RESUMO: O presente trabalho busca abordar o novo requisito trazido pela Emenda Constitucional nº20/98 para a concessão do auxílio-reclusão, qual seja, a baixa renda.
Palavras-chave: Auxílio-Reclusão. EC nº 20/98. Baixa Renda. Inconstitucionalidade. Renda a ser considerada.Flexibilização.
INTRODUÇÃO
A emenda Constitucional nº 20/98 alterou a redação do artigo 201, da Constituição Federal, e o auxílio-reclusão, que antes era deferido aos dependentes de todos os segurados da previdência, ficou restrito apenas aos segurados de baixa renda.
Além das críticas quanto à constitucionalidade dessa alteração, muito se discutiu a respeito de qual renda deveria ser analisada para fins de concessão do benefício, se a do segurado ou a de seus dependentes.
A jurisprudência vinha se inclinando para considerar a renda dos dependentes, mas em decisão proferida em 07/05/2009, o STF entendeu em sentido contrário.
Também analisando o requisito da baixa renda, o STJ proferiu decisão em 06/11/2014, na qual entendeu ser possível a flexibilização do critério econômico para a concessão do benefício.
Diante disso, o presente estudo inicia-se apresentando as alterações trazidas ao auxílio-reclusão pela Emenda Constitucional nº 20, para, em seguida, abordar brevemente a questão da sua constitucionalidade. No capítulo seguinte, abordamos a questão de qual renda deve ser considerada na concessão do benefício – se a do segurado ou a dos seus dependentes, apontando os argumentos principais de cada corrente. No capítulo final trazemos a decisão do STJ, proferida no Recurso Especial nº 1.479.564. Finalizamos o trabalho apresentando o nosso ponto de vista sobre as decisões proferidas por nossas Cortes Superiores.
1. A Baixa Renda como Requisito para a Concessão do Auxílio-Reclusão a partir da EC Nº20/98
O auxílio reclusão é benefício pago aos dependentes do segurado de baixa renda recolhido à prisão que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.
Nas palavras do ilustre mestre Hermes Arrais Alencar, trata-se de benefício “criado com o intuito de garantir a subsistência da família do segurado detento ou recluso, durante o período no qual a família se ressente da perda temporária de uma fonte de subsistência.”[1]
O auxílio-reclusão foi previsto, pela primeira vez, em sede constitucional, na Carta Magna de 1988, nos seguintes termos:
“Art. 201. Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a:
I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte, incluídos os resultantes de acidentes do trabalho, velhice e reclusão;
II - ajuda à manutenção dos dependentes dos segurados de baixa renda;
(...)”
A Emenda Constitucional nº 20/98 alterou o dispositivo citado, limitandoo auxílio-reclusão aos segurados de baixa renda:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
(...)
IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
(...)”
A menção genérica contida anteriormente no art.201, II, da Carta Maior – ajuda aos dependentes dos segurados de baixa renda – passou a ser expressamente aplicada ao auxílio-reclusão.
O artigo 13 da Emenda Constitucional nº 20, por sua vez, trouxe os critérios para fixar a baixa renda:
“Art. 13. Até que a lei discipline o acesso ao salário-família e auxílio-reclusão para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), que, até a publicação da lei, serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social”.
Ordinariamente, o auxílio-reclusão é previsto no artigo 80 da Lei nº 8.213/91[2] e regulamentado pelos artigos 116 a 118 do Decreto nº 3.048/99. Entretanto, a Lei de Benefícios não faz menção à baixa renda, a qual é citada somente no artigo 116 do Regulamento da Previdência Social:
“Art. 116. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço, desde que o seu último salário-de-contribuição seja inferior ou igual a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais).
(...)”
