Com o passar dos anos, verificamos no Brasil, assim como em alguns outros países do mundo, o crescimento considerável de dois fatores importantes para o bom funcionamento da Previdência Social: o aumento da expectativa de vida do brasileiro e da informalidade nas relações trabalhistas.
Como a Previdência é regida pelo Princípio da Universalidade de participação nos planos previdenciários, esses dois fatores tem um peso muito grande no balanço entre as receitas e despesas da Previdência Social brasileira.
Diante desse cenário, tornou-se imprescindível desenvolver mecanismos que pudessem assegurar uma maior participação do trabalhador no sistema, evitando, com isso, que o segurado do Regime Geral requeresse a sua aposentadoria de maneira precoce.
Um desses mecanismos foi a criação do fator previdenciário.
Trata-se de um elemento que integra o cálculo da renda das aposentadorias por tempo de contribuição e aposentadoria por idade (em alguns casos). A fórmula considera o tempo de contribuição do segurado, sua idade e sua expectativa de vida na data do requerimento do benefício.
Dessa fórmula é extraído um número, chamado fator, que pode ser menor ou maior que 1(um), o qual é aplicado como multiplicador sobre a média contributiva do segurado e só depois desta operação é que se chega ao salário-de-benefício. Portanto, quanto menor for o fator previdenciário, menor será o valor do benefício.
A fórmula está programada para que o fator seja igual a 1(um) nos casos de segurados com 35 anos de contribuição, se homem, e 30 anos de contribuição, se mulher, ambos com 63 anos de idade. Assim, como na média o brasileiro se aposenta antes dessa idade, o fator previdenciário se torna um grande redutor no valor dos benefícios.
Em verdade, torna-se desinteressante a aposentadoria para menores de 59 anos. Com isso, o Governo incentiva o trabalho até mais tarde a fim de pagar por menos tempo o benefício previdenciário.
O fator foi previsto pela Lei 9.876/99, cujo texto alterou a Lei 8.213/91, que dispõe sobre os benefícios previdenciários do RGPS – Regime Geral de Previdência Social.
Após a criação do fator, muito se discutiu a respeito da sua constitucionalidade.
O primeiro argumento levantado questionava a possível introdução de uma idade mínima para a concessão da aposentadoria no Regime Geral.
Entretanto, essa tese é equivocada e superficial, posto que o fator previdenciário altera somente a forma como o benefício será calculado, não constituindo requisito de elegibilidade para se aposentar.
Os requisitos etários estão disciplinados no artigo 201, §7º, da CF/88, assim disposto:
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher; (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
II - sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
Outro argumento levantado pelos críticos foi de que o fator reduziria o valor da aposentadoria de parcela dos segurados que preenchessem a condição de tempo de contribuição, previsto no artigo 201, §7º da CF/88.
Também não merece prosperar, uma vez que a Constituição determina o direito ao benefício com o cumprimento do tempo de contribuição de 30 ou 35 anos, se mulher ou homem, respectivamente, além de prever que será concedida “nos termos da lei”.
É preciso ressaltar que o cumprimento das condições para se aposentar não impõe a integralidade do benefício. Pelo contrário, o fator pressupõe o atendimento ao princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, estipulado constitucionalmente no caput do artigo 201.
Por fim, não há que se cogitar o ferimento ao direito adquirido ou ato jurídico perfeito pela inovação do fator previdenciário, pois intangíveis em razão da sua inserção como cláusulas pétreas. Com isso, o fator não apresenta força retroativa, devendo ser utilizado somente sobre as aposentadorias posteriores à sua implementação.
Apesar de não restar dúvidas a respeito da sua constitucionalidade, o instituto aqui tratado merece inúmeras outras críticas.
