Sumário: Introdução; 1. O tombamento; 2. O tombamento de bens públicos é de mão dupla?; Considerações finais; Referências bibliográficas.
Introdução
O presente artigo tem por objetivo discorrer, em breve síntese, sobre o tombamento, tratando da discussão específica, na hipótese de tombamento de bens públicos, de ser possível falar em via de mão dupla. Isto é, seria possível Município tombar bens do Estado ou da União ou o Estado tombar bens da União. Ou seria possível apenas falar em tombamento “de cima para baixo”?
No decorrer do texto, será analisado sucintamente o tombamento, para então adentrar na discussão acima apresentada, apontando os posicionamentos jurídicos existentes.
Com isto, espera-se fornecer elementos que ajudem a melhorentender o tema de direito administrativo consistente no tombamento e a relevante discussão travada acerca da possibilidade mútua de tombamento de bens públicos.
1. A intervenção estatal na propriedade e o tombamento
O direito de propriedade não é absoluto, podendo ser limitado/restringido ou até eliminado/suprimido, para atendimento do interesse público, nas condições previstas na Constituição da República (CR/88) e nas leis do país (ex. Decreto-lei 25/1937). Ademais, propriedade que se pretende protegida precisa respeitar sua função social. A respeito do tema, vide os artigos 5°, incisos XXII e XXIII, 182, §4°, 184, 243, entre outros, da CR/88.
No ponto, cumpre mencionar que o Estado dispõe de diversas modalidades de intervenção na propriedade, sendo uma supressiva (desapropriação) e as demais restritivas: servidão administrativa, requisição, ocupação temporária, limitações administrativas e tombamento, tema do nosso breve estudo.
Segunda a doutrina[1]: “Inspirado na tradição portuguesa, o ordenamento pátrio utilizou a expressão tombar, que significa registrar, inventariar ou inscrever bens nos arquivos do Reino (‘Livro do Tombo’), guardados na Torre do Tombo em Portugal.”
Aqui, cumpre trazer à tona conceito do tombamento e exemplificação de sua aplicação prática, para o que se recorre à novamente à doutrina:
“O tombamento é a intervenção estatal restritiva que tem por objetivo proteger o patrimônio cultural brasileiro. Exemplos de bens tombados pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional): Centro Histórico de Salvador; conjunto arquitetônico e paisagístico da Pampulha e de Outo Preto (Minas Gerais); Casa de Gilberto Freyre (Recife); Estação da Luz (São Paulo); Corcovado, Estádio Maracanã, Morro do Pão de Açúcar e conjunto arquitetônico e paisagístico de Parati (Rio de Janeiro).”
Pois bem. O tombamento é instrumento colocado à disposição do Estado brasileiro, como mecanismo protetivo do patrimônio cultural brasileiro, consoante previsão contida no art. 216, da CR/88.
Após estas breves linhas, que permitiram um conhecimento básico do instituto do direito administrativo chamado tombamento, chega o momento de se adentrar em uma discussão tratada pelos estudiosos da matéria, acerca da possibilidade ou não, de Município tombar bens do Estado ou da União ou o Estado tombar bens da União. Será que só é possível falar em tombamento “de cima para baixo”?
Este será o objeto do tópico seguinte.
2. O tombamento de bens públicos pode ser feito mutuamente ou apenas “de cima para baixo”?
A possibilidade de se tombar bens públicos está prevista no art. 5°, do Decreto-lei 25/1937 (Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.):
“Art. 5º O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se fará de ofício, por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, afim de produzir os necessários efeitos.” (g.n.)
Ademais, o artigo 23, III, da CR/88, inclui o tombamento como instituto cuja promoção pode ser efetivada por todos os entes federados (competência comum).
A questão é: Município pode tombar bens estaduais e federais? O Estado pode tombar bem federal? Ou apenas é possível se falar em tombamento de bens municipais por Estados e União? E bens estaduais pela União?
O tema é controverso e possuem duas correntes distintas[2].
A primeira corrente advoga a tese de que não seria possível o tombamento, por exemplo, de bens federais e estaduais por Municípios, eis que se aplicaria por analogia o disposto no art. 2°, §2°, do Decreto Lei 3.365/41 que impede essa via “de baixo para cima” em relação à desapropriação, baseando-se na lógica da supremacia de interesse: primeiro o nacional (União), depois o regional (Estados) e, só então, o local (Municípios). Defendendo esta posição, o consagrado doutrinador José dos Santos Carvalho Filho.
