Introdução
Da necessidade de proteger o homem conferindo-lhe seu devido valor surge o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, direcionado a que o indivíduo tenha sustentáculo protetivo contra situações humilhantes, degradantes e discriminatórias.
Assim, cresce a necessidade de proteção social aos indivíduos que precisam de uma atuação do Estado, para que possam ter seus direitos resguardados em determinadas situações de infortúnio.
A partir da evolução social foram surgindo os direitos fundamentais e como decorrência os direitos sociais, que são os direitos à saúde, à assistência social, ao trabalho, à educação, à previdência, à seguridade, entre outros.
Assim, sob influência de uma tendência originada na Europa, as raízes da Seguridade Social começam a ser implantadas em nosso país.
Posta a premissa, o presente artigo fará uma análise em torno do surgimento da Seguridade Social e de sua importância para como meio de proteção social ao indivíduo, através da Previdência Social, da Assistência Social e da Saúde.
Surgimento da Seguridade Social Como Política Pública
Com a evolução dos direitos sociais e o surgimento do Estado contemporâneo, observou-se a necessidade de proteção das pessoas que de alguma forma ficassem impossibilitadas de manter a si e a sua família através de sua atividade laboral. Derivam disso as primeiras preocupações do Estado com a proteção previdenciária do trabalhador, tendo sido fortemente influenciadas pelas manifestações dos trabalhadores em busca de melhores condições de trabalho e subsistência. Deve-se ressaltar que, antes dessa preocupação estatal, os direitos dos trabalhadores eram assegurados apenas pela relação contratual, sem que houvesse qualquer intervenção por parte do Estado. [1]
A proteção social visa atender a determinadas necessidades individuais, que, se não forem observadas, repercutem sobre os demais indivíduos e, consequentemente, sobre a sociedade em especial, gerando outros problemas sociais.
Inicialmente, a defesa do trabalhador em relação aos riscos no exercício de suas atividades e a perda da sua capacidade de trabalhar eram supridas pela assistência da caridade individual. Essa situação foi alterada com as manifestações oriundas da Revolução Industrial, onde se obteve um considerável avanço em matéria de proteção ao trabalhador, reconhecendo a responsabilidade solidária da sociedade em relação aos incapacitados. [2]
Devido ao não oferecimento de proteção social por parte do Estado, os trabalhadores, ao se depararem com situações de dificuldade, não possuíam nenhuma segurança, ficando à mercê da ajuda e de contribuições de outras pessoas.
Com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, houve uma mudança no conceito de proteção ao trabalhador, fazendo com que aqueles que dependiam da ajuda de outrem, passassem a ter a proteção do Estado, com o reconhecimento de um direito subjetivo, qual seja, o da Seguridade Social.
Uma nova política social surgiu na Europa com a criação de um ordenamento jurídico que garantiria um seguro onde os trabalhadores teriam direito a uma renda em caso de incapacidade laboral, idade avançada, doença ou falta de capacidade ou à pensão por morte, que seriam devidos aos seus dependentes, desde que houvesse contribuições por parte do empregador. Além do seguro, os trabalhadores passaram a ter direito à proteção nas relações contratuais que possuíam com seus empregadores. A partir dessas mudanças ocorridas na Europa, passou a existir uma nova visão de política social, deixando para trás aquele caráter assistencialista, criando as bases para o surgimento da Previdência Social no Brasil. [3]
A Seguridade Social No Ordenamento Jurídico Pátrio E Seus Segmentos
Como um reflexo das mudanças sociais havidas no continente europeu o ordenamento jurídico pátrio passou a prever a Seguridade Social como direito social de competência privativa da União que se efetiva através da iniciativa dos poderes públicos em conjunto com a sociedade, tendo como objetivo garantir mínimas condições sociais para uma vida mais digna. A Seguridade Social inclui a Saúde, a Previdência Social e a Assistência Social. [4]
Importante destacar o papel que deve ser desempenhado pelo Legislativo e pelos demais órgãos estatais buscando atender aos anseios da sociedade, elaborando leis que, além de conterem um enunciado social, criem mecanismos favoráveis à aplicação dessas normas, para que não ocorra a existência de uma lei sem a produção dos efeitos desejados. Vale salientar, ainda, que o conteúdo dessas leis deve ter por base as finalidades a que se destina a Seguridade Social. Nesse sentido vale ressaltar que “a Seguridade Social não só atende à reparação como também se destina a métodos de prevenção e recuperação para que possa o sujeito retornar à situação em que se achava anteriormente ao estado de necessidade”.[5]
Como já citado anteriormente, um dos segmentos da Seguridade Social é a Saúde, que deve ser prestada pelo ente público de forma gratuita. Mesmo que haja uma parceria do ente público com entes privados, essa prestação ainda será gratuita.
