RESUMO: Através das presentes reflexões, obtidas pelo relacionamento das normas de Direito Público, de Direito Empresarial e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, podemos demonstrar que a ação de restituição trazida pelo artigo 85 e seguintes da Lei 11.101/2005, não é o único e obrigatório meio da Fazenda Pública buscar reaver os valores não repassados ao erário pela empresa falida. Há a possibilidade da Fazenda buscar a restituição através da execução fiscal, podendo escolher o meio que lhe pareça mais eficaz.
PALAVRAS-CHAVE: Ação de Restituição, Falência, Execução Fiscal, Lei 11.101/2005, Crédito Público, Fisco, Erário, Financeiro, Lei 4.320/64. Fazenda Pública em Juízo.
Ação de conhecimento com rito especial descrito a partir do artigo 87 da Lei de Recuperação Judicial e Falências, a Ação de Restituição é meio hábil para que a Fazenda Pública obtenha a entrega de bens ou valores que, embora na posse do espólio falimentar, pertencem ao acervo público.
Exemplos comuns são as contribuições previdenciárias ao regime geral de previdência social de empregados e de terceiros prestadores de serviços que devem ser retidas pela empresa e repassadas ao Tesouro. Essas contribuições não são ônus da empresa, mas de terceiros (empregados ou prestadores). A empresa atua apenas como auxiliar no recolhimento, retendo dinheiro diretamente dos pagamentos que efetuar a terceiros obrigados, repassando os respectivos valores ao Caixa Público.
Quando a empresa vem a quebrar e não realiza o repasse destes valores efetivamente retidos dos terceiros, deve a massa falida entregar tais valores ao Tesouro, prioritariamente e de forma dissociada do encontro de ativos e passivos do espólio.
Outros exemplares clássicos de verbas restituíveis são o Imposto de Renda Retido na Fonte, o PIS, a Cofins e a CSLL.
Engloba-se o PIS porquanto o art. 30 da Lei 10.833/03, lista atividades sujeitas à retenção antecipada na fonte do PIS, da Cofins e da CSLL pelo tomador dos serviços, por exemplo.
Importa salientar que diversas decisões dos tribunais superiores acolheram já a preferência dos créditos restituíveis, até mesmo sobre os trabalhistas. Neste sentido o STJ em dezenas de decisões, dentre as quais a seguinte:
REsp 780971 / RS
TRIBUTÁRIO. FALÊNCIA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DESCONTADA DOS EMPREGADOS E NÃO REPASSADA AO INSS. CABIMENTO. DISPOSITIVO LEGAL APONTADO COMO VIOLADO QUE NÃO CONTÊM COMANDO CAPAZ DE INFIRMAR O JUÍZO FORMULADO PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 284/STF. NÃO SUJEIÇÃO À ORDEM DE PREFERÊNCIA DA LEI DE FALÊNCIAS. JUROS DE MORA SUJEITOS AO CONCURSO DE CREDORES. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Não pode ser conhecido o recurso especial pela alínea a se o dispositivo apontado como violado não contém comando capaz de infirmar o juízo formulado no acórdão recorrido. Incidência, por analogia, a orientação posta na Súmula 284/STF.
2. A 1ª Seção desta Corte consolidou, há muito, entendimento no sentido de que "as contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados, pelo falido, e não repassadas aos cofres previdenciários, devem ser restituídas antes do pagamento de qualquer crédito, ainda que trabalhista, posto que a quantia relativa às referidas contribuições, por motivos óbvios, não integram o patrimônio do falido" (Precedentes: REsp 666351/SP, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 15.09.2005; REsp 729516/SP, 2ª Turma, Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 06.12.2005; REsp 631658/RS, 1ª Turma, Francisco Falcão, DJ de 18.10.2005; REsp 686122/RS, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 08.11.2005).
Entretanto, esta não é a única forma de obter a restituição.
A redação, muito clara, da lei 11.101/2005, nos seus artigos 85 e 86, os quais identificam especificamente os créditos que DEVEM seguir o procedimento da Restituição descrito pela norma, não aponta seja o dinheiro público obrigatoriamente exigido por este mesmo meio. A retomada do dinheiro público indevidamente havido tem suas garantias ampliadas, na medida em que atende o interesse público, o qual prepondera sobre o privado, lembremos.
Segundo o artigo 85, o proprietário de “bem” arrecadado que se encontre na posse do falido quando da quebra, poderá pedir a restituição do mesmo. Atentemos aqui para o fato de que o artigo 85 trata de bem material que não dinheiro, já que no caput do artigo seguinte, o 86, regula os casos de pagamento em dinheiro.
O artigo 86 trata de enumerar os casos em que a lei reconhece se deva restituir ao proprietário a coisa transformada em dinheiro, posto que não mais possa ser havida na forma do artigo anterior ou em dinheiro deva ser feita. Lista três:
I – Se a coisa não mais existir ao tempo da restituição; Ou seja, se impossível a aplicação do artigo 85;
II – No caso de contrato de câmbio para exportação;
III – Valores recebidos pelo caixa do falido, como receita, por contratos e negócios firmados que vierem a ser declarados NULOS;
O dinheiro público, ainda que restituível, não se encaixa em nenhum dos modelos da lei que exigem procedimento especial para restituição.
Assim como faculta à Fazenda Pública habilitar determinado crédito ao invés de mover execução fiscal, como já diversas vezes referendado pelo STJ, faculta à União qualquer meio legítimo de obter a restituição dos dinheiros públicos que se encontrem na posse indevida do falido.
Logo, uma vez que o crédito de natureza restituível seja exigido pelo rito descrito nos artigos 87 a 93 da lei falimentar, se legítimo, deve ali ser entregue; Se exigido através de execução fiscal, como lhe faculta a Lei 6.830/80, também deve ali ser entregue da mesma maneira;
É importante ter em conta que é lícito à Administração Pública, titular de determinado valor econômico retido por terceiros, logo, titular de um crédito, fazer-lhe a inscrição em dívida ativa. Não apenas os créditos tributários são passíveis de inscrição. Os não tributários também o são. Vejamos o que diz a Lei 4.320/64:
Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias.
§ 1º - Os créditos de que trata este artigo, exigíveis pelo transcurso do prazo para pagamento, serão inscritos, na forma da legislação própria, como Dívida Ativa, em registro próprio, após apurada a sua liquidez e certeza, e a respectiva receita será escriturada a esse título.
§ 2º - Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais.
Já a Lei 6.830/80, prossegue regulando:
Art. 1º - A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.
Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
Sequer é possível alegar prejuízo à massa ou aos demais credores, uma vez que as garantias do contraditório de ampla defesa estão assegurados por conta da possibilidade do Administrador Judicial opor Embargos à Execução Fiscal.
Assim, a faculdade a Administração inscrever seu crédito não tributário e exigi-lo via Execução Fiscal, não significa mudança da natureza do crédito restituível e muito menos o desaparecimento ou inexigibilidade do mesmo.
Procurador da Fazenda Nacional na 4ª Região, Especialista em Direito Público pela Faculdade Projeção do DF, Acadêmico do curso de MBA em Gestão Empresarial da Escola da Administração da UFRGS e Pós-graduado em Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas - Rio de Janeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VITORIA, Flavio Machado. Falências: Ação de Restituição ou Execução Fiscal - tanto faz Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jun 2015, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44459/falencias-acao-de-restituicao-ou-execucao-fiscal-tanto-faz. Acesso em: 22 nov 2024.
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