RESUMO: O presente artigo possui a pretensão em analisar como o dogmatismo judicial influencia o modo de ser do processo através do ensino jurídico atual. A crítica é bastante pertinente quanto à legislação processual, e a relação entre o jurista e o poder mediante o exame do direito dogmático e suas consequências não só na prática-forense, mas no próprio ensino jurídico. Assim, fatalmente, é questionado sobre a efetividade das ferramentas processuais para atender as demandas e a pacificação social. Em outras palavras, busca-se esclarecer sobre a função social do processo.
PALAVRAS CHAVE: Acesso à justiça; instrumentalidade do processo; crise no ensino jurídico; excesso de formalismo.
ABSTRACT: This article has the intention on how to analyze the judicial dogmatism influences the way of being the process through the current legal education . Criticism is quite relevant as to procedural law , and the relationship between the lawyer and the power by examining the dogmatic law and its consequences not only in forensic practice , but in the legal education. So , inevitably , it is asked about the effectiveness of the procedural tools to meet the demands and social peace . In other words , it seeks to clarify the social function of the process.
KEYWORDS: Access to justice; instrumentality of the process; crisis in legal education; excessive formalism.
1 - Introdução - o dogmatismo e ensino jurídico
Busca-se neste presente artigo, apontar as consequências do dogmatismo, tecnicismo e formalismo em demasia, como podem influenciar na realidade jurídica. Passando pela abordagem do ensino jurídico atual do nosso país, através de observações de autores vinculados à teoria e filosofia do direito.
Não se sabe ao certo a causalidade da seguinte premissa: teria sido o legalismo a causa determinante em causar o excesso de dogmatismo na academia? Ou deveríamos inverter a premissa apontando a causalidade primária tenha sido o dogmatismo dos autores acadêmicos que foram determinantes para incrementar com excesso de formalidade ao legalismo?
A formalização do direito – leia-se do direito processual: em buscar o excesso de formalização fugindo da contingência do mundo real, das incertezas inerentes à vida humana. - Conceitualismo; fuga da realidade. E o dogmatismo é um dos instrumentos mais eficazes no empenho do poder em manter o poder a seu serviço. O conceitualismo se desliga da realidade social. Assim como as grandezas matemáticas não têm história, nem compromissos culturais, assim também imagina-se que a constelação de conceitos jurídicos com que laboram os processualistas possa servir a qualquer sociedade humana. A neutralidade da ciência processual é nosso dogma.[1]
A universidade aprisiona o aluno no sentido de não permitir uma observação mais ampla e profunda da realidade jurídica e social. O estudante é ocultado diante da essencial problemática do direito. Por ter a norma como axioma máximo, não enxergando seus vícios ocultos através do formalismo que fatalmente conduz o afastamento da realidade. Em outras palavras, o estudante não tem acesso aos fatos, mas tão somente às regras jurídicas.
A metodologia jurídica do ensino das Universidades brasileiras são responsáveis pela crise do poder judiciário. Pois a didática de ensino eliminou o elemento constitutivo "caso", reduzindo o direito a norma. Isso, fatalmente provocou um adestramento hermenêutico ao estudante de direito.
O abismo entre teoria e prática possui dois resultados significativos: a) sujeitaram os magistrados aos desígnios do poder, impondo-lhes a condição de servos da lei. b) ao concentrar a produção do Direito ao nível legislativo, sem que aos juízes fosse reconhecida a menor possibilidade de sua posição judicial[2].
O dogmatismo em excesso é apontado aqui como uma das causas da crise institucional jurídica. Contudo, reconhece-se que o sistema não suportaria sobreviver sem dogmas. No entanto, chama-se atenção ao seu excesso, e sobretudo ao pretexto do excedente dogmático. "A função da dogmática, porém deve constituir numa maneira de lidar com as aporias, tais como justiça, utilidade, certeza, prudência, legitmidade e outras tantas que a experiência jurídica nos oferece[3]".
