Resumo: O processo em sentido amplo significa uma marcha para frente, um caminhar sucessivo para se atingir um resultado, quais sejam, a pacificação social, validação de uma relação jurídica ou outro efeito que possa advir. Nessa toada, os três Poderes da República, Legislativo, Judiciário e Executivo, possuem regras procedimentais, com a finalidade de realizar suas atividades. Para tanto, os atos da Administração Pública são antecedidos do regular processo administrativo, legitimando a decisão final. Este, é um procedimento que tende a ser mais célere e menos formal e custoso, se comparado aos dos demais Poderes, com o predomínio da verdade real, como forma de garantir a legitimidade social do processo.
Palavras-chaves: Processo Administrativo Tributário. Jurisdição única. Princípio da Verdade Material.
Sumário: 1. Introdução. 2. Sistema Administrativo da Jurisdição Única. 3. Processo Administrativo tributário e o Princípio da verdade Material. 4. Conclusão. 5. Referências.
1. Introdução.
O processo administrativo, como meio de resolução de controvérsias menos custoso e mais é ágil é importante meio de pacificação social. Nesta jurisdição administrativa, há o inter-relacionamento da verdade material com os princípios da oficialidade e do formalismo moderado, e deve ter sua aplicabilidade compatibilizada com os demais princípios constitucionais garantidores do devido processo legal.
2. Sistema Administrativo da Jurisdição Única.
Entre os sistemas administrativos de jurisdição possíveis, o do contencioso administrativo francês e o da jurisdição única da Inglaterra, o Brasil adotou o modelo inglês, de jurisdição única, onde todo litígio poderá ser submetido ao crivo do Poder Judiciário, sendo vedada sua proibição arbitrária, conforme art. 5º, inc. XXXV, CRFB/88. No entanto, a jurisdição administrativa é possível, embora facultativa na regra geral, como uma forma de solução do litígio mais rápida e menos onerosa.
Cabe salientar que no sistema inglês da unicidade de jurisdição: “...qualquer litígio, de qualquer natureza, ainda que já tenha sido iniciado (ou já esteja concluído) na esfera administrativa, pode, sem restrições, ser levado à apreciação do Poder Judiciário.”[1]. Por outro lado, pelo sistema francês, do contencioso administrativo, vê-se que: “...se veda o conhecimento pelo Poder Judiciário de atos da administração pública, ficando estes sujeitos à chamada jurisdição especial do contencioso administrativo, formada por tribunais de índole administrativa.”[2]. Em suma, como é sabido, a Constituição de 1988 adotou o sistema administrativo da jurisdição única, prevendo, em seu art. 5º, inc. XXXV, o princípio da inafastabilidade da jurisdição.
Bem por isso, toda lesão ou ameaça de lesão a direito pode ser submetida ao crivo do Poder Judiciário, órgão republicano responsável por produzir a coisa julgada formal e material, resolvendo conclusivamente a lide, pacificando o conflito pela atuação concreta do Estado-juiz, na aplicação das normas.
Daí se insere que a administração pública, regida pelo princípio da indisponibilidade do interesse público, deverá buscar a realidade dos fatos, dispensando o formalismo exacerbado, em decorrência de se chegar a realidade dos fatos postos para apreciação administrativa, aplicando o princípio da verdade material.
3. Processo Administrativo tributário e o Princípio da verdade Material.
Inicialmente, insta atentar para as diferenças e especificidades das espécies de processo, exercidos com suas peculiaridades por cada um dos Poderes da República, Executivo, Legislativo e Judiciário. Didática a distinção da professora Di Pietro[3]:
Cada um dos processos estatais está sujeito a determinados princípios próprios, específicos, adequados para a função que lhes incumbe. Não podem ser iguais o processo legislativo e o processo judicial, e um e outro não podem ser iguais ao processo administrativo.
Por conseguinte, deve-se atentar, com embasamento no magistério de Hely Lopes Meirelles, que, o processo administrativo fiscal ou tributário:
...propriamente dito, é todo aquele que se destina à determinação, exigência ou dispensa do crédito fiscal, bem como a fixação do alcance de normas de tributação em casos concretos, pelos órgãos competentes tributantes, ou à imposição de penalidade ao contribuinte.[4]
Nestes termos, o processo administrativo se distingue do processo judicial, por suas regras próprias, respeitando as balizas do Texto Constitucional. Assim, provém a ideia de verdade processual, como um modo para o julgador entender como se deu o fato para aplicar a norma adequada ao caso concreto, é bem delineado no magistério do Professor Marinoni[5], citando os mestres Chiovenda e Liebman, tem-se que:
“Tamanha é a importância da verdade (e da prova) no processo, que Chiovenda ensina que o processo de conhecimento trava-se entre dois termos (a demanda e a sentença), por uma série de atos, sendo que ‘esses atos têm, todos, mais ou menos diretamente, por objeto, colocar o juiz em condições de se pronunciar sobre a demanda e enquadram-se particularmente no domínio da execução das provas’. Na mesma linha de pensamento, Liebman, ao conceituar o termo ‘julgar’, assevera que tal consiste em valorar determinado fato ocorrido no passado, valoração esta feita com base no direito vigente, determinando, como consequência, a norma concreta que regerá o fato.”
