RESUMO: O presente trabalho visa abordar a questão da divulgação de informações ambientais no Brasil sob uma ótica multidisciplinar. Para tanto, far-se-á um breve introito, explicando os pontos básicos do estudo. Em seguida, passar-se-á a um exame da crise ambiental que assalta a sociedade contemporânea, não sem antes elaborar sua contextualização histórica. Feito isto, serão expostas noções básicas acerca das políticas públicas, como conceitos, alcance, tipologias, entre outros aspectos considerados relevantes. Fechando o desenvolvimento do tema, analisar-se-á a divulgação de informações ambientais na legislação brasileira, fazendo-se, inicialmente, um apanhado sobre a importância dessas informações e, posteriormente, se debruçando sobre os principais pontos da Lei n. 6.938/1981 e da Lei n. 10.650/2003. Por derradeiro, seguir-se-ão as considerações finais, articulando as conclusões que se podem extrair do texto.
PALAVRAS-CHAVE: Política pública. Informações ambientais. Legislação brasileira.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Modernidade e meio ambiente; 1.1 Contextualização histórica; 1.2 Modernidade, meio ambiente e conhecimento; 2 Políticas públicas; 3 Divulgação de informações ambientais na legislação brasileira; 3.1 A importância da informação ambiental; 3.2 Informações ambientais e legislação; Considerações finais; Referências.
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas do Século XX a humanidade se depara com uma crise ambiental tamanha, que pode levar a civilização ao colapso. Surgem teorias em diversos campos do conhecimento para explicar essa conjuntura, bem como para tentar formular soluções para os diversos problemas verificados.
Percebeu-se, contudo, que uma abordagem feita por um único um ramo do saber não seria capaz de dar uma resposta adequada a tal desafio. É assim que surge a necessidade de que a sociologia, a filosofia, as ciências políticas e as ciências jurídicas deem suas contribuições de forma conjunta. Esta tarefa ainda é difícil, ante a forte influência do paradigma cartesiano, que tende a sempre compartimentalizar o conhecimento.
Mesmo ciente das dificuldades acima apontadas, este trabalho buscará uma abordagem multidisciplinar exatamente sobre um tema relacionado ao conhecimento: a divulgação de informações ambientais.
Tentar-se-á fazer uma interlocução entre alguns dos principais teóricos da sociologia, da filosofia ambiental, das ciências políticas e do direito ambiental brasileiro, para explicar a atual necessidade de propagar amplamente informações relativas ao meio ambiente e seus problemas. Procurar-se-á, também, identificar o que os órgãos e entidades governamentais do Brasil podem e devem fazer nesse sentido, tendo por base os principais pontos da Lei n. 6.938/1981 e da Lei n. 10.650/2003 e seus efeitos jurídicos.
1 MODERNIDADE E MEIO AMBIENTE
1.1 Contextualização histórica
A revolução industrial iniciada no Século XVIII marca o surgimento do capitalismo moderno. A proliferação de fábricas, ferrovias e portos aumentou consideravelmente a pressão sobre os recursos naturais, fonte primária de energia e matéria-prima para produção dos mais diversos bens de consumo.
As transformações causadas pela revolução industrial não se restringiriam, porém, ao campo da economia. A sociedade também foi profundamente modificada, já que, ante a necessidade mão-de-obra, a população acabou por migrar do campo para os núcleos urbanos. A ocupação desordenada do espaço urbano também trouxe considerável repercussão ambiental, inclusive por conta da consequente aproximação entre um grande contingente populacional e as principais fontes de poluição.
A grande riqueza produzida pelo industrialismo não foi distribuída de forma igualitária entre os participantes da cadeia produtiva, ficando em sua maior parte nas mãos da burguesia. Isto possibilitou que esta classe se colocasse em uma situação política privilegiada em relação às demais, levando seus ideais liberais a moldarem o próprio Estado. Evitava-se, com isto, a ingerência estatal nos meios de produção.
O liberalismo, consolidado com a Revolução Francesa, perdura durante todo o Século XIX, mas perde força no século seguinte graças às ideias socialistas, oriundas especialmente da obra de Marx. Diante da situação altamente degradante a que estava exposta a classe trabalhadora, surgem na Europa as raízes do Estado do bem-estar social e o Estado socialista, por meio da Revolução Russa. No primeiro, os ideais burgueses, ainda que mitigados, permaneceram vivos.