Nas considerações de Ovídio Baptista[4]:
O exacerbado normativismo é o pilar que sustenta o dogmatismo de nossa formação universitária. O que permite a constituição de um ensino do direito abstrato, formal e acrítico, permitindo que os juristas alimentam a ilusão de produzir uma ciência do Direito neutra quanto a valores, mantendo-os distante e alienados de seus compromissos sociais.
Para Baptista, Carnelutti é um bom exemplo como autor metódico e formal, - por obedecer ao mais profundo e radical dogmatismo. O método matemático é persistente em suas obras. Baptista, observa que além de não promover uma discussão sobre os institutos do direito, sequer propõe um debate sobre a historia da criação de tais institutos processuais. Ademais, não se leva em consideração a opinião de qualquer outro jurista[5].
Esse exacerbado normativismo é o pilar que sustenta o dogmatismo de nossa formação universitária. É ele que permite a constituição de um ensino de Direito abstrato, formal e acrítico, permitindo que os juristas alimentem a ilusão de produzir uma ciência do Direito neutra quanto a valores mantendo-os distantes e alienados de seus compromissos sociais. O "mundo jurídico", de que tanto falava Pontes Miranda, é o espaço criado pelas doutrinas políticas liberais para excluir o jurista do "mundo social"
O jurista dogmatizado reproduz esse hábito em produzir e prolongar os dogmas através de um método de geometrização. Atribuir a ciência humana aplica do direito com fórmulas frias e calculismo sem valores humanos. Isto é, os juristas calculam com seus conceitos com aquilo que distancia da realidade social através do método científico em medir, pesar, contar e aplicar[6].
E sobre o exame de ordem, Baptista é muito enfático em declarar que sobre a falência metódica em analisar o conhecimento jurídico do aluno. Reduzindo o conhecimento somente num âmbito teórico-formal[7]:
Antes porém de ser-lhe permitido o exercício da advocacia, o aluno egresso da Universidade ainda terá de enfrentar a derradeira prova que demonstre a eficiência do aprendizado universitário more geometrico, submetendo-se ao “exame de ordem”.
O que há de positivo nisso é a confissão oficial de que o Estado tem consciência do anacronismo do ensino universitário do Direito, por cuja metodologia ele é diretamente responsável. O aluno deverá confirmar - porque o Estado suspeita do ensino de suas universidades - todo o curso de Direito, num exame teórico-formal em que lhe exigem as tradicionais respostas “certas”, do mesmo modo como ele resolveria um problema algébrico.
A posição tanto do advogado quanto do magistrado, estes fortalecem o acentuado corporativismo da instituição, favorece o espírito burocrático. Devido ao isolamento social, o juiz conserva o tipo de organização jurídico-administrativa por ter se tornado dependente desse sistema[8].
Boa Ventura Santos também trata sobre a ciência jurídica uniforma, considerando inclusive uma arbitrariedade educacional por implementar uma burocratização com finalidades duvidosas ao pensamento crítico que contribuem para prolongamento das desigualdades sociais[9].
Ainda sobre o distanciamento da realidade pelo formalismo e tecnicismo. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira conduz a seguinte linha de pensamento: a pretensão de criar o direito descomprometida com qualquer cultura e realidade social:[10]
É importante observar, contudo, que essa compreensível exacerbação conceitual do processualismo acabou gerando consequências indesejáveis. Se, de um lado, o direito processual civil ganha em precisão e refinamento, de outro, resta fragilizado e seu relacionamento com o direito material e do direito processual acabou comprometendo a finalidade central do processo – servir à realização do direito material com justiça. O radical distanciamento do direito processo civil da realidade social produziu um processo incapaz de evoluir junto com os fatos sociais. Nota-se que a ciência processual axiológica inerente a esse momento da ciência jurídica alemã. Em outros termos, a ciência do direito intentou em fazer uma ciência processual atemporal, infensa à história, descomprometia com a cultura.
