Resumo: A Advocacia-Geral da União é o órgão criado a partir da Constituição de 1988 responsável pelo exercício da advocacia pública federal, na forma contenciosa e consultiva, atuando na defesa de todos os poderes da União, bem como o exercício de atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo Federal, polarizada em quatro carreiras: Advogado da União, Procurador da Fazenda Nacional, Procurador Federal, e Procurador do Banco Central.
Anteriormente à Constituição da República de 1988, tinha o Ministério Público Federal a dual função de: a) defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis e b) representante judicial e extrajudicial da União e suas autarquias e fundações federais, realizando, inclusive, a consultivo dos respectivos órgãos federais.
Diante dos conflitos na defesa de interesses tão próximos - e ao mesmo tempo contrapostos - representados por uma única instituição, na Constituinte de 1988, após longo debate, entendeu-se a necessidade de criar uma instituição defensora da União e dos valorosos interesses sociais que a personificação jurídica deste ente carrega.
Com efeito, prevista no artigo 131 da Carta de 1988, a Advocacia-Geral da União - AGU foi instituída para harmonizar as instituições republicanas e reafirmar o estado democrático de direito perseguido pelo constituinte originário, a se notar na transcrição, in verbis:
A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
§ 1º - A Advocacia Geral da União tem por chefe o Advogado Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadão maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
§ 2º - O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.
§ 3º - Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei.
O art, 131 da CRFB/88 impõe que a organização e o funcionamento da Advocacia-Geral da União será reservado à Lei Coplementar.
Pois bem, a Lei Complementar n. º 73 de 10 de fevereiro de 1993, denominada de Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, cumpre esse papel e disciplina em seus art. 1º e 2º as suas funções institucionais e sua composição[i]:
DAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS E DA COMPOSIÇÃO
Capítulo I
Das Funções Institucionais
Art. 1º - A Advocacia-Geral da União é a instituição que representa a União judicial e extrajudicialmente.
Parágrafo único. À Advocacia-Geral da União cabem as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos ao Poder Executivo, nos termos desta Lei Complementar.
Capítulo II
Da Composição
Art. 2º - A Advocacia-Geral da União compreende:
I - órgãos de direção superior:
a) o Advogado-Geral da União;
b) a Procuradoria-Geral da União e a da Fazenda Nacional;
c) Consultoria-Geral da União;
d) o Conselho Superior da Advocacia-Geral da União; e
e) a Corregedoria-Geral da Advocacia da União;
a) as Procuradorias Regionais da União e as da Fazenda Nacional e as Procuradorias da União e as da Fazenda Nacional nos Estados e no Distrito Federal e as Procuradorias Seccionais destas; (Vide Lei nº 9.028, de 1996)
b) a Consultoria da União, as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, da Secretaria-Geral e das demais Secretarias da Presidência da República e do Estado-Maior das Forças Armadas;
III - órgão de assistência direta e imediata ao Advogado-Geral da União: o Gabinete do Advogado-Geral da União;
IV - (VETADO)
§ 1º - Subordinam-se diretamente ao Advogado-Geral da União, além do seu gabinete, a Procuradoria-Geral da União, a Consultoria-Geral da União, a Corregedoria-Geral da Advocacia-Geral da União, a Secretaria de Controle Interno e, técnica e juridicamente, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
§ 2º - As Procuradorias Seccionais, subordinadas às Procuradorias da União e da Fazenda Nacional nos Estados e no Distrito Federal, serão criadas, no interesse do serviço, por proposta do Advogado-Geral da União.
§ 3º - As Procuradorias e Departamentos Jurídicos das autarquias e fundações públicas são órgãos vinculados à Advocacia-Geral da União.
§ 4º - O Advogado-Geral da União é auxiliado por dois Secretários-Gerais: o de Contencioso e o de Consultoria.