A crise de 1930 põe em cheque o vigor do modelo econômico capitalista, a despeito dos grandes avanços tecnológicos a que deu azo. Porém, a reconstrução do que foi destruído na Segunda Grande Guerra, juntamente com o emergente antagonismo ao socialismo, deram novo fôlego ao capitalismo.
No período pós-guerra, o mundo experimentou um forte desenvolvimento econômico. A massificação da produção – inclusive a bélica – aumentou drasticamente a pressão sobre os recursos naturais, fazendo com que tomasse forma o movimento ambientalista.
1.2 Modernidade, meio ambiente e conhecimento
No final do Século XX, o socialismo entra em colapso, deixando o sistema capitalista dominar francamente a economia mundial, mas
[N]o momento em que poderia assumir a herança indivisa da autocompreensão prático-moral da modernidade, ele [o partido que se considera vitorioso] desanima perante a tarefa ingente de levar a adiante a domesticação social e ecológica do capitalismo no âmbito de uma sociedade mundial ameaçada (HABERMAS, 2012, p. 12-3).
É esse cenário de ameaças globais que leva Beck (2011) a elaborar o discurso da sociedade (industrial) de risco, sustentando que, atualmente, a produção de riqueza traz como efeito colateral a produção de riscos.
Morin (2000), já havia esclarecido que toda ação tem o condão de fugir do controle do indivíduo que a praticou e que, citando Hirschman, pode ter como consequência um efeito perverso, nefasto e inesperado.
Ocorre que, segundo Beck (2011), os riscos não mais se limitam geograficamente ou a determinado grupo social. Riscos como os gerados pela radioatividade e pela presença de toxinas e poluentes no ar, na água e nos alimentos, conquanto possam desencadear danos que se perpetuam no tempo, permanecem no mais das vezes imperceptíveis aos sentidos humanos. O conhecimento do perigo ganha, então, um novo realce político e social, pois se antecipar a eles torna-se crucial até mesmo para a sobrevivência. Daí ser “a sociedade do risco [...] também a sociedade da ciência, da mídia e da informação” (BECK, 2011, p. 56).
De fato, a evolução tecnológica deu origem ao que Castells (1999) chama de informacionalismo, que seria a base material de uma nova configuração social, denominada de sociedade da informação (ou sociedade em rede), em que os valores da comunicação aberta, de um modo geral, passaram a ser supremos.
Para Beck (2011), tanta é a importância do conhecimento na presente realidade social que ele chega a afirmar que, enquanto nas situações de classe o ser é que determina a consciência, nas situações de risco a consciência (adquirida pelo conhecimento) é que determina o ser.
Outro ponto interessante é a chamada irresponsabilidade organizada, consistente na tendência de segmentos da sociedade a ocultar as origens dos riscos, ou mesmo a negar de sua existência, bem como a responsabilidade pela sua criação. Isso permite a dramatização dos riscos e até a concretização de efeitos danosos (BECK, 2011).
Vive-se em um mundo incerto, onde “é preciso aprender a navegar em um oceano de incertezas em meio a arquipélagos de certeza” (MORIN, 2000, p. 16). Ante a absoluta imprevisibilidade dos efeitos das ações a longo prazo, não se deve adotar uma abordagem programática, mas sim estratégica para lidar com as incertezas. É que o programa se destina a operar em um panorama estável; havendo alterações de condições, resta bloqueado. Já a estratégia leva em consideração as incertezas, permitindo que o cenário seja alterado conforme surjam novas informações, os acasos, contratempos ou boas oportunidades no percurso (Morin, 2000).
Jonas (2006), por outro lado, verificando que o desconhecimento do perigo nos torna indefesos, concebe a heurística do medo, advogando que o pavor gerado pelas ameaças à humanidade, nasce invariavelmente antes do conhecimento necessário, podendo, pois, ser útil para a construção de novos padrões éticos no trato com a natureza.
