ÍNDICE: I. INTRODUÇÃO II. DA VIOLAÇÃO, PELA ADMINISTRAÇÃO, AOS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA (BOA-FÉ OBJETIVA EM SEU COROLÁRIO “VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM”), DA ISONOMIA E DA IMPESSOALIDADE NA PERSPECTIVA DO ADMINISTRADOR/SERVIDOR III. DA SINDICABILIDADE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS VICIADOS. IV. CONCLUSÃO V. BIBLIOGRAFIA.
I – INTRODUÇÃO
O presente estudo pretende trazer à baila algumas reflexões acerca da aplicabilidade do princípio da boa-fé objetiva à esfera do direito administrativo.
Não é demais rememorar que desde o direito romano o estudo da boa-fé se manteve atrelado a intenção do sujeito de direito. Cuidava-se da boa-fé subjetiva, entendida como estado daquele que ignorava um vício relacionado a uma pessoa, bem ou negócio. O caráter intencional intrinsicamente atribuído a boa-fé, inviabilizava qualquer tentativa de publicização do conceito.
Todavia, com o surgimento do jusnaturalismo, os contornos da boa-fé foram ampliados para abarcar a conduta das partes nas relações negociais ou contratuais. Falava-se agora em boa-fé objetiva enquanto exigência de postura leal entre os contratantes.
Competiu ao direito comparado, por meio das obras dos juristas lusitanos Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, a evolução teórica dos conceitos parcelares da boa-fé objetiva: supressio; surrectio, tu quoque, exceptio doli e venire contra factum proprium non potest. A doutrina ainda faz menção ao duty to mitigate the loss, extraído do Enunciado n. 169 CJF/STJ.
Para além desse reconhecimento doutrinário, a jurisprudência brasileira vem aplicando amplamente os deveres anexos ou laterais da boa-fé as mais diversas demandas.
Aqui, trataremos da máxima do “venire contra factum proprium”, na perspectiva principiológica de vedação de comportamentos contraditórios pela Administração, nas relações jurídicas travadas com os administrados e/ou servidores.
II - DA VIOLAÇÃO, PELA ADMINISTRAÇÃO, AOS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA (BOA-FÉ OBJETIVA EM SEU COROLÁRIO “VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM”), DA ISONOMIA E DA IMPESSOALIDADE NA PERSPECTIVA DO ADMINISTRADOR/SERVIDOR
Espera-se da Administração Pública, quer nas relações firmadas com os administrados, quer nas relações firmadas com seus próprios servidores, a adoção de condutas razoáveis. Com efeito, posturas ilógicas, contraditórias e surpreendentes, ao maltratarem o estado psicológico dos expectadores, representam violação ao princípio da segurança jurídica e da boa-fé objetiva.
Venire contra factum proprium nada mais é do que a proibição de comportamento contraditório e “é modalidade de abuso de direito que surge da violação ao princípio da confiança – decorrente da função integrativa da boa-fé objetiva (CC, art. 422)”; in Cristiano Chaves de Farias, Direito Civil. Teoria Geral. Editora: Lumen Juris, 2005, pág. 474.
Essa vedação de comportamento contraditório decorre da boa-fé objetiva, expressamente prevista no art. 422 do Código Civil, e obsta que alguém venha a contradizer a sua própria conduta, após ter produzido em outrem uma determinada expectativa.
A doutrina tem se dedicado ao tema. Anderson Schreiber[1] apresenta os seguintes pressupostos:
“a) um “factum propriu”, ou seja, uma conduta inicial;
b) a legítima confiança de outrem na conservação do sentido objetivo desta conduta;
c) um comportamento contraditório com este sentido objetivo;
d) um dano, ou pelo menos um potencial dano a partir da contradição.”
Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também veda a adoção de posturas contraditórias pela Administração, o que, consoante se depreende dos precedentes que seguem, representa violação não somente ao princípio da razoabilidade, mas também aos princípios da segurança jurídica e da boa fé objetiva no corolário que proíbe comportamentos contraditórios (venire contra factum proprium). Confira-se:
“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO MILITAR. CURSO DE FORMAÇÃO. MATRÍCULA POR FORÇA DE LIMINAR. MÉRITO JULGADO IMPROCEDENTE. MANUTENÇÃO NA ACADEMIA, INGRESSO E PROMOÇÃO NA CARREIRA POR ATOS DA ADMINISTRAÇÃO POSTERIORES À CASSAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL. TRANSCURSO DE MAIS DE CINCO ANOS. ANULAÇÃO. SEGURANÇA JURÍDICA E BOA-FÉ OBJETIVA VULNERADOS. VEDAÇÃO AO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. CONSTATAÇÃO DE QUE O CANDIDATO PREENCHIA O REQUISITO CUJA SUPOSTA AUSÊNCIA IMPEDIRA SUA ADMISSÃO NO CURSO DE FORMAÇÃO. ATENDIMENTO AOS PRESSUPOSTOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS PARA INGRESSO E EXERCÍCIO DO CARGO DE OFICIAL DA POLÍCIA MILITAR.
1. Os princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, bem como a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), impedem que a Administração, após praticar atos em determinado sentido, que criaram uma aparência de estabilidade das relações jurídicas, venha adotar atos na direção contrária, com a vulneração de direito que, em razão da anterior conduta administrativa e do longo período de tempo transcorrido, já se acreditava incorporado ao patrimônio dos administrados.
2. À luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, verifica-se que o Recorrente, em sentido material, preenchia os requisitos editalícios para admissão no Curso de Formação, inclusive aquele cuja ausência formal constituíra obstáculo inicial à sua matrícula e que ensejou o ajuizamento da ação judicial em cujo bojo obteve a liminar.
3. Hipótese em que, embora a liminar que autorizara a matrícula do Recorrente no Curso de Formação tivesse sido cassada, expressamente, em 18 de fevereiro de 1997 e não houvesse nenhum outro título judicial que determinasse sua permanência na carreira militar, não tomou a Administração nenhuma atitude no sentido de afastá-lo. Pelo contrário, além de permanecer matriculado até a conclusão do Curso de Formação, findada em 05 de dezembro de 1997, ingressou na carreira e, ainda, foi promovido, em 05 de outubro de 1998, à patente de 2º Tenente, vindo a ser anulados esses atos tão-somente em 21 de maio de 2002.
4. A ausência de atos administrativos tendentes a excluir o Recorrente das fileiras militares após a cassação da liminar, corroborada pela existência de atos em sentido contrário (manutenção no Curso, promoção), além da instauração de processo administrativo, pela Academia de Polícia Militar, de ofício, para tornar definitiva a matrícula que fora efetivada, inicialmente, em razão de liminar, fez criar uma certeza de que a questão do seu ingresso na carreira militar estava resolvida.
5. Os atos de admissão e promoção do Recorrente praticados pela Administração, bem como o longo tempo em que eles vigoraram, indicavam, dentro da perspectiva da boa-fé, que o seu ingresso na carreira militar já havia se incorporado, definitivamente, ao seu patrimônio jurídico, pelo que sua anulação, com base em fato anterior à prática dos atos anulados (cassação da liminar), feriram os princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, tendo sido infringida a cláusula venire contra factum proprium ou da vedação ao comportamento contraditório.
6. Hipótese concreta que não cuida da aplicação da teoria do fato consumado para convalidar ato ilegal, o que é rechaçado por esta Corte, mas de fazê-la incidir, juntamente com os princípios da segurança jurídica e boa-fé, para tornar sem efeito atos praticados com ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, 9razoabilidade e proporcionalidade.
7. Recurso ordinário provido para conceder a segurança e anular o ato que cassou a promoção do Recorrente à patente de 1º Tenente, bem como o ato que determinou sua exclusão dos quadros da Polícia Militar, determinando seu imediato retorno à função ocupada, com todos os consectários jurídico-financeiros dele decorrentes.
(STJ - RMS 20572/DF – Relatora Ministra LAURITA VAZ – Quinta Turma - DJe 15/12/2009)
PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL – SERVIÇO NOTARIAL E DE REGISTRO – PERDA SUPERVENIENTE DE OBJETO DO MANDAMUS – INEXISTÊNCIA – IMPERATIVOS DE BOA-FÉ OBJETIVA – APLICABILIDADE À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – TEORIA DA ENCAMPAÇÃO – INAPLICABILIDADE AO CASO – PROPOSIÇÃO DE LEI QUE TRATA DE EXTINÇÃO DE DELEGAÇÃO – COMPETENTE O PODER LEGISLATIVO – TEORIA DA CAUSA MADURA – POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO – FINALIDADE PÚBLICA DA DELEGAÇÃO – APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA ENSEJA A EXTINÇÃO DA DELEGAÇÃO.
