Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar se é devido ou não o benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, regulamentado pelo art. 20, da Lei nº 8.742/93, aos estrangeiros, mediante análise da previsão normativa dessa prestação, trazendo o posicionamento da Administração Pública, apresentando correntes de pensamento existentes, bem como o entendimento pretoriano sobre o tema.
Palavras-Chave: Assistência Social. Estrangeiro. Benefício Assistencial. Benefício de Prestação Continuada. Art. 203, V, da Constituição Federal. Art. 20, da Lei nº 8.742/93.
1. Introdução
Conforme previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e no art. 20, da Lei nº 8.742/93, o Benefício de Prestação Continuada LOAS (BPC/LOAS) é um benefício assistencial prestado pela União ao idoso maior de 65 (sessenta e cinco) anos e à pessoa portadora de deficiência que se encontrem em estado de miserabilidade, este definido em lei pela renda familiar per capita de até 1/4 do salário-mínimo.
O BPC/LOAS é um instrumento extremamente importante para a concretização de políticas públicas e para a consecução dos objetivos do Estado brasileiro, estabelecidos pela Constituição Federal. Embora não tenha caráter previdenciário, e sim assistencial, é ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS que incumbe o dever de receber requerimentos administrativos, apreciar o preenchimento dos requisitos legais, conceder ou indeferir os pedidos de benefícios assistenciais, e administrar os benefícios concedidos, mediante o pagamento mensal e a realização das revisões periódicas previstas em lei. Enquanto medida de proteção do beneficiário contra o estado de vulnerabilidade social em que se encontra, o BPC/LOAS é verdadeiro exemplo de direito social.
Como já foi dito em outro estudo[1], os direitos sociais são uma das espécies de direitos fundamentais. A segunda geração dos direitos fundamentais abarca os direitos sociais, que são o direito à saúde, à previdência social, à assistência social, à educação, à moradia. Os direitos de segunda geração demandam, para seu cumprimento, uma ação comissiva do Estado, uma prestação (que pode ser a produção de uma norma ou a execução de uma ação concreta). A inclusão desses direitos no rol de direitos fundamentais configurou grande avanço, porque conferiu-lhes efetividade, restando ultrapassado o entendimento de que se tratavam de normas programáticas apenas.
O BPC/LOAS é um benefício tipicamente assistencial, na medida em que prescinde de qualquer contribuição ou filiação à Previdência Social para ser titulado por quem preencha os requisitos legais. Está previsto no tópico destinado à Assistência Social na Carta Magna, especificamente no art. 203, V, da Constituição Federal, verbis:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei." (grifo nosso)
2. Desenvolvimento
Consoante o art. 203, V, que trata do LOAS na Carta Maior, o constituinte fez referência, ao tratar do destinatário do benefício, a "pessoa" e delegou ao legislador ordinário a competência para regulamentar esse direito assistencial, eis que incluiu a expressão "conforme dispuser a lei".
O legislador ordinário, por sua vez, regulamentou aquele dispositivo constitucional através da Lei nº 8.742/93. Essa norma estabeleceu as diretrizes gerais e os benefícios e serviços a serem disponibilizados pelos entes políticos, a fim de concretizar as normas programáticas estabelecidas pela Carta Magna.