§ 5º - São membros da Advocacia-Geral da União: o Advogado-Geral da União, o Procurador-Geral da União, o Procurador-Geral da Fazenda Nacional, o Consultor-Geral da União, o Corregedor-Geral da Advocacia da União, os Secretários-Gerais de Contencioso e de Consultoria, os Procuradores Regionais, os Consultores da União, os Corregedores-Auxiliares, os Procuradores-Chefes, os Consultores Jurídicos, os Procuradores Seccionais, os Advogados da União, os Procuradores da Fazenda Nacional e os Assistentes Jurídicos.
Neste passo, após advento da CRFB/88, o Ministério Público Federal assume na Constituição e em sua Lei Complementar o apenas o papel de defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, passando a representação judicial e extrajudicil da União e atividades de consultoria e assessoramento jurídicos ao Poder Executivo a serem exrecidas pelos membros da AGU.
A Advogacia-Geral da União passa a ter como chefe máximo o Advogado-Geral da União que, segundo ditames constitucionais, é nomeado livremente pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e cinco anos e notável conhecimento jurídico. Assim, deixa de lado qualquer submissão ao Procurador-Geral da República, chefe máximo do Ministério Público Federal.
Neste contexto, uma crítica há de ser feita, porquanto a Constituição da República é, absurdamente, omissa quanto à necessidade de o Advogado-Geral da União ser membro da carreira, e na mesma linha está a LC 73/93 quanto aos demais cargos de gestão, a exemplo dos Procuradores Gerais dos seus respectivos órgão. Com efeito, precisa é a proposta de Súmula Vinculante nº 18 (PSV 18), de autoria da União Advogados Públicos Federais – UNAFE, em que se pretende, junto ao Supremo Tribunal Federal- STF, o reconhecimento da exclusividade da Advocacia Pública para representação judicial e assessoramento jurídico dos respectivos entes da federação.
O Art. 4º da LC 73/93 prescreve o rol de atribuições do Advogado-Geral da União:
Artigo 4 - São atribuições do Advogado-Geral da União:
I - dirigir a Advocacia-Geral da União, superintender e coordenar suas atividades e orientar-lhe a atuação;
II - despachar com o Presidente da República;
III - representar a União junto ao Supremo Tribunal Federal;
IV - defender, nas ações diretas de inconstitucionalidade, a norma legal ou ato normativo, objeto de impugnação;
V - apresentar as informações a serem prestadas pelo Presidente da República, relativas a medidas impugnadoras de ato ou omissão presidencial;
VI - desistir, transigir, acordar e firmar compromisso nas ações de interesse da União, nos termos da legislação vigente; (Ver Lei 9.469, 10/07/97).
VII - assessorar o Presidente da República em assuntos de natureza jurídica, elaborando pareceres e estudos ou propondo normas, medidas e diretrizes;
VIII - assistir o Presidente da República no controle interno da legalidade dos atos da Administração;
IX - sugerir ao Presidente da República medidas de caráter jurídico reclamadas pelo interesse público;
X - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal;
XI - unificar a jurisprudência administrativa, garantir a correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos jurídicos da Administração Federal;
XII - editar enunciados de súmula administrativa, resultantes de jurisprudência iterativa dos Tribunais;
XIII - exercer orientação normativa e supervisão técnica quanto aos órgãos jurídicos das entidades a que alude o Capítulo IX do Título II desta Lei Complementar;
XIV - baixar o Regimento Interno da Advocacia-Geral da União;
XV - proferir decisão nas sindicâncias e nos processos administrativos disciplinares promovidos pela Corregedoria-Geral e aplicar penalidades, salvo a de demissão;
XVI - homologar os concursos públicos de ingresso nas Carreiras da Advocacia-Geral da União;
XVII - promover a lotação e a distribuição dos Membros e servidores, no âmbito da Advocacia-Geral da União;
XVIII - editar e praticar os atos normativos ou não, inerentes a suas atribuições;
XIX - propor, ao Presidente da República, as alterações a esta Lei Complementar;
§ 1º - O Advogado-Geral da União pode representá-la junto a qualquer juízo ou Tribunal.
