É escopo do presente trabalho analisar a juridicidade da pretensão de inclusão do adicional de 25% previsto pelo artigo 45 da Lei 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social) a benefícios distintos da aposentadoria por invalidez, para o qual o referido acréscimo foi previsto.
Quem milita na esfera previdenciária ou simplesmente está mais atento ao que se divulga em redes sociais já deve ter se deparado com artigos ou postagens afirmando que qualquer aposentado que necessite da assistência de terceiros teria direito a um adicional de 25% sobre seu beneficio previdenciário. O desejo de incremento de renda é naturalmente compreensível, mas é preciso esclarecer que a tese anunciada carece de respaldo legal e constitucional.
O ponto de partida da celeuma reside na previsão contida no já referenciado artigo 45 da Lei de Benefícios, o qual dispõe:
Art.45. O valor da aposentadoria por invalidez do segurado que necessitar da assistência permanente de outra pessoa será acrescido de vinte e cinco por cento, observada a relação constante do Anexo I, e:
I - devido ainda que o valor da aposentadoria atinja o limite máximo legal; e
II - recalculado quando o benefício que lhe deu origem for reajustado.
Parágrafo único. O acréscimo de que trata o caput cessará com a morte do aposentado, não sendo incorporado ao valor da pensão por morte.
A leitura da lei já deixa claro que a previsão do referido adicional se circunscreve aos aposentados por invalidez que necessitem da assistência permanente de outra pessoa e já seria suficiente para se receber a auspiciosa tese de que qualquer aposentado teria direito a um adicional cum granosalis.
O estudo das características próprias dos direitos previdenciários, ademais, sepultaria de vez a pretensão de dilatação de tal adicional a outros benefícios, por meio de analogia ou de interpretação extensiva, conforme se verá.
O direito previdenciário é ramo do direito público, de modo que nesta seara, o princípio da legalidade implica que somente pode ser feito aquilo previsto em lei. Assim, naturalmente não poderá a previdência conceder qualquer benefício – ou o seu adicional – caso inexista previsão legal neste sentido. Portanto, como inexiste previsão legal para a concessão do referido adicional de 25% aos titulares de benefício diverso da aposentadoria por invalidez, ofende a legalidade o deferimento deste adicional a quem, por exemplo, seja aposentado por tempo de serviço ou por idade.
Assim dispõe a Constituição da República:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Ao conceber a estrutura geral da seguridade social, a Constituição de 1988 previu a partir de seu artigo 194 um sistema:universal; de benefícios uniformes e equivalentes para populações urbanas e rurais; seletivo e distributivo nos benefícios e serviços prestados, cujo valor seria irredutível; com diversidade de base de financiamento e de equidade na forma de participação e custeio e de caráter democrático e descentralizado.
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
I - universalidade da cobertura e do atendimento;
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;
V - eqüidade na forma de participação no custeio;
VI - diversidade da base de financiamento;
VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
Por tais objetivos, divisa-se o caráter contributivo e deve ser destacada, para os fins do presente estudo, a característica seletiva e distributiva dos benefícios e serviços.
Por seletividade compreende-se que diante da limitação de recursos financeiros do Estado, é necessário eleger quais prestações a Previdência será capaz de oferecer diante da ampla variedade de riscos sociais a que expostos os segurados do regime. Assim, a legislação seleciona quais os riscos sociais (morte, idade avançada, recolhimento à prisão, etc.) ensejarão o pagamento de benefícios e em quais condições. Em outras palavras, é necessário selecionar quais os benefícios e serviços melhor atenderão os objetivos da seguridade social, dada a limitação de recursos. Já a distributividade é o objetivo do sistema previdenciário pelo qual são apontados os indivíduos que deverão ser protegidos pelo sistema previdenciário com prioridade.
Portanto, o caráter seletivo e distributivo do regime serve de limitação ao ideal de universalidade pelo qual deve-se buscar promover o acesso ao maior número possível de benefícios, a fim de debelar a maior quantidade possível de riscos.
Cabe ao legislador eleger quais as carências sociais que poderão ser enfrentadas pela malha protetiva previdenciária e as condições em que os segurados poderão usufruir dos benefícios e serviços, diferentemente do que se passa, por exemplo, com o direito à saúde, que é prestado indistintamente.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
A primeira conclusão a que se chega, a partir da leitura do artigo 194, é que o objetivo de universalidade é equilibrado pelo ideal de seletividade e distributividade das prestações.
Prosseguindo no desenho constitucional da seguridade social, foi prevista pelo parágrafo 5o do artigo 195 a necessidade de prévia fonte de custeio para que sejam criados, majorados ou estendido os benefícios ou serviços previdenciários:
§ 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
A necessidade de prévia fonte de custeio para a ampliação das prestações previdenciárias está intimamente ligada à necessidade de se preservar o equilíbrio atuarial, pelo qual a oferta das prestações previdenciárias é precedida de um estudo estatístico que considera as fontes de custeio, o universo de prováveis beneficiários, sua expectativa de vida e outras variáveis que precisam ser sopesadas para que o sistema possa existir ao longo de gerações, com equilíbrio entre as receitas e dispêndio. Cuida-se de um dever da Administração, insculpido no artigo 201 da Constituição:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
O regime previdenciário é contributivo, e a concessão do adicional ao arrepio da lei e sem a previsão da fonte de custeio para o seu pagamento põe em risco o equilíbrio das contas e, em última análise, retira recursos dos segurados com direitos legítimos.
