Um dos temas que causa maior espanto e indignação nos segurados detentores de benefícios de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, concedidos judicialmente, diz respeito às convocações feitas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para que se submetam a perícias médicas, a fim de verificar se permanece ou não o quadro de incapacidade laboral.
O presente artigo tem como objetivo analisar a legalidade dessas perícias, abordando-se a recente Portaria Conjunta PGF/INSS nº 4/2014, além da doutrina e da jurisprudência pertinente.
2 DOS BENEFÍCIOS DE AUXÍLIO-DOENÇA E DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ
De acordo com o art. 201 da Constituição Federal, a previdência social é organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observando critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e destina-se a cobrir, exemplificativamente, os eventos de doença e de invalidez. Por outro lado, o art. 6º, também da Constituição, estabelece que são direitos sociais o trabalho, a saúde e a previdência social.
Seguindo essas diretrizes, a Lei nº 8.213/91, também conhecida como a Lei de Benefícios, traz os conceitos de aposentadoria por invalidez de auxílio-doença:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
§ 1º A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.
§ 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.
[...]
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Parágrafo único. Não será devido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.
Art. 60. O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz.
§ 1º Quando requerido por segurado afastado da atividade por mais de 30 (trinta) dias, o auxílio-doença será devido a contar da data da entrada do requerimento.
§ 2º (revogado0
§ 3o Durante os primeiros quinze dias consecutivos ao do afastamento da atividade por motivo de doença, incumbirá à empresa pagar ao segurado empregado o seu salário integral.
§ 4º A empresa que dispuser de serviço médico, próprio ou em convênio, terá a seu cargo o exame médico e o abono das faltas correpondentes ao período referido no § 3º, somente devendo encaminhar o segurado à perícia médica da Previdência Social quando a incapacidade ultrapassar 15 (quinze) dias.
[...]
Art. 62. O segurado em gozo de auxílio-doença, insusceptível de recuperação para sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade. Não cessará o benefício até que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não-recuperável, for aposentado por invalidez.
Assim, cumprido o requisito da carência, quando for o caso, e não sendo caso de doença pré-existente, deverá ser concedido benefício de aposentadoria por invalidez ao segurado que estiver total e permanentemente incapaz para trabalhar. E, quando a incapacidade for total ou parcial, mas temporária, ou quando for parcial, mas permanente, será concedido o benefício de auxílio-doença, desde que, igualmente, seja cumprido o requisito da carência, quando for o caso, e não se trate de doença pré-existente à sua filiação ao regime geral de previdência social.
3 A REVISÃO ADMINISTRATIVA DOS BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE
Conforme estabelece a Lei nº 8.213/91, os benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez serão pagos enquanto permanecer o quadro de incapacidade laboral, o qual será verificado periodicamente pela Perícia Médica da autarquia previdenciária, conforme consta no art. 101 da referida Lei:
Art. 101. O segurado em gozo de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e o pensionista inválido estão obrigados, sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da Previdência Social, processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado, e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos
Mesmo nos casos de aposentadoria por invalidez, em que há um quadro mais grave de incapacidade, é possível, em algumas situações, a recuperação de saúde do segurado, permitindo-se, consequentemente, seu retorno à atividade. Por tal razão, há na Lei de Benefícios uma sanção para o caso de o detentor de benefício por invalidez que recupere sua capacidade laboral e volte a trabalhar sem comunicar tal fato ao INSS:
Art. 46. O aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno.
Nesse sentido, Albert Caravaca menciona que:
Como se pode perceber, a previdência social é um direito social que tem como pressuposto a filiação obrigatória dos que exercem atividades remuneradas, bem como a contribuição respectiva, e se destina a suprir a remuneração do trabalhador, quando se encontrar em algumas das situações acima transcritas, em especial, os eventos relativos à doença, invalidez, morte, idade avançada e maternidade. Dessa forma, a previdência social assume um caráter de substitutividade: se não pode receber salário, recebe benefício previdenciário. [...]
