Introdução
Na Ação Direta de inconstitucionalidade n. 2.396-9, cuja relatoria coube à Ministra Ellen Gracie, foi declarada a inconstitucionalidade de uma Lei do Estado do Mato Grosso do Sul que proibia, em seu território, a fabricação, o ingresso, a comercialização e a estocagem de amianto ou de produtos à base de amianto.
O principal argumento utilizado pela Relatora para fundamentar a decisão consistia na extrapolação, por parte da legislação estadual, do âmbito de sua competência suplementar, nos seguintes termos:
“É que ao determinar a proibição de fabricação, ingresso, comercialização e estocagem de amianto ou de produtos à base de amianto, destinados à construção civil, o Estado de Mato Grosso do Sul excedeu a margem de competência concorrente que lhe é assegurada para legislar sobre produção e consumo (art. 24, V); proteção do meio ambiente e controle da poluição (art. 24, VI); e proteção e defesa da saúde (art. 24, XII).(...) No caso concreto, lei federal que fixe princípios gerais para a produção e comercialização de amianto já existe. A Lei n. 9.055/95 promove o banimento dos anfibólios e dos produtos que os incorporem (art. 1º, I). Proíbe a pulverização de todos os tipos de fibras (art. 1º, II); e a venda a granel de fibras em pó (art. 1º, III). Mas, expressamente, permite, nos seus termos, a extração, industrialização, utilização e comercialização da crisólita (art. 2º). (...) Como se vê, a Lei n. 9.055/95 dispôs extensamente sobre todos os aspectos que dizem respeito à produção e aproveitamento industrial, transporte e comercialização do amianto crisólita. A legislação impugnada foge, e muito, do que corresponde à legislação suplementar, da qual se espera que preencha vazios ou lacunas deixados pela legislação federal, não que venha a dispor em diametral objeção a esta ”.
Desenvolvimento
Consoante o artigo 24 da Constituição Federal, compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre as matérias elencadas nos incisos I a XVI. Dispõe ainda em seus parágrafos primeiro e segundo que, no âmbito da competência concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais, a qual não exclui a competência suplementar dos Estados.
A interpretação do dispositivo supracitado evidencia que, ao estabelecer a competência concorrente, o legislador constituinte estabeleceu a competência da União para a edição de normas gerais e aos Estados e Distrito Federal uma reserva de competência para a edição de normas suplementares a essas, de forma que cada ente federado é responsável pela suplementação das normas gerais dentro de seu âmbito territorial específico.
Não é da natureza da legislação de normas gerais a exaustividade de seus preceitos, pelo que, ao legislar sobre as matérias elencadas nos incisos do artigo 24 da Constituição Federal, não pode a União tratar da matéria de forma a exaurir o seu conteúdo, de forma a não permitir a sua suplementação na via da legislação complementar estadual, pois desta forma estaria tolhendo a autonomia federativa dos Estados.
A i. relatora no seu voto não foi feliz ao afirmar que a competência suplementar dos Estados, prevista no artigo 24 da Constituição Federal, está limitada ao preenchimento de vazios e lacunas deixados pela legislação federal. Se assim fosse, onde residiria a autonomia federativa destes para suplementar as normas gerais dentro do âmbito de seu território específico, o que, aliás, é essencial dada a dimensão continental do país, onde as unidades federadas apresentam flagrantes disparidades de toda ordem.
A Lei 9055/95 tem como objeto principal disciplinar a extração, industrialização, utilização, comercialização e transporte do asbesto/amianto e dos produtos que o contenham, bem como das fibras naturais e artificiais, de qualquer origem, utilizadas para o mesmo fim, tendo em vista a sua nocividade à saúde humana.
Em seu artigo primeiro trouxe a vedação geral à utilização do referido produto, significando que o seu objetivo principal é a proteção à saúde e ao meio ambiente. Neste ponto reside o seu caráter principiológico inerente às normas gerais.
A partir do momento em que excepciona determinada variedade do produto e dispõe detalhadamente sobre a forma como serão extraídas, industrializadas, utilizadas e comercializadas, ela adentra na competência reservada aos Estados, retirando destes a possibilidade de permitir ou não em seu território o manuseio do referido produto.
Conclusão
Ao determinar a proibição, sem exceção, do amianto, o Estado do Mato Grosso do Sul o fez com base na sua competência suplementar, observando o caráter principiológico inerente às normas gerais, consignado na proteção à defesa da saúde e na proteção ao meio ambiente, em consonância com a proibição trazida pela referida Lei Federal.
O Estado estaria afastando da sua competência suplementar se tivesse ampliado as possibilidades de utilização do produto, pois desta forma estaria afrontando os princípios nela imbuídos.
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