Este artigo tem por escopo demonstrar a ilegalidade de decisões que vêm se tornando cada vez mais frequentes na área previdenciária, que são os arestos que, além de conceder os benefícios por incapacidade, condicionam sua cessação à ocorrência da reabilitação profissional.
Como exemplo, veja-se o dispositivo da sentença proferida nos autos do processo 2013.51.62.000080-0, de lavra do Douto Magistrado Federal Fábio Nobre Bueno:
Considerando que o perito judicial informa que a incapacidade laborativa da autora é permanente, fica a autarquia previdenciária desautorizada a cessar o benefício objeto da presente condenação, até que seja considerada habilitada a autora, no processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade, ou, se considerada não-recuperável, for aposentada por invalidez, na forma do que dispõe o art. 62 a Lei n. 8.213/91.
Ora, concessa vênia, não se pode concordar com essa postura judicial que, em última análise, pereniza uma avaliação que recai sobre uma situação fática, por natureza, mutante, que é o estado de saúde.
O fato de no momento do ato pericial o autor da ação ser considerado incapaz de forma permanente não implica que essa análise torne-se imutável com o passar do tempo.
Tal sistemática se aplica mesmo nos benefícios concedidos por decisão judicial, não havendo necessidade de, uma vez aferida em perícia administrativa a ausência da incapacidade, ficar a autarquia previdenciária condicionada à autorização judicial para cessação do benefício.
Mesmo porque, uma vez transitada em julgado a decisão, exauriu-se a prestação jurisdicional, não se podendo imaginar que a demanda fosse perpetuada mediante novas provocações ao juízo em processo cuja lide já foi solucionada.
Note-se que a própria legislação admite a recuperação dos aposentados por invalidez, benefício que tem por requisito que a incapacidade seja considerada permanente pelo perito, ressalte-se, no momento do ato pericial, e de acordo com as técnicas medicinais existentes neste momento.
Com efeito, o art. 47 da Lei 8.213/91 trata exatamente da graduação com que ocorrerá a cessação da aposentadoria por invalidez em casos de recuperação para o trabalho, admitindo, expressamente, que essa recuperação seja total:
“Art. 47. Verificada a recuperação da capacidade de trabalho do aposentado por invalidez, será observado o seguinte procedimento:
I - quando a recuperação ocorrer dentro de 5 (cinco) anos, contados da data do início da aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença que a antecedeu sem interrupção, o benefício cessará:
a) de imediato, para o segurado empregado que tiver direito a retornar à função que desempenhava na empresa quando se aposentou, na forma da legislação trabalhista, valendo como documento, para tal fim, o certificado de capacidade fornecido pela Previdência Social; ou
b) após tantos meses quantos forem os anos de duração do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, para os demais segurados;
II - quando a recuperação for parcial, ou ocorrer após o período do inciso I, ou ainda quando o segurado for declarado apto para o exercício de trabalho diverso do qual habitualmente exercia, a aposentadoria será mantida, sem prejuízo da volta à atividade:
a) no seu valor integral, durante 6 (seis) meses contados da data em que for verificada a recuperação da capacidade;
b) com redução de 50% (cinqüenta por cento), no período seguinte de 6 (seis) meses;
c) com redução de 75% (setenta e cinco por cento), também por igual período de 6 (seis) meses, ao término do qual cessará definitivamente.”
Imaginar que, ainda que constatada a total ausência de incapacidade laborativa nas perícias de revisão de benefício - as quais, diga-se, são um dever legal do INSS – seja vedada a cessação daquele, significa admitir que a autarquia fique eternamente refém de uma decisão, repita-se, exaurida, e proferida com base em uma situação já inexistente.
Esse é ponto nodal da controvérsia posta: não pode uma decisão judicial pretender cristalizar uma condição efêmera como o estado de saúde de um segurado. A recuperação da capacidade de trabalho sem que seja necessária a reabilitação profissional, com a consequente e obrigatória cessação do benefício, não pode ser impossibilitada por uma sentença lastreada em uma causa de pedir já inexistente.
Outrossim, tal possibilidade decorre diretamente de mandamento legal, contido no artigo 71 da Lei 8212/91, verbis:
“Art. 71. O Instituto Nacional do Seguro Social-INSS deverá rever os benefícios, inclusive os concedidos por acidente do trabalho, ainda que concedidos judicialmente, para avaliar a persistência, atenuação ou agravamento da incapacidade para o trabalho alegada como causa para a sua concessão.”
Diante disso, revela-se dissociada da lei e do direito a determinação judicial que condiciona a cessação do benefício à realização de reabilitação.
Pergunta-se: e se a incapacidade for superada sem a realização de reabilitação? E se o autor se negar a frequentar o programa de reabilitação? E se, mesmo reabilitado, não obtiver outra colocação no mercado de trabalho?
A conclusão a que se chega é que o condicionamento da cessação do benefício à reabilitação profissional é ilegal, e, sobretudo, irrazoável, pela pretensão de petrificar uma relação transitória por natureza, que é a do ser humano com seu estado de saúde.
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