RESUMO: O presente estudo busca abordar os direitos que surgem para o servidor público que realiza atribuiçõesde cargo diverso para o qual foi originariamente investido, por meio de concurso público.
PALAVRAS-CHAVE: Servidor Público. Concurso Público. Desvio de Função. Enquadramento. Diferença Remuneratória.
INTRODUÇÃO
O desvio de função é prática comum no cotidiano da Administração Pública,o que gera inúmeras ações judiciais, nas quais os servidores pleiteiam o enquadramento no cargo cujas funções vêm exercendo, além requerer o pagamento da remuneração correspondente.
O cerne da questão está na análise do artigo 37, II, da Constituição Federal de 1988, que exige a prévia aprovação em concurso público para o acesso a qualquer cargo ou emprego público, salvo para os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.
A jurisprudência é unânime em afastar o direito de enquadramento do servidor ao novo cargo, em respeito ao mandamento constitucional citado. Entretanto, ela se divide no que diz respeito ao direito do servidor de receber as diferenças salariais decorrentes do desvio de função.
DESENVOLVIMENTO
A investidura em cargos ou empregos públicos da Administração direta e indireta exige prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.
A obrigatoriedade de concurso público está previsto no artigo 37, II, da Constituição Federal de 1988:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(...)”.
Diferentemente do que ocorria na vigência das Constituições anteriores[1], que exigiam a submissão a concurso público somente para a primeira investidura, a partir da Constituição atual tornou-se imprescindível o concurso para ingresso em qualquer carreira diversa daquela para a qual o servidor ingressou inicialmente por concurso. Ou seja, a obrigatoriedade do concurso não mais se limita à hipótese singular da primeira investidura em cargos ou empregos públicos. Dentro da mesma carreira, o acesso aos seus diversos degraus se faz por critérios internos de seleção (o que se costuma chamar de promoção), mas desejando o servidor ter acesso a cargo distinto, deve, necessariamente, submeter-se a novo concurso, em igualdade de condições com os demais concorrentes.
São inconstitucionais, portanto, os concursos internos e as ascensões funcionais, em que pessoas admitidas para cargos básicos da Administração Pública são investidas em cargos mais elevados após realização de seleções internas ou mera apresentação de diploma de nível superior.
Alexandre de Moraes esclarece:
“A Constituição Federal é intransigente em relação à imposição à efetividade do princípio constitucional do concurso público, como regra a todas as admissões da administração pública, vedando expressamente tanto a ausência deste postulado, quanto seu afastamento fraudulento por meio de transferência de servidores públicos para outros cargos diversos daquele para o qual foi originariamente admitido”.[2]
Nesse sentido é a Súmula 685, do Supremo Tribunal Federal: “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.
A adoção do critério do concurso público para o ingresso no serviço público não só permite que sejam escolhidos para ocupar o cargo ou emprego aqueles com melhores qualificações, mas, especialmente, faz valer os princípios constitucionais da igualdade, da impessoalidade e da moralidade.
Hely Lopes Meirelles ilustra com maestria a finalidade do concurso público.
“O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso, afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder leiloando cargos e empregos públicos”.[3]
A importância dada ao concurso público, pelo constituinte originário, pode ser verificada no artigo 37, § 2º, da Constituição[4], que é a única hipótese em que, de modo expresso, a Constituição determina a anulação do ato administrativo e a obrigatoriedade de punição daquele não observou as regras relativas ao concurso para o provimento dos cargos públicos.
É dentro desse contexto que o desvio de função, prática ainda comum no serviço público, deve ser analisado.
O desvio de função ocorre quando o servidor é compelido a realizar tarefas privativas de cargo diverso do seu.
Existem situações, porém, em que o servidor é designado para o exercício de função de confiança, passando a receber gratificação por esse acréscimo de tarefas,que são diversas das características do cargo originário. Desde que essas novas atribuições não sejam privativas de outro cargo, não há que se falar em desvio de função.