Diante de tais características do sistema previdenciário, já é possível concluir que o adicional de 25% de que trata o artigo 45 da Lei 8.213/91 foi previsto apenas para os aposentados por invalidez, e apenas àqueles que necessitem da assistência permanente de outra pessoa. Não é possível a extensão de tal adicional aos demais segurados que fruem outros tipos de beneficio, pois, além da ausência de previsão legal neste sentido, estar-se-ia ofendendo as disposições constitucionais contidas nos artigos 195, § 5o e 201, os quais preceituam que não serão criados, majorados ou estendidos os benefícios previdenciários sem a prévia fonte de custeio e que o sistema previdenciário deve ser organizado de modo a preservar-se o equilíbrio financeiro e atuarial.
Equilíbrio financeiro é o controle equânime das receitas e das despesas, de modo que não haja gastos superiores àqueles previstos no orçamento público. Tal providência colima evitar “rombos”, distorções no regime geral previdenciário.
Equilíbrio atuarial, por seu turno, é boa proporção entre a estatística, que investiga problemas relacionados com o cálculo de seguros na sociedade e o montante de despesas da previdência social. Essa medida, oriunda da Emenda Constitucional n. 20/98, foi tomada para que não sejam excedidas as fontes de custeio. Decerto, seria inviável extrapolar os meios financeiros que cobrem os gastos havidos com bens, serviços, prestações e administração da própria previdência. (Bulos, 2012).
Por fim, cumpre notar que o Judiciário tampouco deveria conceder o adicional previsto pelo artigo 45 da Lei 8.213/91 aos titulares de outros benefícios, pois ao agir assim, estaria atuando como legislador positivo, o que é vedado pelo princípio da separação dos poderes.
Com efeito, ao Poder Judiciário é dado atuar como legislador negativo, o que ocorre quando se determina a não aplicação de uma norma reputada inconstitucional. Porém, não cabe a este poder ampliar direitos inexistentes, sob pena de invasão da competência do Poder Legislativo e afronta ao artigo 2o da Constituição, o qual prescreve a harmonia e independência dos Poderes da República.
Não se trata, sequer, de reconhecimento de um direito pelo exercício da analogia ou da aplicação do princípio da isonomia.
A situação da pessoa que se aposenta por invalidez é notavelmente distinta do indivíduo que logra alcançar a aposentadoria por tempo de serviço ou por idade. A aposentadoria por invalidez, não raro, ocorre em idade precoce ou em decorrência de doença de evolução veloz, tomando o segurado de surpresa. Cuida-se de uma aposentadoria em razão de um caso fortuito. Já aqueles que se aposentam por idade ou por tempo de contribuição têm a condição de escolher o momento de passar à inatividade e tiveram toda a vida laboral para construir seu patrimônio. Portanto, ainda que venham a desenvolver doenças durante a velhice, sua situação é distinta dos aposentados por invalidez, o que impede o recurso à analogia. Não há lacuna na lei, mas opção legislativa por contemplar apenas uma espécie de segurado. Há, em realidade, um silêncio eloquente do legislador, que não desejou (nem previu recursos) que este adicional fosse fruído por qualquer segurado necessitado da assistência permanente de terceiros. Portanto, não haveria emprego de analogia, mas modificação da norma existente para fazê-la incidir a uma hipótese não contemplada na legislação.
Tampouco há falar em extensão do adicional com base no direito ao tratamento isonômico pela mesma razão: a situação do aposentado por invalidez é distinta dos demais aposentados do regime geral de previdência social.
Ao densificar o direito constitucional à aposentadoria por meio da Lei 8.213/91, o Legislativo ponderou as possibilidades do erário com o direito à aposentadoria, sendo que a opção legislativa foi a de apenas prever o adicional de acompanhante para os aposentados por invalidez. Admitir-se que o Judiciário substitua esta escolha, estendendo o benefício a outros segurados rompe o equilíbrio entre poderes e representa inadmissível intromissão de um poder sobre outro e desnatura o caráter excepcional da norma.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BULOS, UadiLammêgo. Curso de direito constitucional. 7a ed. São Paulo: Saraiva, 2012
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 13a ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 10a ed. São Paulo: Editora Método, 2006.
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-Graduada em Direito pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOLLERO, Barbara Tuyama. Da inconstitucionalidade da concessão do adiconal de 25% previsto no art. 45 da Lei 8.213/91 a benefícios distintos da aposentadoria por invalidez Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41993/da-inconstitucionalidade-da-concessao-do-adiconal-de-25-previsto-no-art-45-da-lei-8-213-91-a-beneficios-distintos-da-aposentadoria-por-invalidez. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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