Resumo: A Lei Complementar nº 64/90, com a alteração promovida pela Lei Complementar nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), passou a prever, em seu art. 1º, inciso I, alínea “g”, hipótese de inelegibilidade pela rejeição das contas. Tratando-se de Prefeito, há que se aferi se, apesar da rejeição das contas pelo respectivo Tribunal de Contas (do Estado, dos Municípios ou do Município, onde houver), ainda é necessária a ratificação por parte da Câmara de Vereadores. Há quem defenda que o parecer prévio do Tribunal de Contas já seria apto, por si só, a dar causa à inelegibilidade, fazendo diferenciação entre as contas de gestão e as contas de governo ou políticas. Isso significa que enquanto as primeiras são julgadas unicamente pelo Tribunal de Contas, com fulcro no citado art. 71, inciso II da Constituição, as segundas são objeto da análise do Poder Legislativo, com base no art. 71, inciso I, cingindo-se o Tribunal a elaborar parecer prévio. Essa última é a posição atualmente adotada pelo TSE, de que nos casos de julgamento de contas de gestão, o parecer do Tribunal de Contas é apto a ensejar o reconhecimento da inelegibilidade. No âmbito do Supremo Tribunal Federal, a questão ainda não foi definida. No Recurso Extraordinário nº 597.362/BA houve, inclusive, o reconhecimento da repercussão geral da temática, acerca da competência exclusiva da Câmara Municipal para julgar as contas do Chefe do Executivo, todavia o recurso foi, ao final, julgado prejudicado. Em precedente antigo, o Tribunal reconheceu a competência exclusiva da Câmara.
Sumário: 1 Introdução; 2 Da inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea “g”, da LC nº 64/1990; 3 Da rejeição das contas do Prefeito; 4 Da necessidade ou não de ratificação da Câmara para rejeição das contas para incidência da inelegibilidade; 5 Conclusão; 6 Referências.
A Lei Complementar nº 64/90, com a alteração promovida pela Lei Complementar nº 135/2010, que ficou conhecida como Lei da Ficha Limpa, passou a prever, em seu art. 1º, inciso I, alínea “g”, a inelegibilidade, para qualquer cargo, daqueles que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configura ato doloso de improbidade administrativa, com decisão irrecorrível do órgão competente.
A inelegibilidade, embora parece de aplicabilidade simples no caso concreto, se mostra tormentosa pela análise das minúcias que permeiam o processo do julgamento das contas e, ainda mais, diante dos requisitos trazidos pelo próprio artigo da lei.
Tratando-se de Prefeito, outro ponto é capaz de provocar maiores análises para que seja possível aferir se tal restrição aos direitos políticos poderá ser aplicada ou não quando, apesar da rejeição das contas pelo respectivo Tribunal de Contas (do Estado, dos Municípios ou do Município, onde houver), ainda carece de julgamento por parte da Câmara de Vereadores.
Para buscar uma saída para a situação em comento, há que observar a previsão do art. 31, §2º da Constituição Federal, dispondo que o parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas do Prefeito, só deixa de prevalecer pelo voto de dois terços dos membros da Câmara Municipal.
A hipótese de inelegibilidade citada foi modificada com o advento da Lei Complementar nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), passando a dispor que:
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
(...)
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
Portanto, pelo dispositivo legal, bastaria a rejeição das contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas por irregularidade insanável, configuradora de ato doloso de improbidade administrativa, para que fosse o pretenso candidato considerado inelegível por 8 (oito) anos, contados a partir da decisão, desde que não suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário.
Trata-se de importante preceito legal que vem afastar o administrador que teve as contas rejeitadas por ato doloso de improbidade administrativa, não possuindo a moralidade necessária para nova ocupação do mandato eletivo, em atenção aos princípios republicanos.
Possuindo referida mácula pela rejeição das contas e se tratando de ato reputado como doloso de improbidade administrativa, não haveria razão para que se permitisse possibilidade de eleição ao faltoso, incidindo o preceito para afastá-lo da função pública por determinado período de tempo, em atenção aos princípios constitucionais.