De todo modo, quando a coletividade aporta em um desses arquipélagos de certeza, reconhecendo os riscos da modernização, resgata-se a noção de que o ser humano integra o meio ambiente, desenvolvendo, com isso, um maior senso de responsabilidade pelo seu equilíbrio. Ainda segundo Beck (2011),
Na consciência generalizada da suscetibilidade, que se manifesta social e politicamente de forma bastante abrangente no movimento ambientalista e pacifista, mas também na crítica ecológica ao sistema industrial, há também outros estratos de experiência que vêm à tona: quando árvores são derrubadas e espécies de animais extintas, as próprias pessoas se sentem de certa forma afetadas, ‘feridas’. As ameaças à vida no desenvolvimento civilizatório revolvem comunhões de experiência da vida orgânica, que vinculam as necessidades vitais do ser humano às das plantas e animais. Com a morte das florestas, o ser humano percebe-se a si mesmo como ‘ser natural com pretensão moral’, como coisa móvel e frágil em meio a outras coisas, como parcela natural de um todo natural ameaçado, pelo qual ele é responsável. Acabam sendo feridos e despertados níveis de uma consciência natural do ser humano, que solapam e impugnam o dualismo de corpo e espírito, natureza e humanidade. Na ameaça, o ser humano percebe que respira como as plantas e que vive da água como os peixes da água. A ameaça de contaminação faz com que sinta que, com seu corpo, faz parte das coisas – um ‘processo metabólico com consciência e moral’ – e, consequentemente, pode acabar erodindo sob a chuva ácida, como pedras e árvores. Uma comunhão entre a Terra, as plantas, os animais e os seres humanos se torna perceptível, ‘uma solidariedade das coisas vivas’, que envolve a tudo e a todos igualmente na mesma ameaça.
Essa ideia de comunhão também é vista na ecologia profunda, que, fundada em valores ecocêntricos, “reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos, e o fato de que, enquanto indivíduos e sociedades, estamos todos encaixados nos processos cíclicos da natureza (e, em última análise, somos dependentes desses processos)” (CAPRA, 2012).
Com base nesse ideal, Capra (2012) defende a utilização de um pensamento ecológico sistêmico, segundo o qual deve-se partir do todo para entender partes, rompendo, desse modo, com o paradigma cartesiano, que tem por essência justamente o contrário. Conclui então pela existência de uma teia da vida, consistente em redes aninhadas dentro de redes mais amplas. Por óbvio, quando uma parte da rede é afetada, por menor que seja, pode-se causar problemas de funcionalidade em qualquer outra parte da rede, comprometendo, em casos extremos, a própria teia da vida.
2 POLÍTICAS PÚBLICAS
A política pública, como um ramo do conhecimento, surge nos Estados Unidos da América, em meados do Século XX, objetivando o estudo das ações do governo, sem se preocupar com a teorização das funções do Estado, como ocorria na tradição europeia (SOUZA, 2006).
Mead (apud SOUZA, 2006, p. 24) define política pública como “um campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas”. Já para Dye (apud SOUZA, 2006, p. 24) a define como “o que o governo escolhe fazer ou não fazer”. Secchi (2010, p. 2), por sua vez, identifica política pública como “diretriz elaborada para enfrentar um problema público”.
Vê-se, pois, que não existe consenso a respeito da definição de política pública na literatura especializada. Essa divergência funda-se basicamente em três problemas: se apenas atores estatais podem elaborar políticas públicas; se omissão ou a negligência podem se constituir em políticas públicas; e se diretrizes operacionais também seriam políticas públicas (SECCHI, 2010).
Considerando o propósito deste trabalho, os dois primeiros problemas são pouco relevantes, pois se está a analisar justamente a ação governamental, por meio da elaboração de normas jurídicas. Quanto ao último, há de se considerar que não apenas as macrodiretrizes estratégicas, mas também aquelas de nível intermediário e operacionais, podem ser consideradas políticas públicas (SECCHI, 2010), pois, de fato, a ideia de política pública está mais ligada à tentativa organizada de combater um problema público, qualquer que seja o nível de operacionalização utilizado.
No que tange à definição da natureza pública do problema, Secchi (2010), valendo-se da concepção de Sjöblom, ensina que o problema público seria a diferença entre uma situação real e uma situação ideal possível para a realidade pública.
Note-se ainda que o problema deve afetar um número considerável de pessoas, tornando-se, assim, relevante para a coletividade e, consequentemente, público. Boneti (2011), em uma abordagem mais prática dessa questão, ressalta que por vezes as políticas públicas se destinam a satisfazer os interesses não de todos, mas somente de alguns segmentos sociais.