Carlos Alberto Alvaro de Oliveira desenvolveu a tese do formalismo-valorativo. É justamente um contraponto para combater o formalismo oco, vazio, inócuo. Um dos pontos marcantes da tese é a adaptabilidade procedimental: fungibilidade dos atos judiciais para as partes. O que importa é o fim do ato, e não a formalidade ou o excesso de rigorosidade. A forma finalística é o principal direcionamento do formalismo-valorativo. Pois se a forma é oca, vazia; o que interessa é o conteúdo não o nome do ato processual, servindo assim as finalidades essenciais no processo.
A forma finalística, parece ter sido esquecida pelos acadêmicos. Inclusive a finalidade do direito será abordada pela obra de Bobbio: da estrutura à função.
2 - Da estrutura à função
Bobbio parte da seguinte premissa: ao invés do Estado ser garantista, é mais eficaz ser dirigista. E consequentemente, a transformação do direito como mero instrumento de "controle social" em instrumento de "direção social"[11].
No terceiro capítulo: "Direito e ciência social" da referida obra. O autor justifica a importância de ampliar os horizontes acompanhado pela obscura consciência de que o direito não ocupa mais aquele posto privilegiado que lhe fora atribuído por uma longa tradição no sistema global da sociedade[12].
As técnicas de organização social tem uma finalidade meramente estruturante. O ordenamento do monopólio da força do Estado tem por escopo assegurar à classe dominante o seu domínio. A socialização, isto é a procura pela adesão a valores estabelecidos e comuns e a imposição de comportamentos considerados relevantes para a unidade social, com consequência repressão de comportamentos. O estudante de direito, não lhe é dado oportunidade ou estímulo para refletir acerca desse consenso imposto pela força estruturante do Estado.
Pelo seguinte questionamento: "Quais são as razões pelas quais o direito foi sempre considerado um meio mais de conservação do que de inovação social[13]". Bobbio então desenvolve a sua tese das formas finalísticas do direito. A estrutura do direito tem a função de estabelecer a técnica de organização social. Os acadêmicos e doutrinadores caem na tentativa eterna de desvendar ontologicamente: o que é direito. Daí, Bobbio propõe outra premissa para ser aceita: em vez de perguntar o que é o direito, por que não perguntar como o direito deve ser feito? Eis, então o fundamento da função social do Direito.
Logo, todos os institutos jurídicos devem possuir sua devida função social. Em outras palavras o direito não ser usado como meio, mas como um fim, com sua finalidade clara e precisa; voltada para a sociabilidade. Essa proposta deve ser tida aos graduandos em Direito, inclusive é uma forma mais democrática. Porque o estudante de direito em vez de entender como funciona tais regras, pode criticá-las e oferecer funções sociais diversas a muitos institutos.
3 - Da arbitrariedade acadêmica
João Maurício Adeodato, na obra: ética e retórica[14], trata sobre a arbitrariedade acadêmica. Aborda, então, como se procede o funcionamento da dogmatização aluno-professor. A autoridade daquele que ensina transfere o centro de gravidade da educação: não interessa o que se diz, mas quem o diz devido ao respaldo social.
Diante de várias interpretações legais possíveis, a que deve prevalecer é a do professor. Primeiro porque há o prestígio do nome do professor, este por sua vez, invoca outros prestigiados nomes acadêmicos. Até então, tudo parece se resumir ao prestígio acadêmico. "O doutrinador X disse isso, com base no autor Y". E a falácia ad prestigium persiste.
Segundo, o aluno para ser aprovado, muitas vezes em uma disciplina, deve obedecer os ordenamentos jurídicos que o professor aborda. Ainda que o aluno discorde, a prevalência da convicção pessoal do professor é determinante para a aprovação. Tal procedimento acaba adequando e domesticando o aluno ao gosto jurídico do professor. Isto posto, permanece improvável o estudante de direito conseguir oferecer novas soluções e interpretações para esse sistema vigente.
