Recente julgado do Supremo Tribunal Federal reconheceu como constitucional o artigo 384 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), entendendo que o dispositivo foi recepcionado pela Constituição da República de 1988, conforme v.acórdão proferido, que, por maioria de votos, negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 658312, com repercussão geral reconhecida.
O artigo 384 da CLT, que está inseridono capítulo que trata da proteção do trabalho da mulher, prescreve:
“Art. 384 - Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho.”
O entendimento, superado, negava o direito com fundamento na isonomia entre os sexos, com previsão constitucional no artigo 5º no inciso I.
Com efeito, a validade do dispositivo em foco já havia sido declarada pela 4ª Turma do TST ao conceder, segundo voto do ministro Barros Levenhagen (relator), recurso de revista à operária paranaense Joseane Granemann Longo.
O relator da questão no TST argumentou que a prerrogativa do art. 384 da CLT não foi revogada pelo atual texto constitucional. Aduziu que “Conquanto homens e mulheres, à luz do inciso I, do art. 5º da Constituição de 88, sejam iguais em direitos e obrigações, é forçoso reconhecer que elas se distinguem dos homens, sobretudo em relação às condições de trabalho, pela sua peculiar identidade bio-social”. E continuou o raciocínio no sentido de que o aspecto de proteção da norma por si só “afasta qualquer alegação de afronta à isonomia e a absurda idéia de redução ou perda de direitos do trabalhador do sexo masculino”. (TST-RR nº 4506/2001-011-09-00.1).
A jurisprudência do TST está pacificada no sentido da validade do intervalo.
Já na instância superior, oRE foi interposto pela A. Angeloni& Cia. Ltda. em face da decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que manteve condenação ao pagamento, a uma empregada, desses 15 minutos, com adicional de 50%.
O parecer do Procurador-Geral da República, Dr. Rodrigo JanotMonteiro de Barros foi pelo conhecimento do recurso e porseu não provimento, sob o fundamento de que o dispositivo atacado nãoofenderia o princípio da isonomia.
No processo, atuaram na condição de amicicuriae,a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), seguindo a mesma linha de fundamentação da empresa.
Segundo informação publicada no sitio do próprio STF, “O ministro Dias Toffoli, relator do RE, lembrou que o artigo 384 faz parte da redação original da CLT, de 1943. “Quando foi sancionada a CLT, vigorava a Constituição de 1937, que se limitou, como na Constituição de 1946, a garantir a cláusula geral de igualdade, expressa na fórmula ‘todos são iguais perante a lei’”, afirmou. “Nem a inserção dessa cláusula em todas as nossas Constituições, nem a inserção de cláusula específica de igualdade entre gênero na Carta de 1934 impediram, como é sabido, a plena igualdade entre os sexos no mundo dos fatos”.
Por isso, observou o ministro, a Constituição de 1988 estabeleceu cláusula específica de igualdade de gênero e, ao mesmo tempo, admitiu a possibilidade de tratamento diferenciado, levando em conta a “histórica exclusão da mulher do mercado de trabalho”; a existência de “um componente orgânico, biológico, inclusive pela menor resistência física da mulher”; e um componente social, pelo fato de ser comum a chamada dupla jornada – o acúmulo de atividades pela mulher no lar e no trabalho – “que, de fato, é uma realidade e, portanto, deve ser levado em consideração na interpretação da norma”, afirmou.
O voto do relator ressaltou que as disposições constitucionais e infraconstitucionais não impedem que ocorram tratamentos diferenciados, desde que existentes elementos legítimos para tal e que as garantias sejam proporcionais às diferenças ou definidas por algumas conjunturas sociais. E, nesse sentido, avaliou que o artigo 384 da CLT “trata de aspectos de evidente desigualdade de forma proporcional”. Ele citou o prazo menor para aposentadoria, a cota de 30% para mulheres nas eleições e a Lei Maria da Penha como exemplos de tratamento diferenciado legítimo.
Toffoli afastou ainda os argumentos de que a manutenção do intervalo prejudicaria o acesso da mulher ao mercado de trabalho. “Não parece existir fundamento sociológico ou mesmo comprovação por dados estatísticos a amparar essa tese”, afirmou. “Não há notícia da existência de levantamento técnico ou científico a demonstrar que o empregador prefira contratar homens, em vez de mulheres, em virtude dessa obrigação”.”
Acompanharamo voto do relator os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Rosa Weber e Cármen Lúcia.
Enquanto os ministros Luiz Fux e Marco Aurélio divergiram e votaram no sentido de dar provimento ao recurso para reconhecer a inconstitucionalidade do artigo 384 da CLT.
Fux asseverou que “Não sendo o caso, é uma proteção deficiente e uma violação da isonomia consagrar uma regra que dá tratamento diferenciado a homens e mulheres, que são iguais perante a lei.”
Por sua vez, o ministro Marco Aurélio afirmou que o artigo 384 “é gerador de algo que a Carta afasta, que é a discriminação no mercado de trabalho”.
Do voto vencedor, depreende-se a seguinte citação em referência ao professor CelsoRibeiro Bastos: “homens e mulheres não são, em diversos sentidos, iguais,sem que com isso se queira afirmar a primazia de um sobre o outro. Oque cumpre notar é que, por serem diferentes, em alguns momentoshaverão forçosamente de possuir direitos adequados a estasdesigualdades” (BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra.Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 18).
Ainda, elencou outros julgados no mesmo sentido do voto proferido.
Insistiu, “o discrímen, na espécie, não viola a universalidadedos direitos do homem, na medida em que o legislador vislumbrou anecessidade de maior proteção a um grupo de trabalhadores, de formajustificada e proporcional.” Entendeu que sequer haveria violação da Convenção sobre a Eliminação deTodas as Formas de Discriminação contra a Mulher - adotada pelaResolução nº 34/180 da Assembleia Geral das Nações Unidades em18/12/1979 e ratificada pelo Brasil em 1º/2/1984, por meio do DecretoLegislativo nº 93, de 14 de novembro de 1983.
E prevaleceu o entendimento da maioria da Corte, transitando em julgado o dispositivo da decisãonos dizeres:
“Ante o exposto, voto pelo não provimento do recursoextraordinário e pela fixação das teses jurídicas de que o art. 384 da CLTfoi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e que a norma seaplica a todas as mulheres trabalhadoras.”
Resta agora somente às empresas aplicar efetivamente a disposição legal e solucionar as situações pendentes. Ao Poder Judiciário, a demanda teve repercussão geral, devem as decisões, portanto, curvar-se ao entendimento prevalecente.
Referências:
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT
Constituição Federal – CF
RE658312
Página do STF – links:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=280715
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE658312.pdf
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