I. Considerações iniciais
O presente estudo tenciona apresentar uma possível hipótese de dispensa de pagamento da taxa referente aos Direitos Autorais, na execução de obras musicais, ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD, tendo em vista a legislação aplicável e o entendimento jurisprudencial sobre a matéria.
II. Aspectos legais e apresentação de entendimento jurisprudencial
No intuito de preservar direitos autorais em execução pública de obras musicais, lítero-musicais e de fonogramas a Lei nº 9.610/98 previu a constituição de ente representativo de associações desses setores, disciplinando quais são as atribuições do escritório central para a arrecadação e distribuição:
Art. 97. Para o exercício e defesa de seus direitos, podem os autores e os titulares de direitos conexos associar-se sem intuito de lucro.
§ 1º As associações reguladas por este artigo exercem atividade de interesse público, por determinação desta Lei, devendo atender a sua função social.
§ 2º É vedado pertencer, simultaneamente, a mais de uma associação para a gestão coletiva de direitos da mesma natureza.
§ 3º Pode o titular transferir-se, a qualquer momento, para outra associação, devendo comunicar o fato, por escrito, à associação de origem.
Art. 98. Com o ato de filiação, as associações de que trata o art. 97 tornam-se mandatárias de seus associados para a prática de todos os atos necessários à defesa judicial ou extrajudicial de seus direitos autorais, bem como para o exercício da atividade de cobrança desses direitos.
Art. 99. A arrecadação e distribuição dos direitos relativos à execução pública de obras musicais e literomusicais e de fonogramas será feita por meio das associações de gestão coletiva criadas para este fim por seus titulares, as quais deverão unificar a cobrança em um único escritório central para arrecadação e distribuição, que funcionará como ente arrecadador com personalidade jurídica própria e observará os §§ 1º a 12 do art. 98 e os arts. 98-A, 98-B, 98-C, 99-B, 100, 100-A e 100-B.
§ 1º O ente arrecadador organizado na forma prevista no caput não terá finalidade de lucro e será dirigido e administrado por meio do voto unitário de cada associação que o integra.
§ 2º O ente arrecadador e as associações a que se refere este Título atuarão em juízo e fora dele em seus próprios nomes como substitutos processuais dos titulares a eles vinculados.
§ 3º O recolhimento de quaisquer valores pelo ente arrecadador somente se fará por depósito bancário.
§ 4º A parcela destinada à distribuição aos autores e demais titulares de direitos não poderá, em um ano da data de publicação desta Lei, ser inferior a 77,5% (setenta e sete inteiros e cinco décimos por cento) dos valores arrecadados, aumentando-se tal parcela à razão de 2,5% a.a. (dois inteiros e cinco décimos por cento ao ano), até que, em 4 (quatro) anos da data de publicação desta Lei, ela não seja inferior a 85% (oitenta e cinco por cento) dos valores arrecadados.
§ 5º O ente arrecadador poderá manter fiscais, aos quais é vedado receber do usuário numerário a qualquer título.
§ 6º A inobservância da norma do § 5o tornará o faltoso inabilitado à função de fiscal, sem prejuízo da comunicação do fato ao Ministério Público e da aplicação das sanções civis e penais cabíveis.
§ 7º Cabe ao ente arrecadador e às associações de gestão coletiva zelar pela continuidade da arrecadação e, no caso de perda da habilitação por alguma associação, cabe a ela cooperar para que a transição entre associações seja realizada sem qualquer prejuízo aos titulares, transferindo-se todas as informações necessárias ao processo de arrecadação e distribuição de direitos.
§ 8º Sem prejuízo do disposto no § 3º do art. 98, as associações devem estabelecer e unificar o preço de seus repertórios junto ao ente arrecadador para a sua cobrança, atuando este como mandatário das associações que o integram.
§ 9º O ente arrecadador cobrará do usuário de forma unificada, e se encarregará da devida distribuição da arrecadação às associações, observado o disposto nesta Lei, especialmente os critérios estabelecidos nos §§ 3º e 4º do art. 98.
Assim,patente que o ECAD possui legitimidade para atuar na tutela dos interesses de associação de autores, como medida de preservaçãodos direitos autorais ou conexos, haja vista que individualmente a atuação não teria o mesmo alcance, haja vista as imensas dificuldades operacionais daí decorrentes.
Veja, por outro lado, que em âmbito nacional não é possível a criação de múltiplos escritórios independentes, perseguindo a tutela dos interesses de associações de autores, mas somente a formação de “único escritório”, com representação em todo o território brasileiro, por meio de núcleos regionais, inclusive na cobrança de valores na execução musical de obras protegidas.
Porém, sem olvidar das inegáveis atribuições do ECAD, é possível ventilar a hipótese de que nem sempre a execução musical faz surgir ao correlato autor o direito à qualquer espécie de pagamento. Tais situações estão capituladas na Lei de Direitos Autorais, conforme transcrição abaixo:
Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:
I - a reprodução:
a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos;
b) em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza;
c) de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros;
d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários;
II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;
III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra;
IV - o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou;
V - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização;
VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;
VII - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir prova judiciária ou administrativa;
VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores. (sem grifo no original)
Entre as situações relacionadas, o item VI ganha maior destaque diante da hipótese cogitada no procedimento, a execução musical para fins exclusivamente didáticos em estabelecimento de ensino.
