Resumo: O presente estudo trata das contratações de obras públicas em que a Administração, ao celebrar termos aditivos, deve proceder de forma vigilante à manutenção do desconto global obtido com a contratação. Busca-se demonstrar que a referida regra deve ser aplicada em todos os aditivos contratuais celebrados na vigência da norma, ainda que a celebração do contrato tenha se dado quando inexistente previsão legal nesse sentido.
Ao celebrar contratos administrativos para a execução de obras públicas, a Administração busca obter, em regra, a melhor proposta apresentada pelos licitantes, dentre as quais se verifica a que oferece o melhor desconto global.
O desconto global representa a vantagem obtida pela Administração na comparação entre o Valor de Referência apresentado no edital da licitação e o Valor da Proposta apresentada pela empresa licitante. Exemplificando: se em determinada licitação o Valor de Referência apresentado pela administração é de R$ 100.000,00 (cem mil reais), e o valor da proposta da licitante vencedora é de R$ 90.000,00 (noventa mil reais), ter-se-á, nesse caso, um desconto global de 10% (dez por cento).
Nesse caso, de acordo com a legislação vigente, esse percentual do desconto global obtido deve ser mantido durante toda a vigência contratual, em regra. Isso é, na celebração dos termos aditivos, em que houver a inclusão de novos serviços ou a alteração do quantitativo dos serviços já existentes, deve a administração atentar para a manutenção do desconto global.
A referida regra, que veda a redução do desconto global obtido como resultado da competitividade dos certames licitatórios foi prevista originariamente na Lei nº 11.768/2008 – Lei de Diretrizes Orçamentária do ano de 2009 – e encontrou espaço nas sucessivas Leis de Diretrizes Orçamentárias até o ano de 2013. Tratava-se de leis de eficácia temporária, de modo que anualmente a regra tinha que ser renovada.
Atualmente, todavia, o Decreto nº 7.983, de 8 de abril de 2013, que trata dos critérios para elaboração do orçamento de referência de obras e serviços de engenharia, contratados e executados com recursos dos orçamentos da União, bem como o Decreto nº 7.581, de 11 de outubro de 2011, que regulamenta o RDC, disciplinam de forma expressa a necessidade de manutenção do desconto global. Nesse sentido, respectivamente:
Art. 14. A diferença percentual entre o valor global do contrato e o preço global de referência não poderá ser reduzida em favor do contratado em decorrência de aditamentos que modifiquem a planilha orçamentária.
Parágrafo único. Em caso de adoção dos regimes de empreitada por preço unitário e tarefa, a diferença a que se refere o caput poderá ser reduzida para a preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato em casos excepcionais e justificados, desde que os custos unitários dos aditivos contratuais não excedam os custos unitários do sistema de referência utilizado na forma deste Decreto, assegurada a manutenção da vantagem da proposta vencedora ante a da segunda colocada na licitação.
Art. 42. Nas licitações de obras e serviços de engenharia, a economicidade da proposta será aferida com base nos custos globais e unitários.
(...)
§ 7º A diferença percentual entre o valor global do contrato e o valor obtido a partir dos custos unitários do orçamento estimado pela administração pública não poderá ser reduzida, em favor do contratado, em decorrência de aditamentos contratuais que modifiquem a composição orçamentária.
Da leitura da referida regra se infere que o escopo da norma não é regular a celebração inicial do contrato, mas sim os termos aditivos às contratações de obras públicas, para que destes não resulte a redução do desconto global alcançado na licitação. Trata-se de norma que visa impedir os efeitos do jogo de planilhas, que faz com que as contratações inicialmente orçadas em um determinado valor sejam superfaturadas através da inclusão de novos itens.
Com o fim de esclarecer a regra de manutenção do desconto, Valmir Campelo exemplifica:
O TCU tem prestigiado dois procedimentos para avaliação dos prejuízos decorrentes do jogo de planilhas: o método do balanço e o método do desconto.
(...)
Já o método do desconto nasceu no Acórdão nº 177/2004-Plenário, de competente relatoria do Ministro Walton Alencar Rodrigues. Nesse procedimento, o desconto percentual é que deve ser mantido. No exemplo da tabela A, o desconto inicial era de 11,82%. Depois das alterações contratuais, houve um sobrepreço de 29,98%. Se o preço de referência após aditivos foi de R$ 200.800,00, então, ao valor final contratado deveria ser aplicado um redutor de R$ 11,82% deste valor. O limite para o preço contratado, pois, seria: R$ 200.800,00 - 11,82% = R$ 177.065,44. Como depois das modificações o valor da avença foi de R$ 261.000,00, o débito será: R$ 261.000,00 - R$177.065,44 = R$ 83.934,56.
(...)
As Leis de Diretrizes Orçamentárias anuais, contudo, têm privilegiado explicitamente o método do desconto. Em consequência, a tendência jurisprudencial mais recente do TCU tem sido seguir o método do desconto. (CAMPELO, Valmir. Obras públicas: comentários à jurisprudência do TCU. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 362/363.)
