RESUMO - Destaca-se nesse trabalho considerações referentes a figura jurídica conhecida como concubinato, bem como os efeitos decorrentes desse instituto no âmbito da legislação civil brasileira. Para tanto, procuramos utilizar materiais que favoreceram a assimilação do conteúdo tais como livro, artigo e julgados. Trata-se de uma análise crítica no sentido de verificar a compatibilidade e o enquadramento das discussões e conflitos da relação concubina em sede familiarista, já que como os demais institutos do Direito de Família, o concubinato também parte da afetividade como sustentáculo jurídico.
Palavras-chave: Concubinato; Efeitos; Legislação; Relação Concubina
INTRODUÇÃO
No cenário social brasileiro, o vocábulo concubinato sempre foi havido como uma expressão carregada de valores negativos. Essa visão pejorativa é decorrente, sobretudo, do preconceito arraigado na sociedade que pautava-se no exacerbado apego às instituições religiosas, em especial, o casamento. Assim, o concubinato existiu por muito tempo como uma relação marginal, não sendo amparada pelo direito.
Doutrinariamente, costumava-se fazer uma distinção entre concubinato puro e impuro. O primeiro, caracterizava-se por pessoas que poderiam casar, porém, decidiam por simplesmente morar juntos, ou de acordo com os adágios populares, “juntar as escovas de dentes”. O impuro, por sua vez, tratava das pessoas impedidas de casar, englobando o concubinato adulterino e o incestuoso.
Com o advento da Constituição de 1988 essa visão começa a ser mudada. É que com ela, a expressão concubinato passou a designar, apenas a figura impura, uma vez que o concubinato puro atualmente é reconhecido como união estável. Essa alteração na terminologia, se deu em razão do caráter discriminatório enraizado no antigo vocábulo.
Embora a Carta de 1988, tenha expressamente concebido a união estável como entidade familiar, o mesmo não se pode dizer do concubinato. A este, em virtude do princípio da monogamia, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que não se deve analisar tal figura em sede familiarista.
No entanto, a relação de concubinato não é, e nem poderia ser, totalmente desamparada pelo direito. Isto é, muito embora esta seja desprovida de caráter familiar, não se pode ignorar a possibilidade de produção de efeitos jurídicos entre os concubinos.
Dado o contexto em que se insere a temática, constitui objeto de estudo desse trabalho a caracterização do concubinato como relação ensejadora de efeitos jurídicos no âmbito da legislação civil brasileira, a fim de que possamos atribuir à mesma proteção jurídica.
CONCUBINATO
No âmbito das relações familiaristas, assunto que vem sendo alvo de intrigantes questionamentos diz respeito ao tratamento a ser dispensados à aqueles indivíduos que, embora impedidos pela legislação civil, contraem uma relação amorosa. Trata-se das relações concubinas nas quais dois indivíduos, não autorizados legalmente, mantém relacionamento afetuoso.
Nesse sentido, explica Flávio Tartuce:
Convivência estabelecida entre uma pessoa ou pessoas que são impedidas de casar e que não podem ter entre si uma união estável, como é o caso da pessoa casada não separada de fato, extrajudicialmente ou judicialmente, que convive com outra. Imagine-se o caso do sujeito casado que tem uma amante, havendo aqui um concubinato impuro ou concubinato em sentido estrito (stricto sensu). O professor Villaça utiliza para tal hipótese a expressão concubinato adulterino. Nos casos de concubinato entre pessoas que estão impedidas de casar diante de impedimentos decorrentes do parentesco, o concubinato é denominado incestuoso. Ainda, se a pessoa tiver outra união de fato, o concubinato é chamado de desleal. Utilizando o último termo da jurisprudência: TJMG, Apelação Cível 1.0384.05.039349-3/0021, Leopoldina, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Moreira Diniz, j.21.02.2008, DJEMG 13.03.2008.
O Código Civil de 2002, em seu art. 1.727, estabelece o seguinte conceito: “as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.” O problema é que, embora o Diploma Civil tenha conceituado o instituto, não se pronunciou sobre os efeitos civis oriundos da relação concubina, deixando a cargo da doutrina e da jurisprudência.
Nessa linha de intelecção, doutrina e jurisprudência têm se posicionado, não havendo unanimidade no tratamento a ser dispensado à matéria. Na realidade, o que há é uma divisão acerca da natureza do instituto. Isto é, para parte da doutrina, por se tratar de relação decorrente de vínculo afetivo, o concubinato deveria ser tratado em sede familiarista. Na outra ponta, considerando o princípio da monogamia aliado a valores ético-morais construídos pela sociedade brasileira, não há falar em concubinato no âmbito do Direito de Famílias. Afirmam que à esta relação deve ser dado o tratamento como se ali existisse uma sociedade de fato. Dessa forma, os impasses decorrentes do concubinato deveriam ser resolvidos no âmbito do Direito Obrigacional.
