RESUMO: Esse artigo é sobre mais um dos casos comuns no dia-a-dia da Administração. A Administração Pública também sofre o controle do Poder de Polícia Ambiental. Ocorre que, é comum o auto de infração ambiental ser lavrado em face de um órgão da Administração, bem como não constar descrição dos fatos e, por vezes, sequer apontar o local da ocorrência da suposta infração. Para analisar a juridicidade de autos de infração ambiental com essas características o estudo baseou-se em doutrina especializada, legislação pertinente e jurisprudência.
Palavras-chave: Direito Administrativo e Ambiental. Poder de Polícia Ambiental. Auto de Infração Ambiental. Órgão Público. Sem personalidade Jurídica Própria. Vícios formais. Nulidade.
INTRODUÇÃO – A errônea definição do agente passivo. Órgão Público. Inexistência de personalidade jurídica. Vício insanável.
É erro comum que agentes autuem um órgão em detrimento do Ente Federado. Ocorre que, trata-se de vício insanável.
Com efeito, o órgão não detém personalidade jurídica própria, o que macula com vício insanável o auto de infração que, ao indicar um órgão público despersonalizado, incorre em indubitável erro na definição do agente passivo.
De acordo com Bandeira de Mello:
“2. Órgãos são unidades abstratas que sintetizam os vários círculos de atribuições do Estado. Por se tratar, tal como o próprio Estado, de entidades reais, porém abstratas (seres de razão), não têm vontade nem ação, no sentido de vida psíquica ou anímica próprias, que estas, só seres biológicos podem possuí-las. De fato, os órgãos não passam de simples repartições de atribuições, e nada mais.
3. Então, para que tais atribuições se concretizem e ingressem no mundo natural é necessário o concurso de seres físicos, prepostos à condição de agentes. O querer e o agir desses sujeitos é que são, pelo Direito, diretamente imputados ao Estado (manifestando-se por seus órgãos), de tal sorte que, enquanto atuam nessa qualidade de agentes, seu querer e seu agir são recebidos como o querer e o agir de órgãos componentes do Estado; logo, do próprio Estado. Em suma, a vontade e a ação do Estado (manifestada por seus órgão, repita-se) são constituídas na e pela vontade e ação dos agentes, ou seja: Estado e órgãos que o compõem se exprimem através dos agentes, na medida em que dita pessoas físicas atuam nessa posição de veículos da posição do Estado.
Os órgãos não passam de simples partições internas da pessoa cuja intimidade estrutural integram, isto é, não têm personalidade jurídica. Por isto, as chamadas relações interorgânicas, isto é, entre os órgãos, são, na verdade, relações entre os agentes, enquanto titulares das respectivas competências, os quais, de resto, diga-se de passagem – têm o direito subjetivo ao exercício delas e o dever jurídico de expressarem-nas e fazê-las valer, inclusive contra intromissões indevidas de outros órgãos.
Em síntese, juridicamente falando, não há, em sentido próprio, relações entre os órgãos, e muito menos entre eles e outras pessoas, visto que, não tendo personalidade jurídica, os órgãos não podem ser sujeitos de direitos e obrigações. Na intimidade do Estado, os que se relacionam entre si são os agentes manifestando as respectivas competências (inclusas no campo de atribuições dos respectivos órgãos). Nos vínculos entre Estado e outras pessoas, os que se relacionam são, de um lado o próprio Estado (atuando por via dos agentes integrados nestas unidades de plexos de competência denominados órgãos), e, de outro, a pessoa que é contraparte no liame jurídico travado.”[i]
Dessa forma, também Curt Trennephol[ii], ensina, mutatis mutandis:
“Por último, de ocorrência muito menos frequente, temos os vícios insanáveis, maior das vezes representados por erros na definição do agente passivo.
(...)
Infelizmente, ainda continua muito comum, também, o erro de autuar a Prefeitura Municipal – que não tem personalidade jurídica - ao invés do Município ou da pessoa física do Prefeito.”[iii]
Disso, pode-se denotar que o auto de infração que autua um Ministério Federal, uma Secretaria Estadual ou Municipal, que não tem personalidade jurídica própria, eis que é um órgão do Ente federado, incide em vício insanável, por indicação errônea do agente passivo, devendo ser declarado nulo.
Da falta de descrição do fato e local da suposta infração. Vício insanável. Nulidade do auto de infração
Outro vício comum que se observa na seara do poder de polícia ambiental é a falta de descrição do fato e do local da suposta infração.
Com efeito, o auto de infração ambiental é um documento pelo qual a autoridade competente certifica a existência de uma conduta que se enquadra como infração à Legislação, caracterizando devidamente a mesma e impondo, de forma expressa, penalidade ao infrator. Ou seja, é um instrumento lavrado nos casos em que se faz necessária a aplicação de penalidades.
