Introdução
Hodiernamente é inegável a relevância da publicidade como elemento de marketing, sendo sua utilização cada vez mais frequente no âmbito empresarial.
Em tal desiderato, cuidar-se-á no presente artigo sobre as decorrências na esfera justrabalhista da utilização da imagem dos empregados na publicidade visual da pessoa jurídica empregadora.
Da Utilização Da Imagem Do Obreiro Para Realização De Marketing Pela Empregadora
Muito embora a utilização da imagem traga decorrências no âmbito da responsabilidade civil a compreender a esfera moral e material, delimitou-se o estudo no que tange às repercussões na esfera dos danos de natureza material.
A vinculação publicitária de trabalhadores a produtos ou a empresas representa estímulo ao consumo e atribui significativo valor econômico à imagem. Reveste-se, por isso, de vital importância a ação protetiva do Direito do Trabalho, evitando que injustiças sejam perpetradas pela força do capital sobre a pessoa do trabalhador. A proteção jurídica à imagem é fundamental, pois defende concomitantemente os componentes da personalidade e o patrimônio.
No que se relaciona ao tema, a Constituição Federal estabeleceu proteção específica, conforme acentua Carlos Roberto Gonçalves (2003, p.169) in verbis:
“A Carta Magna foi explícita em assegurar, ao lesado, direito à indenização por dano material ou moral decorrente da violação da intimidade, da vida privada, da honra, e da imagem das pessoas. Nos termos do artigo 20 do Código Civil, a reprodução de imagem para fins comerciais, sem autorização do lesado, enseja o direito à indenização, ainda que não lhe tenha atingido a honra, a boa fama ou a respeitabilidade”.
Com efeito, ao lado de direitos economicamente apreciáveis há outros de mensuração diversa, como o direito à vida, à liberdade, ao nome, ao próprio corpo, à imagem, à honra, entre outros.
A CF/88 em seu artigo 5º, X, deu grande passo para a proteção dos direitos da personalidade ao determinar que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
O Código Civil de 2002 dedicou um capítulo aos direitos da personalidade visando, segundo Miguel Reale:
“(...) à sua salvaguarda sob múltiplos aspectos, desde a proteção dispensada ao nome e à imagem até o direito de dispor do próprio corpo para fins científicos ou altruísticos” (Miguel Reale, O Projeto do Novo Código Civil, pág. 65).
O direito à imagem reveste-se de características comuns aos direitos da personalidade, sendo inalienável, impenhorável, absoluto, imprescritível, irrenunciável e intransmissível, vez que não pode se dissociar de seu titular.
A insigne professora Maria Helena Diniz define direitos da personalidade como:
“(...) direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto),a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria cientifica, artística e literária); e a sua integridade moral (honra, recato, segredo profissional e domestico, identidade pessoal, familiar e social)” (Curso de Direito Civil Brasileiro, Vol. I, pág. 135).[1]
Portanto, a imagem está inserida nos direitos da personalidade e, segundo Carlos Alberto Bittar,
“(...) consiste no direito que a pessoa tem sobre a sua forma plástica e respectivos componentes distintos (rosto, olhos, perfil, busto) que a individualizam no seio da coletividade. Incide, pois, sobre a conformação física da pessoa, compreendendo esse direito um conjunto de caracteres que a identifica no meio social. Por outras palavras, é o vínculo que une a pessoa à sua expressão externa, tomada no conjunto, ou em partes significativas (como a boca, os olhos, as pernas, enquanto individualizadoras da pessoa)” (Os direitos da personalidade. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, pág. 94, 2003).
Como previsão reparatória genérica dispõe o art. 186 do Código Civil:
Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.[2]
Já no que toca especificamente à proteção ao direito de imagem dispõe o artigo 20 do CC:
“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais”.[3]
Delimitando a temática ao âmbito laboral, registre-se que a exposição indevida da imagem que ocorre em sede trabalhista, ou seja, a que praticada ou permitida pelo empregador, há de ser considerada mais grave do que a cometida em outras situações, pois traduz abuso ou descaso reprovável diante da inferioridade econômica do trabalhador e da pressão pela manutenção do emprego, podendo mesmo, em determinados casos, pender para ato de desumanidade.
