A Síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), em inglês conhecida como acquired immunodeficiency syndrome (AIDS), é uma doença que afeta o sistema imunológico humano e é causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Tal vírus é transmitido principalmente através de relações sexuais sem o uso de proteção, transfusões de sangue contaminado e de mãe para filho, durante a gravidez, o parto ou na amamentação.
As pesquisas dão conta que o HIV teria surgido no centro-oeste da África, durante o século XX, através do contato dos seres-humanos com primatas. A doença foi reconhecida e observada clinicamente pela primeira vez em 1981, em um laboratório nos Estados Unidos da América.
Não existe atualmente nenhuma vacina disponível para o HIV ou um tratamento que cure a doença, por esse motivo ela virou uma pandemia, que já havia matado cerca de 30 milhões de pessoas até o ano de 2009.
Contudo, a terapia antirretroviral e a prevenção apropriada de infecções oportunistas reduzem a taxa de mortalidade em 80%, aumentando a expectativa de vida para um jovem adulto recém-diagnosticado entre 20 e 50 anos. Ou seja, a doença que, outrora, foi aguda e fatal, transformou-se em uma doença crônica, que pode muito bem ser controlada com medicamentos, permitindo uma vida normal ao seu portador.
Não obstante a tal fato, muitos segurados procuram a o Instituto Nacional do Seguro Social com a intenção de obter benefícios previdenciários por incapacidade, alegando não estarem aptos a exercer atividades laborais pelo simples motivo de serem portadores do vírus HIV.
A autarquia previdenciária, como não poderia deixar de ser, encaminha os segurados para uma perícia médica, onde o expert analisa as condições clínicas do paciente para continuar exercendo suas atividades laborais.
Muitas das vezes a incapacidade não é reconhecida, fazendo com que o segurado, inconformado, vá ao Poder Judiciário com o objetivo de tentar reverter a decisão administrativa.
Infelizmente, alguns juízes e peritos judiciais não compreendem o contexto atual que envolve a doença, concluindo que o simples fato de um indivíduo ser portador do vírus já seria suficiente para incapacitá-lo para o trabalho.
De início, há de se observar que os benefícios previdenciários destinados a assegurar a cobertura de eventos causadores de doenças, lesões ou invalidez, encontram-se previstos na Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991, nos artigos 42 e 59, respectivamente, dependendo da caracterização da incapacidade ser temporária ou definitiva.
Ou seja, premissa inequívoca é que exista uma incapacidade para o exercício de atividades laborais, variando o benefício de acordo com o fato da referida incapacidade ser temporária ou definitiva.
Contudo, alguns juízes, muitas vezes embasados por laudos de peritos judiciais, concluem que o simples fato da pessoa ser portadora do vírus HIV já seria apto a caracterizar a incapacidade para o desempenho de atividade laboral.
Alegam que a doença é estigmatizante e que o preconceito acaba por impossibilitar o exercício de atividades laborais sem perceber, entretanto, que tal postura apenas estimula o preconceito com os portadores da doença.
Afirmar que o indivíduo, apenas por ser portador do vírus HIV, estaria inserido em contexto clínico desfavorável para o exercício de atividades laborais é estimular o preconceito, e não lutar contra ele.
Conforme já foi dito, conquanto a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – SIDA não tenha ainda perspectiva de cura, é sabido que hoje é controlável e pode-se conviver com a doença. Assim, ser portador do vírus HIV não significa estar incapacitado para praticar os atos de uma vida independente, tampouco para o trabalho. É preciso que a doença tenha se manifestado em grau tal que impeça o portador de trabalhar e imponha ajuda de terceiros em sua vida diária.
Nesse sentido há alguns julgados que são bastante esclarecedores, como o abaixo destacado:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO DOENÇA. LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE PARA O EXERCÍCIO DAS ATIVIDADES LABORATIVAS HABITUAIS. 1.Não está o juízo adstrito ao laudo pericial, todavia, não há óbice processual para utilizar-se do mesmo como fundamento de sua convicção . 2.A comprovação de eventual incapacidade para o exercício de atividade que garanta a subsistência, depende da produção de prova pericial. 3.Tendo o laudo pericial concluído que o Autor se apresenta assintomático com relação à Síndrome da Imunodeficiência adquirida (AIDS) e não está incapacitado para o exercício de suas funções laborativas habituais, não há que se falar em concessão de auxílio-doença , nos termos dos artigos 59 e 62 da Lei n.º 8.213/91. 4.Apelação improvida. (PROC. : 2003.61.06.002621-4 AC 1026969 APTE : CARLOS ALBERTO SANTESSO ADV : LARISSA LACERDA GONÇALVES DE ASSIS APDO : Instituto Nacional do Seguro Social -INSS ADV : LUIS PAULO SUZIGAN MANO ADV : HERMES ARRAIS ALENCAR REL ATO R : DES.FED. GALVÃO MIRANDA / DÉCIMA TURMA).
A SIDA, em que pese sua gravidade, se corretamente tratada e acompanhada, não acarreta em nenhuma incapacidade para as atividades da vida diária. O que pode acarretar a incapacidade são as doenças oportunistas a que fica propenso o portador do vírus, contudo, elas devem ser identificadas pelos peritos médicos para que seja reconhecida tal incapacidade.
Nos dias de hoje, com o avanço da medicina, os portadores da AIDS levam uma vida normal, com pouquíssimas restrições. Neste sentido, é uniforme na doutrina médica que o labor serve como fator de recuperação do indivíduo.
Afastar o segurado do trabalho seria contribuir para uma maior estigmatização da doença e para o aumento do preconceito contra os seus portadores, seria estimular aos empresários a não contratarem os portadores de HIV. O próprio indivíduo acaba por sentir diminuído, sem qualquer estímulo para lutar pela correta compreensão da doença e de seu contexto atual.
Assim como os portadores de deficiência, física ou mental, estão sendo cada vez mais estimulados a se inserir na sociedade, inclusive com a prática de esportes e desempenho de atividades laborais outrora exclusivas dos não portadores, os portadores do vírus HIV devem ser estimulados a desenvolver uma vida normal, inclusive com o desempenho de atividades laborais.
Eventuais atividades preconceituosas contra os portadores da doença no mercado de trabalho devem ser severamente punidas e, por outro lado, as empresas devem ser estimuladas a contratar pessoas portadoras da doença, cumprindo também sua função social.
Admitir que o afastamento do segurado de seu ambiente de trabalho contribuiria para seu bem estar é uma visão totalmente equivocada, configurando um verdadeiro retrocesso na luta contra uma doença tão grave.
Assim, salvo se constatada a presença de alguma doença oportunista, que possa causar incapacidade para o desempenho de atividades laborais, os benefícios previdenciários por incapacidade não devem ser concedidos aos indivíduos pelo simples fatos de serem portadores do vírus HIV.
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