Como dito anteriormente: adestração hermenêutica. Quando o aluno, estudante, bacharel é castrado para obedecer e pensar de forma limitada em dogmas supervalorizados durante toda sua formação acadêmica. A consequência disso, é única: o profissional do direito, tido como operador de direito, é realmente um operador, por causa do aspecto mecânico. Distanciando-se bastante de ser um jurista, de ir além do normativismo, e principalmente de ter a obrigação moral intrínseca de que faz parte desse sistema, e por isso mesmo, recai sobre ele o dever de repensar melhor no sistema atual, buscando opções funcionais do direito e não meras estruturas coercitivas do "dever ser" - “deve ser obedecido senão constitui um ato ilícito”.
Tércio Sampaio Ferraz Junior[15] e Adeodato seguem a mesma linha de raciocínio sobre a interpretação do aluno antes de formar-se e depois:
...não é por acaso que o estudante de direito que principia sua formação, se surpreende com o número de teorias que um texto legal pode sugerir, ao ser interpretado, o que lhe dá, quando ainda não domina as técnicas dogmáticas, a impressão de estar tratando de meras opiniões e o que o anima a constituir ingenuamente sua própria interpretação. Na realidade esta visão é falsa, como ele logo aprende, que as incertezas estão inseridas às incertezas da interpretação dogmática. Onde elas se tornam mais amplas, mas ao mesmo tempo controláveis. Poderia acrescentar a esse verificação que o domínio das técnicas dogmáticas só é adquirido quando se é estudante ou se o estudante consegue torna-se um profissional de direito (e não na faculdade como seria de esperar)
A inoperância do pensamento dogmático não é exclusiva do direito brasileiro e parece estar ligada à própria estrutura e ao funcionamento da dogmática jurídica como tal, sendo necessário certo afrouxamento em seus postulados básicos ou mesmo a sua negação.[16]
A dogmática jurídica, em tese é fundamental ter sua função solucionadora de conflito e de manter o controle de suas próprias abstrações. Adeodato questiona: Como deve portar a ciência do Direito diante da dogmática jurídica? A ciência deve molda-se ao real, ou a realidade deve moldar-se à ciência? Conclui, portanto que todo sistema jurídico-dogmático seleciona alternativas - com certas doses de arbitrariedade - dentro de um universo muito mais amplo de opções possíveis. Por isso, não interessa ao Estado uma visão não dogmática do direito, sendo mais conveniente reduzir a posição do jurista a mero comentarista de decisões genéricas e a priori impostas de cima para baixo[17].
Uma sugestão interessante segundo Adeodato é: o orientador neutro deve mostrar os vários lados de uma questão e aceitar pontos de vista que não coincidam com os seus. Ao aluno devem ser mostrados os diversos caminhos que pode seguir: delegado de polícia, advogado, professor, juiz, etc.; para fazer conscientemente sua escolha, ele precisa ser educado em uma dúvida científica saudável que não coincida com as perspectivas da dogmática jurídica subdesenvolvida, cuja falha não está apenas em sua inoperância, mas na própria delimitação de suas "funções".[18]
4 - Da castração simbólica ao acesso à justiça.
A tese sobre "castração simbólica" desenvolvida por Lacan no auge do fortalecimento da psicanálise é sobre o vínculo primitivo entre a mãe e a criança, este vínculo uma vez rompido não só fisicamente, como simbolicamente. A criança é castrada pelo pai em reconhecer a mãe como sua complementação.[19] Mas o que isso implicaria para o Direito?
A autora Renata Salecl[20], associa a tese da castração simbólica com o direito da seguinte forma. O Estado castra o indivíduo simbolicamente, assim, o cidadão, sujeito de direito; não consegue reconhecer o seu direito fundamental. A incapacidade de reconhecimento e aceitação se dá devido à impotência que o sujeito detém para lutar pelo direito. O Estado acaba conduzindo o convencimento velado do sujeito de direito castrado, como não merecedor daquele direito.