1. Não há perda de objeto em mandado de segurança quando a Administração Pública, por meio de autoridade incompetente, edita ato administrativo e, depois, a autoridade competente o ratifica. A alegação de perda de objeto, neste caso, é "venire contra factum proprium", conduta vedada ao agente público em face do princípio da boa-fé objetiva na seara pública, na forma do inciso IV do parágrafo único do artigo 2º da Lei n. 9.784/99.
2. Não é pertinente também ao caso a "teoria da encampação", pois esta é aplicada quando: (1) existe vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; (2) ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal; e, (3) manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas, requisitos inexistentes no presente mandamus.
3. É competente o Poder Legislativo para iniciar projeto de lei que trata da extinção de delegação. Não há confundir extinção de delegação com extinção de cargo ou ofício do Poder Judiciário. Não se trata aqui de extinção de cargo ou ofício, tanto que o Presidente do Tribunal de Justiça declarou sua vacância. (Existe, mas não está ocupado).
4. Esta Corte Superior, como instância de superposição, detém jurisdição nacional sobre a Justiças Estadual e Federal e, ainda, considerando estar a causa pronta para ser julgada, por prescindir de dilação probatória, cabível, in casu, o disposto no artigo 515, § 3º, do CPC (Teoria da causa madura). Precedentes.
5. Delegação não é título de nobreza nem título acadêmico, existindo não em função da pessoa que a exerce mas em função do interesse público primário, devendo, portanto, haver previsões legais de perda e extinção (Lei n. 8.935/94). A aposentação voluntária enseja, na forma do inciso II do artigo 39 da Lei n. 8.935/94, a extinção da delegação. Recurso ordinário em mandado de segurança improvido.
(RMS 29493/DF – Relator Ministro HUMBERTO MARTINS– Segunda Turma - DJe 01/07/2009)”
Ressalte-se, ainda, que o princípio da segurança jurídica encontra-se previsto no artigo 5º, XXXVI, CF; ao passo que o princípio da boa-fé objetiva encontra esteio tanto no princípio da moralidade administrativa, previsto no artigo 37, caput, CF, quanto no artigo 2º, parágrafo único, IV da Lei nº 9.784/99, que cuida do processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Porquanto pertinente, confira-se a dicção desse último dispositivo:
Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
[...]
IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
Não bastasse, quando tais comportamentos atingem de maneira indiscriminada e injustificadamente administrados e/ou servidores, viola não só o princípio da isonomia, esculpido no artigo 5º, I, CF, mas também o princípio da impessoalidade na perspectiva do administrado/servidor, previsto no artigo 37, caput, CF. Com efeito, é vedado à Administração estabelecer tratamento diferenciado entre situações equivalentes, bem como adotar posturas que ensejem favoritismos e/ou perseguições.
Porquanto viciados, não resta dúvida de que abusos desse jaez não só podem como devem ser invalidados pelo Poder Judiciário.
Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Enuncia-se com este princípio que a Administracão, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidam a outorga da competência exercida. Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis -, as condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada.”
III - DA SINDICABILIDADE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS VICIADOS
Atualmente, reconhece-se a inexistência de atos completamente discricionários, perdendo significado a distinção entre as categorias dos atos vinculados e dos atos discricionários. Apenas certos aspectos ou elementos do ato administrativo são qualificados como discricionários.
Paralelo a isso, o controle jurisdicional da atividade administrativa não vinculada ganhou novos foros. A invalidação de atos administrativos que agridam princípios administrativos constitucionais, verdadeiras garantias de servidores públicos e administrados, passou a ser plenamente possível em razão do Estado Democrático de Direito e mais particularmente do princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional.
Minimiza-se o dogma da intangibilidade do mérito administrativo, o qual precisa conformar-se os postulados normativos constantes dos princípios constitucionais administrativos. Ademais, até mesmo o controle jurisdicional da atividade administrativa discricionário não mais representa violação ao convívio harmônico entre os Poderes da República (artigo 2º, CF), desde que realizado a partir dos parâmetros normativos.