A Constituição Federal possui procedimento próprio no que tange ao julgamento das contas dos administradores de recursos públicos em geral, deixando ao Tribunal de Contas a competência para, inclusive, aplicar sanções àqueles que derem causa a irregularidades ao Erário.
De acordo com o art. 71 da Constituição:
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
(...)
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;
Todavia, ao tratar do Chefe do Poder Executivo, notadamente no âmbito federal, a Carta Magna assevera que competirá ao próprio Congresso Nacional o julgamento das contas, que contará com parecer prévio a ser emitido pelo Tribunal de Contas da União:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
(...)
IX - julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo;
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;
As normas em questão, por simetria e determinação da Constituição, deverão ser aplicadas no que se refere ao julgamento das contas prestadas no âmbito estadual:
Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.
Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros.
No que tange a análise das contas prestadas pelos Prefeitos dos Municípios, houve previsão de procedimento um tanto quanto diferente dos âmbitos estadual e federal, especialmente pela vedação da criação de novos Tribunais de Contas Municipais e, claro, da determinação de que o parecer prévio exarado pelo Tribunal de Contas somente deixa de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara:
Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.
§ 1º O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.
§ 2º O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.
No âmbito do Município, então, percebe-se que não há tamanha prevalência e nem exclusividade do julgamento por parte do Poder Legislativo como existe na União e nos Estados. Aqui, caso não haja objeção por parte da Câmara, o parecer prévio emitido pelo Tribunal de Contas prevalecerá.
O ponto fundamental para aplicação da causa de inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea “g”, da LC nº 64/1990 é saber se a rejeição das contas do Prefeito se dá tão logo ocorra a emissão do parecer prévio pelo Tribunal de Contas ou se somente se dará após a Câmara Municipal ter ratificado a emanação daquela Corte.
A problemática se revela diante da possibilidade de adiamento do julgamento por parte da Câmara, considerando que a Constituição não trouxe prazo para que isso ocorra, podendo, a depender do caso concreto, nem vir a ocorrer. Ficaria assim indefinidamente as contas unicamente com o parecer prévio.
Para quem adota a hipótese de que somente com a ratificação por parte do Poder Legislativo do Município é que se pode configurar as contas como rejeitadas, caso no momento do registro da candidatura exista tão somente o parecer prévio do Tribunal reconhecendo a irregularidade das contas por vício insanável, não se aplicaria causa de inelegibilidade, podendo o candidato concorrer regularmente.
Por outro lado, há quem defenda que o parecer prévio do Tribunal de Contas já seria apto, por si só, a dar causa à inelegibilidade, independentemente da análise por parte da Câmara, que poderia, evidentemente, posteriormente rejeitar o parecer e aprovar as contas.
Essa corrente se espelha, inclusive, na diferenciação entre as contas de gestão e as contas de governo ou políticas. Isso significa que enquanto as primeiras são julgadas unicamente pelo Tribunal de Contas, com fulcro no citado art. 71, inciso II da Constituição, as segundas são objeto da análise do Poder Legislativo, com base no art. 71, inciso I, cingindo-se o Tribunal a elaborar parecer prévio.
Assim, atuando o Prefeito como ordenador de despesas, não estaria desempenhando função política, e sim como administrador da máquina pública, devendo ser equiparado aos demais administradores de recursos públicos.