§ 2º - O Advogado-Geral da União pode avocar quaisquer matérias jurídicas de interesse desta, inclusive no que concerne a sua representação extrajudicial.
§ 3º - É permitida a delegação das atribuições previstas no inciso VI ao Procurador-Geral da União, bem como a daquelas objeto do inciso XVII deste artigo, relativamente a servidores.
O aludido inciso XVII traz que cabe ao mesmo promover a lotação e a distribuição dos Membros e servidores, no âmbito da Advocacia-Geral da União. E aqui cabe dizer que a Advocacia Pública Federal Brasileira tem seus quadros preenchidos por ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição por concurso público de provas e títulos.
E, numa medida completamente antieconômica, a AGU é um grande hiato de 4 (quatro) carreiras, como passará a se expor.
A Legislação infraconstitucional, de forma desorganizada, trata de cada uma das quatro carreiras, descrevendo suas atribuições. Neste passo, os principais normativos são os seguintes:
a. A Lei Complementar nº 73/93 institui a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, que trata apenas das carreiras de Advogado da União e Procurador da Fazenda Nacional:
a.1) Ao cargo de Advogado da União cabe a representação judicial e extrajudicial da União, e o assessoramento jurídico dos órgãos da Administração Federal Direta do Poder Executivo (art. 131 da CRFB c/c art. 21 da Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995)
a.2) Ao cargo de Procurador da Fazenda Nacional cabe a representação judicial e extrajudicial da União na execução da dívida ativa de natureza tributária-fiscal, bem como examinar previamente a legalidade dos contratos, acordos, ajustes e convênios que interessem ao Ministério da Fazenda, fazendo seu assessoramento jurídico e de seus órgãos autônomos e entes tutelados (§3º, do art. 131, Constituição Federal e a legislação, em especial as de que tratam os artigos. 12, 13 e 38 da Lei Complementar nº 73, de 1993 e o Decreto-lei n° 147, de 3 de fevereiro de 1967)
b. A Medida Provisória nº 2048-26, convertida na Lei 10.480/2002, cria e disciplina a carreira de Procurador Federal, separando dela os Procuradores do Banco Central:
b.1) Ao cargo de Procurador Federal cabe a representação judicial e extrajudicial, consultoria e assessoramento jurídico da União, quanto às suas atividades descentralizadas a cargo de autarquias e fundações públicas, bem como a representação judicial e extrajudicial dessas entidades, inclusive a apuração da liquidez e certeza dos créditos, de qualquer natureza, inerentes às suas atividades (artigo 37 da Medida Provisória nº 2.229-43, de 6 de setembro de 2001);
b.2) Ao cargo de Procurador do Banco Central cabe a representação judicial e extrajudicial, consultoria e assessoramento jurídico do Banco Central do Brasil, bem como a representação judicial e extrajudicial dessa entidade, inclusive a apuração da liquidez e certeza dos créditos, de qualquer natureza, inerentes às suas atividades (art. 4º da Lei nº 9.650, de 27 de maio de 1998)
Como visto, as carreiras de Advogado da União e Procurador da Fazenda Nacional são tratadas na Lei Complemntar 73/93, quando sequer existia a unificação das procuradorias das autarquias e fundações públicas federais em uma única carreira a ser denominada de procurador federal.
Perecebe-se que a Medida Provisória nº 2048-26, convertida na Lei 10.480/2002, que cria e disciplina a carreira de Procurador Federal e, por via transversa, trouxe em separado a carreira de Procurador Banco Central, foi editada após advento da Lei Complentar 73/93, tornando a AGU ainda mais pulverizada, quando há muito se percebe que a unificação das carreiras é uma medida de economia, melhor gestão da coisa pública e “envolve, ainda, gestão e marketing estratégicos, na medida que viabiliza à sociedade a melhor identificação dos membros da Advocacia Pública Federal, em designação semelhante a dos Procuradores do Estado e dos Procuradores do Distrito Federal” [ii].
