RESUMO: O presente trabalho pretende propor um entendimento possível a respeito da cobrança do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, o ISSQN, especificamente quanto aos materiais empregados nas obras de construção civil, para, a seguir, demonstrar a possibilidade de abatimento dos materiais na base de cálculo do ISSQN na atividade de construção civil, em consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal.
Palavras-Chave: ISSQN na construção civil; ISSQN sobre materiais; Incidência do ISSQN.
Introdução
Com o advento da Lei Complementar 116, de 31 de julho de 2003, várias questões relativas ao Imposto Sobre Serviços (art. 156, III da Constituição Federal) passaram a ser discutidas, no tocante ao âmbito de incidência do ISS. Uma das maiores polêmicas concerne à cobrança do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, o ISSQN, no que diz respeito aos materiais empregados nas obras de construção civil.
Acerca da controvérsia sobre a exigência de recolhimento da tributação à título de ISSQN, no que se refere aos materiais empregados nas obras de construção civil, analisar-se-á os entendimentos jurisprudenciais divergentes relativos ao tema, que já foi objeto de análise do Supremo Tribunal Federal, que entende pela não incidência de ISSQN sobre tais materiais. Ademais, referir-se-ão aos equívocos incorridos por determinados órgãos da Administração Pública, ao estabelecer a exigência do tributo quanto ao total dos valores recebidos e não somente em relação aos serviços prestados.
Para a finalidade do presente estudo, importa discorrer sobre as bases teórico-jurídicas quanto aos aspectos do princípio da legalidade tributária a fim de se compreender as causas que tornam impossível a exação do ISSQN sobre os materiais utilizados na construção civil, fundamentando o acerto da decisão do STF. Será demonstrado que a base de cálculo do referido imposto é o preço do serviço, nos casos do ISSQN, sendo que não se inclui em sua base o valor dos materiais fornecidos pelo prestador de serviços.
Paralelamente, far-se-á uma crítica ao art. 9º do Decreto Lei 406/68, não sendo este revogado pela Lei Complementar 116/2003, apreendendo-se que da base de cálculo do tributo, deduz-se os valores dos materiais fornecidos pelo prestador de serviços. Concluir-se-á pela impossibilidade de exação de ISSQN sobre os materiais empregados na construção civil, de forma a confirmar a plena possibilidade de abatimento dos materiais na base de cálculo do ISSQN na atividade de construção civil.
Por fim, resta demonstrado a necessidade de individualização dos fatos jurídicos para imputação fiscal de forma a praticar uma política fiscal mais próxima das necessidades de arrecadação e de justiça fiscal.
1. Hipóteses de Incidência do Tributo
Inicialmente, convém conceituar o termo ‘hipótese de incidência’ como uma descrição legal abstrata, em que os fatos são atribuídos a ela de maneira exclusivamente hipotética, pois tal hipótese não se compromete com nenhum sistema particular. “É, portanto, mero conceito, necessariamente abstrato. É formulado pelo legislador fazendo abstração de qualquer fato concreto. Por isso é mera ‘previsão legal’ (a lei é, por definição, abstrata, impessoal e geral).”[1].
Não obstante, conforme a Lei Complementar 116, de 31 de julho de 2003, a hipótese de incidência do ISSQN encontra-se no art. 7º, §2º, I e nos itens 7.02 e 7.05 da Lista Anexa de Serviços. Assim, tem-se que[2]:
Art. 7º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 2º Não se incluem na base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza:
I - o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa a esta Lei Complementar;
7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
7.05 – Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
Importante também é o teor do artigo 9º do Decreto Lei 406/68, este não revogado pela LC 116/2003, que possui a seguinte redação[3]:
Art. 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 2° Na prestação dos serviços a que se referem os itens 19 e 20 da lista anexa o imposto será calculado sobre o preço deduzido das parcelas correspondentes:
a) ao valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços;
b) ao valor das subempreitadas já tributadas pelo imposto.
