dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º da Constituição Federal.”(NR)
E aí se questiona como uma instituição de tamanha importância na atuação na defesa jurídica da União, máxime na implementação e continuidade das políticas públicas, bem como no controle preventivo da probidade administrativa, pode ser a única função essencial à justiça até hoje sem autonomia administrativa, funcional e financeira.
Chega até mesmo ser contraditório que o órgão da União que combate preventivamente a corrupção, que mais arrecada, economiza e gera lucros, que atua ao lado do Poder executivo e pelo bem da sociedade brasileira, não tenha orçamento para honrar suas dívidas e dar continuidade ao seu honroso trabalho. Por isso, defende-se que a PEC 82/07 corrige essa distorção e afasta a ideia de que autonomia orçamentária é incremento de despesa, quando na verdade se trata de uma autogestão de seus recursos pela própria advocacia pública, em virtude do patamar constitucional que lhe foi dado pelo constituinte originário.
A bem da verdade, a Advocacia-Geral da União jamais poderia sofrer com contingenciamentos forçados - sendo-lhe negada a possibilidade de abertura de concurso, nomeação de aprovados para compor seus cargos vagos, a compra de materiais de uso contínuo, o pagamento de diárias para execução de audiência, orçamento para pagamento de aluguel de seus prédios, dentre outras mazelas geradas, que prejudicam a continuidade do eficiente serviço público – baseados em desagrado ao administrador.
Pior ainda é se pensar que um membro da AGU possa atuar sob perseguição ou ameaça ao tomar conhecimento de que, ao final, sua manifestação ou orientação jurídica não convergiu com a adotada pelo administrador público.
São essas distorções que a PEC 82/07 irá resolver pelo bem da melhor gestão pública, da probidade, da continuidade e melhoria dos serviços prestados à sociedade, por meio dos seus governantes legitimamente eleitos.
Referências:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 29 de outubro de 2014.
BRASIL Lei Complementar n.º 73, de 10 de fevereiro de 1993. Institui a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp73.htm. Acesso em 15 de novembro de 2014.
BRASIL. Lei 10.480, de 2 de julho de 2002. Legislação Federal. Dispõe sobre o Quadro de Pessoal da Advocacia-Geral da União, a criação da Gratificação de Desempenho de Atividade de Apoio Técnico-Administrativo na AGU – GDAA, cria a Procuradoria-Geral Federal, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10480.htm. Acesso em: 29 de outubro de 2014.
BRASIL. Medida Provisória n.º 2.229-43, de 6 de setembro de 2001. Dispõe sobre a criação, reestruturação e organização de carreiras, cargos e funções comissionadas técnicas no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2229-43.htm. Acesso em: 29 de outubro de 2014
MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 999.
MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2013;
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2010;
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012;
Procurador Federal, pós graduado em Direito e Processo Civil pela UNICOC
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AZEVEDO, Armstron da Silva Cedrim. A Advocacia-Geral da União na Constituição: única função essencial à justiça sem autonomia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41942/a-advocacia-geral-da-uniao-na-constituicao-unica-funcao-essencial-a-justica-sem-autonomia. Acesso em: 26 nov 2024.
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