Nessa lei, houve uma limitação subjetiva do beneficiário da assistência social, na medida em que seu art. 1º trouxe a expressão "direito do cidadão", e não "direito da pessoa" ou expressão similar. Vejamos:
"Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas". (sem grifo no original)
Seguindo os parâmetros anteriormente estabelecidos pelo legislador ordinário, o Decreto nº 62.14/07, que foi o decreto regulamentador da Lei nº 8.742/93, expressamente excluiu a concessão de BPC/LOAS ao estrangeiro, mesmo para aquele residente no país, in verbis:
"Art. 7º- É devido o Benefício de Prestação Continuada ao brasileiro, naturalizado ou nato, que comprove domicílio e residência no Brasil e atenda a todos os demais critérios estabelecidos neste Regulamento. (Redação dada pelo Decreto nº 7.617, de 2011)". (sem grifo no original)
Em razão da pertinência como tema abordado, importante apresentar o histórico legislativo dos destinatários do benefício assistencial em exame[2]:
Decreto nº 1.744/95, art. 4º: "São também beneficiários os idosos e as pessoas portadoras de deficiência estrangeiros naturalizados e domiciliados no Brasil, desde que não amparados pelo sistema previdenciário do país de origem". (sem grifos no original)
Decreto nº 6.214/2007 (redação originária), art. 7º: " O brasileiro naturalizado, domiciliado no Brasil, idoso ou com deficiência, observados os critérios estabelecidos neste Regulamento, que não perceba qualquer outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, nacional ou estrangeiro, salvo o da assistência médica, é também beneficiário do Benefício de Prestação Continuada". (sem grifos no original)
Decreto nº 6.214/2007 (com a redação do Decreto 6.564/2008), art. 7º: "O brasileiro naturalizado, domiciliado no Brasil, idoso ou com deficiência, observados os critérios estabelecidos neste Regulamento, que não perceba qualquer outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, nacional ou estrangeiro, salvo o da assistência médica e no caso de recebimento de pensão especial de natureza indenizatória, observado o disposto no inciso VI do art. 4º, é também beneficiário do Benefício de Prestação Continuada". (sem grifos no original)
Decreto nº 6.214/2007 (com redação atual dada pelo Decreto nº 7.617/2011), art. 7º: " É devido o Benefício de Prestação Continuada ao brasileiro, naturalizado ou nato, que comprove domicílio e residência no Brasil e atenda a todos os demais critérios estabelecidos neste Regulamento". (sem grifos no original)
Pois bem, o art. 203, V, da Constituição Federal é um exemplo do que em doutrina denomina-se norma constitucional de eficácia limitada, eis que o texto constitucional previu o direito, mas sua aplicação necessita de regulamentação pelo legislador infraconstitucional. Ao realizar estudo que se tornou referência em relação à aplicabilidade das normas constitucionais, José Afonso da Silva assim conceituou as normas de eficácia limitada:
"As normas de eficácia limitada, em geral, não receberam do constituinte normatividade suficiente para sua aplicação, o qual deixou ao legislador ordinário a tarefa de completar a regulamentação da matéria nelas traçada em princípio ou esquema. As de princípio institutivo encontram-se principalmente na parte orgânica da constituição, enquanto as de princípio programático compõem os elementos sócio-ideológicos que caracterizam as cartas magnas contemporâneas. Todas elas possuem eficácia ab-rogativa da legislação precedente incompatível e criam situações subjetivas simples e de interesse legítimo, bem como direito subjetivo negativo. Todas, enfim, geram situações subjetivas de vínculo"[3].
Sobre as normas constitucionais de eficácia limitada, Pedro Lenza bem observa que:
"São aquelas normas que, de imediato, no momento em que a Constituição é promulgada, não têm o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando de uma lei integrativa infraconstitucional. São, portanto, de aplicabilidade mediata e reduzida, ou, segundo alguns autores, aplicabilidade diferida. Devemos salientar que, ao contrário da doutrina norte-americana, José Afonso da Silva, no mesmo sentido de Vezio Crisafulli, observa que as normas constitucionais de eficácia limitada produzem um mínimo efeito, ou, ao menos, o efeito de vincular o legislador infraconstitucional aos seus vetores"[4].
Assim, tem-se que a previsão do Benefício de Prestação Continuada na constituição é norma de eficácia limitada de princípio programático, exigindo do legislador - para que possa ser concedido - sua regulamentação, ao mesmo tempo em que já determina que esse legislador ordinário efetivamente venha a promulgar tal lei e se oriente pelos vetores inicialmente postos pelo constituinte. E o legislador ordinário cumpriu o intento designado pelo constituinte ao editar a Lei nº 8.742/93.
É compreensível essa opção política do legislador, que certamente teve a intenção de preservar o Erário e o sistema de Seguridade Social, notadamente porque, no âmbito da assistência social, não há registro de tratados internacionais de reciprocidade que tenham sido firmados em benefício de brasileiros residentes em território estrangeiro. Mesmo em relação ao português residente no Brasil, a previsão legal o excluiu, na medida em que não há reciprocidade em relação aos brasileiros residentes em Portugal. Também não se pode olvidar que inexiste fonte de custeio para o beneficio assistencial que fosse concedido a estrangeiros[5].
