RESUMO: Este trabalho tem por fulcro analisar a Lei 13.089, de 12 de janeiro de 2015, o novo Estatuto da Metrópole, balizado na questão metropolitana, uma questão de política urbana, trançando alguns comentários pontuais, com foco na chamada governança interfederativa, estrutura que visa ser implementada nessa nova fase da questão das metrópoles. Ao começar com um breve relato histórico das metrópoles no Brasil, passando por sua previsão constitucional e comentários ao novo diploma que versa do assunto, o artigo traçará um panorama geral sobre a temática das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões.
Palavras-chave: Estatuto da Metrópole, questão metropolitana, governança interfederativa, previsão constitucional, novo diploma.
1. INTRODUÇÃO
O assunto pertinente às metrópoles, aglomerações urbanas e microrregiões tomou relevo nacional, principalmente, a partir da Lei Complementar Nº 14, de 8 de junho de 1973, outorgada no regime militar. Nela foram implantadas as Regiões Metropolitanas de São Paulo, Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e Salvador, as principais capitais brasileiras.
Souza em artigo conclui que, “as RMs sempre estiveram associadas aos objetivos de centralização e controle do território que marcaram os anos de autoritarismo”, de 1964 a 1985, no regime militar.
Porém, adverte que não teve como, o constituinte de 1988 se eximir da responsabilidade de sua previsão, nem mesmo sob o pretexto de se afastar de práticas ditas autoritárias do antigo regime, como aduz (2003, p. 14):
“(...) Houve, no entanto, consenso sobre a necessidade de preservar a noção de RM na moldura constitucional e de delegar ao estado-membro a sua instituição, em oposição ao modelo vigente, onde as RMs eram instituídas pelo governo federal.Tal consenso inseriu-se no espírito descentralizador da Constituinte de 1988 e na rejeição a muitas políticas adotadas pelo regime militar.”
2. PREVISÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A Constituição Federal de 1988, de fato, inovou em sede de previsão constitucional, ao conferir aos Estados-membros a competência para instituição de regiões metropolitanas, aglomerações e microrregiões, em seu artigo 25, §3º, como segue:
“Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
(...)
§ 3º - Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.”
A inovação constitucional ousa ao passo que já dá alguns indicativos quanto à questão metropolitana, atribuindo conceitos básicos às regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, perfazendo em verdadeiros agrupamentos de municípios limítrofes, e delega aos Estados-membros a função curial de instituição destas, descentralizando sobremaneira a competência em comento.
Todavia, ainda restava à legislação infraconstitucional esmiuçar todos os institutos da questão metropolitana. É o que faz, acertadamente, o novo Estatuto da Metrópole, que agora se passa a análise.
3. A LEI 13.089, DE 12 DE JANEIRO DE 2015: O NOVO ESTATUTO DA METROPOLE
A questão metropolitana está intimamente ligada ao atual estágio do federalismo brasileiro: o cooperativo. Não restam dúvidas, os entes federados, de fato, cooperam entre si, haja vista competências legislativas concorrentes, consórcios públicos, transferências voluntárias, repasses de receitas tributárias etc.
Dessa feita, a nova legislação, que é a Lei 13.089, de 12 de janeiro de 2015 o novo Estatuto da Metrópole, apesar de 28 anos de atraso, desde a Constituição Federal de 1988, evolui ao tratar da questão metropolitana. Porém, agora, totalmente inserido no contexto democrático atual brasileiro e um marco para solucionar eventuais impasses urbanos.
A nova lei estabelece diretrizes gerais para o planejamento, a gestão e a execução das funções públicas de interesse comum em regiões metropolitanas e em aglomerações urbanas instituídas pelos Estados, normas gerais sobre o plano de desenvolvimento urbano integrado e outros instrumentos de governança interfederativa, e critérios para o apoio da União a ações que envolvam governança interfederativa no campo do desenvolvimento urbano.