O sujeito, já constituído por meio do simbólico, é introduzido à subjetividade jurídica por meio de uma segunda sujeição de comandos e procedimentos do Direito positivo. A lógica da instituição, com seus comandos e regulamentações, proibições e permissões, deveres e responsabilidade, aprisiona e investe o sujeito de significado jurídico. Poder-se-ia argumentar, portanto, que uma "castração jurídica simbólica" complementa a castração primária e introduz o sujeito a uma falta de completude secundária, introduzida pela lei, e a uma determinação jurídica dos aspectos até mesmo mais íntimos de sua vida.[21]
Através da conclusão da "castração simbólica jurídica", como seria possível associar tais fundamentações em detrimento ao acesso à justiça[22]? Na obra específica obra, o autor de forma realista traz os problemas de aceso à jurisdição à tona ao identificar os diversos obstáculos. Dentre eles, consta o reconhecimento de que não há igualdade entre as partes. Tal igualdade material é utópica e influencia diretamente na igualdade formal no processo.
Ainda, ao falar sobre a possibilidade das partes,[23]O ponto principal é a denegação ou a garantia do acesso efetivo, eis o ponto crucial. Conforme consta na identificação dos percalços processuais e acessibilidade jurisdicional. "A aptidão para reconhecer um Direito e propor uma ação ou sua defesa", chama nossa atenção. Pois a palavra "reconhecer" é gritante, no sentido de já ter sido mencionado a tese da "castração simbólica jurídica".
A "capacidade jurídica" pessoal, se se relaciona com as vantagens e recursos financeiros e diferenças de educação, meio e status social, é um conceito muito mais rico, e de crucial importância na determinação da acessibilidade da justiça. Ela enfoca as inúmeras barreiras que precisam ser pessoalmente superadas, antes que um direito possa ser efetivamente reivindicado através do nosso aparelho judiciário. Muitas (senão maior parte) das pessoas comuns não podem - ou, ao menos, não conseguem - superar essas barreiras na maioria dos tipos de processo.[24]
O conhecimento de uma parte, sobre possuir ou não o direito é determinante, pré-requisito para solucionar a lide. Como aponta Cappelletti: "Falta-lhes o conhecimento jurídico básico não apenas para fazer objeção a esses contratos, mas até mesmo para perceber que sejam passíveis de objeção[25]".
A premissa da "castração simbólica jurídica" com a segunda premissa de "Acesso à justiça - reconhecimento do direito", pode-se concluir, portanto que o excesso de "procedimentos complicados, formalismo, ambientes que intimidam, como o dos tribunais juízes e advogados, figuras tidas como opressoras, fazem com que o litigante se sinta perdido, um prisioneiro num mundo estranho."[26]Assim, converge com a crítica do primeiro tópico sobre o formalismo o que impede a efetivação dos direitos fundamentais.
Diante das motivações expostas, invoca-se o próximo tópico essencial para o presente estudo.
5 - Da instrumentalidade processual
A máxima: o processo antes de ser grande, deve ser pequeno; - possui uma precisão epistemológica abundante na reflexão sobre a finalidade do processo.
É importante questionar a quem interessa o excesso de dogmas e o conceitualismo jurídico em demasia? Quem é o maior beneficiário do abismo teórico da prática forense? Certamente não recai no cidadão comum, no consumidor com sua hipossuficiência técnica e econômica. Recai na parte mais fraca em conhecimento e em economia. É possível encontrar os maiores beneficiários mediante identificação de um discurso conformista.
A supervalorização da temática: elementos da ação e condições da ação já estão enaltecidamente obsoletos. É necessário repensar sobre formas eficazes na efetivação dos direitos fundamentais, e até então o maior instrumento: a tutela - não tem sido utilizada como devido instrumento de realização do direito material. Pelo contrário, tem sido veementemente um percalço para serviço jurisdicional. Os resultados práticos de realização do direito material se comprometem com um instrumento processual complexo e inacessível para um cidadão comum.
