RESUMO: Este artigo tem o objetivo de demonstrar a posição do Superior Tribunal de Justiça no que diz respeito à possibilidade do porte de arma desmuniciada ser considerado fato típico previsto no art. 14 da Lei n° 10.826/2003.
Palavras-chave: Porte de Arma. Arma Desmuniciada. Perigo Abstrato. Crime.
1. INTRODUÇÃO
O artigo 14 da Lei n° 10.826/2003 define a conduta típica de “porte de arma de fogo de uso permitido” nos seguintes termos:
Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente.
Trata-se de crime de conteúdo variado, ou seja, basta que o agente pratique uma das condutas previstas de forma alternativa para que o crime se configure. E na hipótese do agente praticar mais de uma das ações tem-se crime único.
E quanto ao sujeito ativo qualquer pessoa pode praticar o crime, não há relevância se é ou não o proprietário da arma de fogo, munição ou acessório.
2. DESENVOLVIMENTO
A partir da edição da mencionada Lei passaram a ser criminosas as condutas descritas também em relação a acessórios e munição. A esse respeito Roberto Delmanto observa:
Os bens juridicamente tutelados, pela lei ora em comento (a incolumidade e a segurança públicas) restarão violados ou colocados em perigo na hipótese de acessórios ou pequena quantidade de munição? Outra questão: poderia o legislador equiparar condutas relativas a armas de fogos àquelas referentes a acessórios ou munição? Importante lembrar que tanto a LCP quanto a antiga Lei n° 9.437/97, revogada expressamente pela Lei n° 10.826/03, não puniam criminalmente a conduta do agente que fosse transportando acessórios ou munição. A conduta era atípica. Igualmente era atípico o transporte de arma desmuniciada (por vezes desmontada), devidamente acondicionada, demonstrando não se confundir com porte. Agora, como se vê, as condutas são típicas. Em nossa opinião, pela gravidade da sanção imposta somente podem ser considerados crimes condutas que violem ou coloquem em risco algum bem jurídico relevante à sociedade. No caso de acessórios e munições, pensamos que o legislador estava constitucionalmente autorizado a punir criminalmente condutas relativas a acessórios ou munições, embora talvez a contravenção penal fosse uma melhor solução. O que não se pode admitir, contudo, é a previsão da mesma pena para condutas evidentemente de gravidades distintas. Não pode, de fato, ser punido com a mesma pena o agente que é surpreendido portanto ilegalmente uma arma de fogo pronta para o uso, daquele que é encontrado com acessórios ou pequena quantidade de munição, sob pena de violação ao princípio da proporcionalidade. Caberá ao julgador, no caso concreto, encontrar a melhor forma de resolver o impasse.
Assim, a partir da edição da Lei passou-se a discutir se seria típica a conduta do agente que porta arma de fogo apta para o uso, mas sem munição. Sobre a questão o Superior Tribunal de Justiça firmou seu entendimento no sentido de que o escopo da norma é tutelar a segurança pública e a paz social, em razão disso, prescindível resultado naturalístico ou efetivo perigo de lesão para a sua tipificação. Isso porque o art. 14 da Lei n° 10.826/2003 descreve crime de mera conduta, e de perigo abstrato, por isso, considera-se crime o fato de portar arma desmuniciada. Exemplificadamente:
AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA. ART. 14 DA LEI N. 10.826/2003. PERIGO ABSTRATO. DELITO DE MERA CONDUTA. TIPICIDADE DA CONDUTA. SÚMULA 168/STJ.
1. Este Superior Tribunal firmou seu entendimento no sentido de que o porte de arma desmuniciada se insere no tipo descrito no art. 14 da Lei 10.826/2003, por ser delito de perigo abstrato, cujo bem jurídico é a segurança pública e a paz social, sendo irrelevante a demonstração de efetivo caráter ofensivo por meio de laudo pericial.
2. Incidência do disposto na Súmula 168/STJ, in verbis: não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado.
3. Não houve a realização do necessário cotejo analítico, com a transcrição de trechos que demonstrem a similitude fática entre as situações em confronto e a diferente interpretação de dispositivo de lei federal, conforme preconiza o art. 266, c/c o art. 255, § 2º, do RISTJ.
4. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada.
5. Agravo regimental improvido.
(AgRg nos EAREsp 260.556/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/03/2014, DJe 03/04/2014)
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA. ART. 14 DA LEI 10.826/2003. PERIGO ABSTRATO. TIPICIDADE DA CONDUTA. AGRAVO DESPROVIDO.
- Esta Corte Superior firmou seu entendimento no sentido de que o porte de arma desmuniciada insere-se no tipo descrito no art. 14 da Lei 10.826/2003, por ser delito de perigo abstrato, cujo bem jurídico é a segurança pública e a paz social, sendo irrelevante a demonstração de efetivo caráter ofensivo.
Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp n. 1.360.157/MG, Ministra Marilza Maynard
(Desembargadora convocada do TJ/SE), Quinta Turma, DJe 7/6/2013 – grifo nosso)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 14, CAPUT, DA LEI N. 10.826/03. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E MUNIÇÕES. ATIPICIDADE DA CONDUTA. CRIMES DE MERA CONDUTA. PERIGO ABSTRATO. DISSÍDIO PRETORIANO. NÃO COMPROVAÇÃO.
[...]
2. De qualquer forma, o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de que o delito previsto no artigo 14 da Lei n. 10.826/2003 é de perigo abstrato, ou seja, o simples fato de portar a arma e/ou munição, sem a devida autorização, tipifica a conduta.
[...]
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp n. 1.154.430/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 4/6/2013 – grifo nosso)
3. CONCLUSÃO
Pelo exposto e de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem-se que o agente que porta ou pratica qualquer das ações descritas no artigo 14 da Lei n° 10.826/2003 utilizando-se de arma desmuniciada pratica fato típico, uma vez que trata-se de crime de mera conduta e perigo abstrato.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgRg no REsp n. 1.360.157/MG, Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ/SE), Quinta Turma, DJe 7/6/2013
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgRg nos EAREsp 260.556/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/03/2014, DJe 03/04/2014
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