Contudo, não são raros os casos em que os segurados aposentados por invalidez reiniciam suas atividades laborais sem comunicar tal fato ao INSS. Como visto, os benefícios previdenciários tem caráter de substituição da remuneração e não de complemento. Além disso, apenas existe o direito a receber benefício de aposentadoria por invalidez quando o segurado estiver incapaz para o exercício de qualquer atividade laboral. Objetivamente, se trabalha não tem direito à aposentadoria por invalidez.
O mesmo raciocínio vale para os casos de benefício de auxílio-doença: recuperando a sua capacidade laboral, há que ser cessado o benefício. E, retornando à atividade sem mencionar tal circunstância à autarquia previdenciária, a cessação se dará na data de seu retorno, cobrando-se os valores pagos indevidamente.
Fato é que grande parte dos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez são concedidos na via judicial. Em tais hipóteses, alguns argumentam que, para cessar esses benefícios, o INSS deveria, por simetria, ajuizar ação revisional. Nesse sentido, há que se referir o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ CONCEDIDA JUDICIALMENTE. REVISÃO PELO INSS. NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO REVISIONAL. DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.
1.Nos limites estabelecidos pelo artigo 535 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade ou eliminar contradição eventualmente existentes no julgado combatido, inocorrente na espécie.
2. Em nome do princípio do paralelismo das formas, concedido o auxílio-doença pela via judicial, constatando a autarquia que o beneficiário não mais preenche o requisito da incapacidade exigida para a obtenção do benefício, cabe ao ente previdenciário a propositura de ação revisional, nos termos do art. 471, inciso I, do Código de Processo Civil, via adequada para a averiguação da permanência ou não da incapacidade autorizadora do benefício.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1221394/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 15/10/2013, DJe 24/10/2013)
Ocorre que decisões como essas desconsideram o fato de que as perícias administrativas são realizadas por médicos devidamente habilitados para tal e que, por serem servidores públicos, devem observância aos princípios constitucionais inseridos no caput do art. 37, da Constituição Federal, entre outros. Além disso, ao se exigir o ajuizamento de uma ação revisional, violando-se o princípio da eficiência, deixa-se transparecer o desconhecimento da situação caótica do Poder Judiciário, inchado com infindáveis demandas judiciais. E, pior, contraria-se frontalmente o disposto no art. 71, da Lei nº 8.212/91:
Art. 71. O Instituto Nacional do Seguro Social-INSS deverá rever os benefícios, inclusive os concedidos por acidente do trabalho, ainda que concedidos judicialmente, para avaliar a persistência, atenuação ou agravamento da incapacidade para o trabalho alegada como causa para a sua concessão.
Giovana Bortoluzzi Fleig traz as seguintes reflexões:
Sem embargo da autoridade do ilustre jurista, tal solução está equivocada. Primeiramente, porque vê o problema a partir de um só ângulo, ou seja, da sentença que condena à concessão do benefício. Entretanto, a solução deve ser idêntica qualquer seja o teor da sentença, isto é, julgue ela procedente ou improcedente a demanda.
Segundo, porque parte de um só fato posterior: o de que, feita a revisão periódica, os médicos constatam o retorno da capacidade laboral e o benefício restou cessado. Mas se a perícia administrativa verificasse a consolidação da situação incapacitante, teria que a Autarquia promover ação revisional para converter o auxílio-doença em auxílio-acidente ou aposentadoria por invalidez?
Após a prolação da sentença, várias são as situações fáticas que podem ocorrer. Por exemplo, depois de sentença de improcedência transitada em julgado, o autor ingressa com novo requerimento administrativo e os médicos da Autarquia entendem estar incapaz para o trabalho. Teria o INSS ou o segurado que propor ação revisional para conceder o benefício?
Outra situação: após a sentença de improcedência, o autor ingressa com novo requerimento administrativo, o qual é indeferido. O autor estaria impedido de propor nova demanda contra a Autarquia? Ou teria que se socorrer de uma ação revisional da sentença anterior, alegando agravamento da sua situação de saúde?