É necessário ter em mente que relação aqui referida não se confunde com a chamada convivência paralela de afetos. Ou seja, muito embora o atual Código Civil tenha elevado a condição de dever legal do casamento e da união estável a questão da fidelidade, esse dever vem sendo mitigado pelo que se convencionou chamar de poliamorismo. Aqui, “coexistem duas ou mais relações afetivas paralelas, em que seus partícipes conhecem-se e aceitam-se uns aos outros, em uma relação múltipla e aberta”.
Desse modo, a despeito de formalmente haver a configuração de um concubinato em razão da manifesta ofensa à tradicional concepção monogâmica, materialmente não é, haja vista o conhecimento e aceitação do cônjuge ou companheiro e ainda a produção de efeitos diversos.
Já há, inclusive, jurisprudência nesse sentido:
A 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça reconheceu que um cidadão viveu duas uniões afetivas: com a sua esposa e com uma companheira. Assim, decidiram repartir 50% do patrimônio imóvel, adquirido no período do concubinato, entre as duas. A outra metade ficará, dentro da normalidade, com os filhos. A decisão é inédita na Justiça gaúcha e resultou da análise das especificidades do caso. (...) Para o Desembargador Portanova, a experiência tem demonstrado que os casos de concubinato apresentam uma série infindável de peculiaridades possíveis. Avaliou que se pode estar diante da situação em que o trio de concubino esteja perfeitamente de acordo com a vida a três. No caso, houve uma relação não eventual contínua e pública, que durou 28 anos, inclusive com prole, observou. Tal era o elo entre a companheira e o falecido que a esposa e o filho do casamento sequer negam os fatos pelo contrário, confirmam; é quase um concubinato consentido. O Desembargador José Ataides Siqueira Trindade acompanhou as conclusões do relator, ressaltando a singularidade do caso concreto: Não resta a menor dúvida que é um caso que foge completamente daqueles parâmetros de normalidade e apresenta particularidades específicas, que deve merecer do julgador tratamento especial.
Temos ainda, no mesmo sentido, decisão da Justiça de Rondônia:
A coexistência de duas ou mais relações afetivas paralelas, nas quais as pessoas se aceitem mutuamente, motiva a partilha dos bens em três partes iguais, segundo decisão inédita dada por um juiz de Rondônia.
Em uma Ação Declaratória de União Estável, o juiz Adolfo Naujorks, da 4ª Vara de Família da Comarca de Porto Velho, determinou a divisão dos bens de um homem entre ele, a esposa com quem era legalmente casado, e a companheira, com quem teve filhos e conviveu durante quase trinta anos.
Segundo o juiz, a sentença se baseou na doutrina e em precedente da jurisprudência, que admite a “triação” — meação que subdivide o patrimônio em partes iguais. O juiz ainda fundamentou sua decisão em entendimento da psicologia, que chama essa relação triangular pacífica de “poliamorismo”.
Desta feita, é notório que a fidelidade, ainda que havida como um valor juridicamente tutelado, não se trata de aspecto comportamental inalterável, tampouco absoluto. Afinal, as decisões acima refletem que fidelidade não é um conceito necessariamente conexo à exclusividade com uma única pessoa.
EFEITOS CIVIS DO CONCUBINATO
Dada a controvérsia na qual se insere o tema ora estudado, é sabido que não há um consenso no que se refere ao enquadramento da natureza jurídica do relação de concubinato. Ora, o Direito de Família, havido como o mais humano dos ramos do Direito, é conhecido pela sua mutabilidade. Assim, conforme lição do professor Arnaldo Vasconcelos, a norma deve buscar refletir aquilo que melhor se coaduna com os interesses sociais considerando as adaptações do binômio espaço-tempo. Dentro dessa perspectiva e considerando o novo paradigma introduzido com o advento do Código Civil de 2002, no qual começa-se a deixar de lado, ainda que timidamente, os preconceitos e o demasiado apego as instituições religiosas, o Direito de Família passa a ser visto sob outro viés, ou doutrinariamente falando, sob um viés mais humano.
É que contemporaneamente, o Direito de Família procura solucionar seus conflitos tendo como parâmetro maior a afetividade.
Entretanto, prevalece ainda o entendimento de que o sistema jurídico brasileiro não acolheu o concubinato como uma relação familiar haja vista a inexistência dos efeitos típicos das relações familiares, como direito à prestação alimentícia, à herança e ao benefícios previdenciários. Esta inclusive é a orientação do Supremo Tribunal Federal:
“Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel. União Estável. Proteção do Estado. A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato. Pensão. Servidor Público. Mulher. Concubina. Direito. A titularidade da pensão decorrente do falecimento do servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina” (STF, Ac, 1ªT., RE 397.762/BA, rel. Min. Marco Aurélio, DJU 12.09.08, p172).