Nesse sentido, porquanto absolutamente pertinentes ao caso, pede-se vênia para transcrever trechos da obra Controle Jurisdicional da Administração Pública, de autoria de Germana de Oliveira Moraes, in verbis:
“Hoje em dia não mais se discute a possibilidade – reconhecida, à unanimidade, pela doutrina jus-administrativista, de controle jurisdicional da aplicação pela Administração Pública de normas que contêm conceitos jurídicos indeterminados, assim como daqueles que atribuem discricionariedade.
[...]
No Direito Brasileiro, os princípios da inafastabilidade da tutela jurisdicional e da separação dos poderes são compatíveis entre si, pois quando, da atividade não vinculada da Administração Pública, desdobrável em discricionariedade e valoração administrativa dos conceitos verdadeiramente indeterminados, resultar lesão ou ameaça a direito, é sempre cabível o controle jurisdicional à luz do princípio da legalidade (art. 37, caput, da Constituição Federal Brasileira), seja em decorrência dos demais princípios constitucionais da Administração Pública, da publicidade, da impessoalidade, moralidade e eficiência (art. 37, caput, da Constituição Federal Brasileira), do princípio constitucional da igualdade (art. 5º, inciso II, da Constituição Federal Brasileira) e dos princípios gerais de Direito da razoabilidade e da proporcionalidade, para o fim de invalidar o ato lesivo ou ameaçador de direito e, em certas situações mais raras, ir ao ponto extremo de determinar a substituição de seu conteúdo por outro indicado judicialmente.
[...]
Os princípios constitucionais explícitos da Administração Pública, da impessoalidade, sob as vertentes da igualdade e da imparcialidade; da moralidade, sob as dimensões da boa-fé, da probidade e da razoabilidade, da eficiência e os princípios gerais do Direito, implícitos na ordem jurídica- da razoabilidade e da proporcionalidade, forneceram os critérios materiais que possibilitaram a extensão do controle jurisdicional para além dos domínios circunscritos à legalidade administrativa.
[...]
São passíveis de invalidação os atos discricionários, quando editados sem levar em consideração as circunstâncias fáticas condicionantes de sua prática ou com desrespeito às limitações jurídicas ao exercício da discricionariedade, designadamente aos parâmetros jurídicos traçados pelos princípios constitucionais da Administração Pública.”
No mesmo sentido, tem-se a jurisprudência tanto do Superior Tribunal de Justiça quanto do Supremo Tribunal Federal. Confiram-se os precedentes que seguem:
“ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. JUIZ SUBSTITUTO DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO CEARÁ. CONTROLE JUDICIAL DO ATO ADMINISTRATIVO. LIMITAÇÃO. OPORTUNIDADE E CONVENIÊNCIA. EXIGÊNCIA DO ENUNCIADO DA QUESTÃO NÃO VALORADA NO ESPELHO DE CORREÇÃO DA PROVA DE SENTENÇA PENAL. AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA CONFIANÇA E DA MORALIDADE. INCLUSÃO DE NOVO ITEM NO ESPELHO DE CORREÇÃO. REDISTRIBUIÇÃO DOS PONTOS.
1. É cediço que o controle judicial do ato administrativo deve se limitar ao exame de sua compatibilidade com as disposições legais e constitucionais que lhe são aplicáveis, sob pena de restar configurada invasão indevida do Poder Judiciário na Administração Pública, em flagrante ofensa ao princípio da separação dos Poderes.
2. Desborda do juízo de oportunidade e conveniência do ato administrativo, exercido privativamente pelo administrador público; a fixação de critérios de correção de prova de concurso público que se mostrem desarrazoados e desproporcionais, o que permite ao Poder Judiciário realizar o controle do ato, para adequá-lo aos princípios que norteiam a atividade administrativa, previstos no art. 37 da Carta Constitucional.
3. Mostra-se desarrazoado e abusivo a Administração exigir do candidato, em prova de concurso público, a apreciação de determinado tema para, posteriormente, sequer levá-lo em consideração para a atribuição da nota no momento da correção da prova. Tal proceder inquina o ato administrativo de irregularidade, pois atenta contra a confiança do candidato na administração, atuando sobre as expectativas legítimas das partes e a boa-fé objetiva, em flagrante ofensa ao princípio constitucional da moralidade administrativa. 4. Recurso ordinário provido.