Uma terceira hipótese, agora a partir da sentença de procedência: após o trânsito em julgado, o segurado é chamado à revisão e verifica-se necessidade de transformação do benefício de auxílio-doença para aposentadoria por invalidez ou auxílio-acidente. Teria que a Autarquia propor ação revisional? Ou deveria simplesmente entregar cópia do laudo pericial ao segurado, orientando-lhe que ingresse novamente em juízo, pois o -princípio do paralelismo das formas? não permite a Administração converter o benefício?
Assim, a decisão do Superior Tribunal de Justiça acima transcrita merece reparos, especialmente porque pode trazer consequências danosas aos segurados que, em determinado momento, tiveram contra si uma sentença de improcedência em uma ação que buscava a concessão de benefício por incapacidade. Juliano De Angelis faz a seguinte advertência:
Nas linhas passadas, vimos que a coisa julgada material produz efeitos com relação às questõesdecididas (art. 468, CPC).
Fácil perceber, então, que, se houver fato superveniente, não se pode mais falar em violação ao instituto da coisa julgada material, o que está expressamente consignado no art. 471, I, do CPC.
E por fato superveniente podemos, sim, incluir o agravamento do quadro incapacitante.
[...]
Possível, assim, após a sentença de improcedência, o ingresso de nova ação contra o INSS pela ocorrência de agravamento da incapacidade laboral, mas desde que verificada após o trânsito em julgado.
E para o ingresso da segunda ação, pautada no agravamento da incapacidade laboral, imperioso que o segurado faça o prévio requerimento administrativo do benefício perante o INSS.
Isso porque, na linha do recente entendimento do STF[11], é necessário haver a pretensão resistida para o ingresso em juízo, sob pena de falta de interesse processual (art. 267, VI, do CPC).
Dessa forma, a ação previdenciária proposta depois do trânsito em julgado questionaria em juízo o indeferimento do segundo requerimento administrativo, sem que se pudesse aduzir eventual coisa julgada material. Este, como dito alhures, abrange apenas o primeiro requerimento administrativo.
Em outros termos, condicionar a cessação ou, no caso dos segurados, a concessão de benefício a uma ação revisional não encontra amparo no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade. Olavo Bentes David afirma que:
Note-se que a possibilidade de a Administração rever de ofício benefícios previdenciários concedidos judicialmente é decorrente de seu poder de autotutela. Com efeito, à Administração é dado rever os seus atos, de forma a possibilitar a adequação destes à realidade fática em que atua, e declarar nulos os efeitos dos atos eivados de vícios quanto à legalidade.
Mesmo quando provocado por decisão judicial, a concessão de benefícios previdenciários é um ato administrativo em sua essência, que deve ser revisto quando não mais preenchidos os requisitos legais para sua manutenção.
Tomadas as devidas cautelas, tal revisão não configura ofensa à coisa julgada. O Executivo é autônomo perante os demais Poderes constitucionalmente constituídos e, tal autonomia, consubstanciada no princípio da autotutela, confere à Administração o poder-dever de rever seus atos, desde que adstrita ao princípio da legalidade.
Não se trata de insurgência contra decisão judicial transitada em julgado. Antes, as decisões judiciais não conferem ao jurisdicionado um manto protetor que lhe permita auferir direitos sem o preenchimento dos requisitos previstos em lei.
Ao emitir a sentença, o juiz se atém à situação fática que lhe á apresentada. Havendo alteração neste contexto, pode (e deve) a Administração usar de seu poder de autotutela, sem que, para tanto, necessite recorrer ao Judiciário. Trata-se de corolário do princípio constitucional da independência e autonomia dos Poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário).
No entanto, para que a cessação administrativa do benefício por incapacidade não ocorra à revelia do princípio da legalidade, cumpre ao INSS observar as necessárias cautelas.
