RESUMO: O dualismo no exercício de direitos individuais e coletivos revela aparente antinomia jurídica entre normas constitucionais, a ser resolvido pelo postulado normativo da proporcionalidade, baseado tanto na proibição do excesso estatal quanto da proibição da proteção deficiente, garantindo-se o mínimo existencial às pessoas sem prejuízo da efetividade dos conexos direitos individuais.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais – Direitos Coletivos – Postulados Normativos De Aplicação – Übermassverbot – Untermassverbot – Proibição De Excesso – Proibição De Proteção Deficiente – Garantismo Hiperbólico Monocular – Proporcionalidade – Reserva Do Possível.
Hodiernamente, inegável a constatação de que a realidade brasileira goza de profusão normativa multifacetária incomum no Direito Comparado. Diversas são as condutas adotadas pelo Poder Legislativo, pressionado pela sociedade brasileira, de modo a responder aos mais diversos dilemas contemporâneos. Parte-se da premissa de que a lei, dotada de coercibilidade, seria capaz de resolver todos os conflitos vivenciados, conciliando o exercício e gozo de direitos e liberdades individuais simultaneamente ao exercício e gozo de direitos sociais.
No mais das vezes, notadamente no que diz respeito às normas constitucionais, verifica-se um conflito aparente de normas: de um lado, as que permitem o agir individual; de outro, as que limitam as liberdades individuais, mediante atuação do Estado.
A fim de conciliar o gozo de direitos individuais e de direitos coletivos, necessário se faz estabelecer um postulado normativo de aplicação das regras e princípios contidos no texto constitucional. Referidos postulados normativos de aplicação são definidos, por sua vez, como normas de segundo grau (metanormas), a orientar tanto o intérprete quanto o próprio legislador no que tange à proteção do bem jurídico tutelado pelo sistema normativo.
Estes postulados normativos, ao conciliarem as normas constitucionais que preveem direitos de primeira e segunda geração (individuais e sociais, respectivamente), devem respeitar uma determinada proporcionalidade, seja no que diz respeito à atuação estatal, seja quanto aos direitos individualmente assegurados.
A balança de aplicação do postulado normativo da proporcionalidade, por metáfora, deverá conter em um dos pratos a proibição do excesso na ação estatal (übermassverbot) e, no outro, a proibição da proteção insuficiente ao bem jurídico individualmente tutelado (untermassverbot).
Isto porque, diante do reconhecimento de que o Estado tem o dever de agir na proteção de bens jurídicos de índole constitucional, a violação ao postulado normativo da proporcionalidade ocorre não apenas quando houver excesso na ação estatal; violação também ocorrerá se a proteção ao bem jurídico constitucionalmente previsto ocorrer de modo manifestamente deficiente.
Deste modo, o juízo de ponderação concreta para definição do âmbito de aplicação de determinada norma ou regra jurídica deve considerar, impreterivelmente, sua necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. Isto porque a proporcionalidade é dotada de duplo viés: a proteção positiva (proibição de excesso estatal) e a proteção de omissões (proibição de atuação estatal deficiente).
Em outras palavras, a inconstitucionalidade pode advir tanto do excesso do Estado, situação em que determinado ato é desarrazoado, implicando manifesta desproporção entre fins e meios; como também advir de proteção insuficiente de um direito fundamental-social, notadamente quando o Estado descarta o uso de certas sanções penais ou administrativas para proteger específicos bens jurídicos.
À evidência, portanto, que a proibições de excesso e de proteção deficiente são consequência da essencial vinculação de todos os atos estatais à materialidade da Constituição, implicando considerável diminuição da discricionariedade, tanto do legislador ao criar a norma, quanto do intérprete ao lhe dar efetividade no caso concreto.
Visa-se, portanto, a assegurar um patamar mínimo existencial, que resguarde a dignidade da pessoa humana, sem olvidar a magnitude dos interesses coletivos. Tanto a proibição do excesso como da proteção deficiente não se coadunam com a tese do garantismo penal hiperbólico molecular (olhos apenas no réu, descurando-se da sociedade).
Não poderia o Estado, por exemplo, descriminalizar tipos penais com o intuito de proteger a liberdade do réu (e.g., o porte ilegal de armas), e, por outro lado, deixar, de forma desproporcional, de proteger adequadamente bens jurídicos coletivos (no caso, a segurança pública). Referida conduta estatal seria inadmissível diante do princípio da proporcionalidade em sua vertente positiva.
As denominadas escolhas trágicas realizadas pelo Estado, quando diante de dois bens jurídicos abstratamente tutelados equanimemente pela ordem constitucional, devem respeitar os postulados normativos retromencionados, de modo a legitimar sua atuação. Somente quando houver motivo justo, devidamente comprovado, que possa de fato ofender a isonomia, a inexistência de condições materiais poderá ser alegada para desonerar o Estado de seu dever de promoção de direitos sociais essenciais à pessoa.
Revela-se, por assim dizer, evidente conflito dual entre a preservação de um mínimo existencial e a reserva do que ao Estado é possível cumprir. Se o Estado não respeitar a proporcionalidade nas condições acima ventiladas (ausência de motivo justo) restará afastada por completo a alegação imotivada da reserva do possível como tese universal de inércia do dever estatal. Exatamente nesta vereda é que o mandamento da proibição da proteção insuficiente determina a atuação positiva do Estado, exigível para preservação da tutela de direito fundamental.
Nesse sentido, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:
..EMEN: ADMINISTRATIVO – CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. 2. Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. 3. In casu, não há empecilho jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o município, tendo em vista a consolidada jurisprudência desta Corte, no sentido de que "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). Agravo regimental improvido. ..EMEN:
(AGRESP 200900766912, HUMBERTO MARTINS, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:21/06/2010 ..DTPB:.)
Conclui-se, assim, que tanto a proibição do excesso quanto da proteção insuficiente devem ser consideradas diante de aparentes antinomias de normas constitucionais, afigurando-se como parâmetros do postulado jurídico da proporcionalidade, em seu duplo viés (positivo e negativo), de modo a resguardar a força normativa da Constituição e a máxima efetividade dos direitos fundamentais por ela assegurados.
Procurador Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JANNUCCI, Alessander. Princípio da proporcionalidade e proibição de proteção insuficiente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42365/principio-da-proporcionalidade-e-proibicao-de-protecao-insuficiente. Acesso em: 22 nov 2024.
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