Por outro lado, uma segunda corrente sustenta a possibilidade de se tratar o tombamento como sendo de mão dupla, ou seja, possibilidade do tombamento entre entes federados indistintamente. Para tanto, alegam que a previsão constante no art. 2°, §2°, do Decreto Lei 3.365/41 possui constitucionalidade duvidosa ao criar uma hierarquia entre os entes federados, sendo certo ainda que se trata de norma específica/excepcional relacionada à desapropriação e, como tal, deve ser interpretada restritivamente, e não ampliativamente. Ademais, o exercício de uma ponderação de interesses entre as normas constitucionais em conflito (art. 18 – princípio federativo e art. 216, §1° - proteção do patrimônio cultural) aponta que a permissão ao tombamento de “mão dupla” é a posição que melhor salvaguarda os valores constitucionalmente tutelados. No sentido ora defendido, posiciona-se o STJ.
Ora, por meio do entendimento permissivo do tombamento mútuo de bens públicos, reforça-se o princípio federativo, ao não criar uma hierarquia entre os entes federados constitucionalmente não prevista, sendo certo que o tombamento não retirada o bem da propriedade do ente detentor do bem tombado. De igual modo, permite uma mais ampla proteção do patrimônio cultural nacional, o que restaria enfraquecido com a adoção da tese sustentada pela primeira corrente.
Transcreve-se abaixo, julgado do STJ a corroborar o acima exposto:
ADMINISTRATIVO – TOMBAMENTO – COMPETÊNCIA MUNICIPAL.
1. A Constituição Federal de 88 outorga a todas as pessoas jurídicas de Direito Público a competência para o tombamento de bens de valor histórico e artístico nacional.
2. Tombar significa preservar, acautelar, preservar, sem que importe o ato em transferência da propriedade, como ocorre na desapropriação.
3. O Município, por competência constitucional comum – art. 23, III –, deve proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos.
4. Como o tombamento não implica em transferência da propriedade, inexiste a limitação constante no art. 1º, § 2º, do DL 3.365/1941, que proíbe o Município de desapropriar bem do Estado.
5. Recurso improvido.(RMS 18.952/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/04/2005, DJ 30/05/2005, p. 266) (g.n.)
Nesse contexto, salta-se aos olhos como mais adequado o entendimento perfilado pela segunda corrente, com a qual nos filiamos.
Considerações finais
Como se pôde perceber, nas linhas acima, o direito à propriedade não é absoluto, podendo ser restringido ou suprimido pelo Estado brasileiro nas hipóteses previstas constitucional e legalmente.
Uma das formas possíveis de intervenção do estado na propriedade é o tombamento, por meio do qual se restringe o direito de propriedade, nas hipóteses em que se busca efetivar o preceito constitucional estampado no seu art. 216, para fins de promoção da proteção do patrimônio cultural nacional.
Em seguida, tratou-se de discussão relacionada ao tombamento de bens públicos, consistente na possibilidade ou não de se falar em via de mão dupla, isto é, seria possível Município tombar bens do Estado ou da União o tombamento apenas se daria “de cima para baixo”?
Como se pode perceber, há divergência de entendimentos jurídicos, um apontando para a impossibilidade e outro para a possibilidade do tombamento no sentido “de baixo para cima”. Concordamos com a posição permissiva, por considerar ser a que melhor se adequa às finalidades constitucionais de preservação da federação e da defesa mais efetiva do patrimônio cultural.
Portanto, com este breve artigo, espera-se ter fornecido elementos hábeis a permitir uma melhor compreensão do tombamento e da discussão, no que toca aos bens públicos, quanto à (im)possibilidade de sua aplicação indistinta em relação aos entes federados.
Bibliografia
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. 2ª. Ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2014.
[1] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. 2ª. Ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2014. Pág. 533.
[2]Conflito apresentado por OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Ob. Cit. Págs. 535/536.
Procurador Federal e Professor de Processo Civil da Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS). Pós-graduado em Direito Público (UnB/AGU), em Direito da Economia e da Empresa (Fundação Getúlio Vargas - FGV) e em Relações Internacionais (Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRAGA, Bruno César Maciel. O Tombamento de Bens Públicos: via de mão dupla? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42054/o-tombamento-de-bens-publicos-via-de-mao-dupla. Acesso em: 26 nov 2024.
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