De forma mais ponderada, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região assim decidiu:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. IMPOSSIBILIDADE DE CESSAÇÃO DE BENEFÍCIO SUB JUDICE. Benefício por invalidez concedido por antecipação de tutela, ainda sub judice, não pode ser cancelado em razão de perícia administrativa antes do trânsito em julgado da decisão. (TRF4, AG 0007608-46.2013.404.0000, Quinta Turma, Relator Rogerio Favreto, D.E. 25/02/2014)
Como visto, nessa decisão condicionou-se a revisão administrativa à ocorrência do trânsito em julgado. Contudo, a Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais não faz, observando o que determina o art. 71 da Lei nº 8.212/91, não fez qualquer ressalva:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. POSSIBILIDADE DE REVISÃO ADMINISTRATIVA. CURSO DA DEMANDA. ART. 71 DA LEI 8.212/91. ART. 101 DA LEI 8.213/91. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO PROVIDO. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 7º DO RITNU. 1. O INSS, ora recorrente, pretende a modificação do acórdão que, confirmando a sentença por seus próprios fundamentos, determinou que o prazo para a reavaliação periódica do benefício de auxílio-doença fosse iniciado a partir do trânsito em julgado da decisão final. Argumenta que o prazo estipulado pelo art. 71 da Lei 8.212/91 deve ser contado a partir da perícia e não do trânsito em julgado. Cita como paradigma o recurso n. 2007.36.00.703003-5, oriundo da Turma Recursal de Mato Grosso. 2. Inicialmente, o incidente foi inadmitido pelo Presidente desta Turma, que entendeu incidir na espécie a Questão de Ordem 3 deste colegiado, em razão de suposta ausência de indicação da fonte da qual extraído o aresto paradigma. Entretanto, em virtude de embargos declaratórios interpostos pelo INSS, a questão foi revista e o pedido, aceito, por restar configurada a divergência nacional. 3. Razão assiste ao recorrente. Dispõe o art. 71 da Lei 8.212/91 que o INSS deve rever os benefícios previdenciários, ainda que concedidos judicialmente, para verificar se persistem as condições clínicas que levaram ao seu deferimento. Já o art. 101 da Lei 8.213/91 impõe a obrigatoriedade de o segurado em gozo de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez submeter-se a exame médico disponibilizado pela Previdência Social, sob pena de suspensão do benefício. 4. Dessa forma, ainda que se trate de benefício deferido judicialmente, o titular deve ser convocado pelo INSS, na forma prevista em norma regulamentadora, para comparecer na repartição e passar por nova perícia, na qual será aferido se persistem os motivos que autorizaram a concessão. Poder-se-ia argumentar que o deferimento judicial justificaria um tratamento diferenciado, por ter o segurado sido avaliado por um perito imparcial, auxiliar do juízo, que concluiu pela incapacidade. Todavia, não há razão para a distinção. A uma, porque a lei não o fez; ao contrário, deixou claro que o benefício concedido judicialmente deveria ser reavaliado. A duas, porque a avaliação médica não se distingue, mesmo se o médico for servidor do INSS, tendo em vista a sua vinculação com a ciência médica e os protocolos de saúde, que são únicos para todo profissional da medicina. 5. É de se registrar que o INSS não convoca os beneficiários para a revisão considerando a doença de que são acometidos, mas pelo tipo de benefício: se se trata de auxílio-doença, a cada seis meses; se aposentadoria por invalidez, a cada dois anos. Isso diminui a carga da pessoalidade que pode causar ruído na aferição da incapacidade, como já ocorreu no passado, quando certas doenças eram mal vistas pela Administração previdenciária, que impunha revisão em prazos curtíssimos. 6. No caso em exame, é de se constatar que o acórdão recorrido contrariou o conteúdo da norma prevista no art. 71 da Lei 8.212/91, já que proibiu o INSS de rever administrativamente o benefício de auxílio-doença até o trânsito em julgado da decisão. 7. Julgamento de acordo com o art. 46 da Lei 9.099/95. 8. Incidente conhecido e provido para (i) firmar a tese de que a concessão judicial de benefício previdenciário não impede a revisão administrativa pelo INSS, na forma prevista em norma regulamentadora, mesmo durante o curso da demanda; (ii) decotar a parte do acórdão que manteve a sentença e autorizou a revisão do benefício somente após o trânsito em julgado da decisão final. 9. Julgamento realizado de acordo com o art. 7º, VII, a), do RITNU, servindo como representativo de controvérsia.
(Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal nº 50005252320124047114; Relator: Juiz Federal Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves; data de publicação: 07 jun. 2013)
Essa decisão encontra-se melhor situada com a realidade do dia-a-dia das lides previdenciárias e evita-se uma situação absurda que seria o caso de, após denúncia e comprovado o retorno voluntário ao trabalho de um segurado detentor de auxílio-doença, ter o INSS de, mesmo assim, ajuizar uma ação para poder cessar o mencionado benefício, em frontal detrimento ao interesse maior da sociedade, que custeia o pagamento dos benefícios previdenciários.
4 DA RECENTE PORTARIA PGF/INSS Nº 4/2014
Tendo em conta, portanto, a legislação previdenciária e a decisão proferida no PEDILEF nº 50005252320124047114, foi editada a Portaria Conjunta PGF/INSS nº 4, de 10 de setembro de 2014, da qual merecem destaques os conceitos trazidos quanto à competência funcional para a revisão, além dos prazos a serem observados pela autarquia previdenciária:
Art. 9° A revisão administrativa dos benefícios previdenciários ou assistenciais concedidos judicialmente é aquela realizada pelos peritos médicos ou assistentes sociais da previdência social com o intuito de verificar, exclusivamente, a manutenção da incapacidade laboral ou da deficiência definida pelo perito judicial e reconhecida na decisão judicial.
§ 1º As questões relativas à Data do Início da Incapacidade - DII e ao diagnóstico médico atestado pelo perito judicial, quanto aos seus efeitos sobre a carência e a qualidade de segurado, somente podem ser debatidas nas atividades relativas à assistência técnica, não devendo ser tratadas na revisão administrativa.
§ 2º Nos casos de processos não transitados em julgado, se o perito médico ou o assistente social tiver conhecimento, na revisão administrativa, de fatos novos relevantes para a solução da lide, deverá registrá-los no laudo médico pericial ou no parecer social da revisão administrativa para fundamentar sua decisão, demonstrando eventual persistência, cessação, atenuação ou agravamento da situação que ensejou a concessão judicial.
Art. 10. Os benefícios implantados por força de decisão judicial devem ser revisados preferencialmente:
I - após 6 (seis) meses da implantação judicial ou do trânsito em julgado em se tratando de auxílio-doença, salvo fato novo;
II - após 2 (dois) anos da implantação judicial ou trânsito em julgado, para aposentadoria por invalidez e benefício de prestação continuada da assistência social, salvo fato novo; e
III - quando especificado no parecer de força executória do órgão de execução da PGF.
§ 1º Se a decisão judicial fixar prazo e condições diversas do estabelecido nos incisos I e II deste artigo prevalecerá o comando determinado pelo juízo.
§ 2º Poderá ser realizada a revisão administrativa pela perícia médica antes do trânsito em julgado do processo judicial, exceto quando:
I - o assistente técnico acompanhar a perícia judicial e emitir laudo conclusivo pela capacidade laborativa, salvo a ocorrência de fato novo;
II - a discussão da lide envolver, tão-somente, o preenchimento da qualidade de segurado e da carência.
§ 3º Caso o Perito Médico Previdenciário conclua, em sede de revisão administrativa, que o segurado está capacitado para o trabalho ou com incapacidade com limite de tempo indefinido, não será necessária a repetição periódica da revisão antes do trânsito em julgado da sentença que concedeu o benefício, salvo fato novo.
Art. 11. A cessação do benefício concedido judicialmente pode ocorrer nas seguintes hipóteses:
I - cumprimento de decisão judicial que a determine;
II - fixação expressa da Data de Cessação do Benefício - DCB na decisão judicial;
III - em cumprimento de orientação exarada em manifestação jurídica do órgão de execução da PGF, na hipótese tratada no art. 14; e
IV - nos casos em que houver trânsito em julgado e que a revisão administrativa concluir pela recuperação da capacidade laborativa/cessação do impedimento de longo prazo, bem como a superação das condições que ensejaram a concessão do benefício judicial.