Nesse contexto constitucional, atualmente discute-se se o estrangeiro pode ser o beneficiário do BPC/LOAS. Quanto ao estrangeiro não residente no país, de passagem ou a passeio pelo país, parece não haver dúvidas de que não tem direito ao BPC/LOAS.
É noção basilar no âmbito do Direito Constitucional que as normas constitucionais devem ser interpretadas levando-se em consideração todo o contexto da Magna Carta. Nesse sentido, importante verificar como é a previsão dos direitos fundamentais aos estrangeiros. O art. 5º, da Constituição Federal, aduz que
"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)" (grifou-se)
A análise topográfica do art. 5º, da Constituição Federal, no texto onde está inserido demonstra que ele é a primeira referência do Título que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais. Contudo, ele está inserido dentro do Capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, de forma a inaugurar esse rol.
Sobre o reconhecimento de direitos fundamentais a estrangeiros, Gilmar Ferreira Mendes ensina o seguinte:
"O caput do art. 5º reconhece os direitos fundamentais 'aos brasileiros e aos estrangeiros' residentes no País. A norma suscita a questão de saber se os estrangeiros não residentes estariam alijados da titularidade de todos os direitos fundamentais. A resposta é negativa. A declaração de direitos fundamentais da Constituição abrange diversos direitos que radicam diretamente no princípio da dignidade do homem - princípio que o art. 1º, III, da Constituição Federal toma como estruturante do Estado democrático brasileiro. O respeito devido à dignidade de todos os homens não se excepciona pelo fator meramente circunstancial da nacionalidade. Há, portanto, direitos que se asseguram a todos, independentemente da nacionalidade do indivíduo, porquanto são considerados emanações necessárias do princípio da dignidade da pessoa humana. Alguns direitos, porém, são dirigidos ao indivíduo enquanto cidadão, tendo em conta a situação peculiar que o liga ao País. Assim, os direitos políticos pressupõem exatamente a nacionalidade brasileira. Direitos socais, como o direito a trabalho, tendem a ser também compreendidos como não inclusivos dos estrangeiros sem residência no País. É no âmbito dos direitos chamados individuais que os direitos dos estrangeiro não residente ganham maior significado"[6].
Em relação à concessão de BPC/LOAS ao estrangeiro residente no país, a matéria é controversa na jurisprudência e teve repercussão geral admitida pelo Supremo Tribunal Federal, com julgamento assim ementado:
ASSISTÊNCIA SOCIAL – GARANTIA DE SALÁRIO MÍNIMO A MENOS AFORTUNADO –ESTRANGEIRO RESIDENTE NO PAÍS – DIREITO RECONHECIDO NA ORIGEM – Possui repercussão geral a controvérsia sobre a possibilidade de conceder a estrangeiros residentes no país o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da Carta da República. (RE 587970 RG, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 25/06/2009, DJe-186 DIVULG 01-10-2009 PUBLIC 02-10-2009 EMENT VOL-02376-04 PP-00742)
O Recurso Extraordinário 587970 ainda aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal[7].
A posição defendida pela Administração Pública, tanto administrativamente, quanto judicialmente, é de que o art. 1º, da Lei nº 8.742/93, reconhece que a assistência social é direito do cidadão. E, do ponto de vista do direito constitucional, cidadão é aquele nacional que está em gozo dos seus direitos políticos, vale dizer, que possua alistamento eleitoral, conforme já foi decidido na ADI nº 3.593, Rel. Min. Gilmar Mendes. Muito difundida na doutrina de direito constitucional é a lição de José Afonso da Silva:
"Cidadania qualifica os participantes da vida do Estado, é atributo das pessoas integradas na sociedade estatal, atributo político decorrente do direito de participar no governo e direito de ser ouvido pela representação política. Cidadão, no direito brasileiro, é o indivíduo que seja titular dos direitos políticos de votar e ser votado e suas conseqüências. Nacionalidade é conceito mais amplo do que cidadania, e é pressuposto desta, uma vez que só o titular da nacionalidade brasileira pode ser cidadão"[8].