Nesse sentido já se manifestou a jurisprudência:
“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DATILÓGRAFO. DESVIO DE FUNÇÃO. PAGAMENTO DE DIFERENÇAS SALARIAIS COM BASE NA REMUNERAÇÃO DE AUDITOR-FISCAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (LEI Nº 11.457/20070). IMPOSSIBILIDADE.
1. Apelação interposta pelo particular contra sentença que julgou improcedente o pedido do autor, ocupante do cargo de Datilógrafo, em ação proposta contra o INSS visando o pagamento de diferença remuneratória por haver trabalhado em desvio de função, no exercício das atribuições de Auditor-Fiscal da Previdência Social, transformado em Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil pela Lei nº 11.457/2007 (Super Receita), condenando-o ao pagamento das custas judiciais e de honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.000,00, nos termos do art. 20, parágrafo 4º, do CPC.
2. (...)
3. A questão controvertida diz respeito ao alegado desvio de função, em relação ao qual o apelante pretende ver reconhecido o direito à diferença remuneratória, haja vista que na qualidade de servidor concursado nomeado para o cargo de Datilógrafo haveria exercido as atribuições funcionais típicas de Auditor-Fiscal da Previdência Social até 31 de outubro de 2007.
4. O conjunto sistemático de atividades, atribuições e poderes laborativos, integrados entre si, que formam uma unidade no contexto da divisão do trabalho estruturada definem a função. Por sua vez, a tarefa consiste em uma atividade específica, estrita e delimitada, existente na divisão do trabalho estruturada. É uma atribuição ou ato singular no contexto da prestação laboral. Assim, uma mesma tarefa pode estar presente na composição de mais de uma função, sem que isso venha necessariamente a comprometer a identidade própria e distintiva de cada uma das funções comparadas. A tarefa de atendimento ao público, por exemplo, pode estar presente em distintas funções.
5. O que se verifica, no presente caso, é que o autor, por ter executado determinadas tarefas comuns ao cargo de Auditor-Fiscal da Previdência Social e de Datilógrafo, no exercício de Função Gratificada de Chefia da Seção de Orientação da Arrecadação, acreditou estar desempenhando atribuições de Auditor-Fiscal da Previdência Social. Contudo, uma mesma tarefa pode compor várias funções, conforme salientado anteriormente, sem, necessariamente, comprometer a identidade própria e distintiva de cada uma das funções comparadas.
6. Para que fique configurado o desvio de função, exige-se a prova de que o trabalho exercido é fruto de esforço intelectual próprio, que não necessita supervisão constante, e que detenha a responsabilidade pelo trabalho desenvolvido e autonomia para decidir frente a situações conflitantes, não sendo esta a hipótese dos autos, visto que "ao proceder ao confronto das atribuições exercidas pelo autor com as dos cargos de auditor-fiscal conclui-se que não há correlação entre elas. No máximo, quando as atribuições se aproximam, como no caso da 'orientação aos contribuintes ou sujeitos passivos', nota-se que neste momento a parte autora estava desempenhando função gratificada, logo, já recebia um plus remuneratório pelo seu desempenho, não existindo direito a ressarcimento. Além disto, conforme minuciosamente descrito acima, as atribuições típicas de Auditor Fiscal têm nítido caráter decisório, incompatível com a descrição das funções que o autor afirma ter desempenhado na petição inicial."
7. Assim, tem-se que o mero desempenho das tarefas apontadas na inicial não caracteriza o desvio de função, até porque, in casu, as atividades exercidas pelo apelante não configuravam atividade privativa de Auditor-Fiscal da Previdência Social, consideradas asfunções especificadas no Anexo I da OS/IAPASSAD-135/1986, publicada no BS/IAPAS/DG nº 42, de 05 de março de 1986 (v. fls. 04/05) e aquelas pelo exercício de Função Gratificada (v. fls. 05 e 71). 8. Precedente desta eg. Segunda Turma: AC450708/AL, Desembargador Federal Fernando Braga, Segunda Turma, DJE 11/07/2013. 9. Apelação improvida.”