Desse modo, a legislação civil brasileira desconsidera o concubinato como relação apta a titularizar direitos em sede familiarista. O que há, na realidade é tão somente uma sociedade de fato, razão pela qual deve ser resolvida no âmbito do Direito Obrigacional.
Em sede obrigacional, a produção de efeitos está condicionada a apresentação de prova efetiva pelo interessado da existência de colaboração recíproca, ou seja, é necessário que se comprove esforço comum na aquisição de determinado bem. Vale ressaltar, que o direito brasileiro estabelece limitações a estes efeitos que podem decorrer do concubinato no sentido de desestimular a formação de relações concubinárias.
Sobre essas vedações, Cristiano Chaves de Faria escrevendo em coautoria com Nelson Rosenvald nos ensina:
O Sistema jurídico estabelece a vedação da prática dos seguintes atos em favor da concubina ou do concubino: i) proibição de realizar doação em favor do concubino, sob pena de anulabilidade, no prazo de dois anos contados do término da relação conjugal (CC, art. 550), ii) proibição de estipular seguro de vida em favor do concubino, sob pena de nulidade (CC, art. 793); iii) proibição de ser contemplado como beneficiário de testamento, seja a título de herança ou de legado, sob pena de nulidade (CC, art. 1.801, III); iv) impossibilidade de receber alimentos (CC, art. 1694).
Em síntese, o que se tem atualmente é a aplicação, como regra, das normas atinentes à sociedade de fato.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho se propôs a apresentar e discutir os principais aspectos referentes a relação de concubinato, bem como os efeitos oriundos desse instituto a fim de provocar uma conscientização e, sobretudo, uma discussão mais acentuada no que se refere ao tratamento a ser dispensado aos atores dessa relação. Para tanto, procuramos desenvolver nosso estudo utilizando materiais que favoreceram a assimilação do conteúdo abordado, tais como livros e artigos a fim de fundamentar nossos posicionamentos.
Dentro do que foi exposto ao longo desse trabalho, podemos constatar que a relação concubina, muito embora seja um tema delicado e ainda cercado de preconceitos, vem sendo alvo de interessantes debates dividindo estudiosos acerca de seu enquadramento no Direito Civil.
Para parte da doutrina, valendo-se de princípios ético-morais aliado à vedação a poligamia deve-se entender essa relação como uma sociedade de fato e, portanto, aplicar-se-ia as normas do direito obrigacional. Por sua vez, embora em menor proporção, há quem advogue que, por se pautar no mesmo fundamento (afetividade) dos demais institutos relacionados ao Direito de Família, a lide deveria ser resolvida em sede familiarista.
Na medida em que discutimos as relações decorrentes do vínculos afetivo, percebemos o quão é complexa e delicada a tarefa de estabelecer parâmetros para a fixação de normas a serem aplicadas, uma vez que a norma deve acompanhar a mutabilidade inerente a sociedade. Dentro desse contexto, o Direito enquanto ciência humana, deve buscar refletir aquilo que melhor se enquadra a realidade vivida por cada sociedade.
O que queremos dizer é que o Direito, com intuito de garantir e ampliar seu alcance não pode ficar atrelado a conceitos carregados de preconceitos.
É dentro dessa perspectiva que se insere o concubinato. Assim, entendemos que não se deve tratar o concubinato, ou melhor dizendo uma relação afetiva, como um resultado proveniente de uma fórmula matemática na qual se aplica indistintamente a uma dada situação.
Portanto, diante da complexidade que envolve as relações afetivas nos parece que a melhor saída seria individualizar caso a caso, isto é, não caberia enquadrar a resolução do concubinato em sede familiarista, tampouco obrigacional. É necessário que o caso seja resolvido à luz das peculiaridades que envolvem o caso concreto.
REFERÊCIAS
BRASIL, Código Civil. Lei 10.406 de 10 janeiro de 2002.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Famílias. 5 ed. Salvador: Jus podivm, 2013.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil. 3ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
TANNURI, Claudia Aoun. As famílias paralelas e a teoria do poliamor. Disponível em http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio/41/Documentos/ARTIGO%20POLIAMOR.pdf > Acesso em 16 de out. de 2014.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil 5. Direito de Família. 8ed. São Paulo: Método, 2013.
VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica. 6a.ed. São Paulo: Malheiros, 2006
Procurador Federal - PGF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NOGUEIRA, Marden de Carvalho. Considerações referentes ao instituto do concubinato e seus principais reflexos na legislação civil brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jan 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42879/consideracoes-referentes-ao-instituto-do-concubinato-e-seus-principais-reflexos-na-legislacao-civil-brasileira. Acesso em: 22 nov 2024.
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