RESUMO: Este artigo trata da possibilidade de realizar a regularização fundiária e o desenvolvimento humano, sem destruir os recursos naturais renováveis, evidenciando que é perfeitamente possível conservar e proteger a floresta para garantir uma qualidade de vida melhor para todos e ao mesmo tempo assegurar a subsistência das populações tradicionais que habitam essas áreas. Busca-se demonstrar, portanto, que é possível alcançar um desenvolvimento sustentável, mediante a exploração racional da terra, a partir da coexistência equilibrada da conservação da natureza e do desenvolvimento econômico.
Palavras-chave: Equilíbrio; Proteção Ambiental; Desenvolvimento Sustentável.
1. INTRODUÇÃO:
O Estado brasileiro tem sido ao longo dos anos, voluntariamente ou não, por ação ou omissão, provavelmente o maior promotor dos conflitos no campo. E quando interfere neles como mediador, suas ações quase sempre se realizam em dois sentidos simultâneos e opostos: alimentando a desigualdade social e concentrando a terra, bem como a riqueza das classes e grupos no poder.
Neste diapasão, a política de incentivos fiscais na Amazônia teve um grande impacto nos conflitos de terra, uma vez que desencadeou a especulação das terras, provocando os efeitos perversos das disputas pela terra na região. Nos anos 60, 70 e 80 era comum as vendas de uma mesma propriedade para compradores diferentes; a falsificação de documentação ampliando a terra e mesmo a “confecção” de títulos de propriedade e certidões; a grilagem; etc.
Constata-se hoje que os procedimentos burocráticos na prática favorecem as classes hegemônicas, facilitam a acumulação de capital por elas, em detrimento das demais. Restou apenas um mecanismo de acesso à terra pelos trabalhadores: a ocupação de uma terra qualquer e a resistência à expulsão.
Outrossim, entende-se o conflito como o fato resultante da resistência dos grupos subordinados ao desapossamento, à violência e exclusão social movidos contra eles pelo Estado e pelas classes privilegiadas da sociedade. O conflito é uma reação à falta de condições minimamente necessárias e dignas para o exercício cotidiano de trabalho e vida desses grupos atingidos. Ademais, o conflito é uma manifestação do aumento da consciência de classe no interior da sociedade e em relação com os demais grupos.
Diante desse quadro, defende-se a denominada posse agroecológica, uma nova forma jurídica que não se limita à defesa do uso tradicional da terra, pois possibilita a criação de novos padrões de legitimidade a fim de apresentar uma alternativa para compor os conflitos de terra, respeitando a forma peculiar como as populações tradicionais utilizam a terra.
Tal discurso jurídico alia-se à chamada exploração racional da terra, que envolve dois princípios constitucionais complementares: desenvolvimento humano e proteção ambiental.
No Brasil, a origem do conceito sobre área protegida teve por base as ideias preservacionistas (até a década de 80). Contudo, atualmente a realidade brasileira exige uma adequação desses paradigmas de outrora, com vistas a respeitar o princípio do desenvolvimento sustentável.
Assim, a conservação da diversidade biológica e a cultural devem caminhar juntas, destacando-se o importante papel que as populações tradicionais têm na conservação da biodiversidade na floresta tropical brasileira.
2. AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E AS COMUNIDADES TRADICIONAIS:
O debate sobre a interferência humana na área protegida tem levado a dois extremos antagônicos: a visão “cientificista” e a visão “preservacionista”.
Os princípios conservacionistas inspiraram o legislador pátrio a desenvolver leis que objetivam preservar áreas selvagens que não sofreram a ação humana. Entretanto, a realidade brasileira demonstra que não existe uma área selvagem, que nunca foi objeto de ocupação pelo homem.
Pelo contrário, estudos demonstram que a biodiversidade da Amazônia ocorre justamente pela integração do homem na natureza, vez que esse é o agente responsável pelo transporte de espécies de um lugar para o outro.