(AC 00005986720104058102AC - Apelação Civel – 534616. TRF 5. Segunda Turma. Relator Desembargador Federal Fernando Braga. DJE - Data::03/11/2014 - Página::52)
Há casos, ainda, em que o servidor passa a realizar tarefas de outro cargo que muito se aproximam das tarefas do seu cargo de origem. É o que pode ocorrer entre os cargos de técnico e analista judiciários,de técnico e analista previdenciários, auxiliar de enfermagem e enfermeiro, entre outros, em que não há situação estanque e pré-definida das atribuições, existindo, na verdade, uma intercambiaridade entre as atividades de um e de outro, face à amplitude com que o legislador geralmente as define. Também nesses casos, inexiste desvio de função.
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. TÉCNICO PREVIDENCIÁRIO E ANALISTA PREVIDENCIÁRIO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO AO RECEBIMENTO DE DIFERENÇAS SALARIAIS. 1. Em razão de investidura legal, o servidor público somente tem direito ao recebimento dos vencimentos do cargo de que se tornou titular. 2. Assim, o desvio de função deve ser corrigido pela Administração, todavia não gera direitos à percepção de vencimento diferenciado daquele cargo para o qual foi nomeado e investido. 3. Na hipótese, ao criar os cargos de técnico previdenciário e analista previdenciário, a Lei nº 10.667/03 não detalhou as atividades que seriam exercidas pelo primeiro, conferindo-lhe apenas atividades de suporte e apoio a todas as atividades do INSS. É de se concluir, pois, que o técnico pode exercer qualquer atividade cuja complexidade esteja inserida no grau de instrução exigida no respectivo concurso público. 4. Precedentes do STJ e desta Corte. 5. Apelação a que se nega provimento.”
(TRIBUNAL – QUINTA REGIÃO. AC – Apelação Cível – 377916. Processo: 200583080007439 UF: PE Órgão Julgador: Quarta Turma. Data da decisão: 02/12/2008 Relator Desembargador Federal Marcelo Navarro. DJ – Data: 16/01/2009 – Página: 363 – Nº 11).
Assim, o desvio de função somente fica configurado quando o servidor passa a exercer atribuições exclusivas de outro cargo, distintas do cargo para o qual ele prestou concurso.
O desvio de função é prática lamentável que deve ser eliminada do serviço público. Entretanto, enquanto ela permanece, faz-se necessário verificar se ela gera algum direito ao servidor.
A Constituição Federal veda o acesso a qualquer cargo ou emprego público sem prévia aprovação em concurso. Por conseguinte, o servidor que exerce suas atividades em desvio de função não tem direito à investidura no novo cargo e nem mesmo direito a receber a remuneração do cargo que vem exercendo em desvio de função.
Essa tese tem acolhida no Judiciário:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDORPÚBLICO FEDERAL. DESVIO DE FUNÇÃO. RECEBIMENTODE DIFERENÇA REMUNERATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE.HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS”.
1. A investidura em cargo público efetivo, após a ConstituiçãoFederal de 1988, apenas é possível através de concurso,devendo o servidor exercer as funções inerentes ao cargo para oqual foi admitido.
2. É vedado o desvio de função (art. 117, inciso XVII, Lei nº8.112/90), sendo direito dos servidores retornar às atribuições deseu cargo;
3. Aos servidores é devida, tão somente, a percepção dosvencimentos do cargo para o qual foram admitidos, ainda que, deforma errônea, tenham exercido temporariamente outrasatribuições. É inadmissível a correção de uma anomalia pelaprática de outra, em detrimento do interesse público;
4. A Administração Pública está adstrita ao princípio dalegalidade. Inexistindo previsão legal de pagamento devencimentos diferenciados em caso de desvio de função, esta amesma impossibilitada de assim proceder.
5. Mesmo ocorrendo o exercício de atribuições de cargo denível superior, a remuneração dos servidores de nível médio deacordo com aquele representaria burla ao principio da investiduramediante concurso público;
6. Honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor dacondenação.
7. Apelação do autor improvida e apelação da União eremessa oficial providas. (AC 298.153, unânime, QUARTATURMA, Relator Desembargador Federal LÁZARO GUIMARÃES,DJU, 03.02.2004, pág. 261).
