INTRODUÇÃO
Ninguém gosta de acordar com barulho de reforma, querer ver televisão e só ouvir crianças brincando ou ainda ter que trabalhar ou estudar enquanto o filho do vizinho toma aulas de bateria.Mas essas são situações que encontramos facilmente em condomínios.
A proibição do mau uso da propriedade visa resguardar a segurança, o sossego e a saúde dos vizinhos. O problema é o subjetivismo dos conceitos envolvidos, como veremos mais adiante.
As regras devem estar na convenção ou regulamento interno, porém o bom senso, muitas vezes, deve falar mais alto.
DESENVOLVIMENTO
O proprietário de um apartamento deve utilizar a sua unidade e as áreas comuns do edifício obedecendo às normas de boa vizinhança, não só para resguardar a saúde, o sossego e a segurança dos seus vizinhos de prédio, mas também de modo a não prejudicar o proprietário do imóvel situado, por exemplo, ao lado do condomínio.
Waldir de Arruda Miranda Carneiro ilustra com perfeição o termo sossego:
“O sossego protegido pelo Código concerne ao estado de quietação necessário ao descanso, repouso ou à concentração do homem comum. Trata-se pois, da ausência de ruídos ou vibrações que possam causar incômodo, interferindo no trabalho ou no descanso a que todos temos direito. “
Na prática, a coisa não é tão simples quanto parece. O que para uns incomoda, para outros não traz transtorno algum. Logo, na análise dos problemas de vizinhança, existem vários fatores a serem considerados para que se possa encontrar uma solução.
Assim, o desafio do aplicador da Lei é distinguir entre o que é uso nocivo da propriedade e o que é encargo normal de vizinhança, pois para este último não deve existir sanção, e a linha divisória entre ambos é bastante tênue. No caso de condomínios, os conflitos são analisados de forma diferenciada. O limite de suportabilidade de incômodos num edifício deve ser maior do que numa rua de casas térreas em virtude das particularidades construtivas, da proximidade dos imóveis e da conseqüente relação jurídica especial da qual fazem parte os condôminos.
A situação conta com um agravante nos condomínios mais modernos: Os tipos de materiais empregados pelos construtores e as técnicas modernas de construção, que tem como objetivo maior a redução dos custos da obra, através da utilização de materiais mais leves e da construção de paredes e lajes mais finas do que antigamente.
Tal solução, embora financeiramente interessante, traz à tona um novo problema: A extrema facilidade com a qual um ruído qualquer, proveniente de uma apartamento, é percebido num outro.
Não raro, o fato de o morador do apartamento de cima simplesmente andar de sapatos pode causar incômodo ao apartamento de baixo. Um moderno sistema de som e televisão (“home theater”), que é fonte de lazer para a família, acaba sendo um suplício para o vizinho ao lado. Isso sem falar nos casais mais animados, que têm seus momentos de intimidade tornados públicos em virtude de construções possuidoras de “paredes que falam”. E, na prática, a grade questão é determinar até que ponto existe uso normal e legítimo da propriedade ou se existe abuso de direito.
Existem leis sobre o assunto, tanto federais, estaduais como municipais, civis e penais. É de se ressaltar especialmente o previsto na Constituição Federal, quais sejam os aspectos da função social da propriedade: privação de certas faculdades; criação de várias condições, pelas quais o proprietário exerce seus poderes; obrigação de exercer certos direitos elementares ao domínio.
Dispõe o Código Civil acerca do assunto:
"Art. 1.336. São deveres do condômino:
(...)IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes."
O barulho, no entanto, deve ser diverso da normalidade (deve ser verificado de acordo com as circunstâncias que se deram: por exemplo, se ocorreu em data festiva – carnaval, ano novo – ou dia útil, se foi em horário noturno ou na hora do rush, se ocorreu no interior do apartamento ou em via pública, etc.). Caracterizado o barulho excessivo, é possível, portanto, requerer, na esfera cível, a sua cessação como também a indenização por eventuais danos sofridos.
Consigne-se que o barulho não pode ser qualquer um. Deve ultrapassar o mero aborrecimento, do homem médio, por isso, excessivo. Deve ser uma circunstância anormal que, diante da gravidade do ilícito, venha causar incômodo às pessoas próximas (vizinhos/moradores, visitantes, trabalhadores, etc.) do local.
