Introdução
A Previdência Social visa não só a proteção previdenciária daqueles que efetivamente contribuem para a seguridade, os segurados, mas também das pessoas que dele dependem diretamente, os dependentes. Daí poder-se afirmar que ambos são beneficiários da Previdência Social.
O segurado adquire o seu direito pelo exercício de atividade remunerada vinculada ao RGPS ou mediante contribuição direta para a previdência social. O dependente tem seu direito subordinado à verificação da qualidade de segurado daquele ao qual se vincula, na data do implemento do evento juridicamente previsto.
Por certo que não são todos os dependentes do segurado que fazem jus à proteção previdenciária no âmbito do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, mas apenas aqueles enumerados taxativamente na lei de benefícios da previdência social.
O presente trabalho restringir-se-á ao estudo do dependente inválido, o qual está envolto em questões atinentes principalmente à delimitação intertemporal da proteção conferida pela legislação previdenciária a tal categoria. Até que ponto o limite etário e o instituto civil da emancipação poderiam influir na concessão ou cessação de benefícios em relação a essa categoria de dependente.
Especificamente quanto ao assunto que será abordado, a doutrina é bastante reduzida, limitando a generalidade dos manuais de direito previdenciário à transposição da definição legal, sem adentrar no estudo pormenorizado do tema.
Certamente que não há espaço no presente trabalho para o esgotamento do estudo acerca do assunto, mas buscarei trazer à discussão algumas das questões que o envolvem e, principalmente, qual seria, na minha visão, a melhor interpretação a ser dada aos dispositivos legais que regem a matéria.
1. Dos dependentes
São chamados beneficiários indiretos do Regime Geral de Previdência Social, em função do modo pelo qual adquirem o direito à proteção previdenciária, já que para auferirem o benefício dependem do implemento do aspecto material do suporte fático da norma jurídica. Por outro lado, do ponto de vista da percepção do benefício, são beneficiários diretos, já que os benefícios lhe são concedidos diretamente, até mesmo contra a própria vontade do segurado. A pensão por morte e o auxílio-reclusão são benefícios que só podem ser auferidos pelos dependentes.
Marina Vasques Duarte[1]ensina com especial clareza a situação da proteção conferida ao dependente pelo sistema de previdência.
“Dependente é aquele que está vinculado (protegido) pelo instituto de previdência de forma reflexa, em razão de seu vínculo com o segurado. Depende diretamente do direito do titular (segurado). A partir do momento que este deixa de manter qualquer relação com o regime geral (p. ex. perda da qualidade de segurado), o dependente deixa de estar sob o manto da proteção previdenciária.”
Certo é que nem todo aquele que de alguma forma mantém alguma relação com o segurado é seu dependente para fins da proteção previdenciária.
Daí que é importante estabelecer as diferenças entre a dependência para fins previdenciários das demais situações legais que conferem proteção entre uma pessoa e outra, como é o caso da relação de dependência para fins de imposto de renda e a dependência prevista na lei civil. Segundo esta última prescreve nos artigos 1.696 e 1697, o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, na falta destes aos descendentes, observada a ordem de sucessão, e ainda, na falta destes, aos irmãos.
A relação jurídica havida entre o dependente e o segurado da previdência social, apesar de visar a proteção da pessoa em estado de necessidade, é de caráter previdenciário e não assistencial. Isto porque não é só a relação de parentesco, ou até mesmo de dependência, que faz nascer o direito à percepção dos benefícios previdenciários.
Consoante estabelece o artigo 16 da Lei n. 8.213/1991, na redação dada pela Lei n. 9.032/1995, há três classes de dependentes. São elas:
I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
II – os pais;
III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido.
Veja-se que todos os dependentes enumerados têm relação de parentesco para com o segurado, porém nem todos têm direito simultâneo à percepção dos benefícios, já que em havendo dependentes habilitados na classe anterior, os da classe seguinte estarão definitivamente excluídos.
Além disso, no tocante ao aspecto econômico, o legislador estabeleceu que a dependência é presumida para a classe “I” e deve ser comprovada para as demais.
1.1 Dependente inválido
Considerando o foco do presente estudo, interessa-nos apenas os incisos I e III, do artigo 16, da Lei 8213/91, os quais dizem respeito ao filho ou irmão do segurado, especificamente quando inválidos.
A proteção previdenciária do dependente inválido, seja filho ou irmão, vem sendo conferida pela legislação previdenciária há muito tempo. Pelo menos desde a vigência da Lei n. 3807/1960, a chamada Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, o dependente inválido é alçado à condição de beneficiário da previdência social.
Especificamente no tocante ao tema em estudo, a redação conferida pela legislação, desde a LOPS até a vigente redação do artigo 16 da Lei 8213/1991, é praticamente a mesma.