Desse modo, é imprescindível que o homem que habita a floresta há anos seja ali mantido afinal não é a sua atividade que provoca o desmatamento, por exemplo, mas sim a realização de atividade que não respeitam a vocação natural do local, sendo necessário, portanto, que os legisladores incorporem esse povo tradicional no objetivo de conservação da floresta.
A Lei 9.985/2000 representou um grande avanço sobre as legislações vigentes, vez que regulamentou os objetivos nacionais de conservação da natureza e criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Entretanto, o veto presidencial do seu art. 56 foi negativo, tendo em vista que impediu uma maior flexibilidade com relação a presença de populações tradicionais em áreas protegidas classificadas como de Proteção Integral, o que inviabilizou a própria conservação desse tipo de unidade, pois agora são poucos os mecanismos jurídicos existentes para solucionar o intrusamento de unidade de conservação em áreas de populações tradicionais. Atualmente, o tratamento das populações tradicionais nessas áreas depende de uma regulamentação do art. 42 desta lei. [1]
Nesse diapasão, vale ressaltar que somente a presença dos moradores dentro das áreas de proteção ambiental não é suficiente para assegurar a integridade da área, é necessário também: o acesso à terra e aos recursos naturais com vistas a melhorar a vida dos moradores, levando em consideração seu apossamento (posse agroecológica); o Plano de Manejo; a atualização do conceito de povos tradicionais; e o conhecimento da relação entre a diversidade biológica e cultural.
Em outras palavras, pode-se dizer que o meio ambiente é a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. Essa interação busca assumir uma concepção unitária do ambiente abarcando tanto os recursos naturais como os culturais e os artificiais.
Apesar de a Constituição Federal brasileira de 1988 proteger esses três aspectos do meio ambiente (natural, artificial e cultural), a política governamental existente nos dias de hoje de criação de uma área protegida, equivocadamente, não considera todos esses aspectos.
No entanto, sendo as áreas protegidas importantes instrumentos para a política de conservação do meio ambiente brasileiro, a sua criação deve necessariamente observar os recursos naturais, artificiais e culturais, destacando-se, neste último aspecto, a importância das populações tradicionais dentro de uma área protegida, já que a coexistência equilibrada desses recursos tem uma finalidade de relevante interesse público: a conservação da natureza.
Desse modo, esse fim (conservação da natureza) deverá estar inscrito no ato de criação da unidade de conservação em contratos que se estabelecerão entre o órgão público e a população beneficiada, nos quais constarão as formas de uso e manejo dos recursos naturais, que não poderão contrariar os objetivos do ato que criou a área ambiental.
Segundo a Constituição brasileira, o dever de defender e preservar o meio ambiente é uma obrigação do Estado, dos indivíduos e da coletividade e um dos instrumentos legais que a Administração possui para defender, proteger e preservar o bem público é a criação de espaços protegidos.
Nesse ponto, destaca-se que as Unidades de Conservação são espécies desses espaços territoriais especialmente protegidos, possuindo um regime jurídico mais restritivo.
A proteção das Unidades de Conservação (UC) objetiva: conservar os sistemas de sustentação da vida fornecida pela natureza; conservar a diversidade do planeta; e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais renováveis. Para tanto, é necessária a consulta à sociedade, mediante audiências públicas e consulta direta, especialmente às comunidades atingidas, como forma de legitimar a criação dessas unidades de conservação, bem como a presença das populações tradicionais nestas áreas naturais protegidas.
As Unidades de Conservação possuem natureza de bem ambiental de interesse público, não sendo simplesmente um bem público. Ademais, elas podem ser de uso sustentável ou de proteção integral[2] e também podem ser classificadas em pública, privada ou mista.
Vale destacar que existem alguns instrumentos para tornar efetiva a criação das Unidades de Conservação, com o intuito de implementar seus objetivos, quais sejam: plano de ação emergencial; plano operativo anual; plano de manejo; zoneamento da unidade; e área de entorno.