Portanto, o uso da imagem só pode ser tido com o lícito se ajustado expressamente ao contrato, já que não flui originariamente deste, sob pena de locupletamento do empregador.
Assim, nem mesmo a anuência tácita pode configurar-se como autorização válida, já que tal conclusão enseja teoria absolutamente desfavorável à classe operária hipossuficiente.
Com efeito, o obreiro em sua condição de dependência econômica posiciona-se em situação de submissão a todas as exigências impostas pelo empregador, já que se encontra sempre sob a égide da manutenção de seu labor.
Estabelecidas as premissas, registre-se que no direito pátrio apenas admite-se a utilização da imagem de outrem se houver expressa autorização, se necessário à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, sob pena de cabimento de indenização nos âmbitos material e moral.
No que tange ao ressarcimento pela natureza material do dano assevere-se que tal decorre do benefício comercial, e portanto, pecuniário, que decorre da utilização da imagem do empregado em prol do seu empregador.
Com efeito, se o empregado não presta serviços de modelo fotográfico, descabe de pertinência a ideia que o uso de sua imagem esteja incluída dentro dos termos de prestação de labor.
Assim, sem embargo da própria questão da utilização do direito de imagem, o fato é que, ao usar a figura obreira em ação de marketing, o empregador angaria economia de custos, não tendo que pagar a profissional especifico da área da propaganda.
Desta forma, imiscuindo-se da própria questão da imagem como atributo, temos que a ausência do adimplemento pelo uso da figura do empregado enseja mesmo um enriquecimento ilícito do empregador, o que é vedado pelo ordenamento jurídico.
No que toca ao instituto do enriquecimento sem causa temos que se configura na situação na qual um indivíduo aufere vantagem indevida em face do empobrecimento de outro, sem causa que o justifique.
A doutrina delineia as bases do enriquecimento ilícito do modo que segue:
Para Limongi França:
"Enriquecimento sem causa, enriquecimento ilícito ou locupletamento ilícito é o acréscimo de bens que se verifica no patrimônio de um sujeito, em detrimento de outrem, sem que para isso tenha um fundamento jurídico".FRANÇA, R. Limongi. Enriquecimento sem Causa. Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1987. [4]
Já para Pedro Luso de Carvalho:
“A pessoa física ou jurídica que enriquecer sem justa causa, em razão de negócio jurídico realizado, dará ensejo ao lesado a ajuizar ação visando à restituição do valor recebido indevidamente, atualizado monetariamente.”CARVALHO, Pedro Luso de. Disponível em http://pedroluso.blogspot.com/2007/11/do-enriquecimento-sem-causa.html as 13:23 [5]
O Código Civil enuncia no seu título VII (Atos Unilaterais), capítulo IV (Negócios Unilaterais), suas disposições sobre o Enriquecimento Sem Causa, a saber:
“Art. 884”. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.[6]
Ora, a utilização da figura do empregado pra fins de publicidade comercial da empresa enseja beneficio pecuniário evidente, já que o uso implica em economia na contratação de profissional específico.
No mesmo diapasão o hodierno entendimento da Jurisprudência laboral pátria:
DIREITO DE IMAGEM USO INDEVIDO PARA FINS COMERCIAIS SEM AUTORIZAÇÃO DA FOTOGRAFADA. Ainda que o uso da imagem não traga danificação à personalidade e a integridade moral da pessoa, a inviolabilidade da intimidade da vida privada, representada pela publicação de fotografia com fins comerciais, sem autorização do fotografado, caracteriza- se como locupletamento ilícito à custa de outrem, o que importa em indenização por reparação ao dano causado. Inteligência dos artigos 5º, inciso X da Constituição Federal da República, c/c. Os artigos 18, 20 e 186 do Novo Código Civil Brasileiro. RECURSO IMPROVIDO.
