RESUMO: O objetivo do presente artigo é discutir o entendimento consolidado na Súmula 734 do Supremo Tribunal Federal que impede o manejo da reclamação constitucional contra decisão transitada em julgado.
Palavras-chave: Reclamação constitucional. Decisão transitada em julgado.
1. Introdução
É verdade que a reclamação não se submete a prazo para o seu exercício, o que inclusive constitui argumento incisivo para afastar a natureza recursal deste instrumento constitucional.
Contudo, o Pretório Excelso fixou entendimento de que “não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal” (Súmula 734). Ou seja, o Colendo Tribunal estabeleceu um limite temporal à reclamação no caso de desacato: o trânsito em julgado da decisão que desobedeceu a sua autoridade.
A doutrina, todavia, vem tecendo críticas contra a Súmula 734, sendo este o objeto da análise a seguir.
2. Breve análise do enunciado e fundamentos para o exame crítico
Com a preocupação de não torná-la um instrumento substitutivo da ação rescisória, o Supremo Tribunal Federal mantém firme o entendimento de que não cabe a reclamação contra decisão judicial transitada em julgado.
Neste sentido, registrem-se os seguintes precedentes:
“(...) o STF somente admite a reclamação nos casos de processos sem trânsito em julgado, ou seja, com recurso ainda pendente." (Rcl 909-AgR, Rel. p/ o ac. Min. Nelson Jobim, julgamento em 9-9-2004, Plenário, DJ de 27-5-2005.)
“A existência de coisa julgada impede a utilização da via reclamatória. Não cabe reclamação, quando a decisão por ela impugnada já transitou em julgado, eis que esse meio de preservação da competência do STF e de reafirmação da autoridade decisória de seus pronunciamentos – embora revestido de natureza constitucional (CF, art. 102, I, e) – não se qualifica como sucedâneo processual da ação rescisória. A inocorrência do trânsito em julgado da decisão impugnada em sede reclamatória constitui pressuposto negativo de admissibilidade da própria reclamação, que não pode ser utilizada contra ato judicial que se tornou irrecorrível.” (Rcl 1.438-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 28-8-2002, Plenário, DJ de 22-11-2002.) [1]
Significa que a recorribilidade, na linha traçada pela jurisprudência do mais alto tribunal do País, constitui pressuposto para o ajuizamento da reclamação, muito embora não obste o seu julgamento, conforme já se decidiu:
"Trânsito em julgado no curso do processo da reclamação. Inaplicabilidade da Súmula 734. (...) Admite-se reclamação contra decisão que só transitou em julgado após seu ajuizamento." (Rcl 5.821-ED, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 14-10-2009, Plenário, DJE de 26-3-2010.) No mesmo sentido: Rcl 8.934-ED, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 1º-12-2011, Plenário, DJE de 1º-2-2012.
Há contundentes críticas, entretanto, a respeito da posição adotada pelo STF, destacando-se aquela segundo a qual a “coisa julgada [...] não pode servir de fundamento para que uma decisão nula de instância ordinária [...] prevaleça com eficácia no mundo real, sem que as cortes superiores possam fazer valer sua decisão ou preservar sua competência”.[2]
Afinal, o desrespeito à decisão do STF ou do STJ, conforme o caso, também implica ofensa à sua própria coisa julgada. Ora, no caso de conflito entre duas coisas julgadas, “prevalece a primeira, porque a segunda nem chegou a se formar ou, no mínimo, ofendeu a primeira coisa julgada, sendo inconstitucional (CF 1º, caput e 5º XXXVI) e ilegal (CPC 267 V, 301 VI, 471, 485 IV)”.[3]
Na verdade, a reclamação, antes de figurar como sucedâneo da ação rescisória, cumpriria o papel de defender a eficácia da coisa julgada da decisão da corte desrespeitada. Em especial, porque não se trata de qualquer decisão desacatada, mas daquela proveniente dos órgãos de cúpula do Poder Judiciário, isto é, do guardião da Constituição Federal e do tribunal responsável pela uniformização da legislação federal infraconstitucional.
