O presente artigo tem por objetivo realizar uma breve análise sobre a necessidade de comparecimento de preposto da Fazenda Pública enquanto parte reclamada na audiência inaugural designada na Justiça do Trabalho, ou mesmo nos casos em que há intimação expressa do ente público para tomada de depoimento pessoal.
Trata-se de tema relevante na medida em que, não obstante o disposto no artigo 320, II do Código de Processo Civil – CPC, que afasta a aplicação à Fazenda Pública do efeito material da reveliade presunção da veracidade dos fatos afirmados pelo autor (confissão ficta), o Tribunal Superior do Trabalho possui o entendimento sedimentado na orientação jurisprudencial n.º 152 da SDI-1 no sentido de que a pessoa jurídica de direito público se sujeita aos efeitos da revelia.
De fato, à exceção das relações jurídicas estabelecidas pela Fazenda Pública com base em contratos regidos pelo direito privado (compra e venda, locação etc.), os direitos por ela protegidos são indisponíveis, incidindo a previsão constante no artigo 320, inciso II, do CPC,o qual afasta a confissão ficta do réu revel quando o litígio versar sobre esta espécie de direitos.
Tendo em vista que a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT estabelece a aplicação subsidiária do CPC para os casos em que for omissa (artigo 769), parte da doutrina entende que o artigo 320, inciso II, teria aplicação no processo do trabalho, restando afastada, também nesta seara, a aplicação do efeito material da revelia à Fazenda Pública.[1]
A despeito das controvérsias sobre a matéria, o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, consignado na orientação jurisprudencial n.º 152 da SDI-1, é, como visto, pela sujeição da Fazenda Pública, suas autarquias e fundações públicas, ao efeito material da revelia previsto no artigo 844 da CLT, por entender que inexiste omissão que justifique a aplicação subsidiária do código de processo civil, nem previsão em sentido diverso no Decreto- Lei nº 779/1969, o qual estabelece quais as prerrogativas da Fazenda Pública na Justiça Trabalhista.[2]
Ocorre que, no processo do trabalho, a revelia decorre, em regra, do não comparecimento do reclamado ou do preposto empregado que tenha conhecimento do fato à audiência inaugural, conforme preceitua a CLT:
Art. 843 Na audiência de julgamento deverão estar presentes o reclamante e o reclamado, independentemente do comparecimento de seus representantes salvo, nos casos de Reclamatórias Plúrimas ou Ações de Cumprimento, quando os empregados poderão fazer-se representar pelo Sindicato de sua categoria.
§ 1º É facultado ao empregador fazer-se substituir pelo gerente, ou qualquer outro preposto que tenha conhecimento do fato, e cujas declarações obrigarão o proponente.
Assim, na justiça do trabalho, em não comparecendo à audiência inaugural o réu será considerado revel, ainda que tenha constituído advogado e este compareça e apresente defesa em audiência. Será ainda considerado revel se, comparecendo, não apresentar contestação.
Destarte, tendo em vista que, se o reclamado não comparecer à audiência nem designar preposto ele será revel, ainda que tenha constituído advogado que apresente a defesa, indaga-se, em sendo reclamada pessoa jurídica de direito público, esta será considerada revel no caso de o seu Procurador comparecer em audiência sem preposto?
A nosso ver, e consoante as razões a seguir expostas, é clara a resposta no sentido negativo, ou seja, pela não ocorrência da revelia, bastando a presença e apresentação de defesa pelo Procurador do ente público.
Pela teoria do órgão, adotada por nossa doutrina e jurisprudência, há uma presunção de que a pessoa jurídica de direito público manifesta a sua vontade através dos órgãos que são partes integrantes da sua estrutura, inclusive com imputação da responsabilidade ao Estado dos atos causados pelos seus agentes.
A Procuradoria Judicial integrada por procuradores é um órgão da Fazenda Pública e, quando em juízo, o Estado se faz presente por meio destes procuradores.
A representação exercida pelos procuradores decorre da lei, em razão do vínculo legal que mantêm com a Administração Pública, sendo inclusive dispensada a apresentação de procuração, uma vez que a representação é in reipsa (sem necessidade de prova).
No tocante à União e aos Estados e Distrito Federal, a representação judicial por procuradores admitidos por concurso público de provas e títulos é mandamento constitucional (artigos 131 e 132).
Dispõe ainda o CPC em seu art. 12, inciso II, que “Serão representados em juízo, ativa e passivamente: I - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, por seus procuradores;II - o Município, por seu Prefeito ou procurador;(...)”.
É, assim, comum a afirmação de que os procuradores da Fazenda Pública presentam (e não representam) o ente público em juízo.
No caso da empresa enquanto parte reclamada, esta é “presentada” (se faz presente) pelo empresário (designado como “empregador” pela CLT), o qual poderá (trata-se de uma faculdade) designar preposto em seu lugar para comparecer à audiência inaugural. No caso do ente público, como visto, este se faz presente em juízo por seus Procuradores (estes correspondem, pois, para fins de atuação em juízo, ao empresário da empresa reclamada), de modo que dispensado o comparecimento de preposto do ente público, sendo suficiente a presença do procurador para fins do disposto no artigo 844 da CLT.
Poder-se-ia argumentar que, ainda que o Procurador “presente” o ente público em juízo, a necessidade de comparecimento de preposto decorreria da possibilidade de ser requerido o depoimento pessoal da parte reclamada, uma vez que este deveria ser prestado por agente que possua conhecimento dos fatos.
O referido argumento, todavia, não se sustenta, senão vejamos.