19 – Limpeza de chaminés.
20 – Saneamento ambiental e congêneres.
A norma, antes de irradiar seus efeitos sobre o fato, e concretizar-se, é apenas hipotética, ou nos termos de Geraldo Ataliba[4], em sua clássica obra “Hipótese de Incidência Tributária”, a hipótese de incidência “é primeiramente a descrição legal de um fato: é a formulação hipotética, prévia e genérica, contida na lei, de um fato (é o espelho de um fato, a imagem conceitual de um fato; é o seu desenho)”.
1.1. Regra Matriz do ISSQN
A hipótese de incidência tributária supracitada, que a doutrina moderna convencionou chamar de regra-matriz de incidência tributária, possui requisitos, ou critérios, que estão enquadrados dentro de um antecedente, que descreve uma conduta no tempo e espaço, e de um consequente, que prescreve, como o próprio nome diz, uma consequência. Isso ocorre com qualquer norma jurídica, não só tributária, pois para ser norma de direito, deve descrever o fato jurígeno, e prescrever a consequência gerada com a ocorrência deste fato.
Destarte, a regra-matriz para o ISS, no caso da construção civil configura-se da seguinte forma:
ANTECEDENTE |
|
Critério Material |
Prestar serviços de construção civil |
Critério Espacial |
Local da prestação do serviço |
Critério Temporal |
Momento da prestação do serviço |
CONSEQUENTE |
|
Critério Quantitativo |
Base de Cálculo: preço do serviço |
Alíquota: 3%, no caso concreto. |
|
Critério Pessoal |
Sujeito ativo: municipalidade do local da prestação do serviço |
Sujeito passivo: prestador do serviço |
Para que o fato seja tributado pelo Imposto sobre Serviços, no caso da construção civil, tem de se enquadrar em todos os critérios acima descritos. Tal fato não ocorre em se tratando dos materiais empregados nas obras de construção civil, devendo a Administração Pública tributar apenas o serviço de construção civil.
Nesse sentido, situa-se o professor Hugo de Brito Machado[5], ao afirmar que:
O elemento material, ou núcleo do fato gerador do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza está indicado no âmbito das normas gerais, pela Lei Complementar nº 116/2003, de modo vinculante para o legislador municipal, como a prestação de serviços constantes da lista que acompanha a referida lei.
A lei que define o fato gerador do tributo, ou mais precisamente, da obrigação principal, ou dever jurídico de pagar esse tributo, em princípio é a lei ordinária da entidade competente para a respectiva criação. No caso do ISS, a lei do Município está limitada pelo art. 1º da Lei Complementar nº 116, que definiu o âmbito de incidência da lei municipal instituidora desse imposto, que só pode ter como fato gerador a prestação de serviços capazes de gerar a obrigação de pagar o ISS aqueles de construção civil, entre outros, prestados mediante empreitada, ou subempreitada.
O Imposto sobre Serviços, como o próprio nome versa, recai sobre a prestação de serviços. Desta feita, é a atividade desempenhada pelo prestador de serviços que é tributada por este tributo. Em outros termos, é o ato de fazer, é a ação do sujeito passivo emexecutar a conduta descrita no critério material que sofre a irradiação dos efeitos da norma disciplinadora do ISS.
Sendo a tributação sobre a conduta do indivíduo de prestar o serviço e tendo em vista o princípio da estrita legalidade, em seguida pormenorizado, as mercadorias empregadas na construção civil não são passíveis de tributação pelo ISS, justamente por não se enquadrarem na regra-matriz deste imposto.
2. Considerações ao Princípio da Legalidade Tributária
O Princípio da Legalidade Genérica consiste naquele estabelecido pela Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso II, que diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Tal princípio é reafirmado no instante em que se busca conhecer as regulamentações maiores e os dispositivos constitucionais acerca do Direito Tributário. Deste modo, o princípio da legalidade tributária é estabelecido pelos termos do artigo que segue: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.