Esse, aliás, é o entendimento atualmente adotado pelo Tribunal Superior Eleitoral:
ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. PRIMEIRO SUPLENTE DE SENADOR. DEFERIMENTO. ART. 1º, I, G, DA LC nº 64/1990 (REDAÇÃO DADA PELA LC Nº 135/2010). JULGAMENTO DAS CONTAS DE GESTÃO DOS PREFEITOS MUNICIPAIS. COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS, E NÃO DAS CÂMARAS MUNICIPAIS. REGIME JURÍDICO DA ATIVIDADE FISCALIZATÓRIA. EXAME DO CONTEÚDO DAS CONTAS. REPÚDIO A ARGUMENTOS ANCORADOS NO ASPECTO FORMAL E SUBJETIVO DE QUEM PRESTA AS CONTAS. EXEGESE LITERAL DO ART. 71, II, DA LEI MAIOR. PREFEITO. ORDENAÇÃO DE DESPESAS. FUNÇÃO MERAMENTE ADMINISTRATIVA. EQUIPARAÇÃO AOS DEMAIS ADMINISTRADORES DE RECURSOS PÚBLICOS. DESCARACTERIZAÇÃO DA FUNÇÃO DE AGENTE POLÍTICO. ARGUMENTOS CONSEQUENCIALISTAS. MAIOR EFICIÊNCIA NA REALIZAÇÃO DOS GASTOS PÚBLICOS. ADEQUAÇÃO DAS CONDUTAS ÀS DIRETRIZES NORMATIVAS BALIZADORAS DA ATUAÇÃO DOS RESPONSÁVEIS PELA GESTÃO DAS DESPESAS PÚBLICAS. INTERPRETAÇÃO INEQUÍVOCA DA CLÁUSULA FINAL DA ALÍNEA G. DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DO REFERIDO PRECEITO NAS ADCs Nº 29 E Nº 30. PRESUNÇÃO IURIS ET DE IURE. EFICÁCIA ERGA OMNES E EFEITO VINCULANTE. REJUGALMENTO DA MATÉRIA PELOS DEMAIS ÓRGÃOS JUDICIAIS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O regime jurídico-fiscalizatório da tomada de contas dos Prefeitos reclama a leitura sob um viés material, atinente ao conteúdo das contas prestadas (i.e., se anuais ou de gestão), e não meramente formal e subjetivo (i.e., pelo simples fato de ser o chefe do Poder Executivo) (FERRAZ, Luciano. Controle da Administração Pública: elementos para a compreensão dos Tribunais de Contas. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, p. 143-152).
2. O Prefeito, ao atuar como ordenador de despesas, não desempenha função eminentemente política, mas, ao revés, sua atuação diz respeito diretamente ao funcionamento da máquina administrativa municipal, equiparável, bem por isso, aos demais administradores de recursos públicos. Consectariamente, não se coaduna com a leitura constitucionalmente adequada da fiscalização das suas contas que a responsabilidade específica e individualizável do Prefeito pela execução de despesas públicas recaia única e exclusivamente sobre a Câmara Municipal.
3. A exegese literal das disposições constitucionais evidencia que não cuidou o constituinte, desde logo, de excepcionar os chefes do Poder Executivo do âmbito de incidência do inciso II do art. 71, aludindo apenas e tão somente a "administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos".
4. O processo de tomada de decisões por órgãos judiciais não pode prescindir de uma análise consequencialista, máxime porque a decisão mais adequada a determinado caso concreto é aquela que, dentro dos limites semânticos da norma, promove os corretos e necessários incentivos ao aperfeiçoamento das instituições democráticas e a repercussão dos impactos da decisão na realidade social.
5. O consequencialismo como postura judicial reclama eficiência administrativa, na medida em que o julgamento das contas pontuais (i.e., de gestão) do Executivo municipal pela Corte de Contas tende a gerar os incentivos corretos, promovendo com maior eficiência a realização dos gastos públicos e adequando as condutas dos Prefeitos às diretrizes normativas balizadoras da atuação dos responsáveis pela gestão das despesas públicas.
6. A cláusula final da alínea g ("[...] aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição") é inequívoca em asseverar que as Cortes de Contas são a autoridade competente para julgar as contas dos Prefeitos, nas hipóteses em que eles atuarem na qualidade de ordenadores de despesa (i.e., contas de gestão).