O auto de infração é o documento pelo qual se inicia o processo administrativo destinado a apuração da existência, ou não, da infração ambiental. Deve, necessariamente, ser formal e preencher requisitos previstos na norma ambiental aplicável. É oriundo do poder de polícia que detém a administração pública e, por ser da espécie de atos administrativos punitivos, são vinculados à lei e devem respeitar, integralmente, o princípio da legalidade.
Salienta-se que no auto de infração não há falar em informalidade ou discricionariedade, porquanto trata-se de ato vinculado e punitivo, e a forma é requisito inafastável ao cumprimento do devido processo legal, constitucionalmente previsto no inciso LIV do artigo 5º.
Ademais, em relação à forma legal exigida, esta constitui requisito vinculado e imprescindível à sua perfeição, pois a deficiência de forma induz a nulidade do ato administrativo, viciando-o substancialmente e tornando-o, portanto, inválido.
Nos termos do artigo 97 do Decreto 6.514, de 22 de julho de 2008:
Art. 97. O auto de infração deverá ser lavrado em impresso próprio, com a identificação do autuado, a descrição clara e objetiva das infrações administrativas constatadas e a indicação dos respectivos dispositivos legais e regulamentares infringidos, não devendo conter emendas ou rasuras que comprometam sua validade. (Não grifado no original)
Também dispõe o Decreto nº 70.235, de 06 de março de 1972, que trata do processo administrativo fiscal, estabelecendo os elementos imprescindíveis ao Auto de Infração, que de acordo com Curt Trennepohl, pode ser usado analogicamente na definição do conteúdo do auto de infração ambiental:
Art. 10. O auto de infração será lavrado por servidor competente, no local da verificação da falta, e conterá obrigatoriamente:
I - a qualificação do autuado;
II - o local, a data e a hora da lavratura;
III - a descrição do fato;
IV - a disposição legal infringida e a penalidade aplicável;
V - a determinação da exigência e a intimação para cumpri-la ou impugná-la no prazo de trinta dias;
VI - a assinatura do autuante e a indicação de seu cargo ou função e o número de matrícula. (Não grifado no original)
De acordo com Curt Trennepohl:
“ A descrição clara e objetiva das infrações administrativas constatadas deve permitir ao autuado entender exatamente a irregularidade que lhe está sendo imputada, permitindo o exercício da ampla defesa. Consignar infrações vagas como ‘causar poluição de qualquer natureza’ ou ‘causar dano à unidade de conservação’ dificultam a defesa e viciam o auto de infração. Portanto, a descrição deve clara e inteligível, estabelecendo, sempre que possível, um nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano ambiental decorrente.”[iv] (Não grifado no original)
Em verdade, trata-se de vício insanável a falta de descrição clara e objetiva da infração, pois impossibilita ao autuado o exercício do seu direito de defesa, devendo ser declarado nulo:
Art. 100. O auto de infração que apresentar vício insanável deverá ser declarado nulo pela autoridade julgadora competente, que determinará o arquivamento do processo, após o pronunciamento do órgão da Procuradoria-Geral Federal que atua junto à respectiva unidade administrativa da entidade responsável pela autuação.
§ 1o Para os efeitos do caput, considera-se vício insanável aquele em que a correção da autuação implica modificação do fato descrito no auto de infração. (Não grifado no original)
Continua Curt Trennepohl:
“O auto de infração pode, no entanto, conter erro formal, levando à necessidade de saneamento ou anulação por parte da autoridade competente. É indiscutível que o documento não pode apresentar falhas ou imprecisões que dificultem ou impeçam a defesa, como erros ou dubiedade na descrição do fato combatido, no enquadramento ou na dosagem da penalidade.
A forma não pode sobrepor ao conteúdo, mas é imprescindível, sob pena de nulidade, que o fato que ensejou a autuação esteja claramente registrado e descrito e os dispositivos infringidos anotados corretamente, para que a ampla defesa do autuado não reste prejudicada.”[v] (Não grifado no original)
E é assim que, por vezes, são lavrados os autos de infração na seara ambiental.
Muitas vezes, nada é descrito, nem qual é a atividade potencialmente poluidora e nem onde estaria localizada.
Ora, o que poderia extrai-se do que fora descrito de forma demasiadamente genérica? Muita coisa! Qual é atividade potencialmente poluidora? Onde teria ocorrido? A que se refere? Qual aspecto do meio ambiente foi supostamente atingido? Em verdade, são perguntas, muitas vezes, sem respostas que possam ser extraídas de autos de infração lavrados sem a identificação pormenorizada dos fatos e local de ocorrência. Então, como defender-se de uma imputação dessas? Definitivamente, a defesa do autuado se torna impossível diante dessa falta de especificação do ilícito imputado.
“A incorreta ou insuficiente descrição da infração é o principal vício insanável que se encontra nos autos de infração lavrados, por representar prejuízo para a defesa do autuado.”[vi] (Não grifado no original)
O auto de infração é expressão do poder de polícia da administração pública, que encontra limites e, tais limitações, por estarem previstas em lei, devem ser observadas.
