RESUMO: O presente artigo cuida das dimensões apropriadas para se comprovar a inviabilidade de competição nas modalidades de licitação tipificadas nos incisos II e III do artigo 25 da Lei 8.666/93
PALAVRAS CHAVE: Inexigibilidade, licitação, comprovação da inviabilidade de competição, dimensão fática, dimensão jurídica.
SUMÁRIO: Introdução. I. As modalidades de inexigibilidade contidas no caput e nos incisos do artigo 25 da Lei 8.666/93: tipo geral e tipos especiais de inexigibilidade. II. A dimensão adequada para a comprovação da inviabilidade de competição nas modalidades de inexigibilidade de licitação tipificadas nos incisos II e III do artigo 25 da Lei 8.666/93. Contextualização e proposta de solução do problema. Inviabilidade de competição no plano fático e inviabilidade de competição no plano exclusivamente jurídico. III. Conclusão.
Introdução
Como é de conhecimento, o pressuposto lógico da inexigibilidade de licitação é a inviabilidade de competição, que é aquela situação em que há apenas um prestador em condições de atender a necessidade da Administração. Em que pese tal conceito apresentar-se como um raciocínio aparentemente simples e presumível quando se tem em voga o tipo geral da inexigibilidade, que é o contido no artigo 25, caput, da Lei 8.666/93, a questão não se apresenta tão obvia quando se está diante dos tipos especiais da inexigibilidade, especialmente os contidos nos incisos II e III do artigo 25 da Lei 8.666/93, assunto esse que se pretende explorar no presente artigo.
I – As modalidades de inexigibilidade contidas no caput e nos incisos do artigo 25 da Lei 8.666/93: tipo geral e tipos especiais de inexigibilidade
Pelo que se extrai do texto do artigo 25 da Lei 8.666/93, a contratação direta sob o fundamento de inexigibilidade tem cabimento quando não houver possibilidade de competição. É essa ideia, pois, que caracteriza inicialmente a contratação direta sob o fundamento de inexigibilidade de licitação. Por outra parte, além do tipo geral de inexigibilidade contido no caput do referido dispositivo, o legislador houve por bem tipificar outras situações de inexigibilidade, as quais podem ser chamadas de tipos especiais de inexigibilidade e estão compreendidas nas hipóteses enumeradas nos incisos do referido dispositivo.
Em suma, tem-se que poderá haver contratação direta, por inexigibilidade, sempre quando ocorrer alguma das seguintes situações: a) em qualquer caso, quando não houver possibilidade de competição (artigo 25, caput, da Lei 8.666/93); b) aquisição de bens de fornecedor exclusivo (inciso I do artigo 25 da Lei 8.666/93); c) contratação de algum dos serviços técnicos enumerados no artigo 13 da Lei 8.666/93, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização (inciso II do artigo 25 da Lei 8.666/93); e d) contratação de profissional do setor artístico, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública (inciso III do artigo 25 da Lei 8.666/93).
II – A dimensão adequada para se comprovar a inviabilidade de competição nas modalidades de inexigibilidade de licitação tipificadas nos incisos II e III do artigo 25 da Lei 8.666/93. Contextualização e proposta de solução do problema. Inviabilidade de competição no plano fático e inviabilidade de competição no plano exclusivamente jurídico
Cumpre ponderar, inicialmente, que no campo do estudo da inexigibilidade de licitação sobressai como relevante a ideia de que deve haver, em qualquer circunstância, inviabilidade de competição. É dizer, sem a comprovação da inviabilidade de competição não se haveria de falar em contratação direta com lastro nesse fundamento.
Tratando-se da inexigibilidade contida no caput do artigo 25 da Lei 8.666/93, a questão que envolve a comprovação da inviabilidade de comprovação, que é pressuposto lógico da inexigibilidade, não parece ostentar maiores problemas, dado que a inviabilidade de competição, pelo caput do dispositivo, está ligada àquela situação onde há apenas um fornecedor em condições de atender o interesse da Administração.