“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DEFUNÇÃO. PAGAMENTO DE DIFERENÇA SALARIAL.IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.
- O servidor público só tem direito aos vencimentos do cargode que se tornou titular por força de investidura legal.
- O desvio ilegal de função não gera direito ao pagamento dediferença salarial.
- Apelação e remessa oficial a que se dá provimento.”
(AC –Apelação Cível nº 372.817-PB, TERCEIRA TURMA, unânime,Relator Desembargador Federal RIDALVO COSTA, j. 15.03.2007,DJU, 21.06.2007, pág. 1391). “ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. DESVIO DE FUNÇÃO. PAGAMENTO DE DIFERENÇAS DE REMUNERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A investidura em cargo público efetivo, após a Constituição Federal de 1988, apenas é possível através de concurso público, devendo o servidor exercer as funções inerentes ao cargo para o qual foi admitido, sendo vedado o desvio defunção; 2. Ao servidor é devida, tão somente, a percepção dos vencimentos do cargo para o qual foi admitido, ainda que, de forma errônea, tenha exercido temporariamente outras atribuições. É inadmissível a correção de uma anomalia pela prática de outra, em detrimento do interesse público; 3. Permitir que a Administração pague ao servidor a diferença de retribuição entre o cargo genuíno e aquele que de fato exerceu, significa macular a proibição constitucional, sendo certo, mais, que, no caso dos autos, o desvio se deu em proveito do servidor; 4. Apelação e remessa oficial providas.” (APELREEX 00088916820114058400 |
Infelizmente, porém, esse não é o entendimento que vem prevalecendo nas Cortes Superiores. Apesar de não reconhecerem o direito do servidor ao enquadramento em novo cargo, determinam o pagamento de indenização aele, sob o argumento de proibição de enriquecimento sem causa da Administração.
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988. IMPOSSIBILIDADE DE REENQUADRAMENTO. DIREITO ÀS DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS. Consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, "o desvio de função ocorrido em data posterior à Constituição de 1988 não pode dar ensejo ao reenquadramento. No entanto, tem o servidor direito de receber a diferença das remunerações, como indenização, sob pena de enriquecimento sem causa do Estado" (AI 339.234-AgR, Relator Ministro Sepúlveda Pertence). Outros precedentes: RE 191.278, RE 222.656, RE 314.973-AgR, AI 485.431-AgR, AI 516.622-AgR, e REs 276.228, 348.515 e 442.965. Agravo regimental desprovido.”
(RE 433578 AgR, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 13/06/2006, DJ 27-10-2006 PP-00047 EMENT VOL-02253-05 PP-00811)
“EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. Administrativo. Servidor público. Substituição. Cargo inexistente. Anulação de ato administrativo. Desvio de função. Direito ao recebimento da remuneração pelo período trabalhado em desvio de função. Precedentes. 1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que o servidor tem direito, na forma de indenização, à percepção dos valores referentes à diferença da remuneração pelo período trabalhado em desvio de função, sob pena de enriquecimento sem causa do Estado. 2. Agravo regimental não provido.”
(RE 499898 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 26/06/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-160 DIVULG 14-08-2012 PUBLIC 15-08-2012)
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. DIREITO AO RECEBIMENTO DA DIFERENÇA REMUNERATÓRIA, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA ADMINISTRAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
- Não destoa da jurisprudência do STF o entendimento do STJ de que, uma vez reconhecido o desvio de função, o servidor público faz jus às diferenças salariais dele decorrentes, sob pena de se locupletar indevidamente a Administração. Precedentes.
- Agravo regimental desprovido.”
(AgRg no REsp 1081484/RS, Rel. Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), SEXTA TURMA, julgado em 27/03/2014, DJe 14/04/2014)
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTOS APTOS A REFORMAR A DECISÃO AGRAVADA. SERVIDORA PÚBLICA. DESVIO DE FUNÇÃO. PAGAMENTO DAS DIFERENÇAS SALARIAIS. SÚMULA 378/STJ. PRECEDENTES. SÚMULA 126/STJ. INAPLICABILIDADE.