O processo deve ser pequeno, antes de ser grande, porque sua função de prestação de serventia de provimento jurisdicional não deve ser esquecida, mas priorizada como escopo.
Não adianta um instrumento processual dogmaticamente rico, porém; inefetivo. O instrumento processual deve resguardar a conservação dos valores da Constituição Federal, como menciona Dinamarco[27]:
Não basta afirmar o caráter instrumental do processo sem praticá-lo, ou seja, sem extrair desse princípio fundamental e da sua afirmação os desdobramentos teóricos e práticos convenientes. Pretende-se que em torno do princípio da instrumentalidade do processo se estabeleça um novo método do pensamento do processualista e do profissional do foro. O que importa acima de tudo é colocar o processo no seu devido lugar, evitando os males do exagerado processualismo e ao mesmo tempo cuidar de predispor o processo e o seu uso de modo tal que os objetivos sejam convenientemente conciliados e realizados tanto quanto possível. O processo há de ser, nesse contexto, instrumento eficaz para o acesso à ordem jurídica.
É essencial, portanto determinar a finalidade do direito processual. Para compreender a função social do processo. É necessário distinguir[28] formalismo de formalidade. A formalidade é encontrada ne legislação, a forma como a lei exige que seja procedido tal percurso processual. Já o formalismo depende exclusivamente do aplicador judiciário, ou seja, da forma como o aplicador interpreta o formalismo; portanto, está conectado mais na cultura jurídica, do que propriamente na legislação. É pertinente, então, a seguinte indagação: afinal, o processo conduz o aplicador do direito ou o aplicador do direito conduz o processo?
No aspecto do modo-de-ser do processo, temos a forma que o processo deve ser conduzido; devendo o aplicar estar atento, sempre a sua finalidade principal; pacificação social, pela realização do direito material. Contudo, é importante ressalvar a garantia do contraditório e da ampla defesa, sob pena de tornar-se um instrumento de arbitrariedade. Ao mesmo tempo, o processo deve sempre fornecer o direito ao contraditório e ampla defesa, sob pena de tornar-se instrumento para arbitrariedade. Por fim, mediante todo o conteúdo supraexposto, é possível alcançar a seguinte conclusão:
6 - Da conclusão
A tríade do dogmatismo excessivo, conceitualismo exacerbado e tecnicismo não permitem que o processo seja efetivado para a sua finalidade: um instrumento de realização do direito material. Ou seja, o processo não pode tomar às rédeas do protagonismo jurídico, mas ser um coadjuvante muito importa.
O excesso dogmático jurídico influencia além do modo de ser do judiciário, o ensino jurídico. Como constatou Ovídio Baptista; - a crise do poder judiciário -, também passa pelo crivo do ensino jurídico.
No presente trabalho, também foi abordado a funcionalidade do direito, via ensino acadêmico de Norberto Bobbio. A sugestão do autor não é possuir um ordenamento jurídico voltado para o controle social, ao contrário; o direito ter um direcionamento voltado para inclusão, social, em que todo instituto jurídico tenha sua devida função social.
Também foi tratado o assunto sobre a arbitrariedade dogmática, no ensino jurídico. Autores como João Maurício Adeodato e Tercio Ferraz Sampaio Jr. Além das observações acerca do ensino jurídico, a função da dogmática jurídica (inclusive sua função social) foi levantada. Em conclusão, a dogmática não deve servir de instrumento para opressão, mas de libertação com cunho científico. A dogmática jurídica não deve esconder-se da realidade, mas encará-la e desvendá-la para os ajudar na compreensão jurídica de várias aporias.
Não só assuntos pertinentes ao mundo jurídico foram levantados, como também foi utilizada a tese da "castração simbólica" de Jacques Lacan. Tal tese da psicanálise foi associada com a castração simbólica jurídica; remetendo assim, a questão da legitimidade (não processual), mas material. E o quanto tal legitimidade afeta no acesso à justiça, obra de Cappelletti.