De toda forma, ao se avançar para os tipos especiais de inexigibilidade, máxime aqueles enumerados nos incisos II e III do mencionado dispositivo, que são o foco do presente artigo, a questão que envolve a comprovação da inviabilidade de competição apresenta-se um tanto controvertida, inclusive na jurisprudência do TCU[i]. Isso porque a rigor não haveria de se falar, em tais hipóteses, na inviabilidade de competição, uma vez que sempre é possível haver mais de um profissional ou empresa de notório saber (inciso II do artigo 25), ou mesmo mais de um artista consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública (inciso III do artigo 25).
Nesse sentido, importa sinalar que para alguns doutrinadores a inexigibilidade fundada nos incisos II e III do artigo 25 da Lei 8.666/93 não exigiria a prova absoluta ou fática da inviabilidade de competição. É esse o caso do professor Marçal Justen Filho[ii]. Para outros, porém, seria necessária tal comprovação, porquanto todo o estudo da inexigibilidade de licitação repousaria na premissa fundamental de que há uma inviabilidade de competição, conforme ensina Jacoby Fernandes[iii].
Em verdade, o texto estrito da lei certamente está a exigir também o cumprimento de tal requisito, posto que não haveria como isolar a cabeça do artigo 25 dos seus respectivos incisos. Tal entendimento, porém, se levado ao pé da letra, esvaziaria por completo o conteúdo dos incisos do artigo 25, já que sendo necessário, em qualquer hipótese de inexigibilidade, a prova da inviabilidade fática de competição, não teria qualquer sentido as hipóteses especiais contidas nos incisos, que, a rigor, parecem assumir aspectos extravagantes, ou seja, para além dos lindes fixados no caput.
Com efeito, se em todas as situações de inexigibilidade apresentasse necessária a comprovação fática da inviabilidade de competição, todos os demais requisitos exigidos pelos incisos do artigo 25 não teriam qualquer serventia. Se se exigisse inviabilidade de competição em qualquer situação, não faria qualquer sentido analisar a singularidade do objeto e a notória especialização, na hipótese do inciso II, ou mesmo a consagração pela crítica especializada na hipótese do inciso III.
Nessa linha, após perceber as dificuldades de conciliação entre a cabeça do artigo 25 e seus incisos, o jurista Marçal Justen Filho[iv], mediante invocação de decisão do Colendo STF exarada na AP nº 348, Plenário, rel. Min. Eros Grau (DJ de 03.08.2007), inclinou-se pela desnecessidade de se comprovar a inviabilidade fática de competição quando em voga as contratações fundadas no artigo 25, II, da Lei 8.666/93. Eis a jurisprudência do STF a que se refere o jurista, verbis:
“Serviços técnicos profissionais especializados são serviços que a Administração deve contratar sem licitação, escolhendo o contratado de acordo, em última instância, com o grau de confiança que ela própria, Administração, deposite na especialização desse contratado. Nesses casos, o requisito da confiança da Administração em quem deseje contratar é subjetivo. Daí que a realização de procedimento licitatório para a contratação de tais serviços – procedimento regido, entre outros, pelo princípio do julgamento objetivo – é incompatível com a atribuição de exercício de subjetividade que o direito positivo confere à Administração para a escolha do ‘trabalho essencial e indiscutivelmente mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato’ (cf. o § 1º do art. 25 da Lei 8.666/93). O que a norma extraída do texto legal exige é a notória especialização, associada ao elemento subjetivo confiança.”
De qualquer modo, e considerando especialmente a regra de hermenêutica que diz que a lei não contém palavras inúteis, acredita-se que também é razoável a exegese que afirma a necessidade do preenchimento do requisito da inviabilidade de competição em toda e qualquer hipótese de inexigibilidade. Isso, por um lado, porque não há como dissociar a cabeça do artigo 25 de seus incisos e, de outro, porque não haveria como falar-se em inexigibilidade de licitação em situações onde fosse possível cogitar-se, ainda que em tese, a respeito de competição.
É preciso, entretanto, trazer a interpretação para a dimensão adequada, conforme o tipo de inexigibilidade que se esteja a aplicar no caso concreto, bem como fazer a diferença entre a inviabilidade de competição contida unicamente no caput do artigo 25 daquelas outras hipóteses de inviabilidade de competição que decorrem da conjugação entre o texto do caput e dos seus respectivos incisos.