Encontra-se assim, em nossa Carta Maior, estabelecido genericamente pelo teor no artigo 5o, II da Constituição, tanto quanto especificamente pelo artigo 150, I do Diploma Legal, o princípio donde se determina a necessidade de existência de lei voltada a exigir ou aumentar tributos, nos termos literais do artigo regulador.
YonneDolacio de Oliveira[6], em referência ao artigo 150, I, da Magna Carta Constitucional preleciona que:
O princípio é uma limitação do poder de tributar, que reserva de modo exclusivo à lei escrita, proveniente do legislativo, a criação ou majoração dos tributos.Lei para o princípio da legalidade da nossa Carta Magna dever ser entendia em sentido lato, como já assinalava Miguel Reale durante a Constituição anterior, como norma escrita com poder de inovar o Direito já existente, por outras palavras, de introduzir algo de novo com caráter obrigatório. E os atos normativos que têm essa característica de lei são os atos constantes da relação exaustiva do processo legislativo.
Desta feita, tem-se o princípio da legalidade tributária como o condão determinante da obrigatoriedade da existência de lei em sentido formal, originária de processo legislativo competente, voltada exaustiva e especificamente para determinar os requisitos necessários para a atuação da norma, podendo dar origem à obrigação tributária.
2.1. Princípio da Estrita Legalidade
Diante das especificações relativas ao princípio da legalidade tributária, tendosua denominação doutrinária como princípio da estrita legalidade, leciona o Ilustre Professor Roque Antônio Carraza[7] que:
Não é por outro motivo que se tem sustentado que em nosso ordenamento jurídico vige, mais do que o princípio da legalidade tributária, o princípio da estrita legalidade. Aliás, hoje mais do que nunca, como logo veremos, juristas de tomo têm feito empenho no sentido de que os tributos só podem ser criados ou aumentados por meio de lei ordinária.
Para afugentarmos, desde já, possíveis duvidas, é bom dizermos que criar um tributo é descrever abstratamente sua hipótese de incidência, seu sujeito ativo, seu sujeito passivo, sua base de cálculo e sua alíquota. Em suma: é editar, pormenorizadamente, a norma jurídica tributária. Esta norma, por injunção do princípio da legalidade, repitamos, há que ser sempre veiculada por meio de lei ordinária.
Portanto, as exigências do princípio da legalidade tributária são cumpridas quando a lei delimita, concreta e exaustivamente, o fato tributável.
O princípio da estrita legalidade determina a necessidade de lei competente para dirimir acerca do assunto e ainda a enumeração completa pela norma inovadora, ou seja, aquela que venha a criar, majorar, logicamente exigindo obrigação tributária, em todos os traços característicos da mesma, que nos dizeres de Mizabel de Abreu Machado Dersi[8], em comentários na obra clássica de Aliomar Baleeiro, “Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar”, nos traduz:
Instituir ou regular um tributo de forma válida, em obediência ao art. 150, I, da Constituição, supõe a edição de lei, como ato formalmente emanado do Poder Legislativo da pessoa constitucionalmente competente (União, Estados, Distrito Federal ou Município) que, em seu conteúdo determine:
a) hipótese da norma tributária em todos os seus aspectos ou critérios (material-pessoal, espacial, temporal);
b) os aspectos da consequência que prescrevem uma relação jurídico-tributária (sujeito passivo – contribuinte e responsável -alíquota, base de cálculo, reduções e adições modificativas do quantum a pagar, prazo de pagamento);
c) as desonerações tributárias, como isenções, reduções, abatimentos, deduções de créditos presumidos, devolução de tributo pago e remissões;
d) as sanções pecuniárias, multas e penalidades, assim como a anistia;
e) as obrigações acessórias em seu núcleo substancial;
f) as hipóteses de suspensão, exclusão e extinção do crédito tributário;
g) a instituição e a extinção da correção monetária do crédito tributário.