Outro aspecto importante que deve ser mencionado no que diz respeito à Saúde é que essa prestação gratuita deve ser oferecida sem levar em conta a contribuição ou não do paciente à Seguridade Social. Além disso, por seu caráter universal, não admite que haja discriminação de pacientes, com base em critério de renda. [6]
Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho
“As ações e serviços de saúde são considerados de relevância pública, devendo essas ações de serviços públicos de saúde serem integradas numa rede regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único.”[7]
Nesse contexto, como afirma Fábio Ibrahim:
“A saúde não é exclusividade do Poder Público, podendo as instituições privadas participar de forma complementar do Sistema Único de Saúde, (SUS) segundo diretrizes deste, mediantes contratos de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.” [8]
Embora não seja o foco do estudo urge registrar evidente o descaso em que se encontra a saúde pública brasileira, com falta de medicamentos, leitos disponíveis, profissionais capacitados, material de trabalho, além da péssima infraestrutura hospitalar. Somados a esses fatores já mencionados, estão a má aplicação do dinheiro público, assim como o constante desvio de verbas, concorrendo com o agravamento das condições da prestação da saúde pública.
Outra vertente da Seguridade Social é a Previdência Social, que pode ser pública ou privada. A primeira é mantida por pessoa jurídica de direito público, com natureza institucional e de filiação compulsória. Já a segunda é mantida por pessoa jurídica de direito privado, não sendo obrigatória a filiação. Vale ressaltar que cabe aos entes da Federação de forma concorrente a elaboração de leis sobre a Previdência Social. O Regime Geral de Previdência Social foi instituído pela Lei nº 8.213/91, regulamentada pelo Decreto nº 3.048/99 e é gerido por uma autarquia federal, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
A Previdência Social é o principal meio de realização da Seguridade Social. Esta é, conforme a Convenção OIT n.102, de 1952, a proteção que a sociedade proporciona a seus membros, mediante uma série de medidas públicas contra as privações econômicas e sociais que, de certa forma, derivam do desaparecimento ou em forte redução de sua subsistência como consequência de enfermidade, maternidade, acidente de trabalho ou enfermidade profissional, desemprego, invalidez, velhice e também a proteção em forma de assistência médica e ajuda às famílias com filhos.
A Previdência Social no Regime Geral da Previdência é um seguro público, coletivo, compulsório através de contribuições que tem o intuito de aparar riscos sociais. Ocorrendo um risco social que afaste o trabalhador da sua atividade laborativa, caberá então à Previdência Social a manutenção do segurado e de sua família. [9]
A competência para apreciar e solucionar lides de natureza previdenciária, onde figure o INSS no pólo passivo, é da Justiça Federal, exceto nas ações de acidente de trabalho. Nas localidades em que não houver vara da Justiça Federal, as ações previdenciárias serão julgadas pela Justiça Estadual. Caso seja impetrado recurso, este será analisado pelo respectivo Tribunal Regional Federal. [10]
Também faz parte da Seguridade Social a Assistência Social, sendo esta regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS de nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, a qual disciplina a forma pela qual os necessitados terão direito a esses benefícios.
As prestações oferecidas pela Assistência Social podem ser na forma de benefícios e serviços. O primeiro deles se subdivide em: prestações continuadas e prestações eventuais. [11]
A Assistência Social é uma política social desenvolvida pelo Estado, realizada de forma gratuita, podendo ser definida como um direito social fundamental através do qual o Estado oferece condições mínimas de sobrevivência para uma existência digna às classes sociais menos favorecidas, visando atender às necessidades básicas do indivíduo, sendo a Assistência Social um dever do Estado.
Todos os entes da Federação possuem competência para legislar sobre a Assistência Social, sendo esta financiada através de parcelas orçamentárias provenientes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios e por meio do recolhimento das contribuições elencadas no artigo 195 da Constituição Federal de 1988. [12]
Anteriormente, a Assistência Social era estudada em conjunto com a Previdência Social, não existindo uma legislação específica. A Assistência Social teve suas origens na assistência pública onde o Estado deveria garantir condições mínimas de sobrevivência digna para aqueles que não tivessem condições de se manter por meio de seu próprio trabalho e nem com a ajuda da família. A Assistência Social é prestada tanto por entidades particulares como por entidades estatais.[13]
Porém, só em 1988 a Assistência Social foi elevada à categoria de política pública. A concepção de doação, caridade, favor, bondade e ajuda que, tradicionalmente, caracterizou essa ação reproduz usuários como pessoas dependentes, frágeis, vitimizadas, tuteladas por entidades e organizações que lhes “assistiam” e se pronunciavam em seu nome.