Pra se ter uma ideia das perdas dessa pulverização, somente a partir da Lei n. º 10.909, de 16 de julho de 2004 é que restou escrito na legislação nacional um tratamento idêntico às carreiras da AGU. Todavia, o almejado tratamento idêntico às demais funções essenciais à justiça ainda é persguido pelos membros da AGU. Vejamos o que diz os art. 2ª e 3º da Lei nº 10909/04:
Art. 2º As Carreiras de Procurador da Fazenda Nacional, de Advogado da União, de Procurador Federal, de Procurador do Banco Central do Brasil e de Defensor Público da União e os quadros suplementares de que trata o art. 46 da Medida Provisória no 2.229-43, de 6 de setembro de 2001, compõem-se de cargos efetivos, divididos em categorias, na forma do Anexo I desta Lei.
Art. 3º O posicionamento dos atuais ocupantes dos cargos a que se refere o art. 2o desta Lei dar-se-á conforme a correlação estabelecida no Anexo II desta Lei.
O constituinte de 1988 propositadamente tratou da AGU ao lado das demais funções essenciais à justiça, a fim de que fosse dado o mesmo tratamento disposto às demais. Entretanto, ao longo desses mais de 25 anos de promulgação de Constituição democrática, o órgão máximo de defesa da União não teve tratamento igualitário às demais funções essenciais à justiça, ficando à mercê da vontade do executivo.
Lamentável é pensar que até a presente data não há uma Lei Complementar que unifique ou ao menos contemple as quatro carreiras e lhes conceda a autonomia e prerrogativas necessárias ao desempenho da advocacia de estado em contraposição à advocacia de governo.
Hodiernamente, a fim de alçar o patamar constitucional que o constituinte originário lhe imputou, os membros da AGU lutam para que seus pleitos sejam aprovados no Congresso Nacional, a exemplo da PEC 443/2009 (PEC da equiparação) e da PEC 82/2007 (PEC da probidade administrativa), a percepção de honorários de sucumbência no novo projeto do novo CPC (PL 8046/2010, dentre outros.
Em suma, conquanto dúvias não pairem sobre a importância da AGU e sua essencialidade para efetivação da justiça, vê-se que a AGU ainda é uma instituição carente de lei que lhe confira autonomia e demais prerrogativas, relegada ao esquecimento, quando o assunto é exclusividade de suas funções, e ainda polarizada, possuindo, desnecessariamente, quatro estruturas, em desrespeito aos princípios da economia e eficiência do serviço público.
Referências:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 29 de outubro de 2014.
BRASIL Lei Complementar n.º 73, de 10 de fevereiro de 1993. Institui a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp73.htm. Acesso em 15 de novembro de 2014.
BRASIL. Lei 10.480, de 2 de julho de 2002. Legislação Federal. Dispõe sobre o Quadro de Pessoal da Advocacia-Geral da União, a criação da Gratificação de Desempenho de Atividade de Apoio Técnico-Administrativo na AGU – GDAA, cria a Procuradoria-Geral Federal, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10480.htm. Acesso em: 29 de outubro de 2014.
BRASIL. Medida Provisória n.º 2.229-43, de 6 de setembro de 2001. Dispõe sobre a criação, reestruturação e organização de carreiras, cargos e funções comissionadas técnicas no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2229-43.htm. Acesso em: 29 de outubro de 2014
GASTALDI, Suzana: Política Nacional de Simetria Remuneratória deve ser adotada: http://www.conjur.com.br/2014-set-19/suzana-gastaldi-politica-simetria-remuneratoria-adotada
MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 999.
MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2013;
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2010;
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012;
Notas:
Procurador Federal, pós graduado em Direito e Processo Civil pela UNICOC
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AZEVEDO, Armstron da Silva Cedrim. A formação da Advocacia-Geral da União e sua polarização em quatro carreiras Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41969/a-formacao-da-advocacia-geral-da-uniao-e-sua-polarizacao-em-quatro-carreiras. Acesso em: 22 nov 2024.
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