Outrossim, cabe recordar que na reclamação o tribunal “condena o ato à ineficácia total, sem reformá-lo e mesmo sem anulá-lo [...]”. Significa que a procedência da reclamação “[...] importa negação do poder do órgão inferior para realizá-lo”[4]. Assim, diversamente da ação rescisória, a procedência da reclamação não implica desconstituir a coisa julgada, mas desprovê-la de seus efeitos, a fim de preservar a autoridade da Suprema Corte ou do Superior Tribunal de Justiça. Destaque-se que, no processo de reclamação,
o pedido imediato é o de que seja proferida uma decisão de caráter mandamental, suficiente para rechaçar a afronta praticada, caracterizadora do desacato ou da usurpação. Quanto ao pedido medito, seu conteúdo é o de que seja suprimido o desacato, para que tenha eficácia a decisão anteriormente proferida, [...].[5]
É dizer, portanto, que a reclamação não implica tecnicamente a rescisão da sentença transitada em julgado, mas apenas incita o respeito à autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Se as Cortes de superposição decidem alguma questão, a eficácia dessa decisão deve ser assegurada imediatamente, ainda que tenha havido trânsito em julgado do ato jurisdicional que a desacatou. Trata-se de preservar, em última análise, a credibilidade da instituição do Poder Judiciário no exercício de suas mais graduadas funções.
De qualquer modo, o entendimento sumulado – e isto nos parece óbvio – não constitui empecilho à propositura da reclamação para impor respeito à decisão transitada em julgado. Absolutamente, não é isso que se quer afirmar com a Súmula nº 734 do STF. Assim, se o Pretório Excelso, a título de exemplo, dá provimento a Recurso Extraordinário, cujo acórdão vem a transitar em julgado, é perfeitamente viável a reclamação contra juiz de primeiro grau que proceda na execução de forma diversa do que restou julgado pela Corte. A súmula, isto sim, visa a impedir que a reclamação seja proposta “como meio de desfazer, reformar, cassar, modificar decisão transitada em julgado, pois, nesse caso, estaria fazendo as vezes de uma ação rescisória”[6], com o que não compactuamos, conforme se procurou demonstrar.
3. Conclusão
Por todo o exposto, o trânsito em julgado não deve constituir óbice à reclamação constitucional, porque a finalidade deste instrumento não é a desconstituição da decisão emanada de outro órgão jurisdicional, mas a preservação da autoridade da mais alta Corte do País e da autoridade do tribunal qualificado para a uniformização da interpretação da legislação federal. Assim, a decisão judicial, ainda que transitada em julgado, não pode desrespeitar o domínio da coisa julgada do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, sob pena de pôr em risco a credibilidade do próprio Poder Judiciário.
[1] No mesmo sentido: Rcl 8.714-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 6-10-2011, Plenário, DJE de 10-11-2011; Rcl 4.200-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 16-9-2009, Plenário, DJE de 16-10-2009; Rcl 4.702-AgR, Rcl 4.793-AgR, Rcl 5.838-AgR e Rcl 7.410-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 16-9-2009, Plenário, DJE de 2-10-2009; Rcl 5.718-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 20-8-2009, Plenário, DJE de 11-9-2009; Rcl 2.090-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 1º-7-2009, Plenário, DJE de 21-8-2009; Rcl 4.706-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 30-8-2007, Plenário, DJ de 21-9-2007; Rcl 2.017, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 28-8-2002, Plenário, DJ de 19-12-2002.
[2] SANTOS, Alexandre Moreira Tavares dos. Da reclamação. Revista dos Tribunais, v. 92, n. 808, p. 121-166, jan./fev. 2003, p. 136.
[3] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. rev.,ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 683.
[4] DINAMARCO, Cândido Rangel. A reclamação no processo civil. In: _______. Nova era do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 198.
[5] MORATO, Leonardo L. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. Prefácio Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 142.
[6] CUNHA, Leonardo José Caneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 5. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: DIALÉTICA, 2007. p. 496.
Procurador Federal desde 2010, atualmente em exercício junto à Procuradoria-Seccional Federal de Caxias do Sul-RS. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CALLEGARI, Artur Henrique. Análise crítica da Súmula 734 do Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42050/analise-critica-da-sumula-734-do-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 22 nov 2024.
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