§ 1º Cabe à APSADJ/SADJ a cessação do benefício nas hipóteses I e III e à APS Mantenedora nos casos dos incisos II e IV, ambos deste artigo.
§ 2º Nos casos em que a decisão judicial condicionar a cessação do benefício à reabilitação profissional, o benefício será mantido até a conclusão deste procedimento.
§ 3º Em caso de não comparecimento do segurado à data agendada para a revisão administrativa, o benefício concedido judicialmente não poderá ser suspenso ou cessado antes do trânsito em julgado, devendo, imediatamente, ser comunicado o fato ao órgão de execução da PGF para as providências previstas no art. 16.
Art. 12. Serão revisados prioritariamente os benefícios concedidos por decisão judicial já transitada em julgado de segurados com menos de 60 (sessenta) anos de idade.
Dessa forma, tratando-se de benefício de auxílio-doença, o INSS deverá efetuar a convocação do segurado após seis meses da implantação do referido beneficio. E, no caso de aposentadoria por invalidez, o prazo será de dois anos, contado, igualmente, da sua implantação. Convém destacar, no entanto, que, havendo denúncia de retorno voluntário ao trabalho, tal fato deverá ser imediatamente apurado.
Além disso, poderá ocorrer de, em atenção à conclusão do Perito Médico que atuou no processo, a decisão judicial poderá fixar a data de cessação do benefício (DCB) de auxílio-doença, ou, então, condicionar a sua cessação à reabilitação profissional. Nesse último caso, após informação da Unidade da Procuradoria-Geral Federal, o INSS irá encaminhar o processo administrativo ao setor competente para convocar o segurado a iniciar os procedimentos para a sua reabilitação e posterior reinserção no mercado de trabalho, ou, sendo inviável tal hipótese, converter o benefício de auxílio-doença em aposentadoria por invalidez.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os benefícios de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença destinam-se a atender aos eventos que impedem os segurados de exercer suas atividades laborais. Havendo a recuperação da capacidade laboral, decorrente da melhora em seu quadro de saúde, ou mediante reabilitação profissional, tais benefícios deverão ser cessados. Prioriza-se a reinserção do segurado no mercado de trabalho, cumprindo-se com os direitos sociais relativos ao trabalho, saúde e previdência social.
Para tanto, deverá ser feita uma verificação periódica pela Perícia Médica do INSS, de acordo com os prazos estabelecidos na legislação previdenciária.
Em que pese grande quantidade de benefícios por incapacidade sejam concedidos ou restabelecidos na via judicial, a Lei nº 8.212/91, atendendo ao princípio constitucional da eficiência, e a fim de evitar o colapso do Poder Judiciário, estabelece em seu art. 71 que, mesmo nesses casos, será possível a convocação dos segurados para averiguar sua situação clínica e a possibilidade de cessar o benefício ou, por outro lado, constatando-se a impossibilidade de sua recuperação ou de reabilitação profissional, converter, por exemplo, um benefício de auxílio-doença em aposentadoria por invalidez.
As decisões judiciais que impõem ao INSS o ajuizamento de ações revisionais para cessar os benefícios por incapacidade, além de contrariarem a legislação em vigor, não atendem aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e, em casos mais graves, como os relacionados ao retorno voluntário ao trabalho, impõem à sociedade um ônus demasiado, relativo não só à manutenção indevida do pagamento do benefício previdenciário, mas também relativa ao custo de movimentação do próprio Poder Judiciário.
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Procuradora Federal desde novembro 2007. Chefe de Divisão de Gerenciamento da Dívida Ativa da Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria-Geral Federal de 2009 a 2010. Ex-Procuradora do Estado do Rio Grande do Sul. Especialista em Direto Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIZZI, Ângela Onzi. Cessação administrativa de benefícios por incapacidade concedidos judicialmente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42489/cessacao-administrativa-de-beneficios-por-incapacidade-concedidos-judicialmente. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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