O Estatuto da Metrópole finalmente detalha pontos divergentes, de modo a não mais deixar margem de erro, bem conceituando as unidades regionais.
Assim, consiste metrópole no espaço urbano com continuidade territorial que, em razão de sua população e relevância política e socioeconômica, tem influência nacional ou sobre uma região que configure, no mínimo, a área de influência de uma capital regional, conforme os critérios adotados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, por sua vez, região metropolitana é a aglomeração urbana que configure uma metrópole.
Em ADERRUAN apud Tavares, destaca ser, a região metropolitana uma reunião de cidades menores entorno de uma cidade de destaque a chamada, “cidade-pólo”.
Interessante notar que este conceito diz respeito não só às capitais, mas também às demais cidades, que não sejam capitais dos Estados-membros, possuindo tal formação, as chamadas cidades do “interior”.
Ainda, conceitua aglomeração urbana, que é unidade territorial urbana constituída pelo agrupamento de 2 (dois) ou mais Municípios limítrofes, caracterizada por complementaridade funcional e integração das dinâmicas geográficas, ambientais, políticas e socioeconômicas.
Assim, a semelhança entre as duas cidades é a característica predominante para existência dessa formação.
Frisa-se que a lei não é silente quanto às microrregiões, em que as disposições daquela aplicam-se às microrregiões instituídas pelos Estados com fundamento em funções públicas de interesse comum com características predominantemente urbanas.
Novamente ADERRUAN apud TAVARES , bem conceitua este tipo de formação:
“Microrregião: "Na microrregião existem Municípios limítrofes relativamente semelhantes, sem que nenhum predomine, que seja mais importante. É a lei complementar que vai estabelecer uma cidade-sede, que poderá ser, em princípio, qualquer daqueles Municípios." (TAVARES, André Ramo, op. cit. p. 992)”.
3.1. A Governança Interfederativa
Neste contexto se insere a necessidade de governança interfederativa, ao passo que a governança do ponto de vista local não se mostra mais instrumento plenamente eficaz para a realização das políticas públicas urbanas. O estatuto prevê a divisão de responsabilidades e competências na gestão das metrópoles entre Estado- membro e Municípios envolvidos.
Esta participação dos Estados a nível regional é bem exemplificada pelo dispositivo do art. 10, do Estatuto:
“Art. 10. As regiões metropolitanas e as aglomerações urbanas deverão contar com plano de desenvolvimento urbano integrado, aprovado mediante lei estadual.”
Se tal instrumento de desenvolvimento urbano integrado é aprovado mediante lei estadual, frisa-se o papel de destaque que o Estado-membro agora, de fato, possui na questão metropolitana.
A discussão fica por conta da estrutura empreendida para a governança interfederativa. Também disposta no texto da lei:
“Art. 8o A governança interfederativa das regiões metropolitanas e das aglomerações urbanas compreenderá em sua estrutura básica:
I – instância executiva composta pelos representantes do Poder Executivo dos entes federativos integrantes das unidades territoriais urbanas;
II – instância colegiada deliberativa com representação da sociedade civil;
III – organização pública com funções técnico-consultivas; e
IV – sistema integrado de alocação de recursos e de prestação de contas.”
Nesse sentido, já foram prolatadas decisões que dão indicativos para a solução desse dilema, como o Voto Vista Ricardo Lewandowski na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1.842, sobre a Região Metropolitana do Rio de Janeiro:
“Ora, se a região metropolitana é um conceito jurídico que institucionaliza um fenômeno empírico, a saber, a existência de núcleos urbanos contíguos, com interesses públicos comuns, correspondendo, na abalizada lição de Alaor Caffé, a uma autarquia territorial, intergovernamental e plurifuncional, sem personalidade política, tornasse, então, necessário compreendê-la a partir de noções que superem a visão tradicional que se têm da própria federação.”
Porém, antes da criação de uma entidade autárquica para gerir estes agrupamentos municipais, o Estado de Goiás parece, a nosso ver, ter melhor formulado esta estrutura, implantado um Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Goiânia, integrante do Poder Executivo, na Lei Complementar Estadual nº 27, de 30 de dezembro de 1999.