Sobre o tema, Hely Lopes Meirelles expõe que:
“Os limites do poder de polícia administrativa são demarcados pelo interesse social em conciliação com os direitos fundamentais do indivíduo assegurados na Constituição da República (artigo 5º). Do absolutismo individual evoluímos para o relativismo social. Os Estados Democráticos, como o nosso, inspiram-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana.”[vii]
O autor conclui seus ensinamentos sobre as limitações do poder de polícia afirmando que se a autoridade ultrapassar o permitido em lei incidirá em abuso de poder, corrigível por via judicial, pois o ato de polícia, como ato administrativo que é, fica sempre sujeito a invalidação pelo poder judiciário, quando praticado com excesso ou desvio de poder.
Em havendo exigência legal acerca dos requisitos do auto de infração, vislumbra-se descaber ao órgão autuador a discricionariedade de dispensá-los. Para tanto, resgata-se, novamente, a pertinente doutrina de MEIRELLES:
“O ato de polícia é, em princípio, discricionário, mas passará a ser vinculado se a norma legal que o rege estabelecer o modo e forma de sua realização. Neste caso, a autoridade só poderá praticá-lo validamente atendendo a todas as exigências da lei ou regulamente pertinente”[viii].
Quanto ao conceito de ato vinculado, como é o caso das autuações ambientais, é aquele para o qual a lei estabelece os requisitos e condições de sua realização. Nessa categoria as imposições legais para a efetivação do auto de infração absorvem, quase que por completo, a liberdade do administrador, uma vez que sua ação fica adstrita aos pressupostos estabelecidos pela norma legal para a validade da atividade administrativa.
Destarte, não há como excluir a imposição de penalidade por infração ambiental do conceito de ato punitivo, vez que visa punir e reprimir as infrações administrativas dos particulares perante a administração, e, tratando-se de punição dirigida aos administrados é vinculada em todos os seus termos à forma legal que a estabelecer.
O auto de infração ambiental, oriundo do poder de polícia da administração pública, é ato formal, punitivo e vinculado, devendo, portanto, atender os requisitos legais previamente estabelecidos.
Sendo constatada a inobservância da lei na expedição do auto de infração, sua nulidade é evidente, por afronta ao princípio da legalidade, da ampla defesa e do contraditório, devendo o autudor anular o auto de infração, e diante da negativa deverá o Ente Federado lesado ingressar em juízo a fim de promover a medida judicial cabível.
Por fim, cumpre esclarecer que esse a indicação errônea de dispositivo legal, que poderia descrever, minimamente uma conduta, o que poder-se-ia pensar tratar-se de um vício sanável, em verdade, está sim a indicar que não houve descrição dos fatos é evidente que o vício é insanável, conforme exaustivamente exposto acima.
IV – DA CONCLUSÃO
A Administração é formada por órgãos que compõem sua estrutura orgânica.
Esses órgãos não detêm personalidade jurídica própria e, por isso, não podem figurar como sujeitos passivos em autos de infração ambiental.
Também, observa-se que, por diversas vezes, o auto de infração ambiental também possui outros vícios insanáveis, tais como a falta de descrição dos fatos e o apontamento do local de ocorrência da suposta infração.
Em todos esses casos o vício é insanável, caso em que deverá ser anulado pela Administração, sob pena de sofrer controle judicial.
NOTAS
[i] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 30ª Edição, revista e atualizada até a Emenda Constitucional 71 de 29.11.2012. São Paulo: Malheiros, pg. 144/145.
[ii] Ex-Presidente do IBAMA.
[iii] TRENNEPOHL, Curt. Infrações contra o Meio Ambiente – Multas, Sanções e Processo Administrativo – Comentários ao Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008. Ed.2. Belo Horizonte: Fórum, p. 57.
[iv] Idem, p. 362.
[v] Ibidem, p. 55/56.
[vi] Ibidem, p. 365.
[vii] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Ed.23. São Paulo: Malheiros, p. 118.
[viii] Idem, p. 120.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Ed.23. São Paulo: Malheiros
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 30ª Edição, revista e atualizada até a Emenda Constitucional 71 de 29.11.2012. São Paulo: Malheiros
TRENNEPOHL, Curt. Infrações contra o Meio Ambiente – Multas, Sanções e Processo Administrativo – Comentários ao Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008. Ed.2. Belo Horizonte: Fórum
Advogada da União lotada na Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Pesca e Aquicultura. Pós-graduada em Direito Processual Civil, Direito Tributário e Direito Empresarial. <br><br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KAWAKAMI, Soraya. Auto de infração ambiental em face de órgão público e outros vícios insanáveis Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42487/auto-de-infracao-ambiental-em-face-de-orgao-publico-e-outros-vicios-insanaveis. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: gabriel de moraes sousa
Por: Thaina Santos de Jesus
Por: Magalice Cruz de Oliveira
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