A par do disposto na legislação vigente, não se questiona o direito do dependente inválido, filho ou irmão do segurado, desde que a invalidez seja anterior ou simultânea à ocorrência do evento gerador do benefício (óbito ou reclusão) e o requerente não tenha completado a idade de 21 anos ou se emancipado até a data da invalidez. Ou ainda, também é pacífico o direito do dependente inválido, tido como tal antes de completar a idade de 21 anos, ainda que o evento gerador do direito ao benefício ocorra posteriormente.
Nesta situação, se a invalidez foi constatada antes de perder a qualidade de dependente, ou seja, o requerente não era civilmente emancipado e possuía idade inferior a 21 anos, em ocorrendo o fato gerador, fará jus ao benefício por tempo indeterminado, enquanto persistir a incapacidade.
Todavia, o entendimento não é da mesma forma tranqüilo quando se trata de pessoa que tornou-se inválida quando já havia completado a idade de 21 anos ou encontrava-se emancipado por alguma das formas previstas na legislação civil.
A situação se apresenta com duas correntes de entendimento antagônicas.
Uma primeira corrente, com a qual se junta o professor João Ernesto Aragonés Viana[2], a condição de dependente deve-se dar no momento da ocorrência do fato gerador que enseja o direito à percepção do benefício previdenciário e, portanto, pouco importa que a invalidez tenha sido constatada antes ou após a idade limite ou emancipação do requerente. Como para esta corrente o que importa é que a constatação da incapacidade seja anterior à ocorrência do fato gerador, é de se concluir que para os seus adeptos não há que se falar em perda da qualidade de dependente antes da ocorrência do evento jurídico que enseja o direito ao benefício. Ou, pelo menos, admitem que ainda que o dependente tenha perdido esta condição, poderá reavê-la se restar comprovado que se encontra inválido na data do óbito do instituidor.
No mesmo sentido, porém com fundamentação diversa, o douto Sérgio Pinto Martins[3] ensina que:
“O inválido, mesmo que seja irmão ou filho emancipado, será considerado dependente, pois a condição contida nos incisos I e III do art. 16 da Lei n° 8.213 é alternativa, ou seja, qualquer inválido, mesmo sendo emancipado.”
Para uma segunda corrente, a idade limite e a emancipação do dependente acarretam na perda desta condição perante a previdência social, e consequente exclusão do manto de proteção previdenciária, sem possibilidade de retorno. Ou seja, segundo este entendimento o dependente inválido somente fará jus ao benefício previsto na lei se a incapacidade for constatada antes do implemento da idade limite ou de eventual emancipação por alguma das possibilidades previstas na lei civil. O fundamento consiste em que a idade e a emancipação acarretam na perda da condição de dependente e, uma vez perdida esta condição, não há como reavê-la em função de fato posterior, no caso a constatação da invalidez.
Neste sentido é a conclusão dos mestres Eduardo Rocha Dias e José Leandro Monteiro de Macedo[4].
“Assim, entendemos que o filho e irmão, ao completarem 21 anos ou se emanciparem, perdem a qualidade de dependentes, não voltando a assumir essa condição caso a invalidez ocorra após a emancipação ou após o implemento da idade de 21 anos.”
A par das correntes de pensamento apresentadas, a divergência desponta-se principalmente pela aceitação ou não da possibilidade de após haver perda da condição de dependente perante a previdência social, por ter atingido o limite etário ou ocorrido a emancipação na forma da lei civil, recuperar a condição de dependente no momento da ocorrência do evento gerador do direito à percepção do benefício previdenciário, por ter-se tornado inválido.
A questão passa, portanto, pela definição do momento em que deve ser verificada a condição de dependente e não da incapacidade, como tem sustentado aqueles que defendem a possibilidade de concessão do benefício àquele que se tornou inválido após a idade limite prevista na lei previdenciária.
É o que passo a tratar a seguir.
2. Do direito à proteção previdenciária
Não se discute que as condições para a concessão dos benefícios previdenciários, em geral, devem ser verificadas no momento da ocorrência do fator gerador que enseja o direito à proteção previdenciária (morte, idade, tempo de contribuição, prisão, etc). Definido este momento saberemos qual a lei a ser aplicada e, consequentemente, as condições legalmente estabelecidas para a concessão do benefício.
Apesar do artigo 22, do Decreto 3048/1999, na redação dada pelo Decreto 4079/2002, estabelecer que a inscrição do dependente será promovida quando do requerimento do benefício a que tiver direito, o dependente existe perante a previdência social independentemente da ocorrência do fato gerador que enseja a proteção previdenciária.