Finalmente, repousa-se na instrumentalidade do processo, ou seja, a verdadeira função do processo; em ser meramente um coadjuvante no direito, permitindo que o direito material flua – despertando a modificação na realidade jurídica atual.
Após toda abordagem referente à presente temática processual, é possível concluir que tanto o estudante, quanto o jurista devem se desamarrar do excesso de dogmas jurídicos. O jurista deve questionar se é cabível tanta técnica judicial em contrapartida - dando as costas à realidade. Ademais, o conceitualismo jurídico, o montante de conceitos utilizados pelos juristas, permeiam uma linguagem exclusivamente voltadas ao jurista, excluindo às partes de uma compreensão maior sobre o seu direito que está em jogo e enaltecendo uma cultura jurídica de status quo desnecessariamente.
Portanto, é possível não cessarmos na busca do que é justo, do adequado e do razoável. E deixar de supervalorizar o tecnicismo presente em nosso ordenamento. Como foi visto; a diferença entre formalidade e formalismo; esta depende da aplicação do jurista, enquanto que aquela é meramente uma exigência de procedimentos legislativos. Assim, a busca pela justiça deve ser a prioridade do jurista.
A justiça ao ser prioridade é certamente uma afronta às pessoas que persistem em manter o discurso conformista de que a justiça é utópica e abstrata. É apenas uma ideia, e nunca se conectará com a prática, com a nossa realidade E para isso levantamos o argumento de Costas Douzinas, de que os direitos humanos necessitam ter esse caráter utópico. Ao declararmos a não utopia nos diretos humanos, é declarado, então a morte dos direitos humanos:[29]" Quando os apologistas do pragmatismo proclamam o triunfo dos direitos humanos, ao contrário eles proclamam o fim dos direitos humanos. O fim dos direitos humanos chega quando eles perdem o seu fim utópico"
Referências Bibliográficas
ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 4 ed. São Paulo: Saraiva. 2009.
BATISTELLA, Sergio Renato. O princípio da instrumentalidade das formas e o processo judicial do Brasil
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Barueri-SP: Editora Manole, 2007.
CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris. 1988
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 10 ed. São Paulo: Malheiros 2002
DOUZINAS, Costa. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009
FERRAZ JR, Tércio Sampaio. A função social da dogmática jurídica. São Paulo: Revista dos tribunais.1980.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-valorativo. 4 ed. rev. São Paulo: Saraiva. 2010.
OVÍDIO, A Baptista da Silva. Processo e ideologia. Rio de Janeiro: Forense. 2004.
[1] OVÍDIO, A Baptista da Silva. Processo e ideologia. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p, 84
[2] ibidem. p, 56
[3] ibidem. p, 51
[4] ibidem. p, 50
[5] ibidem. p, 37
[6] Ibidem. p, 53: "Enquanto pensarmos o Direito como uma questão lógica, capaz de ser resolvida como qualquer problema matemático; enquanto não perdemos a ilusão de que a lei - fruto, como o sistema pressupõe, de um legislador iluminado - tenha univocidade de sentido, a Universidade conservar-se-á imutável em sua metodologia jurídica, fornecendo ao sistema contingentes de servidores, aptos para a tarefa de descobrir a inefável 'vontade da lei', a que se referia Chiovenda e que, para nosso tempo, confunde-se com a 'vontade de poder';
[7] ibidem. p, 36
[8] ibidem. p, 45
[9] BOA VENTURA de souza, Santos. Pela mão de alice - o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez. 2000. p, 191: "O sistema educativo funciona de modo a que a contradição entre o princípio da igualdade de oportunidades e da mobilidade social através da escola, por um lado, e a continuação, a consolidação e até o aprofundamento das desigualdades sociais, por outro, não seja socialmente viável, dessa forma contribuindo para perpetuar e legitimar uma ordem social estruturalmente incoerente, 'obrigada' a desmentir na prática as premissas igualitárias em que se diz fundada."
