Resumo: Este artigo busca fazer um estudo acerca do início da contagem do prazo prescricional para a apuração de faltas disciplinares cometidas no âmbito da Administração pública federal.
Palavras-chave:Prazo prescricional. Início da contagem. Autoridade competente. Qualquer autoridade. STJ.
Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. DA CONTROVÉRSIA. 3. CONCLUSÃO.
1. INTRODUÇÃO
O início da contagem do prazo prescricional para apuração de faltas disciplinares pela Administração pública federal é tema que possui uma controvérsia central, que põe, de um lado, os servidores públicos e a Administração Pública.
Com efeito, a partir da decisão que se tome, ter-se-á, em um juízo extremo, ressalte-se, na prática, uma impossibilidade de investigação de determinadas faltas, ou uma imprescritibilidade de determinadas faltas, e, a nosso ver, nenhuma nem outra parecem conferir a segurança jurídica adequada.
2. DA CONTROVÉRSIA
Decorre de expressa determinação legal (art. 142, § 1º da Lei nº 8.112, de 11/12/90) que o cômputo da prescrição não se inicia da data do cometimento do fato supostamente irregular, mas sim da data em que ele se tornou conhecido, senão vejamos:
Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:
I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;
II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;
III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.
§ 1o O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.
§ 2o Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.
§ 3o A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.
§ 4o Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção
Pelo que se lê, dúvidas não há de que a contagem da prescrição se inicia com o conhecimento do fato. O problema é: conhecido por quem? Que é da Administração Pública com atribuições para exercer o Poder Disciplinar, também parece extreme de dúvidas. Mas qualquer servidor da Administração ou apenas com o conhecimento do fato pela autoridade competente para apuração do fato? Eis o problema.
Esclareça-se, por oportuno, que o primeiro período de prescriçãovai da data em que a autoridade - competente para instauração do processo? – tomou ciência do fato irregular até a data da instauração do processo. O outro período- que não é objeto do presente estudo – vai do julgamento do PAD ou da data em que ele deveria ter sido julgado (140 dias da instauração) até a data da publicação da penalidade, conforme previsto em lei, na jurisprudência, nos pareceres vinculantes da AGU.
Ademais, para se possa considerar o fato conhecido pela autoridade, não se exige o requinte de se ter a ciência pessoal desta autoridade. A protocolização do documento noticiador da suposta irregularidade, sob presunção de bom funcionamento da máquina pública, respeitadas as peculiaridades de cada caso em concreto, pode fazer com que se assuma conhecido o fato pela autoridade, desde que essa protocolização seja feita especificamente no protocolo da unidade ou órgão em que se exerça a competência disciplinar e que o documento contenha mínimos elementos que permitam qualificá-lo como uma representação ou denúncia válida.
Assim, a partir da data em que o fato se torna conhecido, nos moldes acima descritos, computam-se os prazos respectivos de cada pena até a instauração do processo administrativo disciplinar.
Contudo, ainda não se respondeu: quando se inicia a contagem? Com o conhecimento do fato, por qualquer meio idôneo, pela Administração Pública interessada por um de seus presentantes ou apenas pela autoridade competente para apuração da falta?
Sobre o tema, o STJ ainda não é pacífico. Com efeito, não é incomum encontrarmos posições nos dois sentidos, vejamos.