Até o presente momento não foi publicada a lei mencionada no artigo 13 da EC nº 20/98 que continua, portanto, responsável por disciplinar a baixa renda. E o valor apontado no dispositivo citado (e também no artigo 116 do Decreto 3.048), vem sendo atualizado através de Portarias Ministeriais/ Interministeriais. Eis a tabela com os valores desde 1998:
PERÍODO |
VALOR MENSAL DA RENDA BRUTA |
A partir de 1/1/2014 |
R$1.025,81 - PORTARIA INTERMINISTERIAL MPS/MF Nº 19, DE 10 DE JANEIRO DE 2014 |
A partir de 1º/1/2013 |
R$971,33 - PORTARIA INTERMINISTERIAL MPS/MF Nº 11 , DE 08 DE JANEIRO DE 2013, (posteriormente revogada pela PORTARIA INTERMINISTERIAL MPS/MF Nº 15, DE 10 DE JANEIRO DE 2013) |
A partir de 1º/01/2012 |
R$915,05 – PORTARIA INTERMINISTERIAL MPS/MF Nº 02, DE 06 DE JANEIRO DE 2012 |
A partir de 1º/1/2011 |
R$ 862,11 – PORTARIA INTERMINISTERIAL MPS/MF Nº 568, DE 31 DE DEZEMBRO DE 2010 |
A partir de 1º/1/2010 |
R$ 810,18 – PORTARIA INTERMINISTERIAL MPS/MF Nº 333, DE 29 DE JUNHO DE 2010 |
A partir de 1º/1/2010 |
R$ 798,30 – PORTARIA INTERMINISTERIAL MPS/MF Nº 350, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2009 |
De 1º/2/2009 a 31/12/2009 |
R$ 752,12 – PORTARIA INTERMINISTERIAL MPS/MF Nº 48, DE 12 DE FEVEREIRO DE 2009 |
De 1º/3/2008 a 31/1/2009 |
R$ 710,08 – PORTARIA INTERMINISTERIAL MPS/MF Nº 77, DE 11 DE MARÇO DE 2008 |
De 1º/4/2007 a 29/2/2008 |
R$ 676,27 - PORTARIA MPS Nº 142, DE 11 DE ABRIL DE 2007 |
De 1º/4/2006 a 31/3/2007 |
R$ 654,61 - PORTARIA MPS Nº 119, DE 18 DE ABRIL DE 2006 |
De 1º/5/2005 a 31/3/2006 |
R$ 623,44 - PORTARIA MPS Nº 822, DE 11 DE MAIO DE 2005 |
De 1º/5/2004 a 30/4/2005 |
R$ 586,19 - PORTARIA MPS Nº 479, DE 07 DE MAIO DE 2004 |
De 1º/6/2003 a 31/4/2004 |
R$ 560,81 - PORTARIA MPS Nº 727, DE 30 DE MAIO DE 2003 |
De 01/06/2002 a 31/05/2003 |
R$468,47 – PORTARIA MPAS Nº 525, DE 29 DE MAIO DE 2002 |
De 01/06/2001 a 31/05/2002 |
R$429,00 - PORTARIA MPAS Nº 1.987, DE 4 DE JUNHO DE 2001 |
De 01/06/2000 a 31/05/2001 |
R$398,48 - PORTARIA MPAS Nº 6.211, DE 25 DE MAIO DE 2000 |
De 01/06/1999 a 31/05/2000 |
R$376,60 - PORTARIA MPAS Nº 5.188, DE 6 DE MAIO DE 1999 |
De 16/12/1998 a 31/05/1999 |
R$360,00-EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98 |
Verifica-se, portanto, que a baixa renda, prevista genericamente na Constituição desde 1988,veio com o objetivo de reduzir a concessão do auxílio-reclusão, até então concedido aos dependentes de todos os segurados da Previdência Social, independentemente do valor de sua renda bruta mensal.
Entretanto, muitas foram as críticas a esse novo requisito trazido pelo legislador constituinte derivado.
Wladimir Novaes Martinez, citado por Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, assim se manifesta a respeito da limitação trazida pela Emenda 20:
“Altera-se significativamente o auxílio-reclusão, passando a ser direito do mesmo trabalhador que faz jus ao salário-família: segurado de baixa renda. A modificação do benefício, para pior, é incompreensível e discriminatória, convindo suscitar impropriedade em face de outros postulados fundamentais da Lei Maior.”[3]
Analisando a questão sob o aspecto social, a restrição imposta pela EC n. 20/98, permitindo a concessão do auxílio-reclusão somente aos segurados de baixa renda, mostra-se coerente com a finalidade do próprio benefício, que é garantir o sustento da família que ficou desamparada com a prisão de seu provedor. Ou seja, o benefício somente será deferido àqueles que realmente necessitem. As famílias dos segurados com melhores condições financeiras, apesar de sofrerem com a prisão de um membro seu, são capazes de suprir suas necessidades, não se justificando o pagamento do benefício a elas.