A Instrução Normativa INSS/PR nº 20/2007, ainda em vigor no ponto em que regulamenta o BPC/LOAS, assegura ao estrangeiro naturalizado brasileiro o BPC/LOAS, como se infere da redação do seu art. 623, § 2º:
"Art. 623. O benefício assistencial corresponde à garantia de um salário mínimo, na forma de benefício de prestação continuada, devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e também não possa ser provida por sua família, observado que:
I – no período de 1º de janeiro de 1996 a 31 de dezembro de 1997, vigência da redação original do art. 38 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, a idade mínima para o idoso era a de setenta anos;
II – a partir de 1º de janeiro de 1998, a idade mínima para o idoso passou a ser de 67 (sessenta e sete) anos, conforme nova redação ao art. 38 (Lei nº 8.742, de 1993), dada pela MP nº 1.599-39, de 1997, e reedições, convertida na Lei nº 9.720, publicada no DOU em 1º de dezembro de 1998.
III - a partir de 1º de janeiro de 2004, a idade mínima para o idoso passou a ser de 65 (sessenta e cinco) anos, conforme o artigo 34 da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003.
§ 1º Será devido o benefício assistencial ao idoso e ao portador de deficiência incapacitado para a vida independente e para o trabalho, este último independentemente de sua idade, mesmo que qualquer deles esteja abrigado em instituição pública ou entidade filantrópica, no âmbito nacional, e desde que comprove carência econômica para prover a própria subsistência.
§ 2º São também beneficiários o brasileiro naturalizado, desde que domiciliado no Brasil e não amparado pelo sistema previdenciário do país de origem, e o indígena, quando idosos ou deficientes.
§ 3º O requerente ou beneficiário recluso, devidamente comprovado por órgão carcerário, não fará jus ao Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social-BPC-LOAS, uma vez que a sua manutenção está sendo provida pelo Estado. Não se aplica o mesmo quando o requerente ou beneficiário estiver em regime de abrigo na forma do § 1º deste artigo." (grifou-se)
A Procuradoria Geral da República manifestou-se favoravelmente à tese do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS no processo cuja repercussão geral foi reconhecida pelo STF. A seguir, trecho do referido parecer[9]:
"9. É de se ressaltar ainda que o Brasil e Itália possuem Acordo bilateral relacionado à Previdência Social (Decreto nº 80.138, de 11 de agosto de 1977), permitindo que trabalhadores italianos que sejam vinculados à Previdência Social de um dos Estados tenham acesso aos benefícios da Previdência Social. Por outro lado, em relação à assistência social, não há registro de acordo.
10. Note-se, ademais, que em visita ao sítio eletrônico do Instituto Nacional de Previdência Social da Itália (Instituto Nazionale Previdenza Sociale - www.inps.it), constatou-se a existência de benefício assistencial em moldes assemelhados ao BPC brasileiro (L'assegno sociale) cujos beneficiários são os cidadãos italianos ou equiparados com idade igual ou superior a 65 anos, com residência permanente na Itália e que possuam renda inferior aos limites previstos na legislação pertinente. Os equiparados são os habitantes de San Marino, os refugiados políticos, os cidadãos de um Estado da União Europeia residente na Itália e os cidadãos não pertencentes à União Europeia com residência permanente na Itália por no mínimo dez anos.
11. Vê-se, pois, que a eleição dos beneficiários da assistência social é matéria de soberania de cada Estado e está intrinsecamente ligada ao princípio da reserva do possível (v. ADPF nº 45, Rel. Exmo. Min. Celso de Mello, Informativo nº 345). No Estado brasileiro, à míngua de previsão legal, não há como estender o benefício aos estrangeiros, ainda que residentes no Brasil, pois essa foi a escolha do legislador brasileiro. Cabe a eles, então, fazer a opção pela naturalização brasileira para que possam, nos termos da legislação pátria, ter acesso ao benefício de prestação continuada".
Como refere Hermes Arrais Alencar[10],
"existe a preocupação por parte da Administração Pública Federal de esse benefício, uma vez cabível a estrangeiros residentes no país, seja capaz de incentivar a vinda de nacionais dos países vizinhos na América do Sul ao Brasil, máxime diante da grande extensão de fronteira 'seca' que o nosso território possui, capaz de facilitar a imigração".