(STJ - RMS 27566/CE – Quinta Turma - Relator(a) Ministro JORGE MUSSI – Relator(a) para Acórdão Ministra LAURITA VAZ – DJ 17/11/2009) |
“ATO ADMINISTRATIVO. ATO VINCULADO. CONTROLE JURISDICIONAL. REINTEGRAÇÃO DE FUNCIONÁRIO DEMITIDO. E PACIFICO O ENTENDIMENTO DE QUE A APRECIAÇÃO PELO JUDICIARIO DOS PRESSUPOSTOS OU MOTIVOS DETERMINANTES DE UM ATO ADMINISTRATIVO VINCULADO, COMO OCORRE NA ESPÉCIE, NÃO IMPORTA INVASAO DO JUÍZO DISCRICIONARIO DO PODER EXECUTIVO, NO APRECIAR O MÉRITO, SENÃO O EXATO CONTROLE DA LEGALIDADE DO ATO. - RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO
(STF – RE 88121/PR – Rel. Min. Rafael Mayer – DJ 10/08/1979)
CONTROLE JURISDICIONAL DE ATO ADMINISTRATIVO VINCULADO. O EXAME, PELO PODER JUDICIÁRIO, DE SUA LEGALIDADE, COMPREENDE, QUER OS ASPECTOS FORMAIS, QUER OS MATERIAIS, NESTES SE INCLUINDO OS MOTIVOS E PRESSUPOSTOS QUE O DETERMINARAM. EMBARGOS CONHECIDOS E RECEBIDOS.
(STF – RE 75421 EDv/BA – Rel. Min. Xavier de Albuquerque – DJ 18/09/1975)”
IV- CONCLUSÃO
Como visto, aquele que trava uma relação jurídica com a Administração Pública, administrado ou servidor, pode e deve esperar a adoção de posturas razoáveis e coerentes. Trata-se da boa-fé objetiva aplicada ao direito administrativo, enquanto ramo do direito que tem por objeto de estudo todas as relações internas à administração pública bem como as relações firmadas com os administrados.
Condutas ilógicas, contraditórias e surpreendentes malferem os princípios da segurança jurídica (artigo 5º, XXXVI, CF), da moralidade (artigo 37, caput, CF), da isonomia (artigo 5º, I, CF) e da impessoalidade na perspectiva do administrado/servidor (artigo 37, caput, CF), todos consagrados na Constituição Federal de 1988.
Registre-se que com a superação de divisão estanque entre atos discricionários e vinculados, o controle jurisdicional da atividade administrativa não vinculada ganhou novos foros. Apenas certos aspectos ou elementos do ato administrativo são qualificados como puramente discricionários.
Em reforço, a invalidação de atos administrativos que agridam princípios administrativos constitucionais, verdadeiras garantias de servidores públicos e administrados, passou a ser plenamente possível em razão do Estado Democrático de Direito e mais particularmente do princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional.
V- BIBLIOGRAFIA
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Elementos de direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 2003.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. - 5 ed. -Portugal: Livraria Almedina, 2002.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2007
FARIAS. Cristano Chaves de. Direito Civil. Teoria Geral. Editora: Lumen Juris, 2005, pág. 474.
GALINDO, Bruno. Direitos Fundamentais: Análise de sua Concretização Constitucional. Curitiba: Juruá Editora, 2003.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro.18.ed. São Paulo: Malheiros, 1993.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007.
[1] A proibição de comportamento contraditório: a tutela da confiança e ‘venire contra factum proprium’. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 271.
PROCURADORA FEDERAL. ESPECIALISTA EM DIREITO CONSTITUCIONAL PELA UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA. ESPECIALISTA EM CI ÊNCIAS PENAIS PELA UNISUL<br>CURSANDO LLM EM DIREITO EMPRESARIAL. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Ivja Neves Rabelo. Da vedação de comportamentos contraditórios pela Administração Pública - uma visão principiológica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42422/da-vedacao-de-comportamentos-contraditorios-pela-administracao-publica-uma-visao-principiologica. Acesso em: 22 nov 2024.
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