Juridicamente, apesar de, num primeiro momento, parecer que a discriminação trazida pela Emenda viole o princípio da isonomia, não é o que ocorre.
É preciso lembrar que o artigo 201, II, da Constituição Federal, em sua redação original, já determinava que os planos de previdência social ajudassem na manutenção dos dependentes dos segurados de baixa renda.O que a EC nº 20/98 fez, foi apenas trazer esse mandamento constitucional para o auxílio-reclusão, fazendo valer os princípios da seletividade e da distributividade, previstos no artigo 194, III, da Carta Maior, segundo os quais o legislador pode eleger os benefícios e serviços que melhor atendam aos mais necessitados e garantam o bem-estar e a justiça social.
Nas palavras de Sergio Pinto Martins, “o legislador seleciona para poder distribuir.”[4]
Ademais, o princípio da isonomia não significa dar tratamento igual a todos, mas tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade.É exatamente isto que a nova redação do artigo 201, IV, da Constituição faz: dar tratamento diferenciado aos dependentes do segurado de baixa renda que são aqueles que realmente necessitam de ajuda na ausência de seu provedor.
2. Qual a renda a ser considerada: a dos dependentes ou a do segurado?
Outra questão polêmica envolvendo o requisito inserido pela Emenda 20 diz respeito ao titular da renda. Para saber se há direito ao auxílio-reclusão, deve ser considerada a renda do segurado ou a dos seus dependentes?
Os defensores da tese de que a renda a ser considerada é a dos dependentes, argumentam que o benefício é destinado à subsistência destes. Portanto, nada mais lógico que analisar a renda deles e, sendo verificado que a família tem condição financeira capaz de lhe garantir vida digna durante o período de privação de liberdade do segurado, o recebimento do benefício não se justifica.
Trata-se, segundo eles, de interpretação mais razoável e coerente com o ideal do constituinte derivado, que foi o de proteger aqueles que realmente necessitam.
Ainda de acordo com essa corrente, a concessão do auxílio-reclusão exige do intérprete uma leitura mais detida à redação do artigo 13 da Emenda nº 20[5] - da qual se poderia extrair que a renda a ser considerada é a dos dependentes - não devendo ele se restringir à interpretação literal do artigo 201, IV, da CF/88 e muito menos se limitar ao quanto dispõe o “caput” do artigo 116, do Decreto nº 3.048/99 – que fala expressamente em salário-de-contribuição do segurado - e cuja função é apenas regulamentar.
A jurisprudência vinha se inclinando para essa direção[6]:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AUXÍLIO-RECLUSÃO. REQUISITOS. DESTINATÁRIO DA RESTRIÇÃO. DEPENDENTE DO RECLUSO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. O auxílio-reclusão é devido aos dependentes de baixa renda, dos segurados recolhidos à prisão, que não recebam remuneração da empresa nem estejam em gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço, desde que o seu último salário-de-contribuição seja inferior ou igual a R$ 586,19 (quinhentos e oitenta e seis reais e dezenove centavos), conforme disposto no artigo 201, inciso IV, da Constituição Federal, artigo 80 da Lei nº 8.213/91, artigo 116 do Decreto nº 3.048/99, bem como pela Portaria nº 479/04 do Ministério da Previdência Social. 2. Entrementes, tal disposição não se dirige ao ex-segurado, mas a seus dependentes, vale dizer, o que colhe aferir é se a renda mensal desses últimos ultrapassa o montante lá ventilado, eis que se trata de benefício previdenciário disponibilizado não ao próprio trabalhador, mas aos seus beneficiários - aqueles a que faz alusão o artigo 16 da Lei nº 8.213/91 - que, em virtude da inviabilidade do exercício de atividade laborativa no âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) pelo recluso, deixam de contar com rendimento substancial para a sua mantença. 3. Na espécie, infere-se que o segurado foi recolhido à prisão em 10.08.2004, conforme atestado de permanência carcerária, sendo certo que nessa época detinha a qualidade de segurado da Previdência Social conforme se constata através da juntada dos documentos encartados às fls. 16/20 (extratos do INSS e último holerith do segurado). 4. A dependência da filha do segurado recluso é presumida ante o teor do artigo 16, inciso I e §4º da Lei de Benefícios. 5. Honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento), calculados sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença, consoante o parágrafo 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil e Súmula nº 111 do STJ. 6. Apelação parcialmente provida.” (AC 00114761120084039999/ AC – Apelação Cível – 1288709. TRF 3ª região. Sétima Turma. Relator Desembargador Federal AntonioCedenho. Data da Decisão 06/10/2008, e-DJF3 Judicial 2 DATA:21/01/2009 PÁGINA: 927) |
“PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-RECLUSÃO.. REQUISITOS. 1. As condições para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-reclusão são idênticas às estabelecidas para a pensão por morte, regendo-se pela lei vigente à época do recolhimento do segurado à prisão. 2. Consoante dispõe o inciso IV do art. 201 da Constituição Federal, o auxílio-reclusão será devido aos dependentes dos segurados de baixa renda, renda esta que, segundo jurisprudência pacífica desta Corte, diz respeito aos ganhos dos dependentes do segurado recolhido à prisão (Precedente: TRF4, AC 2003.04.01.016397-0, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, publicado em 16/11/2005). 3. In casu, a renda auferida pelo dependente é inferior ao limite de renda previsto em lei, lhe sendo devido o auxílio-reclusão. 4. Estando ausente a verossimilhança do direito alegado, deve ser indeferido o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.” (AC 200404010272701 - AC - APELAÇÃO CIVEL. TRF 4ª região. Quinta Turma. Relator Celso Kipper. Data da Decisão 13/02/2007. D.E. 07/03/2007). |
“PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. ART. 13 DA EC 20/98. BAIXA RENDA DOS DEPENDENTES. ART. 116 DO DECRETO 3.048/99. LIMITE REGULAMENTADOR EXTRAPOLADO. CONSECTÁRIOS. O auxílio-reclusão objetiva proteger os dependentes do segurado que, ante a ausência dos rendimentos desse, restariam desamparados. A correta hermenêutica que se deve fazer do art. 13 da EC 20/98 é no sentido de que o mesmo se refere à renda bruta dos dependentes do segurado e não da renda do próprio segurado. Considerando-se que, na época da prisão do segurado, os seus dependentes não possuíam renda superior aos limites fixados na legislação vigente naquele tempo, é de ser-lhes concedido o benefício de auxílio-reclusão desde a data do requerimento administrativo, conforme pedido na inicial A correção monetária deve ser calculada conforme os índices oficiais, incidindo a partir da data do vencimento de cada parcela, nos termos dos Enunciados das Súmulas nºs 43 e 148 do STJ. Os juros moratórios são devidos à taxa de 1% ao mês, a contar da citação, na forma dos Enunciados das Súmulas nº 204 do STJ e nºs 03 e 75 do TRF da 4ª Região e precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Os honorários advocatícios, a cargo do INSS, são devidos no patamar de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação deste julgado, excluídas as parcelas vincendas, a teor da Súmula 111 do STJ e 76 deste Tribunal.” (AC 200472100017307 – AC Apelação Cível. TRF 4ª região. Turma Suplementar. Relatora Luciane Amaral Corrêa Münch. Data da Decisão 07/02/2007. D.E. 23/02/2007). |
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. QUALIDADE DE DEPENDENTE E BAIXA RENDA. COMPROVAÇÃO. ART. 201, IV, DA CF/88. ART. 13, EC 20/98. DECRETO N.º 3048/99, CAPUT DO ARTIGO 116. INAPLICABILIDADE. 1. A renda bruta a ser considerada para fins do auxílio-reclusão é aquela auferida pelos dependentes do segurado por ocasião do recolhimento à prisão, e não a do próprio segurado, consoante interpretação do art. 13 da EC nº 20/98. 2. É irrelevante o fato de o último salário percebido pelo segurado ter sido superior ao teto previsto no art. 116 do Decreto nº 3.048/99, porquanto este não pode extrapolar ou contrapor-se à norma constitucional, avançando além da sua função regulamentar. 3. Restando comprovada a qualidade de dependente, dentre aqueles indicados no art. 16 da Lei nº 8213/91, cuja renda bruta é inferior ao teto limite estabelecido no art. 13 da EC 20/98, é devido o benefício de auxílio-reclusão. 4. Remessa oficial e apelação do INSS improvidas. (AC 200172020024094 - AC - APELAÇÃO CIVEL. TRF 4 região. Quinta Turma. Relator Luiz AntonioBonat. DJ 16/08/2006 PÁGINA: 594) |