Esse ilustre doutrinador continua, tomando posição acerca do tema em exame, afirmando que
"porém, em termos constitucionais, não se encontra respaldo a discriminação pretendida pela Administração Pública Federal. Temos para nós que o termo 'cidadão' utilizado no dispositivo não foi empregado no intuito de restrição, corrobora essa afirmativa o inciso IV do art. 4º da própria lei que editada os princípios da Assistência Social: Art. 4º. 'A assistência social rege-se pelos seguintes princípios: [...] IV - igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais [...]"[11].
É cediço que não é dado ao Poder Judiciário fazer as vezes do Poder Legislativo, sob pena de usurpação dos Poderes do Estado. Ademais, a ampliação e a extensão de benefícios assistenciais sem prévia fonte de custeio viola a regra da contrapartida prevista constitucionalmente.
A despeito da posição da Administração Pública, acima colacionada, a corrente predominante na doutrina e na jurisprudência, segundo Augusto Grieco Sant'Anna Meirinho, é diversa, que faz uma interpretação ampliativa do termo "cidadão" constante no art. 1º, da Lei nº 8.742/93, "entendendo-o como todo indivíduo integrado à sociedade independentemente de serem nacionais e exercerem direitos políticos"[12]. Exemplifica-se o entendimento da segunda corrente mencionada com o seguinte julgado do Egrégio Tribunal Regional Federal da Terceira Região:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – PROCESSUAL CIVIL – BENEFÍCIO ASSISTENCIAL – DEFERIMENTO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. - O benefício de assistência social tem o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência em que se acham, não tenham meios de prover à própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. - Em juízo de cognição sumária, impossível ao agravado, diante da situação concreta, ter vida digna, ou, consoante assevera a Constituição Federal, ter respeitada a sua cidadania, que são, às expressas, tidos por princípios fundamentais do almejado Estado Democrático de Direito. - Impertinente a alegação de ausência de direito do estrangeiro ao benefício colimado. De acordo com o caput do art. 5º, da CF, é assegurado ao estrangeiro, residente no país, o gozo dos direitos e garantias individuais, em igualdade de condições com o nacional. Ademais, a assistência social é um direito fundamental, e qualquer distinção fere a universalidade deste direito. Dessa forma não se pode restringir o direito ao amparo social por ter o agravado condição de estrangeiro, vez que, no caso presente, o exame perfunctório revelou que o mesmo se encontra em situação regular e reside no país há mais de 30 (trinta anos), tendo laborado com carteira assinada. Outrossim, aos autos não foram carreados quaisquer documentos aptos a ilidir o decisum em tela. - Agravo a que se nega provimento. (Agravo de Instrumento - 24330. Processo: 200503000668213, Rel. Juíza Vera Jucovsky, DJU de 15/02/2006).[13]
3. Conclusão
O Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS) previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e no art. 20, da Lei nº 8.742/93, é um benefício assistencial e, em virtude dessa sua natureza, independe de contribuição ou contrapartida financeira anteriormente à concessão por parte do beneficiário. O BPC/LOAS integra o conjunto de medidas de assistência social brasileiro, eis que previsto no tópico da Assistência Social no texto constitucional. A assistência social, por sua vez, integra o sistema de seguridade social, que tem por escopo proteger do risco social aquela pessoa que se encontra em estado de vulnerabilidade social. O risco social prevenido pelo BPC/LOAS é a miséria, vale dizer, o fato do beneficiário não poder prover a própria subsistência, nem de tê-la provida por sua família.
A concessão do BPC/LOAS ao estrangeiro é matéria muito discutida atualmente. A despeito de ser um direito social, é pacífico que não será devido ao estrangeiro não residente no país. É pacífico, também, que é devido ao cidadão brasileiro, natural ou naturalizado, assim denominado aquele que está em pleno gozo de seus direitos políticos.