- A contar do conhecimento da autoridade competente apenas:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. POLICIAL FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS CAPAZES DE MACULAR A LEGALIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR. 1. Mandado de segurança voltado contra a edição do Despacho n. 503, de 6 de outubro de 2004, que considerou o impetrante culpado por infringência aos arts. 43, VIII, XIII e XV, da Lei n. 4.878/65, e 364, VIII, XIII e XV, do Decreto n. 59.310/66, e determinou o registro de nota de culpa em seus assentamentos funcionais, tendo em vista a aplicação da pena de demissão em anterior procedimento disciplinar.2. A via do mandado de segurança exige prova pré-constituída do direito alegado, não se admitindo dilação probatória.3. Deve ser afastada a prescrição se observado o prazo prescricional entre a ciência dos fatos pela autoridade competente e a instauração do processo disciplinar, bem como entre o 141º dia após a referida instauração e a aplicação da penalidade.4. Apenas por ocasião do indiciamento é necessária a descrição detalhada dos fatos atribuídos à conduta do investigado e das possíveis infrações disciplinares por ele praticadas, de modo a permitir o amplo exercício do direito de defesa.5. Inexistência de provas da falta de isenção dos membros da comissão disciplinar, não constituindo o mandado de segurança via adequada para a análise pormenorizada da questão, dada a necessidade de dilação probatória.6. Inviabilidade de análise dos demais temas suscitados, tais como cerceamento de defesa, ausência de notificação do advogado devidamente constituído e efetiva comprovação dos atos ilícitos, à míngua de elementos comprobatórios dos vícios alegados.7. Segurança denegada.(MS 10.251/DF, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/08/2014, DJe 02/09/2014)
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MAGISTRADO. PENA DE REMOÇÃO COMPULSÓRIA. PRESCRIÇÃO AFASTADA. INDEFERIMENTO DE PARTE DAS TESTEMUNHAS. DECISÃO FUNDAMENTADA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. PROPORCIONALIDADE DA PENA APLICADA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. 1. É pacífica a jurisprudência desta Corte acerca da aplicabilidade subsidiária dos prazos prescricionais previstos no art. 142 da Lei n. 8.112/90, na apuração de infração disciplinar imputada a magistrado, à falta de disciplinamento específico da matéria na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN). 2. A pena de remoção compulsória, em termos de gravidade, não pode ser comparada àquelas para as quais o legislador federal fixou em 5 (cinco) anos o prazo de prescrição (demissão, cassação de aposentadoria e disponibilidade). 3. Para fins de fixação do prazo de prescrição, deve-se equiparar a remoção compulsória à pena de suspensão, com prazo prescricional fixado em 2 (dois) anos, nos moldes do art. 142, II, da Lei n. 8.112/90. Precedente do Conselho Nacional de Justiça. 4. Deve ser afastada a prescrição se observado o prazo prescricional entre a ciência dos fatos pela autoridade competente e a instauração do processo disciplinar, bem como entre o 141º dia após a referida instauração e a aplicação da penalidade. 5. Desde que devidamente fundamentado, o indeferimento de provas consideradas impertinentes ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos não macula a integridade do processo administrativo disciplinar. 6. A declaração de possíveis nulidades no processo administrativo disciplinar, segundo o princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullitésansgrief), depende da efetiva demonstração de prejuízos à defesa do servidor. 7. Ausência de elementos suficientes à comprovação inequívoca da alegada quebra de proporcionalidade entre a conduta do recorrente e a penalidade aplicada, a justificar a aplicação de pena mais branda, sobretudo diante da juntada de apenas algumas peças dos autos do procedimento disciplinar.8. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido.(RMS 21.537/BA, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 18/06/2014, DJe 04/08/2014)Processo MS 15426 / DF - MANDADO DE SEGURANÇA nº 2010/0109918-5; Relator(a) Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142); Órgão Julgador: S1 - PRIMEIRA SEÇÃO; Data do Julgamento: 13/10/2010; Data da Publicação/Fonte: DJe 20/10/2010. EmentaADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PENA DE DEMISSÃO. NULIDADE DO PRIMEIRO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR POR VÍCIOS PROCESSUAIS. INSTAURAÇÃO DE NOVO PROCEDIMENTO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. ARTIGO 142, I, DA LEI 8.112/90. NÃO OCORRÊNCIA. APURAÇÃO DAS CONDUTAS DENTRO DO QUINQUÊNIO LEGAL.1. Mandado de segurança impetrado contra ato de Ministro de Estado questionando a ilegalidade do ato de demissão, pois: (a) teria ocorrido a prescrição da pretensão punitiva da Administração Pública federal; (b) há procedimento de Tomada de Contas (Processo007.958/2003-6) em curso, no qual ainda não teria sido apurada a suposta apropriação indevida de valores. 2. Não ocorreu a prescrição para apuração dos fatos que levaram à demissão do impetrante referentes à apuração de prejuízo ao erário no valor de R$ 1.314.000,66 (hum milhão, trezentos e quatorze mil reais e sessenta e seis centavos) decorrente de irregularidadesocorridas em certames licitatórios e na execução de contratos para reforma e obras de engenharia na sede de órgão público federal. 3. Malgrado o lapso prescricional não ter sido interrompido com asindicância, pois esta não teve caráter punitivo e sim investigativo, e também não ter sofrido solução de continuidade com a nulidade do primeiro Processo Administrativo Disciplinar, o fato é que do dia em que a autoridade competente tomou ciência das condutas imputadas ao impetrante (remessa do Ofício n. 1.264/2003 CGU-PR feita no dia 19 de setembro de 2003) até a instauração do segundoProcesso Administrativo Disciplinar (dia 2 de março de 2007) não foi ultrapassado o quinquênio legal previsto no artigo 142, I, da Lei 8.112/90. Precedentes: MS 13703/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DEASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/3/2010, DJe 7/4/2010; MS 13.242/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 5/12/2008, DJe 19/12/2008.4. O argumento de que existe procedimento de Tomada de Contas em curso, referente a outro processo, veio desacompanhado da indispensável prova pré-constituída. A alegação está desprovida de prova e não se apresenta suficiente para impugnar o ato de demissãocalcado no Parecer n. 39/2010 ASJUR/CGU-PR, o qual goza de presunção de legalidade e legitimidade.5. Segurança denegada.