Nesse mesmo sentido posicionou-se a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais:
“DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO- RECLUSÃO. ARTIGO 19 DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20 DE 1998. INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. REQUISITO ECONÔMICO DOS DEPENDENTES BENEFICIÁRIOS. 1 O requisito econômico para o acesso ao benefício do auxílio-reclusão, instituído pelo artigo 13 da Emenda Constitucional nº 20/1998, refere-se à renda dos beneficiários da proteção previdenciária, vale dizer, dos dependentes do segurado recluso. 2 Interpretação da norma constitucional derivada por meio dos princípios constitucionais hermenêuticos da unidade e da força normativa da Constituição, tendo presente, além da letra do artigo 13 e da finalidade do benefício em questão, sua conexão com o direito fundamental social à previdência social. 3 Pedido conhecido e improvido.” (PEDILEF 200372040049391. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. TNU. Relator Juiz Federal Roger Raupp Rios. 25/06/2004). |
O Supremo Tribunal Federal, contudo, pacificou o entendimento em sentido contrário, ou seja, para a análise do direito ao benefício deve ser considerada a renda do segurado:
"EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. ART. 201, IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LIMITAÇÃO DO UNIVERSO DOS CONTEMPLADOS PELO AUXÍLIO-RECLUSÃO. BENEFÍCIO RESTRITO AOS SEGURADOS PRESOS DE BAIXA RENDA. RESTRIÇÃO INTRODUZIDA PELA EC 20/1998. SELETIVIDADE FUNDADA NA RENDA DO SEGURADO PRESO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. I - Segundo decorre do art. 201, IV, da Constituição, a renda do segurado preso é que a deve ser utilizada como parâmetro para a concessão do benefício e não a de seus dependentes. II - Tal compreensão se extrai da redação dada ao referido dispositivo pela EC 20/1998, que restringiu o universo daqueles alcançados pelo auxílio-reclusão, a qual adotou o critério da seletividade para apurar a efetiva necessidade dos beneficiários. III - Diante disso, o art. 116 do Decreto 3.048/1999 não padece do vício da inconstitucionalidade. IV - Recurso extraordinário conhecido e provido.
(RE 587.365, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 25/03/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO. DJe-084 DIVULG 07-05-2009 PUBLIC 08-05-2009 EMENT VOL-02359-08 PP-01536)
O eminente Relator esclarece em seu voto:
“Ora, basta uma leitura perfunctória da norma em questão para concluir que o Estado tem o dever constitucional de conceder o auxílio-reclusão aos ‘dependentes’ dos presos que seja, ao mesmo tempo, ‘segurados’ e ‘de baixa renda’. Do contrário constaria do texto constitucional, como bem observou o recorrente, a expressão ‘ o auxílio-reclusão para os dependentes de baixa renda dos segurados’.
Em outras palavras, a Constituição circunscreve a concessão do auxílio-reclusão às pessoas que: (i) estejam presas; (ii) possuam dependentes; (iii) sejam seguradas da Previdência Social; e (iv) tenham baixa renda.”
Ainda no corpo de seu voto, o ilustre Ministro Ricardo Lewandowski chama a atenção para a intenção do constituinte derivado de restringir a concessão do benefício, elegendo como critério limitador a renda do segurado e que, interpretação diversa, far-se-ia chegar a situações indesejáveis, como, por exemplo, no caso de segurados presos,apenas com filhos menores de 14 anos - proibidos de trabalhar pela Constituição (art. 227, §3º, I,), e que, portanto, sempre teriam direito à concessão do benefício, independentemente da condição financeira do encarcerado.
O eminente Ministro Carlos Britto, acompanhando o voto do Relator, chama a atenção, também, para o fato de que o destinatário do benefício são os dependentes do segurado, mas o destinatário da norma constitucional é o segurado de baixa renda e, portanto, a renda dele é que deve ser considerada.
O ínclito Ministro Marco Aurélio, por sua vez, lembra que não existe benefício previdenciário sem prévia fonte de custeio e que a Previdência Social tem caráter contributivo, de modo que é a situação daquele que contribuiu que deve ser levada em conta para a análise do direito ao benefício.