Assevere-se, por oportuno, que a hodierna jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que o dano material, assim como o moral decorrem, exclusivamente, do uso indevido da imagem, e assim, uma vez configurada a violação ao direito à imagem pela utilização indevida desta, é desnecessária a demonstração do prejuízo material ou moral, a saber:
DIREITO À IMAGEM. CORRETOR DE SEGUROS. NOME E FOTO. UTILIZAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO. PROVEITO ECONÔMICO. DIREITOS PATRIMONIAL E EXTRAPATRIMONIAL. LOCUPLETAMENTO. DANO. PROVA. DESNECESSIDADE. ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ. INDENIZAÇÃO. QUANTUM. REDUÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS DA CAUSA. HONORÁRIOS. CONDENAÇÃO. ART. 21, CPC. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.
I - O direito à imagem reveste-se de duplo conteúdo: moral, porque direito de personalidade; patrimonial, porque assentado no princípio segundo o qual a ninguém é lícito locupletar-se à custa alheia.
II - A utilização da imagem de cidadão, com fins econômicos, sem a sua devida autorização, constitui locupletamento indevido, ensejando a indenização.
III - O direito à imagem qualifica-se como direito de personalidade, extrapatrimonial, de caráter personalíssimo, por proteger o interesse que tem a pessoa de opor-se à divulgação dessa imagem, em circunstâncias concernentes à sua vida privada.
IV - Em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano. O dano é a própria utilização indevida da imagem, não sendo necessária a demonstração do prejuízo material ou moral.
V - A indenização deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento sem causa, com manifestos abusos e exageros, devendo o arbitramento operar-se com moderação, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso.
VI - Diante dos fatos da causa, tem-se por exacerbada a indenização arbitrada na origem.
VII - Calculados os honorários sobre a condenação, a redução devida pela sucumbência parcial resta considerada.
VIII - No recurso especial não é permitido o reexame de provas, a teor do enunciado n. 7 da súmula/STJ.”(STJ. Resp 267529/RJ; RECURSO ESPECIAL 2000/0071809-2. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira (1088). Quarta Turma, DJ 18.12.2000, p. 208). (g.n.).
Por fim, no que toca à quantificação do valor a título da indenização pelo locupletamento indevido, entendemos pela correlação entre este e o efetivo enriquecimento ilícito auferido, pelo que se prega neste trabalho a utilização como parâmetro dos valores estabelecidos como piso salarial em cada unidade da federação para a categoria especifica do Sindicato dos Artistas, já que a figura do obreiro é utilizada, na hipótese, em substituição a profissional especifico do ramo de moda.
Conclusão
O direito de imagem encontra-se inserido como direito de personalidade, assegurado constitucionalmente, razão pela qual deve ser protegida a utilização indevida de imagem obreira.
Pelo fato de na relação laboral o empregado ser a parte hipossuficiente deve haver uma maior fiscalização para que sejam evitados maiores danos aos empregados no que se relaciona ao presente tema.
Assim, diante do que foi exposto, não restam dúvidas que a utilização da imagem do obreiro de maneira indevida pelo empregador merece ser ressarcida, uma vez que não pode ser permitido pela justiça do trabalho o enriquecimento ilícito do empregador.
[1] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p. 135.
[2] Código Civil (2002). Código Civil Brasileiro: publicado em 11 de janeiro de 2002. Brasília: Senado, 2002.
[3] Código Civil (2002). Código Civil Brasileiro: publicado em 11 de janeiro de 2002. Brasília: Senado, 2002
[4] FRANÇA, R. Limongi. Enriquecimento sem Causa. Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo. Saraiva, 1987.
[5] Código Civil (2002). Código Civil Brasileiro: publicado em 11 de janeiro de 2002. Brasília: Senado, 2002.
[6] Código Civil (2002). Código Civil Brasileiro: publicado em 11 de janeiro de 2002. Brasília: Senado, 2002.
Advogado integrante da Equipe Trabalhista da Bulhões e Bulhões Advocacia, localizada na cidade de Maceió/AL, mas com atuação em todo o país.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GAMA, Tiago Rodrigues Leão de Carvalho. Danos materiais pela utilização da imagem do obreiro pelo empregador na publicidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 nov 2014, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41967/danos-materiais-pela-utilizacao-da-imagem-do-obreiro-pelo-empregador-na-publicidade. Acesso em: 22 nov 2024.
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