A discussão reside em relação ao estrangeiro - não naturalizado - residente no país. A matéria teve repercussão geral reconhecida pelo STF e aguarda decisão daquela Corte. Após a análise dos argumentos estudados, pode-se concluir que a definição dos beneficiários da assistência social é matéria de soberania de cada Estado e está diretamente ligada ao princípio da reserva do possível. No caso do Brasil, não há extensão prevista em lei desse direito aos estrangeiros. Essa foi a escolha do nosso legislador ordinário, em cumprimento ao dever de regulamentar a norma constitucional de eficácia limitada. Contudo, é possível que o estrangeiro opte pela naturalização brasileira para que possa, nos termos da legislação pátria, ter acesso ao benefício de prestação continuada.
A questão apenas será dirimida definitivamente após o pronunciamento do STF sobre o caso, no processo judicial antes mencionado.
Referências Bibliográficas:
ALENCAR. Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários, São Paulo: Leud Editora, 2009.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, Editora Saraiva, São Paulo, 13ª ed. 2009.
Manual de Atuação nos Juizados Especiais Federais elaborado pela Procuradoria Geral Federal - Advocacia Geral da União, versão de dezembro de 2010.
Manual do Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica de Assistência Social elaborado pela Procuradoria Geral Federal - Advocacia Geral da União, versão de novembro de 2012.
MEIRINHO, Augusto Grieco Sant'Anna. O Benefício Assistencial de Prestação Continuada, in Prática Previdenciária - A Defesa do INSS em Juízo, São Paulo: Quartier Latin Editora, 2008.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Ed. Saraiva, 4ª ed, 2009.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, Malheiros Editores, São Paulo, 6ª ed., 2002.
_______. Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros Editores, São Paulo, 12ª ed., 1996.
SOUZA, Cristiane Castro Carvalho de. As cláusulas pétreas como instrumento limitador à restrição aos direitos sociais. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 dez. 2014. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.51314&seo=1>. Acesso em: 14 dez. 2014.
[1] SOUZA, Cristiane Castro Carvalho de. As cláusulas pétreas como instrumento limitador à restrição aos direitos sociais. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 dez. 2014. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.51314&seo=1>. Acesso em: 14 dez. 2014.
[2] Extraído do Manual do Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica de Assistência Social elaborado pela Procuradoria Geral Federal - Advocacia Geral da União, versão de novembro de 2012, pág. 25.
[3] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, Malheiros Editores, São Paulo, 6ª ed., 2002, pág. 262.
[4] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, Editora Saraiva, São Paulo, 13ª ed. 2009, pág. 137-8.
[5] Manual do Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica de Assistência Social elaborado pela Procuradoria Geral Federal - Advocacia Geral da União, versão de novembro de 2012, pág. 24.
[6] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Ed. Saraiva, 4ª ed, 2009, pág. 306-7.
[7] Consulta ao andamento processual no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal realizada no dia 14 de dezembro de 2014. <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2621386>
[8] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros Editores, São Paulo, 12ª ed., 1996, pág. 330-1.
[9] Extraído do Manual de Atuação nos Juizados Especiais Federais elaborado pela Procuradoria Geral Federal - Advocacia Geral da União, versão de dezembro de 2010, pág. 31.
[10] ALENCAR. Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários, São Paulo, Leud Editora, 2009, pág. 579.
[11] Idem, pág. 579.
[12] MEIRINHO, Augusto Grieco Sant'Anna. O Benefício Assistencial de Prestação Continuada, in Prática Previdenciária - A Defesa do INSS em Juízo, São Paulo, Quartier Latin Editora, 2008, pág. 443.
[13] Consulta realizada no sítio eletrônico do Tribunal Regional Federal da Terceira Região em 29 de novembro de 2011 <http://www.trf3.jus.br/trf3r/index.php?id=20&op=resultado&processo=200503000668213>
Procuradora Federal desde novembro de 2007. Ex-Advogada da Caixa Econômica Federal. Especialista em Direito Previdenciário e em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal - ESMAFE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Cristiane Castro Carvalho de. A (im)possibilidade de concessão do benefício assistencial de prestação continuada/LOAS para estrangeiros Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42647/a-im-possibilidade-de-concessao-do-beneficio-assistencial-de-prestacao-continuada-loas-para-estrangeiros. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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