3. DaFlexibilizaçãodoCritério Baixa Renda pelo Superior Tribunal de Justiça
Em recente decisão proferida no dia 06/11/2014, o Superior Tribunal de Justiça, sob o argumento da proteção social, entendeu ser possível a concessão do auxílio-reclusão mesmo quando a renda do segurado ultrapassa os valores fixados pelas Portarias Ministeriais:
“RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. POSIBLIDAE DE FLEXIBLIZAÇÃO DO CRITÉRIO ECONÔMICO ABSOLUTO PREVISTO NA LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PREVALÊNCIA DA FINALIDAE DE PROTEÇÃO SOCIAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. RECURSO ESPECIAL DO INS AQUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O benefício de auxílio-reclusão destina-se diretamente aos dependentes de segurado que contribuía par a Previdência Social no momento de sua reclusão, equiparável à pensão por morte; visa prover o sustento dos dependentes, protegendo-os nesse estado de necessidade.
2. À semelhança do entendimento firmado por esta Corte, no julgamento do Recurso Especial 1.2.57/MG, Representativo da Controvérsia, onde se reconheceu a possibilidade de flexibilização do critério econômico definido legalmente para a concessão do Benefício Assistencial de Prestação Continuada, previsto na LOAS, é possível a concessão do auxílio-reclusão quando caso concreto revela necessidade de proteção social, permitindo ao Julgador a flexibilização do critério econômico para deferimento do benefício, ainda que o salário de contribuição do segurado supere o valor legalmente fixado como critério de baixa renda.
3. No caso dos autos, o limite de renda fixado pela Portaria Interministerial, vigente no momento de reclusão da segurada, para definir o Segurado de baixa-renda era de R$ 710,80 ao passo que, de acordo com os registros do CNIS, a renda mensal da segurada era de R$ 720,90 superior aquele limite.
4. Nesta condições, é possível a flexibilização da análise do requisito de renda do instituidor do benefício, devendo ser mantida procedência do pedido, reconhecida nas instâncias ordinárias.
5. Recurso Especial do INSS a que se nega provimento.”
(RECURSO ESPECIAL Nº1.479.564 -SP (2014/019371-0). STJ. Primeira Turma. Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO. Disponibilizado no DJ Eletrônico de 17/11/2014)
CONCLUSÃO
Inexiste inconstitucionalidade na restrição da concessão do auxílio-reclusão somente aos dependentes do segurado de baixa renda. Além de ela ser coerente com a própria finalidade social do benefício, não há ofensa ao princípio da isonomia e os objetivos de seletividade e distributividade, que norteiam a seguridade social brasileira, são atendidos.
Além disso, cumpre dizer que o direito aos benefícios previdenciários deve ser analisado sob a ótica do segurado, afinal, é ele que contribui para o regime geral.
No caso do auxílio-reclusão, a sua concessão exige, primeiramente, a qualidade de segurado. Após, deve-se analisar se ele está preso e se ele não está recebendo remuneração (caso o segurado esteja recebendo remuneração da empresa o benefício já é indeferido e a questão da baixa renda nem chega a ser analisada). Também para calcular a renda mensal do benefício consideram-se os salários de contribuição do segurado. Porque somente com relação ao requisito “baixa renda” é que se deveria analisar a situação dos dependentes? Não são poucas as discrepâncias que podem surgir desta opção.
Além daquela já apontada pelo eminente Ministro Relator do RE 587.365, pensemos na seguinte situação: segurado possui contrato de trabalho com uma empresa e recebe em torno de R$3.000,00 por mês. É preso em novembro/2014, quando a renda bruta para aferição da baixa renda estáfixada em R$1.025,81. Ele possui uma esposa que recebe um salário de R$1.200,00 e um filho de 17 anos de idade que já trabalha e recebe um salário mínimo.
Para aqueles que defendem que a renda a ser considerada é a dos dependentes, qual renda deve ser analisada: a da esposa?(e nesse caso o benefício não será devido); a do filho?(e nesse caso o benefício será devido); ou uma média dos dois? Qualquer que seja a resposta, qual a base legal para isso?