7. A Suprema Corte é a única instância judicial autorizada a realizar o rejulgamento da matéria, adstrita às hipóteses, "[de] mudanças no ordenamento constitucional, na situação de fato subjacente à norma ou até mesmo na própria percepção do direito que deve prevalecer em relação a determinada matéria" (BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, p. 264).
8. A causa de inelegibilidade veiculada na alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90, na novel redação dada pela LC nº 135/2010, recebeu a chancela de sua constitucionalidade no julgamento das ADCs nº 29 e nº 30, ambas de minha relatoria.
9. O pronunciamento da Suprema Corte, nas ADCs nº 29 e nº 30, deve ser compulsoriamente observado por juízes e Tribunais, posto ser revestido de eficácia erga omnes e efeitos vinculantes, não se revelando possível proceder-se a reduções teleológicas no âmbito de incidência das disposições declaradas constitucionais.
10. In casu, ao afastar-se o chefe do Executivo municipal do âmbito de incidência da parte final da alínea g, o Tribunal Superior Eleitoral procede a uma redução teleológica que não se coaduna com o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADCs nº 29 e nº 30: o alcance subjetivo do efeito vinculante interdita a reanálise da questão constitucional decidida pelo Supremo Tribunal por juízes e Tribunais, o que, na espécie, importa a alteração da orientação que prevalecia nesta Corte Superior, de que competiria às Câmaras Municipais, e não às Cortes de Contas, o julgamento das contas de gestão dos Prefeitos.
11. Agravo regimental desprovido. (TSE, 424-96.2014.609.0000, AgR-RO - Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 42496 - Goiânia/GO, Acórdão de 06/11/2014, Relator(a) Min. LUIZ FUX, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 06/11/2014)
É válido lembrar que ainda nas eleições de 2014, o TSE possuía entendimento de que a competência para julgamento das contas do Prefeito seria sempre da Câmara de Vereadores. O entendimento foi alterado no julgamento paradigma Recurso Ordinário nº 40137 - Fortaleza/CE:
ELEIÇÕES 2014. REGISTRO DE CANDIDATURA. RECURSO ORDINÁRIO. INELEGIBILIDADE. ALÍNEA G. REJEIÇÃO DE CONTAS. TRIBUNAL DE CONTAS. PREFEITO. ORDENADOR DE DESPESAS. CARACTERIZAÇÃO.
1. As alterações das hipóteses de inelegibilidades introduzidas pela Lei Complementar nº 135, de 2010, foram consideradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 4.578 e das ADCs 29 e 30, em decisões definitivas de mérito que produzem eficácia contra todos e efeito vinculante, nos termos do art. 102, § 2º, da Constituição da República.
2. Nos feitos de registro de candidatura para o pleito de 2014, a inelegibilidade prevista na alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64, de 1990, pode ser examinada a partir de decisão irrecorrível dos tribunais de contas que rejeitam as contas do prefeito que age como ordenador de despesas.
3. Entendimento, adotado por maioria, em razão do efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal e da ressalva final da alínea g do art. 1º, I, da LC nº 64/90, que reconhece a aplicação do "disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição".
4. Vencida neste ponto, a corrente minoritária, que entendia que a competência para julgamento das contas do prefeito é sempre da Câmara de Vereadores.
5. As falhas apontadas pelo Tribunal de Contas, no caso, não são suficientes para caracterização da inelegibilidade, pois não podem ser enquadradas como ato doloso de improbidade. No caso, não houve sequer condenação à devolução de recursos ao erário ou menção a efetivo prejuízo financeiro da Administração. Recurso provido, neste ponto, por unanimidade.
Recurso ordinário provido para deferir o registro da candidatura.
(TSE, 401-37.2014.606.0000, RO - Recurso Ordinário nº 40137 - Fortaleza/CE, Acórdão de 26/08/2014, Relator(a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 27/08/2014)
Até então, o entendimento do Tribunal era de que, inclusive as contas de gestão dos Chefes do Executivo Municipal eram julgadas pelo Poder Legislativo local:
RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. PREFEITO. REJEIÇÃO DAS CONTAS PELO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. CAUSA DE INELEGIBILIDADE. JULGAMENTO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. COMPETÊNCIA DA CÂMARA DE VEREADORES. PRECEDENTES. AGRAVOS REGIMENTAIS DESPROVIDOS.