Posto isso, aufere-se que a norma tributária deverá, precipuamente, trazer em seu bojo todos seus aspectos existenciais como critérios de aplicabilidade, mormente as normas de instituição, majoração ou criação de exação, calcada no respeito do aspecto formal estabelecido pelo art. 59 da Carta Magna de 1988.
Logo, faz-se necessário que os parâmetros de determinação da exigibilidade da exação estejam estipulados, estritamente pela Lei reguladora municipal, e que esta o faça de forma discriminada, nos termos estabelecidos pela Lei criadora da obrigação tributária relativa ao Imposto sobre Serviços. Na hipótese de se tributar os materiais empregados nas obras de construção civil nasce a afronta ao princípio constitucional da legalidade e ao princípio tributário da estrita legalidade, que é uma espécie daquele.
2.2 Não Subsunção do Fato à Norma
Devido à suma importância do tema ora analisado, faz-se necessária a transcrição do pensamento do mestre Geraldo Ataliba[9]:
Para que um fato (estado de fato, situação) seja reputado fato imponível, deve corresponder integralmente às características previstas abstrata e hipoteticamente na lei(hipótese de incidência).
Diz que o fato, assim, se subsumeà imagem abstrata da lei. Por isso, se houver subsunção do fato à hipótese de incidência, ele será fato imponível. Se não houver, estar-se-á diante de fato irrelevante para o direito tributário.
Em outras palavras, o fato estabelecido pela norma consiste na prestação de serviços na mesma medida em que a quantificação deste fato, aspecto também estabelecido pela norma, constitui-se na necessidade de sopesar somente a prestação dos serviços, excluindo-se os materiais empregados na atividade.O princípio da legalidade outroraanalisado e o princípio da tipicidade, deste decorrente, demonstram que um fato só pode dar origem a uma obrigação tributária se houver o completo encaixe dele à norma, isto é, se houver a subsunção do fato à norma.
Ainda em tempo, ensina o professor Hugo de Brito Machado[10], de forma clara, a necessidade de conhecimento dos institutos e princípios de direito tributário ao sentido de entendimento completo do objeto em análise como segue:
Em matéria tributária, o conceito de fato gerador do tributo tem sido utilizado como um conceito vazio, que apenas se presta para demonstração do suposto conhecimento do Direito Tributário por parte de pessoas que na verdade não o conhecem porque não conhecem os conceitos dos quais a sua teoria é formada. Como afirma Albuquerque Rocha, teoria é um corpo sistematizado de conceitos que nos permite conhecer determinado domínio da realidade. Assim, sendo o Direito Tributário um domínio de nossa realidade, para conhecê-lo precisamos da teoria, vale dizer de um corpo sistematizado de conceitos, no qual se incluem os conceitos de fato geradordo tributo e de base de cálculo, conceitos que se mostram indispensáveis ao desenvolvimento deste estudo.
Diferentemente do direito privado, no qual tudo aquilo que não é proibido é permitido, a orientação para o direito público é de que tudo aquilo não é expressamente permitido é proibido. Desta feita, a tributação de um fato ou uma situação jurídica só pode se concretizar se houver previsão legal específica para tanto.Tal previsão, conforme retro mencionado não é aproximada. Deve ser exata, sob pena de, caso contrário, não ser válida e por isso carecedora de embasamento legal.
Assim, tal subsunção, chamada de fenomenologia da incidência, pelo ilustre doutrinador Paulo de Barros Carvalho, é o que origina a obrigação tributária, sendo que, por interpretação reversa, nos conduz a ideia de que, em não havendo a perfeita adequação do fato à norma, esta não irradiará seus efeitos, não dando surgimento a obrigação.