[10] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-valorativo. 4 ed. rev. São Paulo: Saraiva. 2010. p, 18
[11] BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Barueri-SP: Editora Manole, 2007. p, XII
[12] ibidem. p, 33
[13] ibidem. p, 94
[14] ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 4 ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p, 157: “A autoridade dogmática do professor: o fato de as questões jurídicas não serem suscetíveis de demonstração estritamente objetiva, impossibilitando a intuição puramente intelectual de uma solução concreta tão inatacável como o eventual dogma em que se baseia, faz com que o aluno se veja perplexo diante de múltiplas interpretações igualmente possíveis para uma mesma situação real. Ao ser transferida da realidade para o plano dogmático, no qual o aluno não se sente à vontade diante das técnicas interpretativas, a discussão do problema passa a um nível teórico em que a autoridade de quem argumenta se tornou mais importante que o argumento mesmo. Quando percebe que várias soluções são possíveis, mas não toda e qualquer solução, o estudante tende a acatar a ”opinião" do professor ou de juristas que lhe parecem reconhecidamente competentes sem repensá-las, embotando a criatividade que lhe será essencial na experiência profissional, quando precisa descobrir seus próprios caminhos e concretizar na solução que apresenta a abstração levada a efeito pela dogmática"
[15] FERRAZ JR, Tércio Sampaio. A função social da dogmática jurídica. São Paulo: Revista dos tribunais. 1980. p, 97
[16] ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 4 ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p, 159
[17] ibidem. p, 161
[18] ibidem. p, 165
[19] LACAN, 1992 apud DOUZINAS, Costa. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009. p, 306
[20] SALECL, 1995. apud DOUZINAS, Costa. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009. p, 320
[21] DOUZINAS, Costa. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009. p, 322
[22] CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris. 1988
[23] ibidem, 21
[24] ibidem, 22
[25] ibidem, 23: "Essa falta de conhecimento por sua vez, relaciona-se com uma terceira barreira importante - a disposição psicológica das pessoas como encontrar aconselhamento jurídico qualificado podem não buscá-lo."
[26] ibidem, 24
[27] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 10 ed. São Paulo: Malheiros 2002. p, 309
[28] Distinção encontrada no artigo: <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/S%C3%A9rgio%20Batistella.pdf>. Acesso em 23/05/2015; BATISTELLA, Sergio Renato. O princípio da instrumentalidade das formas e o processo judicial do Brasil.
[29] DOUZINAS, Costa. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009. p, 384: "Na medida em que os direitos humanos começam a distanciar-se de seus propósitos dissidentes e revolucionários iniciais, na medida em que seu fim acaba obscurecido em meio a mais e mais declarações, tratados e almoços diplomáticos, podemos estar inaugurando a época do fim dos direitos humanos transformaram-se no 'mito concretizado' das sociedades pós-modernas, este é um mito concretizado apenas nas energias dos que sofrem violações em maior e menor grau nas mãos dos poderes que proclamam seu triunfo. Os direitos humanos representam o princípio negativo do Direito Natural, é a promessa do "ainda não", da indeterminação da autocriação existencial diante do medo da incerteza e das certezas inautênticas do presente. Quando os apologistas do pragmatismo proclamam o triunfo dos direitos humanos, ao contrário eles proclamam o fim dos direitos humanos. O fim dos direitos humanos chega quando eles perdem o seu fim utópico.
Advogado. Especialista em direito civil e empresarial pela UFPE e especialista em Filosofia e teoria do direito pela PUC-MINAS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VASCONCELLOS, Steel Rodrigues. O modo de ser do judiciário e a crise educacional jurídica: A tríade: dogmatismo, tecnicismo e conceitualismo em demasia como afetam o modo de ser do judiciário e o ensino jurídico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jul 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44881/o-modo-de-ser-do-judiciario-e-a-crise-educacional-juridica-a-triade-dogmatismo-tecnicismo-e-conceitualismo-em-demasia-como-afetam-o-modo-de-ser-do-judiciario-e-o-ensino-juridico. Acesso em: 27 dez 2024.
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