No âmbito do Tribunal de Contas da União a imperatividade desta regra da manutenção do desconto é jurisprudência assentada, conforme se verifica dos seguintes acórdãos:
Acórdão 2654/2012-TCU-Plenário
Ministro Relator: Valmir Campelo
Trecho do Acórdão:
9.4.1. a diferença percentual entre o valor global do contrato e o obtido a partir dos custos unitários do sistema de referência utilizado não poderá ser reduzida, em favor do contratado, em decorrência de aditamentos que modifiquem a planilha orçamentária, nos termos do art. 125, § 5º, inciso I, da Lei nº 12.465/2011;
9.4.2. eventuais termos aditivos e reprogramações do empreendimento não podem extrapolar os limites previstos no art. 65, §§ 1º e 2º, da Lei 8.666/1993;
Acórdão 2630/2011-TCU-Plenário
Ministro Relator: Augusto Sherman Cavalcanti
Trecho do Acórdão:
9.2. determinar ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – Dnocs que:
9.2.1. em caso de virem a ser realizadas alterações no Contrato 25/2011, mantenha o equilíbrio econômico financeiro do contrato, de forma a não reduzir o desconto inicial em favor da Administração, qual seja, o desconto global de 11,5% do valor do contrato em relação aos preços referenciais do Sicro e Sinapi, em cumprimento ao art. 127, § 5º, inciso I, da Lei 12.309/2010 (LDO 2011);
Acórdão nº 1767/2008-TCU-Plenário
Ministro Relator: Ubiratan Aguiar
Trecho da Ementa:
1. A manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, após a firmatura de termos aditivos, pressupõe a preservação dos mesmos padrões de desconto global consignados na proposta da licitante vencedora, relativamente ao orçamento-base da licitação.
Trecho do Voto:
Realizar qualquer alteração nos quantitativos de itens de um contrato tomando por base referenciais distintos daqueles previstos no edital do certame licitatório que o originou significa dizer que, na prática, há uma nova contratação sem licitação e em condições diferentes daquelas inicialmente pactuadas. Não existe, portanto, a garantia de que essas novas condições ainda se constituam na proposta mais vantajosa para a Administração.
Acórdão nº 1599/2010-TCU-Plenário
Ministro Relator: Marcos Bemquerer
Trecho do Acórdão:
9.2.1.2. calcular os descontos globais antes e depois do aditivo, para, em caso de diminuição desse percentual, ser inserida no contrato parcela compensatória negativa como forma de se dar cumprimento ao art. 65, §6º, da Lei nº 8.666/1993 (por interpretação extensiva) e aos arts. 112, §§6º, da Lei nº 12.017/2009 – LDO 2010 e 109, §6º da Lei nº 11.768/2008 – LDO 2009.
Verifica-se, assim, que a regra é que dos termos aditivos firmados ao contrato administrativo não haja alteração do percentual de desconto global obtido na contratação. Todavia, acaso venha a ocorrer a redução desse desconto, a jurisprudência do TCU impõe que seja inserida uma parcela compensatória em favor da Administração, para que haja o restabelecimento do percentual original.
De se destacar, ademais, que, nos termos como exposto no último acórdão transcrito, a regra da inclusão de parcela compensatória, com o fim de reestabelecer o desconto global obtido com a contratação, busca assegurar o cumprimento da norma exposta no art. 65, §6º, da Lei 8.666/93, de acordo com a qual o equilíbrio econômico-financeiro do contrato deve ser mantido nas alterações contratuais.
A diminuição do desconto global da proposta da licitante vencedora, por meio de termos aditivos, é causa de quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, pois as condições ofertadas para a Administração na proposta da contratada – leia-se: desconto global – serão alteradas. O art. 37, XXI, da CF/88, assegura às partes contratantes a manutenção das condições econômico-financeiras da proposta de preços durante toda a vigência contratual. Isso é: ao contratar com a empresa vencedora a Administração tinha em seu favor o benefício do desconto obtido no certame licitatório, o qual consiste em uma cláusula econômico-financeira do contrato que foi determinante para o resultado da licitação e o posterior contrato.
Se o desconto global ofertado pela Empresa fosse inferior, o valor da proposta de preços seria superior e provavelmente o resultado da licitação seria outro.
Portanto, deve-se ter em mente que a cobrança da parcela compensatória do desconto perdido com a celebração de termos aditivos não é uma faculdade do gestor público, mas sim uma obrigação que está positivada no ordenamento pátrio e que reiteradamente vem sendo reconhecida pelo Tribunal de Contas da União.
A regra, nessa esteira, é que a parcela compensatória já seja inserida no próprio Termo Aditivo, com o fim de evitar a redução do desconto e manter as condições iniciais da contratação.
Cabe destacar, ademais, que não cabe à empresa contratada alegar em seu favor que o contrato administrativo foi celebrado em data anterior à Lei nº 11.768/2008 – LOA 2009 – que previu pela primeira vez a regra da manutenção do desconto, uma vez que, conforme já apontado, a norma visa regular a celebração de termos aditivos, nos quais o desconto deve ser preservado.
Desse modo, o que se deve analisar é se quando da celebração do termo aditivo já estava em vigor a regra que veda a redução do desconto global, a qual tem aplicação cogente. Em estando a regra vigente, deve a administração manter o percentual de desconto global obtido com a licitação, ainda que para tanto tenha que cobrar da empresa contratada uma parcela compensatória.
Advogado da União. Coordenador-Geral de Assuntos Estratégicos, substituto, da Consultoria Jurídica do Ministério da Integração Nacional. Especialista em Direito Público e Direito Administrativo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMOS, Breno da Silva. Contrato de obra pública: a necessidade da manutenção do desconto global Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 maio 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44284/contrato-de-obra-publica-a-necessidade-da-manutencao-do-desconto-global. Acesso em: 21 nov 2024.
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