A respeito do tema, vale a pena transcrevermos o que entende Guilherme C. Delgado[1]:
“A regra do Fator foi estabelecida para inibir a aposentadoria por tempo de serviço. Conquanto seja esse um direito previdenciário brasileiro, previsto na Constituição de 1988, há diversas pressões para alterá-lo. Na época da introdução da Lei do Fator, logo após a Reforma Constitucional da Previdência de 1998 (E. C. 20/98), argumentouse com ênfase sobre pressões fiscais e variáveis demográficas, que não mais sustentariam a aposentadoria por tempo de serviço. Mas o argumento que nos parece mais forte é o critério de risco previdenciário como justificativa da aposentadoria (idade avançada, invalidez, viuvez, acidente de trabalho etc. ), pois o tempo de trabalho ou de contribuição não significa risco previdenciário. Por essa razão, ao mudar fortemente o perfil etário da população e também a realidade fiscal da Previdência, a aposentadoria por tempo de serviço ficou debilitada no sentido ético-jurídico. Em conseqüência, surge a pressão por estabelecer idade mínima para aposentadoria, no contexto da qual é introduzida a regra do Fator.
Finalmente deve-se ponderar sobre o diferenciado alcance de uma regra de idade mínima, comparada à Lei do Fator. A primeira é clara, precisa, em geral precedida de uma regra de transição, como de resto temos hoje na aposentadoria do serviço público. Já a Lei do Fator introduziu uma fórmula que não permite ao segurado conhecer antecipadamente sua situação porque a expectativa de sobrevida de cada idade é variável, anualmente calculada pelo IBGE.
Ora, como a expectativa de sobrevida apresenta clara tendência de melhoria, a fórmula do Fator tende, a médio prazo, a aumentar a idade mínima de aposentadoria, até atingir o teto da aposentadoria por idade - 65 anos para homens e 60 anos para mulheres. Nesse entremeio, vigorariam expectativas incertas no seguro social para aqueles com tempo de contribuição já atingidos nos limites atuais.
Esse conteúdo de incerteza inerente à regra do Fator é fonte endógena de instabilidade para aplicação das normas do seguro social previdenciário. Disso decorre, segundo uma lógica estritamente securitária, a necessidade de se estabelecer seu limite. Na verdade, o limite de idade - já estabelecido em 2003 para os servidores públicos - é mais coerente com o direito previdenciário que a atual Regra de Fator para o Regime Geral da Previdência Social.”
Pelo que vimos, a tentativa de reorganizar a Previdência Social do nosso país constitui um vultoso desafio aos atuais e próximos governantes. É, sem dúvida, uma área delicada e que necessita, com urgência, de alterações significativas.
Independente da manutenção do fator previdenciário, ou de sua extinção para a adoção de outras regras, é extremamente importante prezar pela moralidade do sistema, evitando-se fraudes; estimular a maior contribuição por parte dos trabalhadores, diminuindo a informalidade; e, por fim, atuar de maneira uniforme com a situação econômico-social do país.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado, 1988.
BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 25 jul. 91.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZARRI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. Editora Conceito Editorial. 9º edição. 2008.
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. Tomo I – Noções de Direito Previdenciário. Editora LTr São Paulo. 2ª Edição. 2001.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. Custeio da seguridade social - Benefícios – Acidente do trabalho – Assistência social – Saúde. Editora Atlas. 31ª Edição. 2011.
DELGADO, Guilherme C. Avaliando o Fator Previdenciário (http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=797:catid=28&Itemid=23), Consulta feita em 18/11/2014
[1] Delgado, Guilherme C. Avaliando o Fator Previdenciário (http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=797:catid=28&Itemid=23), Consulta feita em 18/11/2014
PROCURADOR FEDERAL lotado na Procuradoria Federal em Minas Gerais, Especialista em Direito Público pela PUC/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: XAVIER, Bruno Di Fini. O Fator Previdenciário - breves considerações a respeito da sua Constitucionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41986/o-fator-previdenciario-breves-consideracoes-a-respeito-da-sua-constitucionalidade. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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