O Código Civil ainda determina que o proprietário ou possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar interferências que sejam prejudiciais à segurança, sossego e saúde dos habitantes provocados pelo uso anômalo da propriedade vizinha.
Portanto, há instrumentos para que o condomínio se defenda também de barulhos externos que incomodem os moradores (como é o caso de bares, templos, indústrias). No caso de reclamações entre condôminos, o síndico pode intermediar a questão e, se for o caso, aplicar multas. Mas, antes de advertir qualquer morador, o ideal seria proceder a medição técnica para checar o nível do ruído.
Resta ao síndico ter certeza da origem do ruído e procurar, primeiramente com muita conversa, que o morador mude sua conduta. Assim como outras questões habituais do condomínio, este é um problema de todos e deve ser resolvido de forma civilizada. Mesmo porque levar a questão para a Justiça não significa que o barulho irá cessar.
Existe uma limitação do síndico. Pelo Código Civil, o condômino deve usar a sua unidade de maneira a não prejudicar a coletividade. Quando o problema é de vizinhança e não atinge a coletividade, ou seja, quando há um só morador incomodado, o síndico fica limitado.
Aos vizinhos intolerantes, que reclamam por qualquer tipo de barulho, o condomínio pode recomendar, caso sua queixa persista, que ele entre com uma ação judicial contra a unidade que o incomoda. Se a queixa for isolada, o condomínio não deve se envolver.
A lei federal nº3.688 de 23 de outubro de 1941 determina, em seu capítulo IV que não se pode perturbar o sossego alheio ou o trabalho.
“Art. 42. Perturbar alguém, o trabalho ou o sossego alheios:
I - com gritaria ou algazarra;
II - exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais;
III - abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;
IV - provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem guarda:
Pena-prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa.”
Note-se, portanto, que o emissor de ruídos em níveis superiores aos permitidos pela legislação vigente fica sujeito não só às sanções civis mas, igualmente, às sanções penais previstas na Lei das Contravenções Penais.
Sobre este limite, J. Nascimento Franco estabelece:
“Na verificação da intensidade do barulho, cumpre ao juiz ter em vista vários elementos, entre os quais ponderam, por exemplo, o local em que se situa o edifício, a sua destinação, a classe social de seus habitantes, porque todos esses fatores têm de ser considerados na verificação do limite de torelabilidade dos ruídos.”
Entender que o edifício não possui desempenho acústico suficiente e não o vizinho que é muito barulhento pode ser um bom início para a resolução dos conflitos entre moradores. A medição do ruído pode ser realizada por profissionais com conhecimento físico ou de construções, como arquitetos, engenheiros, físicos e tecnólogos. Vale mais o bom senso para analisar a intensidade e freqüência do barulho e se a reclamação é procedente. O direito ao descanso não legitima pretensão ao silêncio, somente pretende que os elementos perturbadores do sossego não excedam o limite de tolerabilidade nas horas e locais determinados pela lei.
Assim tem se manifestado a jurisprudência acerca do tema:
“DIREITO DE VIZINHANÇA - Ação de indenização por danos morais - Uso nocivo da propriedade - Não Comprovação - Barulho excessivo não demonstrado -Barulho provocado por crianças, que pode gerar penalidades e efeitos na esfera administrativa - Danos morais - Não comprovação - Não configuração do dano moral alegado, porquanto o caso concreto se apresenta como mero aborrecimento - Recurso parcialmente provido, para o fim de julgar improcedente a ação principal.”
(TJ-SP - APELAÇÃO APL 1087406820088260100 SP 0108740-68.2008.8.26.0100, DATA DE PUBLICAÇÃO: 28/02/2012)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - FÁBRICA NO CENTRO DA CIDADE - PRODUÇÃO DE PÓ TÓXICO - BARULHO EXCESSIVO - AUSENTES REQUISITOS DO ART. 273 - NEGAR PROVIMENTO. 1. Não existem nos autos prova que convença acerca da verossimilhança das alegações da agravante. Ressalta-se que própria agravante destacou a necessidade de comprovação dos fatos por meio da realização de inspeção judicial, o que ainda não ocorreu. 2. Os requisitos da antecipação de tutela não foram atendidos, pelo que a decisão recorrida deve ser mantida.”
