É sabido que os sistemas previdenciários ao redor do mundo vêm passando por reformas. Fatores como o aumento da expectativa de vida somados à diminuição do número de filhos por família levaram ao aumento significativo da população aposentada, sem que houvesse um aumento proporcional no recolhimento de contribuição previdenciária.
No Brasil, os gastos do Ministério da Previdência Social somam mais de 400 bilhões de reais anuais, o que corresponde a mais de 22% do Orçamento Federal, fazendo com que seja, disparadamente, a mais onerosadas pastas.
Apenas com a pensão por morte, são gastos mais de 60 bilhões de reais por ano. A legislação de regência contribuiu para o número expressivo, pois é uma das mais generosas do mundo no tratamento dado ao benefício.
O fato de lidar diariamente com os absurdos aos quais o Erário é exposto pelas brechas da legislação faz com os juristas militantes na área previdenciária tenham a contribuir com sugestões para a reforma previdenciária que há tanto tempo se aguarda e anuncia, e é o objetivo deste sucinto artigo, que não tem a pretensão de esgotar tão complexo assunto.
A pensão por morte é, sem dúvida, o mais oneroso dos benefícios, sob o ponto de vista do equilíbrio entre o valor recolhido por seus instituidores (ou seja, os segurados que vêm a óbito) e o valor que é pago aos dependentes daquele ao longo dos anos.
Há, em minha análise, três razões principais para que isso ocorra: a isenção de carência para a concessão do benefício; a sua vitaliciedade para alguns dos dependentes e a presunção de dependência econômica para filhos, cônjuges e companheiros do segurado.
Dessa forma, as sugestões de reforma passam, necessariamente, pela mudança das regras pertinentes a estes três pontos.
A vitaliciedade e a presunção de dependência econômica tiveram fundamentos comuns em seu desenho legislativo, razão pela qual é didático fazer a abordagem conjunta das duas questões.
A vitaliciedade da pensão por morte é injustificável hoje em dia, ainda mais ocorrendo de forma indiscriminada para os cônjuges e companheiros. Embora posterior à Constituição Cidadã, as normas pertinentes da Lei 8.213/91 foram inspiradas ainda numa sociedade dominada pelo homem, na qual a mulher,via de regra, exercia apenas as funções domésticas.
Foi basicamente sobre este arcabouço sobre o qual se imaginou a pensão vitalícia, qual seja, de que o benefício teria como destinatária uma mulher que, ao perder o marido, jamais teria outra fonte de renda, uma vez que estava totalmente apartada do mercado de trabalho.
Entretanto, sabe-se que essa realidade mudou radicalmente nos dias de hoje. Vivemos num país presidido por uma mulher, e, embora ainda não se possa dizer que há igualdade de oportunidades e presença equânime de homens e mulheres no mercado de trabalho, é acertado afirmar que essa diferença caiu abruptamente, de modo a não mais justificar que se preveja, de forma abstrata e indistinta, a vitaliciedade da pensão por morte.
Tudo o que se disse acima pode ser aplicado à presunção de dependência econômica, ao menos no tocante aos cônjuges e companheiros. Na verdade, esse atributo da pensão por morte com relação aos dependentes arrolados no art. 16, I, da Lei 8.213/91 pode levar a distorções ainda mais graves quando se tem em vista a finalidade do benefício.
Sendo pacíficaa jurisprudência de que essa dependência econômica é presumida de forma absoluta, mesmo famílias abastadas, que não tem a menor necessidade da pensão por morte para organizarem-se financeiramente com a perda de um de seus membros, gozarão do benefício, de forma vitalícia, caso haja um dependente cônjuge ou companheiro.
Para ilustrar o absurdo a que essa previsão indiscriminada pode levar, pensemos, por um exemplo, que o homem mais rico do Brasil viesse a falecer, deixando para seus herdeiros uma fortuna de bilhões de reais. A pensão, para esta família absolutamente irrisória, ainda que represente o teto do RGPS, seria paga até o óbito da viúva.
Portanto, defende-se que a dependência econômica deva ser comprovada em todos os casos, para qualquer classe de dependentes. Poderiam, inclusive, existir patamares de renda familiar mínimo e máximo, a partir dos quais haveria presunção absoluta de dependência ou de ausência de dependência, dada a enorme dificuldade de se demonstrá-la na prática, o que se nota hoje em dia quando o requerente da pensão é um dos genitores do segurado.
Demonstrada a existência da dependência econômica, que seria requisito sinequa non para a obtenção do benefício, a sua manutenção dependeria, como ocorre hoje com o benefício assistencial de prestação continuada, de demonstração periódica da persistência de condição financeira que a justifique.
Contudo, como a pensão por morte não tem caráter assistencial, e sim previdenciário, entendo que deveria haver termos resolutivos que variassem conforme a idade do beneficiário. A idade de 21 anos para os filhos ainda parece adequada. Mas manter indefinidamente o benefício ao cônjuge ou companheiro ainda jovem o desestimularia a ingressar no mercado de trabalho, e, consequentemente, passar a contribuir não apenas com o RGPS, mas com a sociedade como um todo. Parece que o período de 5 anos, talvez com uma redução gradual no valor do benefício ao longo deste tempo, poderia ser um prazo razoável, mas este nível de detalhamento demandaria pesquisa mais aprofundada.
Um adendo: é completamente inconcebível que separados consensuais e divorciados ainda façam jus a proteção previdenciária, da mesma forma que também não pode se pensar na permanência do gozo de pensão por morte após o início de um novo casamento ou união estável. Nesse caso, se fosse abrupta a cessação, os prazos deveriam ser consideravelmente menores.
Quanto à isenção de carência, tenho que deveria seguir sistemática semelhante a dos benefícios por incapacidade. Ou seja, uma carência padrão, e a previsão de sua isenção para o caso de acidentes ou de doenças graves e imprevisíveis.
Nesse ponto, inclusive, fica também uma crítica para a lista de doenças que atualmente isenta a carência para os benefícios por incapacidade: o que justifica isentar o segurado do pagamento de contribuições prévias ao aparecimento da doença não é a sua gravidade, mas a sua imprevisibilidade.
Parece que o legislador, ao se enternecer com a extrema gravidade de determinadas doenças, não notou que a questão da isenção de carência, num regime de caráter securitário, só pode passar pelo reconhecimento de que o contribuinte não poderia prever ser acometido pela doença que surge repentinamente.
A conclusão a que se chega, no presente estudo, sem a pretensão de esgotar o tema, é que, indubitavelmente, o gargalo da pensão por morte tangencia seucaráter vitalício, a presunção absoluta de dependência econômica para alguns e a isenção de carência generalizada. A modificação da Lei 8.213/91 na direção proposta neste artigo indubitavelmente traria uma economia extraordinária aos cofres públicos, sem se descurar do tipo de proteção que o benefício previdenciário deve oferecer.
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