Inicialmente, cumpre consignar que, a grande maioria das demandas propostas perante a Justiça do Trabalho em que é parte a Fazenda Pública tem por objeto a responsabilização subsidiária do ente público em contratos de prestação de serviços (terceirização).
Ora, nos contratos de terceirização cabe ao prestador de serviço a fiscalização dos contratos de trabalho, não possuindo (ou não devendo possuir) a Administração ingerência sobre os contratos e, tampouco, portanto, conhecimento sobre as matérias de fato levantadas na reclamação (horas extras, adicional noturno etc.). Ao órgão público responsável pelo contrato de prestação de serviços cabe tão somente a fiscalização dos encargos contratuais neste previstos.
Destarte, nos casos de responsabilização subsidiária, não haveria sequer que se falar em necessidade de depoimento pessoal por parte da Fazenda reclamada, uma vez que a condenação ou não desta deveria depender apenas da averiguação da devida fiscalização do contrato de terceirização pela Administração, o que é realizado mediante a análise apenas de prova documental.
Em se tratando, por outro lado, de reclamações propostas por empregados públicos em face do ente público empregador, a maior parte dos litígios versam sobre matéria de direito, de forma que sequer necessária a designação de audiência inaugural.
Aliás, tanto neste caso, quanto naqueles em que se postula a responsabilização subsidiária da Administração, a própria Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, por meio da recomendação n.º 02/2013, e considerando os princípios constitucionais processuais da economia e celeridade, recomenda que nos processos em que são partes os entes incluídos na definição legal de Fazenda Pública não seja designada audiência inicial, exceto quando, a requerimento das partes, haja interesse na celebração de acordo.
De qualquer forma, mesmo naqueles casos em que se entenda útil a tomada de depoimento pessoal da Fazenda reclamada, por versar o litígio sobre matéria de fato, ante o disposto nos artigos 131 e 132 da Constituição Federal e, ainda, no artigo 12, incisos I e II, do CPC, nada impede que o depoimento pessoal seja prestado pelo Procurador atuante no feito, o qual deverá ter solicitado o fornecimento ao órgão público responsável de todas as informações necessárias à realização da defesa da Fazenda. E nem se afirme que seria indispensável o conhecimento direto dos fatos, uma vez que mesmo no caso do empresário da empresa reclamadaé possível que este apenas possua conhecimento indireto destes, sem que isto afete a validade ou eficácia do seu depoimento pessoal.
A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho vem se afirmando no sentido aqui defendido:
A representação dos entes de direito público por seus respectivos procuradores decorre de dispositivo constitucional (CF art. 132), igualmente consignado na legislação processual civil (CPC art. 12, I). No presente caso, não se questiona que o procurador signatário da defesa e presente às audiências estivesse legalmente habilitado, de forma que não havia nenhum impedimento legal para que o mesmo prestasse depoimento em nome do Ente Público que naquele momento ele ‘presentava’. É como se a própria pessoa jurídica de direito público ali estivesse. A designação de preposto é mera faculdade e não uma imposição legal. Se assim não fosse, não poderia o empresário depor em juízo, sendo obrigado a designar preposto mesmo que quisesse comparecer pessoalmente para prestar depoimento.
Extrai-se do acórdão da lavra do Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, ao relatar o Recurso de Revista TST-RR N° 493230/1998.3, publicado no DJU-27.04.2001, o seguinte teor: ‘(...).’
..........................
A tal modo, não havia impedimento legal no sentido de que o Procurador prestasse depoimento pessoal pelo Reclamado e não havendo norma expressa a exigir a obrigatoriedade de designação de preposto pelos Entes de Direito Público, dou provimento ao recurso no particular para reformar a r. sentença e afastar a pena de confissão imposta ao Reclamado. (PROCESSO Nº TST-RR-8600-36.2006.5.10.0021 – Relator Pedro Paulo Manus, DEJT 18/11/2010, p.1284)
RECURSO DE REVISTA – PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
Preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional desfundamentada, a teor da Orientação Jurisprudencial nº 115 da SBDI-1. CONFISSÃO FICTA - MUNICÍPIO Nos termos do artigo 12, II, do CPC, o Município pode ser representado por seu Prefeito ou Procurador. Precedentes. Recurso de Revista não conhecido. (PROCESSO Nº TST-RR-71500-06.2006.5.05.0341- Relatora Maria Cristina IrigoyenPeduzzi, DEJT 4/03/2010, p. 1309).
Conclui-se, assim, que a ausência de preposto da Fazenda Pública reclamada na audiência inicial não enseja a revelia prevista no artigo 844 da CLT, uma vez que se trata de mera faculdade do ente público a sua designação, sendo suficiente a presença do Procurador e a apresentação de defesa por este, consoante os termos dos artigos 131 e 132 da Constituição Federal e, ainda, do art. 12, I e II, do CPC.
REFERÊNCIAS
CUNHA, José Carneiro da. A fazenda pública em juízo. 11 ed. São Paulo: Dialética. 2013.
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito Processual do Trabalho. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2012.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
[2]Vide os julgados que ensejaram a redação da orientação jurisprudencial em http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/OJ_SDI_1/n_s1_141.htm#TEMA152
Procurador Federal. Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Clélio de Oliveira Corrêa Lima. Necessidade de comparecimento de preposto da Fazenda Pública na audiência inicial na Justiça do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42412/necessidade-de-comparecimento-de-preposto-da-fazenda-publica-na-audiencia-inicial-na-justica-do-trabalho. Acesso em: 22 nov 2024.
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