Esta atribuição de competência é feita por meio de leis e em alguns setores, a existência do conselho é condição legal para o repasse de verbas, da União para Estados e Municípios e, na instância intermediária, dos Estados para os Municípios. Muitos conselhos são por isso constituídos não pela mobilização da comunidade, mas por estrita imposição legal.
Ao impor a criação de conselhos e vincular sua existência até mesmo para o repasse de verbas, o Estado na verdade promove o fortalecimento da cidadania e da participação da comunidade na gestão da coisa pública. Por esses processos, opera-se uma educação para a cidadania e um número maior de pessoas passa a controlar uma parcela de conhecimento sobre o funcionamento da máquina estatal.(...)”
Tal estrutura parece, a nosso ver, ser mesmo a mais adaptável aos requisitos de instância executiva composta pelos representantes do Poder Executivo dos entes federativos integrantes das unidades territoriais urbanas; instância colegiada deliberativa com representação da sociedade civil; organização pública com funções técnico-consultivas e sistema integrado de alocação de recursos e de prestação de contas, do art. 8º do Estatuto.
3.1.1.Princípios Regentes da Governança Interfederativa
O estatuto indica, ainda, os princípios que regem a governança interfederativa. São os seguintes:
3.1.1.1.Prevalência do Interesse Comum sobre o Local
O interesse do “macro” prevalece, ou seja, o interesse do agrupamento dos municípios deve prevalecer sobre o interesse específico de cada ente.
3.1.1.2.Compartilhamento de responsabilidade
Tal princípio é autoexplicativo, concerne no compartilhamento de responsabilidades entre os entes federativos e eventuais pessoas jurídicas de direito privado na forma de parcerias público privada e contratos de gestão etc, por exemplo.
3.1.1.3.Autonomia dos entes federativos
Apesar da instituição de eventuais regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, que agrupam os municípios, a autonomia dos entes federativos, conferida constitucionalmente na capacidade de auto-organização, autogoverno, auto-administração e autolegislação, deve ser respeitada.
3.1.1.4.Observância das peculiaridades regionais
O princípio em tela pode ser exemplificado pelo caso de uma aglomeração urbana composta por dois Municípios limítrofes, em que um tem por sua principal atividade econômica, o turismo, e outra que possui sua atividade econômica marcante a agropecuária. Tais peculiaridades devem ser atinadas ao traçarem as políticas públicas quando inseridas no contexto do estatuto.
3.1.1.5.Gestão Democrática da Cidade
São instrumentos democráticos que viabilizam uma maior participação popular nas decisões das cidades. A exemplo de audiências públicas, orçamentos participativos, existências de conselhos de políticas públicas etc.
3.1.1.6.Efetividade no uso dos recursos públicos
Mazza (2014, p. 114) em seu Manual de Direito Administrativo aponta que a efetividade nada mais é do que os resultados da atuação eficiente na administração pública. Portanto, logo a efetividade no uso dos recursos públicos visa resultados eficientes no uso do montante aplicado para a realização das políticas urbanas na metrópole.
3.1.1.7.Busca do desenvolvimento sustentável
Por fim, o desenvolvimento sustentável consiste no desenvolvimento econômico conciliado com o respeito ao meio ambiente e suas normas ambientais.
4. COMENTÁRIOS GERAIS E PONTUAIS SOBRE A LEI 13.089
Em sede de comentários gerais e pontuais sobre o Estatuto, o seu artigo 4º inova também em constar a possibilidade de instituição de regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas que envolva Municípios pertencentes a mais de um Estado, no entanto, apenas mediante a aprovação de leis complementares pelas Assembleias Legislativas de cada um dos Estados envolvidos. Antes da novel legislação, este impasse de agrupamentos de municípios em Estados diferentes, porém limítrofes, era solucionado pelo implemento das Regiões Integradas de Desenvolvimento Econômico (RIDE’s), através de Lei Complementar da União.
