1. Introdução
Ainda hoje a questão da (des)necessidade de prévio requerimento administrativo é discutida por muitos operadores do direito e objeto de constantes julgados. Assim, o presente artigo pretende, de maneira breve, abordar o entendimento jurisprudencial atual sobre o tema.
2. Falta de Interesse de agir por ausência de prévio requerimento administrativo
Nos termos do artigo 3° do Código de Processo Civil, “para propor ou contestar ação é necessário ter interesse”.
Caso não haja o referido interesse, haverá carência de ação, pois a parte não possui legítimo motivo para estar em juízo.
Como esclarece Ovídio Baptista, “trata-se, aqui, do que a doutrina chama de ‘interesse processual’, que não coincide com o interesse que tem, no plano do direito material, o respectivo titular do diretito. O legítimo interesse de agir, a que se refere o art. 3° do CPC, define-se como a necessidade que deve ter o titular do direito de servir-se do processo para obter satisfação de seu interesse material, ou para, através dele, realizar seu direito”[1].
Nessa esteira, é antiga a discussão a respeito da necessidade do processo judicial, quando a parte autora não requer administrativamente seu alegado direito, antes de ajuizar ação.
Isso porque, a ausência de prévia provocação da Administração Pública, nos casos em que a satisfação do direito do administrado depende de conduta sua, indica, de plano, que em verdade, o litígio judicial é inútil, uma vez que não há qualquer resistência ao direito alegado.
Assim, faltaria, em tais hipóteses, interesse de agir da parte autora, o que culminaria com a extinção do feito sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil.
Ocorre que frequentemente é alegado que a exigência de prévio requerimento administrativo viola o princípio do livre acesso ao Judiciário, esculpido no artigo 5°, XXXV da Constituição Federal.
Tal discussão faz com que os tribunais pátrios profiram decisões sistemáticas sobre o tema, razão pela qual, após prolongada oscilação jurisprudencial, os Tribunais Superiores, se manifestaram no intuito de pacificar a questão.
Primeiramente, o Superior Tribunal de Justiça alterou seu posicionamento, passando a exigir o requerimento administrativo como condição à propositura da ação judicial, de forma a gerar efetivo interesse processual.
Frise-se o entendimento do Ministro Herman Benjamin da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator no REsp 1310042/PR, quanto a necessidade do requerimento administrativo:
“A pretensão nesses casos carece de qualquer elemento configurador de resistência pela autarquia previdenciária. Não há conflito. Não há lide. Não há, por conseguinte, interesse de agir nessas situações. O Poder Judiciário é a via destinada à resolução dos conflitos, o que também indica que, enquanto não houver resistência do devedor, carece de ação aquele que judicializa sua pretensão. A questão que considero relevante nessa análise é que o Poder Judiciário está assumindo, ao afastar a obrigatoriedade de prévio requerimento administrativo, atividades de natureza administrativa, transformando-se – metaforicamente, é claro – em agência do INSS”. [1]
O julgado paradigma do novo posicionamento assim foi ementado:
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CONCESSÓRIA DE BENEFÍCIO. PROCESSO CIVIL. CONDIÇÕES DA AÇÃO. INTERESSE DE AGIR (ARTS. 3º E 267, VI, DO CPC). PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE, EM REGRA. 1. Trata-se, na origem, de ação, cujo objetivo é a concessão de benefício previdenciário, na qual o segurado postulou sua pretensão diretamente no Poder Judiciário, sem requerer administrativamente o objeto da ação. 2. A presente controvérsia soluciona-se na via infraconstitucional, pois não se trata de análise do princípio da Inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF). Precedentes do STF. 3. O interesse de agir ou processual configura-se com a existência do binômio necessidade-utilidade da pretensão submetida ao Juiz. A necessidade da prestação jurisdicional exige a demonstração de resistência por parte do devedor da obrigação, já que o Poder Judiciário é via destinada à resolução de conflitos. 4. Em regra, não se materializa a resistência do INSS à pretensão de concessão de benefício previdenciário não requerido previamente na esfera administrativa. 5. O interesse processual do segurado e a utilidade da prestação jurisdicional concretizam-se nas hipóteses de a) recusa de recebimento do requerimento ou b) negativa de concessão do benefício previdenciário, seja pelo concreto indeferimento do pedido, seja pela notória resistência da autarquia à tese jurídica esposada. 6. A aplicação dos critérios acima deve observar a prescindibilidade do exaurimento da via administrativa para ingresso com ação previdenciária, conforme Súmulas 89/STJ e 213/ex-TFR. 7. Recurso Especial não provido. (REsp 1310042/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 28/05/2012) (Grifei).
Seguindo a mesma linha, em agosto de 2014, o Superior Tribunal Federal deu provimento parcial ao Recurso Extraordinário n° 631240, com repercussão geral reconhecida, considerando não haver interesse de agir do segurado que não tenha protocolado seu requerimento administrativo junto ao INSS, pois a obtenção do benefício depende de uma postulação ativa:
Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR.
1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo.
2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas. (...)
No julgamento do referido o Ministro Luiz Fux frisou que a inexistência do prévio requerimento administrativo tornaria não demonstrada a lesão a que se refere a Constituição (art. 5º, XXXV), exigível para propiciar o acesso à Justiça. O Ministro Gilmar Mendes, por sua vez, observou que a Constituição proibiria as disposições legais de obstaculizarem o exercício de direito, mas não as impediria de disciplinar a matéria. Lembrou o alto índice de judicialização do País, a qual poderá ser diminuída com a exigência do prévio requerimento administrativo. No mesmo sentido, o Ministro Celso de Mello sintetizou que não ofenderia o direito fundamental ao processo ou a cláusula constitucional da inafastabilidade da proteção judicial efetiva, em situações de dano atual ou iminente a determinada prerrogativa jurídica, a estipulação e observância das condições da ação, requisitos mínimos de admissibilidade do exercício legítimo desse direito.
Diante deste paradigma, fica claro que a exigência de prévio requerimento administrativo, antes de ofender a Carta Magna, pode ser considerada necessária até mesmo para a preservação do princípio da separação de poderes, uma vez que ao Executivo deve ser dada a oportunidade de realizar as políticas públicas conferidas pela Constituição Federal.
3. Considerações Finais
Após, longo período de discussão sobre a matéria e muitas mudanças de entendimento, finalmente, parece ter sido uniformizado o entendimento sobre a efetiva necessidade de prévio requerimento administrativo para a caracterização do interesse de agir, imprescindível para o julgamento do mérito das ações ajuizadas contra a Administração Pública.
Com efeito, as decisões mais recentes do STJ e do STF consideram o prévio requerimento administrativo como condição para o regular exercício do direito de ação.
Tal entendimento, além de estar de acordo com a Constituição Federal, terá o efeito de evitar milhares de processos desnecessários, o que, inclusive, se coaduna com o Princípio da Eficiência.
[1] CONJUR. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-mai-31/judiciario-nao-agencia-inss-ministro-herman-benjamin-voto Acesso em: 14 de junho de 2012.
[1] SILVA. Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil, Volume 1: processo de conhecimento. 7ª ed., rev. e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 92.
Procuradora Federal desde novembro 2007. Chefe de Divisão de Gerenciamento da Dívida Ativa da Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria-Geral Federal de 2009 a 2010. Ex-Procuradora do Estado do Rio Grande do Sul. Especialista em Direto Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIZZI, Ângela Onzi. Necessidade de prévio requerimento administrativo: entendimento jurisprudencial atual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42025/necessidade-de-previo-requerimento-administrativo-entendimento-jurisprudencial-atual. Acesso em: 22 nov 2024.
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