O processo de elaboração de políticas públicas é comumente descrito como um ciclo, que se inicia com a identificação do problema, passa à formação da agenda, segue para formulação de alternativas de enfrentamento, vem, então, a tomada de decisão, depois a implementação, a avaliação e, por fim, a extinção. Trata-se, contudo, de um esquema ideal, dificilmente verificável nesta escorreita ordem na realidade. Wildavsky (apud SECCHI, 2010), por exemplo, prega que em alguns cenários, a identificação do problema ocorre no fim do ciclo. Há inclusive um modelo de política pública, denominado de “garbage can” (ou lata de lixo), desenvolvido por Cohen, March e Olsen, indicando que as soluções muitas vezes antecedem os problemas (SOUZA, 2006).
As políticas públicas são elaboradas e executadas por meio de instituições. Para Ferrara (apud SECCHI, 2010) estas seriam organizações, práticas e regras formais, como constituições, leis e regulamentos.
É nessa arena que desempenham seu papel os chamados atores: indivíduos ou grupos usualmente divididos entre governamentais e não-governamentais. No primeiro grupo estariam os políticos, os politicamente designados e os burocratas; no segundo estariam os grupos de interesse, os partidos políticos, os meios de comunicação, os destinatários de políticas públicas, organizações do terceiro setor e outros stakeholders, como organismos internacionais, comunidades epistêmicas, especialistas etc. (SECCHI, 2010).
Quanto ao estilo de política pública, vale destacar a tipologia de Richardson, Gustafsson e Jordan, que estabelece dois eixos: um relativo à espontaneidade no enfrentamento de problemas, que varia de proativa a reativa; outro relativo à relação entre atores governamentais e não-governamentais, que varia de consensual a impositiva (SECCHI, 2010).
3 DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÕES AMBIENTAIS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
3.1 A importância da informação ambiental
Na abordagem da temática ambiental feita pelos diversos teóricos ora citados, um ponto comum pode ser destacado: a relevância do conhecimento nos tempos atuais, notadamente o de cunho ambiental.
Entretanto, a forma complexa de produção de conhecimento atualmente é o reflexo da complexidade da sociedade contemporânea. São múltiplos os ramos do saber, as formas de produção, os polos produtores, as aplicabilidades práticas e os eventuais interessados. Isso faz com que, definitivamente, a situação da divulgação do conhecimento relativo a problemáticas ambientais esteja longe do ideal possível. Existe, destarte, um problema a se resolver nesse sentido.
No mais, conhecer o meio ambiente permite evitar ou combater, de forma mais eficaz, graves problemas a ele referentes, podendo ainda despertar uma nova consciência e estabelecer até novos padrões de relacionamento para com o meio ambiente. Essas práticas podem ser a chave para impedir que a humanidade se coloque (ou continue a se colocar) em uma situação na qual reste ameaçada a sua própria existência, juntamente com a de inúmeras outras espécies. A divulgação desse conhecimento, pois, é relevante e interessa a um número expressivo de pessoas.
Forma-se assim, como visto no capítulo anterior, o contexto necessário para que sejam criadas políticas públicas destinadas a divulgar o conhecimento relativo a problemas ambientais. É então que o inerente ato de informar entra em evidência, pois mormente por meio dele se dá a transmissão do conhecimento.
3.2 Informações ambientais e legislação
A Constituição da República Federativa do Brasil (1988) estabelece, em seu art. 5º, inciso XXXIII, que
Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
Porém, antes disso, como fruto de seu amadurecimento no ambientalismo, mas sobretudo diante da necessidade de dar uma resposta a pressões internacionais originadas na Convenção de Estocolmo de 1972, o Brasil (1981) promulgou a Lei n. 6.938, que instituiu uma política nacional do meio ambiente. Trata-se de relevante marco legal, pois, a partir dele, o bem ambiental passa a ter um valor ecológico e não meramente econômico, como se via nas leis anteriores. Além disso, passou-se a um nível mais elevado de organização institucional na defesa do meio ambiente.
O art. 2º, inciso I, desta Lei enuncia como princípio seu “a ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo”. Já o art. 4º, tratando dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, diz, em seu inciso V, que esta visará “à divulgação de dados e informações ambientais”.
A mesma Lei ainda estabeleceu, em seu art. 6º, o Sistema Nacional do Meio Ambiente, constituído pelos “órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental”.
Note-se que, conforme se vê no art. 6º, § 3º, da Lei n. 6.938/1981, “os órgãos central, setoriais, seccionais e locais [...] deverão fornecer os resultados das análises efetuadas e sua fundamentação, quando solicitados por pessoa legitimamente interessada”.