De fato, o filho do segurado não se torna dependente com a morte do pai ou mãe. Pelo contrário, ele é dependente desde que nasceu. Da mesma forma, um cônjuge é dependente do outro desde a celebração do casamento.
Trouxe estes esclarecimentos para mostrar que a condição de dependente para fins previdenciários é anterior à ocorrência do fato gerador do direito ao benefício.
Quando o inciso I, do artigo 16, da Lei 8213/91 estabelece que o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido é beneficiário do RGPS na condição de dependente, ao mesmo tempo está afirmando que se o filho é maior de 21 anos ou emancipado, e encontra-se válido, ele não é dependente perante a previdência social. Daí que não é preciso que ocorra o evento gerador do direito ao benefício para se verificar que o filho deixou de ser dependente. Basta que ele atinja a idade limite para perder tal condição.
O Decreto 3.048/1999, no seu artigo 17, especifica pormenorizadamente os fatos pelos quais o dependente deixa de sê-lo.
Argumenta-se que o decreto teria transposto o alcance do estabelecido no comando da Lei 8.213/1991, ou seja, que teria dito mais do que o que estabelece a lei, extrapolando o poder seu regulamentar.
Não entendo que o decreto tendo estabelecido algo que não consta da lei. Na verdade, ele fez o que todo decreto deve fazer, regulamentar o comando legal, no caso o artigo 16 da Lei 8.213/1991.
Quando o decreto estabelece que perde a qualidade de dependente o filho e o irmão, de qualquer condição, ao completarem vinte e um anos de idade, salvo se inválidos, desde que a invalidez tenha ocorrido antes de completarem vinte e um anos de idade; do casamento; do início do exercício de emprego público efetivo; da constituição de estabelecimento civil ou comercial ou da existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria; ou da concessão de emancipação, pelos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos, ele nada mais fez do que especificar as formas de emancipação previstas na lei civil. Portanto, não disse nada além do que estabelece o artigo 16 da Lei 8213/91.
Daí que carece de coerência com o ordenamento jurídico a afirmação de que a condição do dependente inválido deve ser averiguada no momento da ocorrência do fato gerador que dá ensejo ao benefício previdenciário.
Isto porque se o dependente perde esta condição por ter atingido a idade limite ou se emancipado, a invalidez verificada posteriormente não tem o condão de restituir a sua condição de dependente, antes perdida pelo advento de fato previsto na lei.
Assim, o que deve ser verificado no momento da ocorrência do fato gerador é a existência de dependentes habilitados à concessão do benefício, ou seja, que não perderam esta condição pelas formas previstas na lei.
Por fim, tal critério enquadra-se perfeitamente no princípio da seletividade, que exige a eleição de critérios para a concessão e manutenção de benefícios no RGPS.
Conclusão
A exigência de que a constatação da invalidez seja anterior à idade limite de 21 anos ou à emancipação tem sentido na medida em o sistema previdenciário espera que a partir da ocorrência de tais fatos a pessoa passe a estar sob o manto da proteção previdenciária, não como dependente de outrem, mas na condição de segurado, contribuindo para a manutenção e fortalecimento da previdência social.
Daí que, no tocante ao dependente inválido, a melhor interpretação que se pode dar aos dispositivos contidos na legislação previdenciária é aquela adotada pelo INSS, segundo a qual o filho ou o irmão inválido maior de 21 anos somente figurarão como dependentes do segurado se restar comprovado em exame médico-pericial, cumulativamente, que a incapacidade para o trabalho é total e permanente; que a invalidez é anterior à eventual causa de emancipação civil ou anterior à data em que completou 21 anos e, por fim, que a invalidez manteve-se de forma ininterrupta até a ocorrência do evento gerador do direito ao benefício.
Fora disso, a pessoa inválida estará acobertada por eventual benefício de aposentadoria por invalidez, se de alguma forma prevista na lei detinha a qualidade de segurada da previdência social; fará jus ao benefício assistencial ao portador de deficiência, desde que se enquadre nos requisitos legais; e, por último, terá direito à prestação de alimentos, na forma prevista nos artigos 1.696 e 1.697 do Código Civil.
Por fim, é de se concluir que a invalidez não é requisito para a concessão de benefício ao dependente, mas requisito para ser habilitado como dependente.
Referências
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Procurador Federal em exercício na Procuradoria Federal em Minas Gerais, órgão da Advocacia-Geral da União - AGU; Pós-graduado em Direito Público, com ênfase em Direito Previdenciário; 10 anos de atuação na área de Direito Previdenciário, na defesa do INSS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARDOSO, Edmilson Márcio. O dependente inválido no Regime Geral de Previdência Social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42024/o-dependente-invalido-no-regime-geral-de-previdencia-social. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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