3. Posicionamento Jurisprudencial
A análise do presente estudo é confirmada por vários Egrégios Tribunais Superiores, inclusive do Superior Tribunal Federal, como segue:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS - ISS. DEFINIÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. DEDUÇÃO DOS GASTOS COM MATERIAIS EMPREGADOS NA CONSTRUÇÃO CIVIL. RECEPÇÃO DO ART. 9º, § 2º, b, DO DECRETO-LEI 406/1968 PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. RATIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA FIRMADA POR ESTA CORTE. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.(RE 603497 RG, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, julgado em 04/02/2010, DJe-081 DIVULG 06-05-2010 PUBLIC 07-05-2010 EMENT VOL-02400-08 PP-01639 )
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ISS.CONSTRUÇÃO CIVIL. BASE DE CÁLCULO. ABATIMENTO DOS MATERIAIS E SUBEMPREITADAS. POSSIBILIDADE.
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o art. 9º do Decreto-Lei 406/1968 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Pelo que é possível adedução da base de cálculo do ISS dos valores dos materiais utilizados em construção civil e das subempreitadas.
2. Agravo regimental desprovido.
(RE 599582 AgR, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 29/03/2011, DJe-123 DIVULG 28-06-2011 PUBLIC 29-06-2011 EMENT VOL-02553-02 PP-00233)
A efetiva aplicação dos termos estabelecidos pelo pronunciamento jurisprudencial supratranscritos não se resume somente ao do Egrégio Supremo Tribunal Federal, mas também ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Pautando-se no mesmo entendimento, o Tribunal posicionou-se no sentido de abatimento dos materiais da base de cálculo do ISSQN, conforme o julgado abaixo reproduzido:
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ISS. MATERIAIS EMPREGADOS NA CONSTRUÇÃO CIVIL. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO.
POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZADO. INCIDÊNCIA DO VERBETE SUMULAR 83/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. "Alinhada à orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência desta Corte reconhece a legalidade da dedução do custo dos materiais empregados na construção civil da base de cálculo do imposto sobre serviços (ISS)" (AgRg no EAREsp 113.482/SC, Primeira Seção, Rel. Min. DIVA MALERBI, Desembargadora convocada do TRF da 3ª Região, DJe 12/3/13).
2. "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida" (enunciado sumular 83/STJ).
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1370927/MG, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/09/2013, DJe 12/09/2013)
4. Da Não Revogação do Decreto 406/68
Diante do exposto, nota-se divergência jurisprudencial no que diz respeito ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e sua base de cálculo. Há vozes que negam vigência ao artigo 9º do Decreto 406/68, não acatando a redução da base de cálculo nos termos da Lei Complementar 116. Analisar-se-á o debate consistente na pretensão fiscal de exterminar do sistema jurídico norma que se encontra em plena vigência, qual seja, aquela abstraída do artigo 9º do Decreto 406/68, em face às alterações normativas ocorridas.
A posição anteriormente aludida encontra guarida no surgimento do sistema normativo dos enunciados descritos pela Lei Complementar 116/2003, que objetivou estabelecer normas relativas ao tributo municipal, o ISSQN. Contudo não o fez com o alcance intentado pela Municipalidade Local. Ou seja, o Município cuidou do assunto de maneira específica e pormenorizada, tendo a referida legislação denominada ‘especial’ frente à norma geral da LC 116. Outrossim, tal assertiva se torna por demais clara com a simples leitura do art. 10 da referida Lei Complementar, retro transcrito, em que se observa a inexistência de revogação expressa do artigo 9º do Decreto 406/68.
O Professor Alberto Xavier juntamente com Roberto Duque Estrada[11], fundamenta tal parecer, como segue:
Que a Lei Complementar no 116/03 não pretendeu revogar o art. 9º §§ 1º e 3º do Decreto-Lei 406/68, resulta claramente do fato de que a enumeração taxativa dos preceitos revogados, constantes do art. 10, foram incluídos todos os artigos do Decreto-Lei 406/68 que versavam sobre o ISS (arts. 8º, 10, 11 e 12) salvo precisamente o art. 9º, ostensivamente omitido.