Sendo assim, pode-se afirmar com segurança que, no Brasil, deve existir uma política pública destinada a divulgar dados e informações ambientais – inclusive resultados de análises e sua fundamentação –, a ser implementada por todos os seus órgãos e entidades encarregados da proteção e da melhoria da qualidade ambiental.
Nesse sentido, foi promulgada a Lei n. 10.650 (BRASIL, 2003), que dispõe sobre o acesso público aos dados e informações existentes nos órgãos e entidades integrantes do Sisnama.
O art. 2º da Lei n. 10.650/2003 determina o seguinte:
Art. 2o Os órgãos e entidades da Administração Pública, direta, indireta e fundacional, integrantes do Sisnama, ficam obrigados a permitir o acesso público aos documentos, expedientes e processos administrativos que tratem de matéria ambiental e a fornecer todas as informações ambientais que estejam sob sua guarda, em meio escrito, visual, sonoro ou eletrônico, especialmente as relativas a:
I - qualidade do meio ambiente;
II - políticas, planos e programas potencialmente causadores de impacto ambiental;
III - resultados de monitoramento e auditoria nos sistemas de controle de poluição e de atividades potencialmente poluidoras, bem como de planos e ações de recuperação de áreas degradadas;
IV - acidentes, situações de risco ou de emergência ambientais;
V - emissões de efluentes líquidos e gasosos, e produção de resíduos sólidos;
VI - substâncias tóxicas e perigosas;
VII - diversidade biológica;
VIII - organismos geneticamente modificados.
Como se vê, o rol de temas ambientais sobre os quais o Estado é obrigado a dar informações é bastante amplo, englobando praticamente o meio ambiente como um todo. Além disso, o acesso é permitido não só a documentos, como também a expediente e processos administrativos, em qualquer tipo de mídia. O dispositivo legal acima transcrito, por conseguinte, parece ter sido pensado para obrigar o Poder Público a disponibilizar toda e qualquer informação relativa ao meio ambiente que detenha.
No § 1º do art. 2º da Lei n. 10.650/2003 consta a importante previsão de que qualquer pessoa, independentemente da comprovação de interesse específico, terá acesso às informações acima indicadas, mediante requerimento escrito, no qual assumirá a obrigação de não utilizar as informações colhidas para fins comerciais, sob as penas da lei civil, penal, de direito autoral e de propriedade industrial, assim como de citar as fontes, caso, por qualquer meio, venha a divulgar os aludidos dados.
Sendo assim, se o Estado tem o dever de informar, surge, de forma reflexa, o direito de acesso à informação, com titularidade ampla, compatível com o caráter difuso do direito ambiental.
Esse direito à informação ambiental não é desconhecido dos teóricos do direito. Antunes (2012) fala em um princípio democrático ambiental, que se expressa sobretudo pelo direito à informação e à participação. Já Fiorillo (2012) liga o direito à informação ambiental não só ao princípio da participação como também ao da educação ambiental. Machado (2012) afirma a existência de um princípio da informação puro neste ramo jurídico, fundamentando-se inclusive em diplomas normativos internacionais, como a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992 e a Convenção de Aarhus.
De fato, a Declaração do Rio, de 1992, diz em seu princípio 10 que
A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos.
Já a Convenção sobre o Acesso à Informação, à Participação do Público no Processo Decisório e o Acesso à Justiça em Matéria de Meio Ambiente (Convenção de Aarhus), embora não tenha sido assinada pelo Brasil, traz em seu art. 2º, item 3, disposição bastante semelhante aos dispositivos da Lei n. 10.650/2003 acima mencionados.
Nota-se, portanto, que o direito à informação, ainda que vinculado fortemente ao direito à participação, encontra raízes também em diplomas normativos internacionais.
Retornando à Lei n. 10.650/2003, vê-se, pelo seu já citado art. 2º, § 1º, que há formalidades para que o Estado brasileiro preste informações ambientais, como a formulação de um requerimento escrito, mas pedido prescinde de motivação. Perceba-se que, pelo disposto no art. 5º dessa mesma Lei, o pedido pode ser indeferido, mas nesse caso pode desafiar recurso hierárquico.