A Constituição Federal de 1988 traz uma nova concepção para a Assistência Social brasileira. Incluída no âmbito da Seguridade Social como política social pública, a Assistência Social inicia seu trânsito para um campo novo: o campo dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade estatal.
A LOAS cria uma nova matriz para a política de Assistência Social, inserindo-a no sistema do bem-estar social brasileiro concebido como campo da Seguridade Social, configurando o triângulo juntamente com a Saúde e a Previdência Social. Assim, “como finalidade, a assistência tem por objeto específico o socorro, a ajuda e o amparo ao homem em suas necessidades vitais. Na assistência, estamos diante daqueles que se encontram alcançados pelo máximo de exclusão social”. [14]
Porém muitos ainda confundem a assistência social com clientelismo, assistencialismo, caridade ou ações pontuais, que nada têm a ver com políticas públicas e com o compromisso do Estado para com a sociedade.
A finalidade da Assistência Social é alcançar aquelas pessoas que não são beneficiadas pela Previdência Social. Dessa forma, o objetivo dos serviços e dos benefícios assistenciais é a prestação de assistência às pessoas sem aptidão para se manter pelos meios tradicionais, enquanto perdurar a incapacidade provisória ou de forma definitiva. O Estado, através de assistentes sociais, deve fazer avaliações periódicas para constatar a permanência da hipossuficiência. [15]
A Constituição Federal prevê, em seu art. 203, que a Assistência Social tem como objetivos: a proteção à família, maternidade, infância, adolescência e velhice; amparo às crianças e adolescentes carentes; integração ao mercado de trabalho; habilitação e reabilitação dos deficientes, promoção da integração à vida comunitária, bem como a garantia de salário mínimo ao deficiente e ao idoso, desde que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida pela família. [16]
A nova concepção de Assistência Social como direito à proteção social, direito à Seguridade Social tem duplo efeito: o de suprir sob dado padrão pré-definido um recebimento e o de devolver capacidade para maior autonomia. Nesse sentido, ela é aliada ao desenvolvimento humano e social e não tuteladora ou assistencialista, ou ainda tão só provedora de necessidades.
Contudo, a consolidação da Assistência Social como política pública e direito social ainda exige o enfretamento de importantes desafios. A IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em dezembro de 2003, em Brasília /DF, apontou como principal deliberação a construção e implementação do Sistema Único de Assistência Social - SUAS - requisito essencial da LOAS para dar efetividade à Assistência Social como política pública. [17]
O Sistema Único de Assistência Social - SUAS - é um sistema público não contributivo, descentralizado e participativo que tem por função a gestão do conteúdo específico da Assistência Social no campo da proteção social brasileira.
Conclusão
Deste modo, é inegável a evolução dos direitos sociais no que concerne a proteção do indivíduo, tendo sido de fundamental importância a criação da Seguridade Social como meio desta efetivação.
No entanto, ressalta-se que muito embora já tenha havido melhoras significativas na vida do trabalhador acometido por infortúnios, como morte, invalidez, e outros riscos sociais, por meio da Seguridade Social, em suas três ramificações, Previdenciária, Assistencial e Saúde, cada vez mais deve se buscar a melhora das condições sociais do indivíduo com a sua proteção e defesa de sua dignidade devendo ser assegurado seu real valor.
[1] CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 8ª. ed. Florianópolis: Conceito, 2007, p. 32.
[2] CASTRO; LAZZARI, op. cit., p.33.
[3] CASTRO; LAZZARI, op. cit., p.36.
[4] TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 5 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 01.
[5] CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha. Curso de Direito da Seguridade Social. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 97.
[6] TAVARES, M., op. cit., p. 09.
[7] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 31ª. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 370.
[8] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 12ª. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 09.
[9] TAVARES, M., op. cit., p. 20.
[10] HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 6ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 463.
[11] TAVARES, M., op. cit., p. 10.
[12] TAVARES, M., op. cit., p.11.
[13] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 24ª. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 482.
[14] CORREIA, M.; CORREIA, E., op. cit., p. 18.
[15] MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários à Lei Básica da Previdência Social. 7 ªed. São Paulo: LTR, 2006, p.41.
[16] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília: Senado, 1988.
[17] POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – PNAS, aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social por intermédio da Resolução n 145, de 15 de outubro de 2004, e publicada no Diário Oficial da União – DOU do dia 28 de outubro de 2004. Brasília: 2005. p. 13.
Advogado integrante da Equipe Trabalhista da Bulhões e Bulhões Advocacia, localizada na cidade de Maceió/AL, mas com atuação em todo o país.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GAMA, Tiago Rodrigues Leão de Carvalho. A seguridade social como política de proteção ao indivíduo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42007/a-seguridade-social-como-politica-de-protecao-ao-individuo. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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