A primeira hipótese de inviabilidade de competição, ou seja, aquela contida no caput do artigo 25, é do tipo absoluta, física, lógica. Trata-se daquela situação em que o objeto a ser contratado somente pode ser fornecido ou prestado por uma única empresa. Tal inviabilidade de competição, pois, é verificável ou comprovada na dimensão ou no plano fático.
Já a segunda hipótese de inviabilidade de competição é do tipo relativa, jurídica, imaterial, intangível, tal como a impossibilidade de se instaurar torneio de seleção, com critérios objetivos de julgamento, para a contratação de objeto singular e com profissional de notória especialização (inciso II do artigo 25). Ou mesmo a impossibilidade de se instaurar licitação para a contratação de profissional artístico consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública (inciso III do artigo 25). Aqui, pois, tem-se uma inviabilidade de competição aferida na dimensão ou no plano exclusivamente jurídico, e não na dimensão ou plano exclusivamente fático.
Nessa última situação, então, uma vez identificadas a singularidade do objeto e a notória especialização da empresa ou do profissional a ser contratado, no caso do inciso II do artigo 25, ou mesmo uma vez identificada a consagração pela crítica especializada ou pela opinião pública, no caso do inciso III do artigo 25, o único critério a viabilizar a escolha é a confiança do gestor depositada na empresa ou no profissional a ser contratado, fato esse que leva, de igual forma, à caracterização da inviabilidade de competição. Não se trata, por óbvio, de inviabilidade de competição física, absoluta, fática, mas sim da inviabilidade de competição aferível no plano jurídico, a partir das condições jurídicas da singularidade do objeto e da notória especialização do prestador, no caso do inciso II, ou a partir da consagração pela crítica especializada ou pela opinião pública, no caso do inciso III, situações essas que impedem a fixação de requisitos de julgamento objetivo para uma eventual instauração de certame licitatório.
Essa interpretação, inclusive, parece ter sido a acolhida na Decisão nº 695/2001 – Plenário do TCU[v], verbis:
“Voto do ministro relator
(...)
9. Quanto ao mérito, assiste razão ao Ministério Público/TCU quanto à parcial divergência em relação ao entendimento da Unidade Técnica, importando destacar os seguintes excertos do minucioso Parecer da lavra do doutro Procurador-Geral: “Os requisitos contidos no art. 25, II, da Lei 8.666/93 são sim suficientes para configurar a inexigibilidade de licitação. Isto é, para que seja inexigível a licitação de um determinado serviço, basta que (i) ele se inclua entre os serviços técnicos especializados do artigo 13 da mencionada lei; (ii) ele tenha natureza singular; e (iii) o contratado detenha notória especialização.
Não se faz necessário que, além desses três requisitos, tenha de ser demonstrada ainda a inviabilidade de competição, pelo simples fato de que a conjugação deles configura, por si só, a própria inviabilidade de competição.
Na verdade, o raciocínio que se faz é simplório: a conjugação dos três requisitos mencionados configura a inviabilidade de competição que, por sua vez, torna a licitação inexigível.
Tanto é assim que, se se verificar que o serviço é singular e insere-se entre os serviços técnicos especializados arrolados no art. 13 da Lei, mesmos e houver mais de uma empresa ou pessoa com notória especialização que possa prestá-lo, indicando ser possível uma eventual competição entre tais empresas ou pessoas, a Administração poderá, com fulcro no art. 25, II, da Lei 8.666/93, contratar diretamente um deles, estando legalmente afastada a licitação. [....]”.
(...)
Ante o exposto, com as escusas de costume, por divergir parcialmente dos pareceres da 3ª SECEX e por concordar plenamente com o Parecer do douto Ministério Público/TCU, VOTO no sentido de que seja adotada a Decisão que ora submeto à apreciação deste Plenário.”
Assim, ao tempo em que se conclui pela necessidade da prova da inviabilidade de competição para a contratação firmada com base nos incisos II e III do artigo 25 da Lei 8.666/93, também é de ser destacado que a dimensão adequada para a comprovação da inviabilidade de competição, em tais hipóteses, não é o plano fático, físico, lógico, como ocorre na hipótese de inexigibilidade contida exclusivamente no caput do artigo 25 da Lei 8.666/93, mas sim o plano jurídico, imaterial, intangível, a partir, sobretudo, da inviabilidade de se estabelecer torneio licitatório para escolher entre vários fornecedores que tenham notória especialização (inciso II do artigo 25) ou entre vários profissionais do setor artístico consagrados pela crítica especializada ou pela opinião pública.