Interessante notar que, segundo o art. 3º da Lei n. 10.650/2003, para cumprir o mister cominado nesta Lei, as autoridades públicas poderão exigir a prestação periódica de qualquer tipo de informação por parte das entidades privadas, mediante sistema específico a ser implementado por todos os órgãos do Sisnama, sobre os impactos ambientais potenciais e efetivos de suas atividades, independentemente da existência ou necessidade de instauração de qualquer processo administrativo. Assim, o dever do Estado de fornecer informações ambientais concede-lhe, doutro giro, o direito de exigir tais informações de particulares, aspecto este que nos permite perceber uma conotação claramente impositiva desta política pública.
No art. 4º da multicitada Lei n. 10.650/2003, restou determinado que
Deverão ser publicados em Diário Oficial e ficar disponíveis, no respectivo órgão, em local de fácil acesso ao público, listagens e relações contendo os dados referentes aos seguintes assuntos:
I - pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão;
II - pedidos e licenças para supressão de vegetação;
III - autos de infrações e respectivas penalidades impostas pelos órgãos ambientais;
IV - lavratura de termos de compromisso de ajustamento de conduta;
V - reincidências em infrações ambientais;
VI - recursos interpostos em processo administrativo ambiental e respectivas decisões;
VII - registro de apresentação de estudos de impacto ambiental e sua aprovação ou rejeição.
Nesse caso, a divulgação independe de requerimento de quem quer que seja. As entidades estatais devem desenvolver por conta própria uma rotina proativa de publicação de atos administrativos ligados ao meio ambiente. O mesmo se pode em relação ao conteúdo do art. 8º da Lei n. 10.650/2003, que impele os órgãos ambientais competentes integrantes do Sisnama a elaborar e divulgar relatórios anuais relativos à qualidade do ar e da água e, na forma da regulamentação, outros elementos ambientais.
Bem se percebe que a legislação brasileira pretende possibilitar um amplo acesso a uma vasta quantidade de informações ambientais. O interesse público suplanta os interesses particulares de sigilo, passando este a ser medida excepcional, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 2º da Lei n. 10.650/2003. Divulga-se, desse modo, o resultado de várias ações governamentais voltadas ao meio ambiente e, como também fica facilitada a participação popular, acaba por permitir uma genuína avaliação – e o consequente aprimoramento – de outras políticas públicas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por tudo que foi exposto acima, conclui-se que a crise ambiental contemporânea não tem precedentes. Os riscos, muitas vezes irreversíveis e invisíveis, se multiplicam, se associam e se acumulam, sem se ater a limitações geográficas ou classes sociais. Portanto, a humanidade como um todo resta ameaçada.
Ante esse panorama, a transmissão do conhecimento ganha destaque, pois conhecer o meio ambiente e os risco a ele inerentes passa a ser uma questão intimamente ligada a manutenção do bem-estar de uma população e até mesmo, em casos extremos, à sobrevivência desta.
Entretanto, transmitir o conhecimento em uma sociedade deveras complexa como a atual não é tarefa das mais fáceis, pois são múltiplos, os ramos do saber, as formas de produção, os polos produtores, as aplicabilidades práticas e os eventuais interessados.
Depara-se, assim, com um problema público, a ser enfrentamento por meio de políticas públicas.
Seguindo esse raciocínio, o Brasil instituiu diretrizes para enfrentar o problema público da transmissão de conhecimento sobre o meio ambiente e suas mazelas, notadamente por meio da divulgação de dados e informações sobre o tema. Estas diretrizes estão postas genericamente na Lei n. 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e especificamente na Lei n. 10.650/2003, que versa sobre o acesso público a dados e informações ambientais.
Tais diplomas normativos propõem justamente uma ação governamental objetivando a manutenção e a proteção do meio ambiente com base na divulgação de dados informações ambientais. E se por um lado impõe o dever ao Estado brasileiro de divulgar esses dados e informações, concede à população o direito de acesso a eles.
REFERÊNCIAS
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Procurador Federal, lotado na Procuradoria Regional Federal da 1ª Região; especialista em direito tributário pela Unama; e mestrando em direito ambiental e políticas públicas pela Universidade Federal do Amapá.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMALHO, Paulo Roberto Azevedo Mayer. Política pública de divulgação de informações ambientais: uma análise à luz da legislação brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jan 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42949/politica-publica-de-divulgacao-de-informacoes-ambientais-uma-analise-a-luz-da-legislacao-brasileira. Acesso em: 22 nov 2024.
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