1. À exceção das contas relativas à aplicação de recursos oriundos de convênios, a competência para o julgamento das contas prestadas por prefeito, inclusive no que tange às de gestão relativas a atos de ordenação de despesas, é da respectiva Câmara Municipal, cabendo aos Tribunais de Contas tão somente a função de emitir parecer prévio, conforme o disposto no art. 31 da Constituição Federal.
2. Agravos regimentais desprovidos.
(TSE, 658-95.2012.620.0015, AgR-REspe - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 65895 - São José De Campestre/RN, Acórdão de 20/05/2014, Relator(a) Min. LAURITA HILÁRIO VAZ, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 110, Data 13/6/2014, Página 43)
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, a questão ainda não foi definida. No Recurso Extraordinário nº 597.362/BA houve, inclusive, o reconhecimento da repercussão geral da temática, acerca da competência exclusiva da Câmara Municipal para julgar as contas do Chefe do Executivo, todavia o recurso foi, ao final, julgado prejudicado.
Naquele julgamento, o então relator, Ministro Eros Grau, votou pelo seu provimento, afirmando que não há regra constitucional a respeito do silêncio, não há cominação de prazo ao Poder Legislativo e de que se trata de decorrência lógica a impossibilidade de se negar o registro enquanto não houver manifestação da Câmara.
O Ministro Dias Toffoli, por sua vez, defendeu o entendimento de que o parecer prévio deveria prevalecer, produzindo efeitos desde logo. O Ministro Cézar Peluso, outrossim, lembrou precedente oposto do Tribunal (RE nº 132.747), reconhecendo ser conclusiva a decisão da Câmara e não do Tribunal:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - ACÓRDÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - FUNDAMENTO LEGAL E CONSTITUCIONAL. O fato de o provimento atacado mediante o extraordinário estar alicerçado em fundamentos estritamente legais e constitucionais não prejudica a apreciação do extraordinário. No campo interpretativo cumpre adotar posição que preserve a atividade precípua do Supremo Tribunal Federal - de guardião da Carta Política da Republica. INELEGIBILIDADE - PREFEITO - REJEIÇÃO DE CONTAS - COMPETÊNCIA. Ao Poder Legislativo compete o julgamento das contas do Chefe do Executivo, considerados os três níveis - federal, estadual e municipal. O Tribunal de Contas exsurge como simples órgão auxiliar, atuando na esfera opinativa - inteligência dos artigos 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, 25, 31, 49, inciso IX, 71 e 75, todos do corpo permanente da Carta de 1988. Autos conclusos para confecção do acórdão em 9 de novembro de 1995.
(STF, RE 132.747, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, Dj 7.12.1995)
A questão, ainda assim, deve ser objeto de análise em novos recursos a serem interpostos em face das decisões agora proferidas pelo Tribunal Superior Eleitoral, que diferencia as contas de gestão e de governo dos Prefeitos, do que o Supremo Tribunal Federal firmará posição acerca da possibilidade de reconhecer a inelegibilidade do Chefe do Executivo Municipal unicamente com o parecer prévio de rejeição das contas.
5. Conclusão
O art. 1º, inciso I, alínea “g”, da LC nº 64/1990 prevê a inelegibilidade daqueles que tenham as contas rejeitadas por irregularidade insanável configuradora de ato doloso de improbidade administrativa.
A par disso, no que se refere aos Prefeitos, e considerando a previsão Constitucional de julgamento das contas dos Chefes do Executivo pelo Poder Legislativo, há celeuma em relação a produção de efeitos do parecer prévio do Tribunal de Contas.