Em decisões recentes, o Tribunal Regional Federal da 4ª. Região –TRF4[1] entendeu não ser devido o recolhimento de valores relativos a direitos autorais da emissora de rádio mantida por universidade pública federal, bem como em evento comemorativo, pois nestes casos o ente administrativo não evidenciava lucro na execução de obras fonográficas, ausente, deste modo, o pressuposto de lucratividade previsto no art. 68, parágrafo 4º, da Lei nº 9.610/98.
ADMINISTRATIVO. DIREITOS AUTORIAIS. RECOLHIMENTO. TRANSMISSÃO. OBRA MUSICAL. EMISSORA NÃO INTENCIONA LUCRO NA EXECUÇÃO DA OBRA. Não procede o pedido de recolhimento de valores relativos a direitos autorais, porque se trata de emissora de rádio mantida pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande que não evidencia lucro na execução de obras fonográficas. Assim, indevida a exigência de valores porque ausente o pressuposto lucratividade previsto implicitamente no art. 68, § 4º, da Lei n. 9.610/98.
DIREITOS AUTORAIS. EXECUÇÃO PÚBLICA DE OBRAS MUSICAIS. UNIVERSIDADE. EVENTO COMEMORATIVO. RECOLHIMENTO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. - A lucratividade do evento é pressuposto, previsto implicitamente no art. 68, § 4º, da Lei n. 9.610/98, para a exigência de recolhimento de valores relativos a direitos autorais para execução pública de obras musicais. Ademais, a universidade não se subsume ao conceito de empresário, a quem a lei atribuiu o dever de recolher valores pela execução pública de obras musicais.
Em acréscimo, segue precedente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul[2], que sem sede de apelação manteve a decisão de primeiro grau, no sentido de considerar indevido pagamento de direitos autorais em evento promovido por município gaúcho:
APELAÇÃO. DIREITOS AUTORAIS. ECAD. EXECUÇÃO DE OBRAS MUSICAIS. EVENTO PROMOVIDO PELO MUNICÍPIO SEM FINS LUCRATIVOS. DOAÇÃO AO HOSPITAL SÃO SALVADOR. PAGAMENTO DOS DIREITOS AUTORAIS INDEVIDO. Evento promovido pelo Município com o intuito de integrar e entreter a população, sem auferir lucro, com doação do valor ao Hospital São Salvador. Reprodução musical na situação concreta que não afronta o disposto no art.68 da Lei 9.610/98. Pagamento de direitos autorais indevido. Precedentes jurisprudenciais. Apelo do autor improvido.
O art. 68, parágrafo 4º, da Lei nº 9.610/98, dispõe que cabe ao empresário comprovar os recolhimentos relativos aos direitos autorais, nos seguintes moldes:
“Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas.
(...)
§ 4º Previamente à realização da execução pública, o empresário deverá apresentar ao escritório central, previsto no art. 99, a comprovação dos recolhimentos relativos aos direitos autorais.”
A figura do “empresário” é um elemento determinante da vedação em apreço. Nos termos do art. 966, do Código Civil: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens e serviços”.Essa atividade caracteriza-se como econômica em razão do intuito de lucro. Ora, tanto uma universidade pública federalquanto um ente municipal, em tese, não pretendem auferir qualquer espécie de lucro com a realização de eventosdidáticos ou culturais.
Evidentemente, cada situação em concreto deve ser cuidadosamente analisada para que se evite o malferimento de direitos autorais legitimamente constituídos.
III. Conclusão
Desta forma, se propõe a reflexão no sentido de ser possível interpretar o art. 68, parágrafo 4º, da Lei nº 9.610/98, combinado com o conceito de empresário disposto no Código Civil, como permissivos legais de dispensa de recolhimento de valores referentes a direitos autorais,uma vez comprovadamente ausente o pressuposto de lucratividade na execução de obra musical.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n. º 9.610/1998 (Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm>. Acesso em: 09 de dezembro de 2014.
BRASIL. Lei n. º 10.406/2002 (Código Civil Brasileiro). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 09 de dezembro de 2014.
[1]TRF4, AC 5000145-73.2011.404.7101, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Fábio Vitório Mattiello, D.E. 21/02/2014.
TRF4, AC 5000830-14.2010.404.7102, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão João Pedro Gebran Neto, juntado aos autos em 25/01/2012.
[2]Apelação Cível Nº 70024249518, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Orlando Heemann Júnior, Julgado em 23/08/2012.
Procurador Federal. Especialista em Direito do Estado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRENTANO, Alexandre. Considerações sobre a arrecadação de direitos autorais quando ausente o elemento "lucratividade" na execução musical Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42586/consideracoes-sobre-a-arrecadacao-de-direitos-autorais-quando-ausente-o-elemento-quot-lucratividade-quot-na-execucao-musical. Acesso em: 22 nov 2024.
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