1. Na hipótese dos autos, não se aplica a Súmula 126/STJ, porquanto o acórdão recorrido não possui fundamentação constitucional bastante para manter o julgado, devendo resolver-se no plano infraconstitucional.
2. É pacífico o entendimento dessa Corte no sentido de que, reconhecido o desvio de função, conquanto não tenha o servidor direito a ser promovido ou reenquadrado no cargo ocupado, tem ele direito às diferenças vencimentais devidas em decorrência do desempenho de cargo diverso daquele para o qual foi nomeado. Súmula 378/STJ.
3. Agravo regimental improvido.”
(AgRg no REsp 1143621/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 20/03/2014, DJe 10/04/2014)
Há, inclusive, Súmula do Superior Tribunal de Justiça - Súmula 378 - segundo a qual,“reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes.”
Não podemos, porém, concordar com esse entendimento.
A remuneração é atributo essencial e inerente ao cargo. Permitir que o servidor receba remuneração de cargo para o qual não foi devidamente investidoimplica, na prática, no mesmo resultado que ele obteria se fosse enquadrado em novo cargo, esvaziando, por completo, o mandamento contido no artigo 37, II, da Constituição.
Ora, a Constituição de 1988, ao abolir a expressão “primeira” constante nas Constituições anteriores buscou impedir que servidores investidos em determinado cargo passassem a obter vantagens de cargo diverso daquele para o qual foram aprovados no concurso. Entre essas vantagens, se não a principal, está a remuneração.
Admitir, portanto, o pagamento de remuneração de cargo para o qual o servidor não foi previamente aprovado em concurso, esvazia o comando contido no artigo 37, II, da CF/88 e faz renascer o que o constituinte originário de 1988 buscou abolir do cotidiano da Administração Pública: o acesso a cargos e empregos públicos sem a prévia aprovação em concurso.
CONCLUSÃO
O desvio defunção nãodá direito ao servidor de ser enquadrado em novo cargo e nem mesmo perceber vencimento de cargo para o qual não foi devidamente investido.
Trata-se da aplicação do princípio da obrigatoriedade do concurso público insculpido no artigo 37, II, da Constituição Federal e reforçado no seu § 2º, que existe para selecionar aqueles de melhor qualificação, dando eficiência ao servido público; para garantir o direito de igual acesso aos cargos públicosa todos aqueles que desejarem e que preencherem os requisitos legais e, ainda; para dar efetividade ao princípio da moralidade administrativa.
O entendimento que vem prevalecendo na jurisprudência das Cortes Superiores constitui sério precedente para que servidores desonestos logrem melhoria de vencimentos, o que não pode receber o aval do Poder responsável pela proteção da nossa Carta Maior.
O desvio de função deve ser repudiado pelos administradores públicos, pelos servidores (que podem e devem se negar a realizar tarefas alheias ao cargo para o qual foram investidos), e também pelo Judiciário, que não pode conceder indenização àqueles que sabiam estar agindo às margens da lei.
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 8ª ed. rev. e atual. Até a Emenda Constitucional n. 56/2007. São Paulo: Saraiva, 2008;
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009;
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999;
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 7ª ed. Atualizada até a EC n 55/07. São Paulo. Atlas, 2007.
[1]Constituição de 1946: “Art 186 - A primeira investidura em cargo de carreira e em outros que a lei determinar efetuar-se-á mediante concurso, precedendo inspeção de saúde”.
Emenda Constitucional nº 1/69: “Art. 97. Os cargos públicos serão acessíveis a todos os brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei.§ 1º A primeira investidura em cargo público dependerá de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, salvo os casos indicados em lei”.
[2]MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 2007. p. 818.
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 1999. p. 387.
[4]“Art. 37.(...)
§ 2º - A não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei”.
Procuradora Federal, graduada em 2001 pela Faculdade de Direito da PUC Campinas e pós-graduada em Direito Tributário também pela PUC Campinas no ano de 2009.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Flavia Malavazzi. Breves considerações sobre o desvio de função na Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42571/breves-consideracoes-sobre-o-desvio-de-funcao-na-administracao-publica. Acesso em: 22 nov 2024.
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