Especificamente, quanto ao postulado da Verdade Material e sua aplicação ao processo administrativo, esclarecedoras são as palavras do saudoso Hely Lopes Meirelles[6]:
“O princípio da verdade material, também denominado de liberdade na prova, autoriza a Administração a valer-se de qualquer prova lícita que a autoridade processante ou julgadora tenha conhecimento, desde que a faça trasladar para o processo. É a busca da verdade material em contraste com a verdade formal. Enquanto nos processos judiciais o Juiz deve-se cingir ás provas indicadas no devido tempo pelas partes, no processo administrativo a autoridade processante ou julgadora pode, até final julgamento, conhecer de novas provas, ainda que produzidas em outro processo ou decorrentes de fatos supervenientes que comprovem as alegações em tela.”
Esta busca da verdade material infere, inclusive, a possibilidade de reformatio in pejus no julgamento dos recursos administrativos e garante o formalismo moderado, já que interessa saber o ocorrido no mundo fático, de maneira lícita, para atingir a realidade dos fatos na decisão administrativa e bem aplicar o direito positivo.
O cerne da verdade real, no processo administrativo, tem por fundamento o princípio da supremacia do interesse público. Será um meio para, em harmonia com os demais princípios constitucionais, se chegar ao que aconteceu no mundo fático, para aplicar a legislação pertinente e resolver a lide. Vedam-se, assim, as provas produzidas ou emprestadas sem a oportunidade do contraditório e ampla defesa as partes, bem como a obtenção de provas por meios ilícitos, conforme, art. 5º, inc. LV e inc. LVI, respectivamente, ambos da CRFB/88.
Em que pesem divergências, entendo cabível a produção de provas no processo administrativo, até decisão final, inclusive no procedimento de segunda instância, possibilitando a reformatio in pejus recursal, em respeito ao interesse público inerente. O art. 29, do Decreto 70.235/72, trás importante fundamento para a aplicação da verdade material ao estabelecer que: “Na apreciação da prova, a autoridade julgadora formará livremente sua convicção, podendo determinar as diligências que entender necessárias.”. Na jurisprudência do STJ, o princípio da verdade material já está bastante sedimento, sacramentando sua eficácia no processo administrativo e um introdutório no processo judicial, in verbis:
“2. O princípio da verdade real se sobrepõe à presuntio legis, nos termos do § 2º, do art. 12 do DL 1.598/77 (art. 281 RIR/99 - Decreto 3.000/99), ao estabelecer ao contribuinte a faculdade de demonstrar, inclusive em processo judicial, a improcedência da presunção de omissão de receita, considerada no auto de infração lavrado em face da irregularidade dos registros contábeis, indicando a existência de saldo credor em caixa. Aplicação do princípio da verdade material.” (STJ - REsp 901.311/RJ, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/12/2007, DJe 06/03/2008)
“3. O art. 33, § 6º, da Lei n. 8.212/91 bem como o art. 148 do CTN representam a concretização normativa do princípio da verdade real em matéria tributária, dando azo para que a empresa contribuinte, rendendo homenagem ao citado princípio, possa contestar o lançamento tributário na via administrativa ou judicial.” (STJ - REsp 1377943/AL, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/09/2013, DJe 30/09/2013)
Em suma, a busca pela verdade, seja a formal ou material, tem-se que o regramento básico, com a garantia do contraditório e ampla defesa devem ser respeitados. As provas, em processos administrativos ou judiciais devem ser lícitas, de acordo com o regramento prático. Sabe-se que o procedimento não é um fim em si mesmo, sendo um meio para atingir um resultado eficaz, de demonstração ao julgador de fato ocorrido no passado, observada a boa-fé, lealdade processual e proporcionalidade.
4. Conclusão.
Por conseguinte, ao processo administrativo, inclusive o tributário, é aplicável o princípio da verdade material, com vistas a entender o contexto fático originário da lide e bem aplicar ao fato a norma jurídica adequada. Aqui, tem-se apego ao formalismo moderado, não como um fim em si mesmo, mas como um meio de atingir a realidade dos fatos, com a observância dos princípios constitucionais que regem o processo.
5. Referências
1) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.377.943/AL, SEGUNDA TURMA, Brasília 19 de setembro de 2013. Disponível em:
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=1377943&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO#DOC1. Acesso em: 13/10/2014.
2) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 901.311/RJ, Brasília 18 de dezembro de 2007. Disponível em:
http://www.stj.jus.br/SCON/servlet/BuscaAcordaos?action=mostrar&sg_classe=REsp&num_processo=901311. Acesso em: 13/10/2014.
3) MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de Conhecimento. Brasil: Editora Revista dos Tribunais, 9º Edição. 2011.
4) MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 37ª edição. 2011.
5) ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. São Paulo: Editora Método. 21º edição. 2013.
6) DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas. 27º edição. 2014.
[1] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. São Paulo: Editora Método. 21º edição. 2013.
[2] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. São Paulo: Editora Método. 21º edição. 2013.
[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas. 27º edição. 2014.
[4] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 37ª edição. 2011.
[5] MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de Conhecimento. Brasil: Editora Revista dos Tribunais, 9º Edição. 2011.
[6] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 37ª edição. 2011.
Procurador da Fazenda Nacional. Pós-graduado em Direito Tributário e em Direito Processual Civil. Bacharel em direito pela Universidade Católica de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VICENTE FéRRER DE ALBUQUERQUE JúNIOR, . Valoração de provas no processo administrativo tributário e o princípio da verdade material Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jun 2015, 03:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44654/valoracao-de-provas-no-processo-administrativo-tributario-e-o-principio-da-verdade-material. Acesso em: 22 nov 2024.
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