Ante a sedimentação na Carta Magna de que o parecer prévio do Tribunal acerca das contas do Prefeito só deixará de prevalecer pelo voto de dois terços dos membros da Câmara Municipal, surgiu a dúvida em relação a aplicação da causa de inelegibilidade ainda que não houvesse essa apreciação pelo Poder Legislativo.
O Tribunal Superior Eleitoral, em alteração de sua jurisprudência, passou a entender que se deve fazer a diferenciação entre as contas de gestão e as contas políticas, sendo apenas esta última julgada pelo Poder Legislativo e aquela pelo Tribunal de Contas. No que se refere às contas de gestão, logo, a inelegibilidade se aplicaria pelo simples parecer prévio do Tribunal, sem necessidade da manifestação do Legislativo. O entendimento foi firmado no Recurso Ordinário nº 40137 - Fortaleza/CE.
O Supremo Tribunal Federal, de outro lado, apreciaria a questão no Recurso Extraordinário nº 597.362/BA, que foi julgado prejudicado, porém que possui votos divergentes em relação à competência para julgamento das contas do Prefeito. Em precedente mais antigo (RE nº 132.747), porém, havia definido a competência do Poder Legislativo para julgamento.
Logo, a apesar da recente alteração jurisprudencial leva a efeito pelo TSE, diante da relevância da temática e da já reconhecida repercussão geral pelo STF, resta aguardar um posicionamento definitivo por parte desta Corte Constitucional acerca da possibilidade ou não de prevalecer o parecer prévio do Tribunal de Contas, enquanto não há análise por parte da Câmara de Vereadores.
6. Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
BRASIL. Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990. Estabelece, de acordo com o art. 14, § 9º da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determina outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp64.htm>. Acesso em: 01 maio. 2015.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 132.747. Relator (a): Min. Marco Aurélio. Pleno, Dj 7.12.1995. Disponível: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=207690>. Acesso em: 01 maio. 2015.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. 401-37.2014.606.0000, RO - Recurso Ordinário nº 40137 - Fortaleza/CE, Acórdão de 26/08/2014, Relator(a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 27/08/2014. Disponível em: <http://inter03.tse.jus.br/InteiroTeor/pesquisa/actionGetBinary.do?tribunal=TSE&processoNumero=40137&processoClasse=RO&decisaoData=20140826&decisaoNumero=&protocolo=184672014&noCache=0.10939864977262914>. Acesso em: 02 maio. 2015.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. 424-96.2014.609.0000, AgR-RO - Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 42496 - Goiânia/GO, Acórdão de 06/11/2014, Relator(a) Min. LUIZ FUX, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 06/11/2014. Disponível em: <http://inter03.tse.jus.br/InteiroTeor/pesquisa/actionGetBinary.do?tribunal=TSE&processoNumero=42496&processoClasse=RO&decisaoData=20141106&decisaoNumero=&protocolo=294232014&noCache=0.7623923234641552>. Acesso em: 02 maio. 2015.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. 658-95.2012.620.0015, AgR-REspe - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 65895 - São José De Campestre/RN, Acórdão de 20/05/2014, Relator(a) Min. LAURITA HILÁRIO VAZ, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 110, Data 13/6/2014, Página 43. Disponível em: <http://inter03.tse.jus.br/InteiroTeor/pesquisa/actionGetBinary.do?tribunal=TSE&processoNumero=65895&processoClasse=RESPE&decisaoData=20140520&decisaoNumero=&protocolo=&noCache=0.22703418647870421>. Acesso em: 01 maio. 2015.
Bacharel em Direito, pela Universidade Federal de Mato Grosso. Procurador Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALLAN DE ALCâNTARA, . Inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea g, da LC Nº 64/1990 - ratificação do parecer prévio das contas do prefeito pela Câmara Municipal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jun 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44444/inelegibilidade-do-art-1o-inciso-i-alinea-g-da-lc-no-64-1990-ratificacao-do-parecer-previo-das-contas-do-prefeito-pela-camara-municipal. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
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