- A contar do conhecimento dequalquer autoridade:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORAPÚBLICA.INASSIDUIDADE HABITUAL. ART. 132, III, DA LEI 8.112/90. DEMISSÃO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DA ADMINISTRAÇÃO. OCORRÊNCIA. INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO. ARTS. 116, VI, 142, § 1.º E 143, DA LEI N.º 8.112/90. DATA EM QUE O FATO SE TORNOU CONHECIDO PELA ADMINISTRAÇÃO, E NÃO NECESSARIAMENTE PELA AUTORIDADE COMPETENTE PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. "De acordo com o art. 142, inciso I, § 1º, da Lei n.º 8.112/90, o prazo prescricional de cinco anos, para a ação disciplinar tendente à demissão ou cassação de aposentadoria do servidor, começa a correr da data em que a Administração toma conhecimento do fato àquele imputado". (STF, RMS 24.737/DF, Primeira Turma, Rel. Min.CARLOS BRITTO, DJ de 1/6/04) 2. O termo inicial da prescrição punitiva estatal começa a fluir na exata data do conhecimento da irregularidade, praticada pelo servidor, por alguma autoridade do serviço público e não, necessariamente, pela autoridade competente para a instauração do processo administrativo disciplinar. Precedente. 3 - A autoridade hierarquicamente superior à impetrante era seu chefe imediato, que teve ciência,de forma inequívoca e clara das faltas injustificadas da servidora. Logo, tão somente aquele que a acompanhava tinha o dever funcionalde comunicar à autoridade competente para a devida apuração, sob pena, até, de falta funcional. 4. Admitida a ciência do ato pelo chefe imediato da impetrante, em 3/8/04 (data da última falta injustificada), e sendo de 5 (cinco) anos o prazo para o exercício da pretensão sancionadora do Estado, nos termos do art. 142, inciso I, da Lei 8.112/90, resta configurada a prescrição, uma vez que o processo administrativo disciplinar que culminou com a aplicação da pena de demissão da servidora foi instaurado apenas em 27/8/09. 5. Mandado de segurança concedido. (MS 20.162/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/02/2014, DJe 24/02/2014).
3. CONCLUSÃO
Ao pesquisarmos mais detidamente o tema na jurisprudência do STJ, percebe-se que atualmente há uma inclinação muito maior daquele Tribunal em entender que a prescrição somente será interrompida com o conhecimento do fato pela autoridade competente, ao invés de qualquer autoridade.
O que nos parece um tanto contraditório é que se a presunção que se deve tomar é a do bom funcionamento da Administração, e levando-se em conta que aimpessoalidade dos atos da Administração Pública, como é consabido, é um dos princípios constitucionais aplicáveis à matéria, o porquê de se considerar apenas a autoridade competente como sendo passível de iniciar a contagem do prazo prescricional? Não nos parece fazer sentido.
Procurador Federal. Mestre em Ciências Jurídico-Econômicas pela Universidade do Porto/PT.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BASTOS, Bruno Medeiros. Do início da contagem do prazo prescricional no âmbito dos procedimentos administrativos disciplinares Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42364/do-inicio-da-contagem-do-prazo-prescricional-no-ambito-dos-procedimentos-administrativos-disciplinares. Acesso em: 22 nov 2024.
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