O tema “tempo especial” na seara do direito previdenciário é um campo bem aberto para discussões. Um dos temas em debate hoje diz respeito ao enquadramento ou não como tempo especial em decorrência do uso de arma de fogo.
A nosso ver não cabe o enquadramento como especial pelo risco genérico, periculosidade, em virtude do uso de arma de fogo, como se verá abaixo.
No que diz respeito especificamente à periculosidade inerente ao desempenho de certas funções, é importante atentar para o fato de que, com a exclusão do elemento eletricidade, pelo Decreto 2.172/97, do rol dos agentes nocivos aptos a caracterizar a natureza especial da atividade, tal critério de enquadramento foi extirpado da legislação previdenciária, não sendo mais considerado para efeito de caracterização da atividade como especial.
Trata-se de alteração regulamentar que se justifica plenamente e que favorece o bem senso, uma vez que a razão de ser da contagem privilegiada é a exposição certa a agentes nocivos à saúde que reduzam a vida laborativa útil do trabalhador, o que não se verifica nas hipóteses de mero perigo de exposição, as quais não permitem falar em dano efetivo ao segurado. Nos casos de labor perigoso, os danos ao trabalhador, quando ocorrem, tendem a ser súbitos e de grande monta, a exigir, destarte, técnica legislativa de proteção diversa da contagem.
A aposentadoria especial tem seu embasamento no art. 201, § 1º, da Constituição Federal, que assim dispõe:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)”
No âmbito infraconstitucional, está regulamentada no art. 57 da Lei nº 8.213/91, sendo que após a EC 47/2005, que deu nova redação ao § 1º do art. 201 da CF, a Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, alterou a legislação previdenciária, mais especificamente o artigo 57 da Lei n. 8.213/91, estabelecendo que o segurado deve comprovar a efetiva exposição aos agentes nocivos, revogando a sistemática da presunção legal anteriormente citada.
Cumpre ressaltar como estava redigida tal norma:
"Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
"§ 1º. A aposentadoria especial, observado o disposto na Seção III desta Capítulo, especialmente no art. 33, consistirá numa renda mensal de 85% (oitenta e cinco por cento) do salário-de-benefício, mais 1% (um por cento) deste, por grupo de 12 (doze) contribuições, não podendo ultrapassar 100% (cem por cento) do salário-de-benefício.
"§ 2º. A data de início do benefício será fixada da mesma forma que a da aposentadoria por idade, conforme o disposto no art. 49.
"§ 3º. O tempo de serviço exercido alternadamente em atividade comum e em atividade profissional sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão, segundo critérios de equivalência estabelecidos pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, para efeito de qualquer benefício.
"§ 4º. O período em que o trabalhador integrante de categoria profissional enquadrada neste artigo permanecer licenciado do emprego, para exercer cargo de administração ou de representação sindical, será contado para aposentadoria especial."
E a nova redação da Lei nº 9.032, de 28/04/1995, assim estabeleceu:
"Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.
"§ 1º. A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33 desta Lei, consistirá numa renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício.
"§ 2º. A data de início do benefício será fixada da mesma forma que a da aposentadoria por idade, conforme o disposto no art. 49.
"§ 3º. A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado.
"§ 4º. O segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício.
"§ 5º. O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser considerados prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício.
"§ 6º. É vedado ao segurado aposentado nos termos deste artigo continuar no exercício de atividade ou operações que o sujeitem aos agentes nocivos constantes na relação referida no artigo 58 desta Lei."
Portanto, a alteração do Decreto 2.172/97, que excluiu o agente eletricidade do rol dos agentes nocivos aptos a caracterizar a natureza especial da atividade, acabou por extirpar de vez o elemento periculosidade como autorizador de eventual enquadramento como especial.
Cumpre destacar que a alteração do regulamento está fundamentada na lei, mais especificamente no artigo 57 da Lei 8213/91, com redação dada pela Lei nº 9.032, de 28/04/1995, que somente autoriza o enquadramento como especial diante da comprovação de condições especiais que efetivamente prejudicam a saúde ou a integridade física do trabalhador.
Assim, sequer se justificava diante da alteração legal a permanência da eletricidade no rol do Decreto 2.172/97, como não se justifica hoje o enquadramento de nenhum tempo especial pela periculosidade, o que abarca a situação de trabalho com uso de arma de fogo.
Esperamos que a questão seja melhor analisada e bem ponderada pelos Tribunais.
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