(TJ-MG - Agravo de Instrumento Cv AI 10702120575585001 MG (TJ-MG), Data de publicação: 01/07/2013)
"DIREITO DE VIZINHANÇA OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER - USO NOCIVO DA PROPRIEDADE EXCESSO DE BARULHO CARACTERIZAÇÃO. O abuso de instrumentos sonoros em unidade condominial até altas horas da madrugada, perturbando o sono, o sossego e o bem-estar dos vizinhos, caracteriza o uso nocivo da propriedade, nos termos do art. 1.277 do Código Civil".
(TJ-SP, 1223706020098260100 SP (TJ-SP), Data de publicação: 22/12/2010)
“RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONDOMÍNIO E VIZINHANÇA. PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO. BARULHOS PERPETRADOS POR VIZINHO DE UNIDADE CONDOMINIAL DO MESMO PISO DA AUTORA. CONTEXTO PROBATÓRIO QUE CORROBORA A VERSÃO DA AUTORA. DANOS MORAIS OCORRENTES. 1. Verossímeis as alegações da autora acerca do incômodo causado por barulhosrenitentes perpetrados pela vizinha moradora do apartamento localizado no mesmo pavimento de unidade condominial, em horários impróprios. 2. O contexto probatório acostado aos autos dá conta de que os incômodos causados à autora não foram em episódios isolados, tendo em vista os diversos avisos encaminhados pela administradora do condomínio (fls.105/109), bem como registro de ocorrência feito pela autora (fls. 64/65). Aliado a isso se tem a prova oral que atesta a ocorrência freqüente dos problemas (fl. 87). A própria ré confessa que tais fatos ocorreram, tendo inclusive mencionado a presença de funcionário da administradora em seu apartamento em certa oportunidade, durante a madrugada. 3. A tese da ré, no sentido de que estaria sendo perseguida, não encontra eco na prova colhida, sendo que a ré em seu depoimento refere que nunca houve desavença entre as partes. A tentativa de infirmar o testemunha de Alessandra, por prestar serviços de manicure à autora, não se sustenta pois não há elementos sobre qualquer situação de suspeição ou impedimento da referida testemunha. 4. Incômodos que ultrapassam o âmbito dos meros dissabores cotidianos, caracterizando dano moral indenizável, cuja verba indenizatória, arbitrada pelo juízo singular em R$ 1.500,00, se mostra adequada ao caso em liça. 5. A multa por descumprimento da obrigação, fixada em R$ 100,00 (cem reais) por cada ato, igualmente se mostra adequada, não merecendo redução. 6.Sentença que resta mantida por seus próprios fundamentos. Exegese do art. 46 da Lei nº 9.099 /95. RECURSO DESPROVIDO.” (Recurso Cível Nº 71004818852, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Silvia Muradas Fiori, Julgado em 11/06/2014)
CONCLUSÃO
Na solução da questão relativa a Direitos de Vizinhança, o critério mais utilizado pela doutrina e refletido na jurisprudência é o da normalidade e tolerabilidade, ou seja, dentro do contexto do caso concreto apresentado se o uso está dentro do normal, comum, sem que se possa distinguir qualquer excesso intencional ou se, ao contrário, existe exagero, que pode ser atenuado. E esta ponderação dependerá dos fatos apresentados e do bom senso do juiz.
Logo, em conclusão, podemos dizer que “cada caso é um caso”, e assim deve ser analisado. A solução deverá levar em conta os princípios de direito, as regras escritas, os costumes do local, as provas apresentadas, e, especialmente a situação particular dos envolvidos. Somente desta forma é possível uma solução justa e que atenda aos anseios sociais.
FRANCO, J. Nascimento, Condomínio em Edifícios, Revista dos Tribunais, 5ª edição, 1988.
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LOPES, João Batista. Condomínio. 6ª ed. São Paulo: RT, 1997.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, vol. 3: direito das coisas. 31a ed. São Paulo: Saraiva, 1994.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, vol. 5: direitos reais. 2a ed. São Paulo: Atlas, 2002
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições, v. 4. In Lafayette, Direito das Coisas.
NEGRÃO, Theotônio. Código Civil e Legislação Civil em Vigor. São Paulo: Malheiros,2006.
CARNEIRO, Waldir Arruda Miranda, Perturbações Sonoras nas Edificações Urbanas , (Revista dos Tribunais, 2002.
Procuradora Federal
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SIXTO, Luisa Webber Troian. Direitos de vizinhança e a necessidade da análise do caso com bom senso Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42217/direitos-de-vizinhanca-e-a-necessidade-da-analise-do-caso-com-bom-senso. Acesso em: 22 nov 2024.
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