No trâmite legislativo foram apresentados pela Presidência da República prudentes Mensagens de Vetos por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, que acertadamente simplificam sobremaneira a aplicação do estatuto em tela.
O primeiro diz respeito ao veto do art. 19, que dispunha da seguinte maneira:
“Art. 19. Respeitada a vedação de divisão em Municípios estabelecida no caput do art. 32 da Constituição Federal, o Distrito Federal poderá integrar região metropolitana ou aglomeração urbana, aplicando-se a ele o disposto no art. 4o e nas demais disposições desta Lei.”
As razões do veto são contundentes, já que o dispositivo é contraditório, ao ponto que, de forma alguma o Distrito Federal poder ser dividido em Municípios, como salienta o art. 32, da Constituição Federal. Não bastasse a clara inconstitucionalidade do disposto, não poderia esta regra ser excepcionada, já que o conceito de região metropolitana e aglomeração urbana guardam inevitável existência de agrupamento de municípios. Ademais, o DF já possui seu instrumento de cooperação federativa, devidamente instituído em lei (Lei Complementar nº 94/98), se trata da RIDE/DF composta pelo Distrito Federal, municípios do estado de Goiás e Minas Gerais, chamado Entorno do DF.
Por último, o veto se recaiu sobre o Fundo Nacional de Desenvolvimento Urbano Integrado – FNDUI, previsto no projeto de lei, com as razões de que
“A criação de fundos cristaliza a vinculação a finalidades específicas, em detrimento da dinâmica intertemporal de prioridades políticas. Além disso, fundos não asseguram a eficiência, que deve pautar a gestão de recursos públicos. Por fim, as programações relativas ao apoio da União ao Desenvolvimento Urbano Integrado, presentes nas diretrizes que regem o processo orçamentário atual, podem ser executadas regularmente por meio de dotações orçamentárias consignadas no Orçamento Geral da União.”
Por conseguinte, entendemos, mais uma vez ser, o veto presidencial apropriado, pois a criação de mais um fundo, de fato, oneraria por demais a estrutura governamental.Portanto, é de acertada prudência a execução das programações relativas ao apoio da União ao Desenvolvimento Urbano Integrado ocorrerem por meio de dotações orçamentárias no Orçamento da Geral da União.
5.CONCLUSÃO
Ao final deste, conclui ser, mesmo, a nova legislação vigente, uma evolução na conjuntura das metrópoles, aglomerações urbanas e microrregiões. Bem traça medidas para o planejamento, apoio e execução de políticas públicas inseridas neste contexto. Agora, como elemento de um estado efetivamente democrático de direito, estarão à mão dos governantes e agentes da administração pública, instrumentos cabais para a solução de boa parte dos problemas na gestão metropolitana.
6.BIBLIOGRAFIA
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GOIÁS.Assembleia Legislativa. Lei Complementar Estadual nº 27, de 30 de dezembro de 1999.Disponível em: http://www.gabinetecivil.go.gov.br/pagina_leis.php?id=7066
SOUZA, Celina.Regiões Metropolitanas:Condicionantes do Regime Político.Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ln/n59/a07n59.pdf.
TAVARES, Aderruan Rodrigues.O interesse local em face das regiões metropolitanas.Disponível em: http://www.emplasa.sp.gov.br/fnem/seminario/O%20interesse%20local%20em%20face%20das%20regi%C3%B5es%20metropolitanas.pdf
Advogado, com atuação na área administrativa(contratos), tralhista, cível e tributária.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: II, Ulysses de Oliveira Campos Neto. O novo Estatuto da Metrópole: comentários sobre a Lei 13.089, de 12 de janeiro de 2015 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 maio 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44368/o-novo-estatuto-da-metropole-comentarios-sobre-a-lei-13-089-de-12-de-janeiro-de-2015. Acesso em: 22 nov 2024.
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