E outro problema aparece: para aferir a baixa renda considera-se a renda dos dependentes, mas para calcular a renda mensal do benefício consideram-se as remunerações do segurado. Não seria um contrassenso analisar uma renda para verificar o direito ao benefício, mas usar outra para calculá-lo?
Impossível, portanto, considerar a renda dos dependentes para verificar se o requisito “baixa renda” está preenchido. Sim, pois não é o que diz o artigo 201, IV, da CF/88, cuja redação é expressa acerca da concessão do benefício aos dependentes do segurado de baixa renda – o adjetivo se refere a segurado e não aos dependentes – e é nesse sentido que se deve interpretar o artigo 13 da EC nº20/98.Não se pode admitir que o constituinte derivado quis dizer uma coisa ao alterar o artigo 201 e, depois, dizer outra na mesma Emenda Constitucional.
Assim, seja em razão da interpretação literal e teleológica do art. 201, IV, da Constituição, seja em função das complicações práticas que a utilização da renda dos dependentes pode gerar, a renda do segurado preso é que deve ser utilizada como parâmetro para a concessão do benefício e não a de seus dependentes, merecendo aplausos a decisão do Supremo Tribunal Federal.
Por outro lado, não podemos concordar com a decisão do STJ ao flexibilizar o critério econômico para a concessão do auxílio-reclusão.
A norma contida no artigo 13, da EC nº 20/98 é assaz clara e fixa um valor que, segundo o entendimento do legislador, configura a baixa renda autorizadora da concessão do benefício.
A sua relativização pelo Poder Judiciário implica na concessão de auxílio-reclusão a quem não preenche os requisitos legais, violando os princípios da seletividade e distributividade previstos no artigo 194, III, da CF/88. Trata-se de princípios que impedem a interpretação extensiva da norma.
Se olegislador fixou um parâmetro, cabe ao Judiciário aplica-lo até que a lei disciplinando a baixa renda seja publicada e, eventualmente, traga critérios distintos daqueles que estão atualmente em vigor. Caso contrário, o julgador estará substituindo o legislador, em clara ofensa ao princípio da separação dos poderes.
A proteção aos mais necessitados, invocada pela Corte Superior, deve ser levada em consideração no momento da elaboração da norma, quando são fixados os critérios que caracterizam a baixa renda, e não no momento de sua aplicação.
REFERÊNCIAS
ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários. 4 ª ed. Ver. E atual. Com obediência às leis especiais e gerais. São Paulo: Liv. E Ed. Universitária de Direito, 2009;
ALVES, Hélio Gustavo. Auxílio- Reclusão: direitos dos presos e de seus familiares: com análise das inconstitucionalidades da baixa renda. 2 ª ed. São Paulo: LTr, 2014;
CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014;
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. 6 ª ed. São Paulo: LTr, 2014;
MARTINS, Sergio Pinto. Direto da Seguridade Social. 34 ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.
[1] ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários. 2009. p. 541.
[2]“Art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.
Parágrafo único. O requerimento do auxílio-reclusão deverá ser instruído com certidão do efetivo recolhimento à prisão, sendo obrigatória, para a manutenção do benefício, a apresentação de declaração de permanência na condição de presidiário.”
[3] CASTRO, Carlos Alberto de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 2014. p. 824.
[4] MARTINS, Sergio Pinto. Direito da Seguridade Social. 2014. p.61.
[5] Defende o ilustre mestre Hermes Arrais Alencar que “quando o art. 13 diz que esse benefício, auxílio-reclusão, será concedido apenas ‘àqueles’, a única substituição admissível desse termo será valendo-se da expressão ‘dependentes’(...)”. (ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários. 2009. p. 543).
[6] A Turma Regional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais da 4ª região editou o seguinte enunciado:
Súmula nº5: “Para fins de concessão do auxílio-reclusão, o conceito de renda bruta mensal se refere à renda auferida pelos dependentes e não a do segurado recluso.”
Procuradora Federal, graduada em 2001 pela Faculdade de Direito da PUC Campinas e pós-graduada em Direito Tributário também pela PUC Campinas no ano de 2009.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Flavia Malavazzi. A análise da baixa renda na concessão do auxílio-reclusão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42493/a-analise-da-baixa-renda-na-concessao-do-auxilio-reclusao. Acesso em: 22 nov 2024.
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