9. Acresce que a Lei Complementar no 95 de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, redação e a consolidação das leis, é clara em exigir em seu art. 9º, com a redação dada pela Lei Complementar no 107, de 26 de abril de 2001, que ‘a cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas.’
10. Ora, como a cláusula de revogação deve indicar expressamente as disposições que pretende revogar, não há margem para dúvidas que, ao omitir o art. 9 do Decreto-lei no 406/68 do rol das disposições revogadas, a Lei Complementar n. 116/03 não poderia ter sido mais clara quanto à sua intenção de manter vigentes as regras nele contidas, notadamente os seus §§ 1º e 3º.
Portanto, infere-se que no sistema normativo vigente inexiste ato jurídico que expressa a revogação do artigo 9º do Decreto-Lei 406/68, culminando em sua efetiva aplicação perante o referido sistema. Tal assertiva se funda nas demonstrações retro transcritas, como também nos posicionamentos jurisdicionais emanados do Egrégio tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
TRIBUTÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - APELAÇÃO CÍVEL - ISSQN -BASE DE CÁLCULO - PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE CONCRETAGEM - DEDUÇÃO DOS VALORES DOS MATERIAIS EMPREGADOS NAS OBRAS DE CONSTRUÇÃO CIVIL - ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 603.497/MG - REPERCUSSÃO GERAL.
- No julgamento do Recurso Extraordinário nº 603.497/MG, submetido ao rito do art. 543-B do CPC, o Excelso STF consolidou entendimento no sentido de ser possível a dedução da base de cálculo do ISSQN dos valores relativos aos materiais empregados nas obras de construção civil.
- Sentença confirmada no reexame necessário. Recurso voluntário prejudicado. (Apelação Cível: 1.0459.12.002300-5/001 – DJE: 14/08/2013)
APELAÇÃO CÍVEL - REEXAME NECESSÁRIO - ISSQN - BASE DE CÁLCULO - DEDUÇÃO DE VALORES REFERENTES À SUBEMPREITEIRAS - POSSIBILIDADE.
1 - É direito das empresas prestadoras de serviço de construção civil deduzir, na base de cálculo do ISS, os materiais fornecidos com os serviços prestados, por aplicação expressa e literal das disposições do art. 9º, §2º, do DL 406/68, repetidas no art. 7º, §2º, da LC 116/03.
2 - O art. 9º, §2º, "b", do Decreto-Lei 406/68 tem caráter meramente declaratório, elucidando os valores que compõem a base de cálculo do ISS, mais especificamente em se tratando de construção civil, evitando-se que em sua determinação ocorra bis in idem, não configurando, como equivocadamente possa se entender, uma isenção mas tão somente uma norma geral de Direito Tributário, cujo fundamento de validade está presente no art. 146, III, "a" da Constituição da República. (Apelação Cível: 1.0180.11.001041-0/003 – DJE: 31/01/2013).
5. Conclusão
Em 31 de julho de 2003, surge a Lei Complementar 116 que trataria do Imposto Sobre Serviços, inclusive no que se refere à cobrança do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, o ISSQN, no que diz respeito aos materiais empregados nas obras de construção civil. É de suma importância salientar que os referidos materiais não obedecem à regra matriz do tributo, não sendo possível sua subsunção à base de cálculo do mesmo.
Determinados órgãos da Administração Pública incorrem em equívoco ao formar a exigência do tributo em relação ao total dos valores recebidos e não apenas quanto aos serviços efetivamente prestados, desconsiderando as normas vigentes que admitem a possibilidade de abatimento do valor da base de cálculos dos materiais empregado na execução da obra.
Logo, infere-se que a base de cálculo do referido imposto é o preço do serviço, nos casos do ISSQN, sendo que não se inclui em sua base o valor dos materiais fornecidos pelo prestador de serviços. Verifica-se, assim, que a quantificação do fato gerador encontra-se vinculado à efetiva prestação dos serviços, ou seja, ao núcleo estabelecido pela norma que atribui a hipótese de incidência como sendo o serviço prestado. Impossibilitando desta forma a interpretação arrecadatória da Autoridade na cobrança do tributo com inclusão, no seu aspecto quantitativo dos materiais empregados na obra.