III – Conclusão
Como registrado acima, a inviabilidade de competição constitui premissa fundamental de toda e qualquer contratação sob o pálio de inexigibilidade de licitação, de maneira que deve ser aferida e comprovada em qualquer modalidade de inexigibilidade. É dizer, tanto aquelas que decorrem do caput do artigo 25 da Lei 8.666/93 quanto aquelas que decorrem dos incisos do referido dispositivo exigem a comprovação da inviabilidade de competição. É preciso, de todo modo, que tal requisito – inviabilidade de competição – seja analisado na dimensão apropriada ao tipo de inexigibilidade com o qual se está a trabalhar no caso concreto. Na hipótese do caput do artigo 25, na dimensão física, fática; na hipótese dos incisos II e III do artigo 25, na dimensão jurídica, imaterial, intangível.
REFERÊNCIAS
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Contração Direta Sem Licitação. Belo Horizonte: Fórum, 7ª edição, 2008.
FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética, 12ª edição, 2008.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO – TCU.
__.Decisão nº 695/2001 – Plenário. Disponível em < https://contas.tcu.gov.br/juris/Web/Juris/ConsultarTextual2/Jurisprudencia.faces?numeroAcordao=695&anoAcordao=2001>. Acesso em 08.12.2014
__.Acórdão nº 342/2007 – Primeira Câmara. Disponível em < https://contas.tcu.gov.br/juris/Web/Juris/ConsultarTextual2/Jurisprudencia.faces?numeroAcordao=342&colegiado=PRIMEIRA+CAMARA&anoAcordao=2007>. Acesso em 08.12.2014
__.Acórdão nº 2418/2006 – Plenário. Disponível em < https://contas.tcu.gov.br/juris/Web/Juris/ConsultarTextual2/Jurisprudencia.faces?numeroAcordao=2418&anoAcordao=2006>. Acesso em 08.12.2014
__.Acórdão nº 1096/2007 – Plenário. Disponível em < https://contas.tcu.gov.br/juris/Web/Juris/ConsultarTextual2/Jurisprudencia.faces?numeroAcordao=1096&anoAcordao=2007>. Acesso em 08.12.2014
[i] Ver, a propósito, os Acórdãos 342/2007 – 1ª Câmara e 2.418/2006 – Plenário, todos do TCU. O primeiro arrola a inviabilidade de competição entre os requisitos para a contratação com base no artigo 25, II, da Lei 8.666/93. Já o segundo não faz tal arrolamento, contentando-se apenas com os seguintes requisitos, a saber: a) serviços técnicos arrolados no artigo 13; b) singularidade do objeto; e c) notória especialização do contratado. Ver também, a propósito do tema, o Acórdão 1096/2007 – Plenário do TCU.
[ii] Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, editora Dialética, 12ª edição, 2008, págs. 351/352.
[iii] Contratação Direta Sem Licitação, Editora Fórum, 7ª edição, 2008, pág. 593.
[iv] Obra citada, pág. 351/352.
[v] Esse julgado tem natureza normativa, posto que emitido em processo de consulta formulado à Corte de Contas da União pelo Presidente da Comissão de Fiscalização e Controle do Senado Federal.
Procuradora Federal da Advocacia Geral da União. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Pós Graduada em Direito Penal e Processo Penal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARROS, Fabiana Martinelli Santana de. A dimensão adequada para se comprovar a inviabilidade de competição nas modalidades de inexigibilidade de licitação tipificadas nos incisos II e III do artigo 25 da Lei 8.666/93 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 dez 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42368/a-dimensao-adequada-para-se-comprovar-a-inviabilidade-de-competicao-nas-modalidades-de-inexigibilidade-de-licitacao-tipificadas-nos-incisos-ii-e-iii-do-artigo-25-da-lei-8-666-93. Acesso em: 22 nov 2024.
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