RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de trazer à baila a discussão atinente à aplicação do princípio da insignificância, também conhecido como “crime de bagatela”, no caso de julgamentos que envolvam a prática de crimes por agentes reincidentes em crimes da mesma natureza, inclusive com a abordagem de recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto.
PALAVRAS-CHAVE: Princípio da Insignificância. Crime de Bagatela. Agente Reincidente. Excludente de Tipicidade.
1. INTRODUÇÃO
O princípio da insignificância considera a subsidiariedade do Direito Penal, nesse aspecto argumenta-se que a tutela penal deve ser utilizada como ultima ratio, ou seja, o Estado não deve colocar seu sistema punitivo à disposição de “bagatelas”.
Sobre o assunto, explica Guilherme de Souza Nucci:
Há várias decisões de tribunais pátrios, absolvendo réus por considerar que ínfimos prejuízos a bens jurídicos não devem ser objeto de tutela penal, como ocorre nos casos de “importação de mercadoria proibida” (contrabando), tendo por objeto material coisas de insignificante valor, trazidas por sacoleiros do Paraguai. Outro exemplo é o furto de coisas insignificantes, tal como o de uma azeitona, exposta à venda em uma mercearia. Ressalte-se que, no campo dos tóxicos, há polêmica, quanto á adoção da tese da insignificância: ora a jurisprudência a aceita; ora, rejeita-a.
Há três regras, que devem ser seguidas, para a aplicação do princípio da insignificância:
1) o bem jurídico afetado não pode ser de grande valor para a vítima;
2) não pode haver excessiva quantidade de um produto unitariamente considerado insignificante;
3) não pode envolver crimes contra a administração pública, de modo a afetar a moralidade administrativa.
Apesar de não haver previsão legal os Tribunais pátrios usam o princípio da insignificância como causa excludente supralegal de tipicidade com frequência. Assim, considera-se crime de bagatela aquele que causa uma lesão tão ínfima à sociedade a ponto de se considerar desproporcional a imposição de penalidades. Nas palavras do Professor Luis Flávio Gomes, "apresenta-se como aberrantes (chocantes). Não se pode usar o Direito Penal por causa de uma lesão tão ínfima".
2. DESENVOLVIMENTO
Questão interessante a ser abordada é a do infrator reincidente, que já foi condenado por conduta igual ou semelhante. É possível empregar o princípio da insignificância no caso de repetição de ação da mesma natureza?
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça analisou a tese em julgamento recente, no bojo do Habeas Corpus n° 285.180/MG, em 06/11/2014. Na ocasião, os Ministros, por maioria de votos, decidiram no seguinte sentido:
HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO. FURTO. EXPRESSIVO VALOR DOS BENS SUBTRAÍDOS. RECIDIVA DO PACIENTE EM CRIMES PATRIMONIAIS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM NÃO CONHECIDA.
1. Consoante já assentado pelo Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância deve ser analisado em correlação com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Direito Penal, no sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade da conduta, examinada em seu caráter material, observando-se, ainda, a presença dos seguintes vetores: mínima ofensividade da conduta do agente; ausência total de periculosidade social da ação; ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica ocasionada.
2. Se, do ponto de vista dogmático, a existência de maus antecedentes não poderia ser considerada como óbice ao reconhecimento da insignificância penal – por aparentemente sinalizar a prevalência do direito penal do autor e não do fato –, não deve o juiz, ao avaliar a tipicidade formal, ignorar o contexto que singulariza a ação como integrante de uma série de outras de igual natureza, as quais evidenciam o comportamento humano avesso à norma incriminadora.
3. A subtração de bens de uma drogaria, avaliados em R$ 88,24 – valor superior a 20% do salário mínimo então vigente –, por agente reincidente, que ostenta 3 condenações anteriores por crime de furto e roubo, a denotar sua habitualidade criminosa, não se revela como de escassa ofensividade social e penal.
4. Habeas corpus não conhecido.
Dessa forma, os Ministros entenderam que não é o caso de aplicar a excludente de tipicidade se o Juiz observar no contexto probatório que o agente é deliberadamente reincidente naquele tipo de comportamento, o que é capaz de demonstrar uma especial inaptidão do reú para cumprir os mandamentos legais impostos à sociedade através da incriminação de determinadas condutas e a periculosidade social da ação.
Contudo, é importante destacar o entendimento contrário do Ministro Sebastião Reis Nunes, Relator original, que restou vencido pelo entendimento do Ministro Rogério Schietti Cruz, Relator para o Acórdão:
O atual contexto revela que a res, avaliada em R$ 88,24 (oitenta e oito reais e vinte e quatro centavos) foi totalmente recuperada, sem prejuízo material para a vítima (drogaria), além disso, presa em flagrante em 3/1/2009, a paciente assim permaneceu por mais de 4 meses, e, não obstante a certidão de antecedentes criminais indique até condenações transitadas em julgado em crime de mesma natureza, não creio que a conduta da agente (condenada por furto a cumprir 1 ano de reclusão) traduza a lesividade efetiva e concreta ao bem jurídico tutelado. Também não acredito que a incidência do mencionado princípio fomente a atividade criminosa; são outros e mais complexos fatores que, na verdade, têm instigado a prática delitiva na sociedade moderna.
Com essas considerações, enxergando manifesto constrangimento ilegal a ser reparado na hipótese em análise, apesar de não conhecer do presente writ (que vem como substitutivo), voto pela concessão da ordem de ofício, para extinguir a ação penal.
3. CONCLUSÃO
Pelo exposto, observa-se que a aplicação do princípio da insignificância, embora esteja totalmente pacífica no âmbito dos Tribunais Brasileiros, encontra no âmbito do Superior Tribunal de Justiça a delimitação do seu uso quando a instância superior entende que em hipótese de infrator contumaz o Juiz não deve lançar mão da excludente se constatar no caso concreto que o agente é reincidente em crimes da mesma natureza.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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