Ainda que haja controvérsia jurisprudencial sobre a exigência de recolhimento da tributação à título de ISSQN, no que se refere aos materiais empregados nas obras de construção civil, o Supremo Tribunal Federal entendeu pela não incidência de ISSQN sobre tais materiais. Por meio do princípio da legalidade tributária compreendem-se as causas que tornam impossível a exação do ISSQN sobre os materiais utilizados na construção civil, fundamentando o acerto da decisão do STF.
Portanto, o art. 9º do Decreto Lei 406/68, não foi revogado pela Lei Complementar 116/2003, apreendendo-se que da base de cálculo do tributo, deduz-se os valores dos materiais fornecidos pelo prestador de serviços. Concluir-se-á pela impossibilidade de exação de ISSQN sobre os materiais empregados na construção civil, de forma a confirmar a plena possibilidade de abatimento dos materiais na base de cálculo do ISSQN na atividade de construção civil, pois inexiste no sistema normativo vigente ato jurídico que revoga, de forma expressa, o artigo 9º do Decreto-Lei 406/68, sendo efetiva sua aplicação no sistema normativo.
Referências Bibliográficas
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MACHADO, Hugo de Brito. A Base de Cálculo do ISS e as Subempreitadas. In: Revista Dialética de Direito Tributário. Nº 108. São Paulo: Oliveira Rocha, 2004.
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MARTINS, Ives Gandra da Silva, Coordenador, Curso de Direito Tributário. Vol1. 1ª ed. Belém: Cejup, 1993.
[1] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 53.
[2]BRASIL. LEI COMPLEMENTAR Nº 116, DE 31 DE JULHO DE 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp116.htm>. Acesso em: 08/01/2014.
[3]BRASIL. DECRETO-LEI Nº 406, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1968. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0406.htm>. Acesso em: 08/01/14.
[4] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 53.
[5]MACHADO, Hugo de Brito. A Base de Cálculo do ISS e as Subempreitadas. In: Revista Dialética de Direito Tributário. Nº 108. São Paulo: Oliveira Rocha, 2004, pag. 67/77.
[6] MARTINS, Ives Gandra da Silva, Coordenador, Curso de Direito Tributário, Vol. 1, Tema “Princípio da Legalidade e da Tipicidade, pag. 141/142, 1a Edição, 1993, Editora Cejup, Belém – PA.
[7]CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 4a ed. São Paulo: Malheiros, 1993, pag. 145.
[8] BALLEIRIO, Alioomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7a ed. Rio de Janeiro:Forense, 1997, pág. 118.
[9]ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 62.
[10]MACHADO, Hugo de Brito. A Base de Cálculo do ISS e as Subempreitadas. In: Revista Dialética de Direito Tributário. Nº 108. São Paulo: Oliveira Rocha, 2004, pag. 67/77.
[11]MACHADO, Hugo de Brito. O ISS das Sociedades de Serviços Profissionais e a Lei Complementar nº 116/03. In: Revista Dialética de Direito Tributário. Nº 100.São Paulo: Oliveira Rocha, 2004.
Especialização (MBA) em Direito Societario pela FGV-Fundação Getulio Vargas (2011-2013); Especialista em Direito Tributário pelo IBET-Instituto Brasileiro de Direito Tributario (2007-2009), atuação profissional como advogado desde 1992; socio fundador de PAULO GOMES ADVOGADOS ASSOCIADOS. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (1992).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Paulo Roberto. A exação de ISSQN sobre materiais empregados nas obras da construção civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42589/a-exacao-de-issqn-sobre-materiais-empregados-nas-obras-da-construcao-civil. Acesso em: 22 nov 2024.
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