Acrescente-se, ainda, que a reserva extrativista constitui uma forma de regularização fundiária apropriada às formas tradicionais pelas quais os seringueiros utilizam a terra, podendo ser definida simultaneamente como área de conservação e de produção, uma vez que a exploração dos recursos naturais depende de plano adequado de manejo.
Por fim, ressalve-se que, além das Reservas Extrativistas, é possível regularizar as áreas com potencialidades extrativistas através de Projetos de Assentamento Agroextrativistas (PAE), onde também é possível ocorrer a conservação de recursos naturais e o manejo sustentável por populações tradicionais, pois há interesse ecológico e social na criação desses projetos.
5. CONCLUSÃO:
A criação de uma Unidade de Conservação (com exceção, por óbvio das Unidades de Conservação de Proteção Integral, que não permitem a permanência de populações tradicionais em seu interior) serve como instrumento não só para a política de conservação do meio ambiente brasileiro, mas também como um instrumento de defesa dos atributos culturais das populações tradicionais que habitam a floresta.
Por isso, a participação das comunidades tradicionais nessas áreas de conservação é imprescindível, pois eles têm conhecimentos milenares da utilização dos recursos daquela terra em que se encontra inserida.
Assim, no momento em que o Poder Público reconhece o direito da população tradicional a sua terra, dentro de uma área protegida, está afirmando também que aquele grupo social tem uma finalidade de relevante interesse público a cumprir, qual seja: a conservação do meio ambiente.
Por fim, é importante ter em mente que a criação de uma Unidade de Conservação não pode se restringir às informações do meio físico, devendo ficar ciente dos processos sociais, econômicos e culturais que existem na área a ser protegida, haja vista que o meio ambiente é uma concepção unitária, um todo composto por recursos naturais, artificiais e culturais.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno. Universalização e Localismo: Movimentos Sociais e Crise dos Padrões Tradicionais de Relação Política na Amazônia, In A Amazônia e a Crise da Modernização Org. Maria Ângela d´Incao e Isolda Maciel da Silveira. ICSA/UFPA: Belém, 2009.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Lei 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1°, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências.
BENATTI, José Heder. Posse Agroecológica e Manejo Florestal. Curitiba: Juruá, 2003.
LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. Amazônia: Estado, homem e natureza. Belém: CEJUP, 2004.
[1] Art. 42. As populações tradicionais residentes em unidades de conservação nas quais sua permanência não seja permitida serão indenizadas ou compensadas pelas benfeitorias existentes e devidamente realocadas pelo Poder Público, em local e condições acordados entre as partes. (Regulamento)
§ 1o O Poder Público, por meio do órgão competente, priorizará o reassentamento das populações tradicionais a serem realocadas.
§ 2o Até que seja possível efetuar o reassentamento de que trata este artigo, serão estabelecidas normas e ações específicas destinadas a compatibilizar a presença das populações tradicionais residentes com os objetivos da unidade, sem prejuízo dos modos de vida, das fontes de subsistência e dos locais de moradia destas populações, assegurando-se a sua participação na elaboração das referidas normas e ações.
§ 3o Na hipótese prevista no § 2o, as normas regulando o prazo de permanência e suas condições serão estabelecidas em regulamento.
[2] O Plano de Manejo do Parque Nacional do Jaú (PNJ) é um exemplo de uma Unidade de Conservação de Proteção Integral que incorporou as populações tradicionais na implantação e gestão da unidade, preservando a natureza e respeitando os direitos destas populações envolvidas.
Procuradora Federal; Mestre em Constitucionalismo, Filosofia e Direitos Humanos (UFPA), Especialista em Direito Processual: Grandes Transformações pela Rede de Ensino LFG, e; Especialista em Direito Previdenciário pela Rede de Ensino LFG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEVY, Karine de Aquino Câmara. A importância da participação das comunidades tradicionais em unidades de conservação para o alcance do desenvolvimento sustentável Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41991/a-importancia-da-participacao-das-comunidades-tradicionais-em-unidades-de-conservacao-para-o-alcance-do-desenvolvimento-sustentavel. Acesso em: 22 nov 2024.
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