Resumo: O presente artigo traz como escopo fundamental o exame das formas jurídicas criadas no regime militar no Brasil (1964-1985). Para que se possa alcançar o objetivo principal será concomitantemente relacionado o contexto histórico em que tais formas foram apresentadas. Faz se pertinente, para tanto, o breve estudo dos períodos anteriores, desde o regime político centralizado e autoritário iniciado com a Constituição de 1937, passando pela experiência democrática de 1946, chegando ao golpe militar de 31 de março de 1964. Então analisaremos os Atos Institucionais que suspenderam as garantias individuais e a Constituições de 67 que significou o retrocesso nos direitos civis e políticos. Finalizando o período com as eleições de Tancredo Neves em 1985. A pesquisa é realizada por meio de bibliografia específica e dos textos jurídicos da época.
Palavras-chave: ditadura militar; direito; constituições, atos institucionais.
Abstract: This paper presents the examination as a basic purpose of legal forms created during the military regime in Brazil (1964-1985). To be able to achieve the main objective will be concurrently related the historical context in which those forms were submitted. Makes it appropriate the brief study of earlier periods, since the centralized and authoritarian political system began with the 1937 Constitution, through the democratic experiment of 1946, reaching the military coup of March 31, 1964. Then we will analyze the Institutional Acts to suspend individual guarantees and the constitutions of 67 meant that the backlash against civil and political rights. Ending the period with the election of Tancredo Neves in 1985. The search is performed through specific references, and legal texts of the time.
Keywords: military regime; right; constitution; institutional acts.
O regime autoritário no Brasil, chamado militar, foi o resultado de uma série de eventos. Corrupção, esgotamento do populismo, manifestações de massa, agravamento de tensões sociais e o temor do perigo comunista serviram de justificativa para que os militares tomassem o poder em 31 de março de 1964. O golpe de 1964 submeteu o país à ditadura militar que perdurou até 1985, quando, indiretamente, foi eleito Tancredo Neves, o primeiro presidente civil desde o início do período.
O objetivo da pesquisa é relacionar o contexto em que se insere o regime militar brasileiro com as formas jurídicas usadas para sua sustentação. Tendo em vista que o Direito, entendido com sistema de normas de condutas impostas, seve de suporte e alicerce para o poder do Estado.
Para que se pudesse alcançar o objetivo foram analisadas obras historiográficas e o material jurídico. No período analisado observou-se a presença dos importantes Atos Institucionais que representaram a suspensão das garantias democráticas da Constituição de 1946. Também serão desenvolvidas a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional número 1, considerada como sendo a Constituição de 1969.
Todas as formas jurídicas encontradas de 1964-1985 de forma atenuada ou exacerbada significaram a supremacia do poder Executivo sobre os demais poderes e a interrupção dos direitos constitucionais individuais.
Outrossim, analisa-se os antecedentes do golpe, dando ênfase ao período democrático iniciado com a Constituição de 1946, assim como os elementos que culminaram com esse período de governos populistas que concomitantemente trouxeram desenvolvimento econômico e tecnológico e corrupção durante a vigência de tais governos.
Para dar início à análise da pesquisa, é importante ter em mente que desde a II Guerra Mundial consolidava-se no Brasil um processo que culminaria com a democratização por meio da Constituição de 1946. Na guerra o país se alinhava as grandes potências liberais e lutava contra os regimes totalitários. As massas populares compreendiam essa grande contradição: estar regido por um regime que se combatia. Isso se dava porque o Brasil ainda era regido pela Constituição de 1937 que instaurou o Estado Novo, um período caracterizado por uma ditadura centralizada na figura de Getúlio Vargas. Nas palavras de Flávia Lages de Castro:
No Estado Novo constituiu-se o mito da nação e do povo, buscando tornar o país uma nação integrada, eliminado os entraves regionais. Identificando nação e povo, como um corpo, unido ao ditador, passava-se a imagem de que, finalmente, o povo havia tomado o poder. (2008, p. 476)
Como referenciado, o povo percebeu as incoerências e clamava a Getúlio Vargas, após o terminou da guerra, por uma maior participação nas decisões políticas. Paulatinamente, Getúlio foi cedendo, permitiu a criação de alguns partidos políticos, por exemplo. Parte da população, trabalhistas e comunistas, acreditava que Vargas poderia ser capaz de democratizar o país e desejava que, mesmo antes das próximas eleições presidências de 1945, ele pudesse iniciar uma Constituinte indo contra as previsões legais. Seus opositores, as forças armadas, entretanto, foram incisivas e, mais do evitar que o desejo do povo fosse concretizado, finalizaram o Estado Novo, forçando Vargas a renunciar em 1945.
A República Nova faz, em seguida, eleições presidências e, em 1946, promulga uma nova Constituição extremamente avançada para a época. A nova Carta Constitucional representava avanços democráticos, restaura os direitos individuais e como salienta Flávia Lages de Castro ela contém “todos os receios que acompanham um país que acabou de sair de uma ditadura” (2008, p. 506).
Entre os principais avanços da Constituição de 1946, observa-se a tripartição dos poderes, a retomada das garantias individuais como a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade. Seus dispositivos regulavam a igualdade de todos perante a lei, a livre manifestação de pensamento, sem censura, a inviolabilidade do sigilo da correspondência, a inviolabilidade a liberdade de consciência e de crença, a liberdade de associação para fins lícitos, a garantia de que ninguém será preso senão em flagrante delito, ou, por ordem escrita da autoridade competente, a extinção da pena de morte.
Levado ao poder “nos braços do povo” Vargas voltou, em 1950, a presidência da República. A tendência nacionalista do Estado Novo foi retomada, a exemplo tivemos a criação da Petrobrás em 1953. Contudo, Vargas em 1954 pressionado, entre outros eventos, pelos grupos financeiros internacionais, comete suicídio. Até 1955 governa o vice-presidente João Café Filho, quando então foi eleito Juscelino Kubitscheck. JK promove uma série de mudança que corroboram para o desenvolvimento do país, um de seus feitos foi à transferência da capital federal para o planalto central, acrescenta-se a isso o elevado grau de incentivo econômico e a política que favoreceram a industrialização.
Em 1961 toma posse Jânio Quadros, membro da UND, pregava a moralização do governo. Jânio Quadros foi caracterizado por uma política que até hoje é motivo de chacota. No plano econômico buscou aproximação com o bloco socialista, contudo os membros da direita brasileira passaram para a sociedade a ideia de que deviam temer uma ameaça comunista. No mesmo ano que foi eleito, Jânio Quadros, renunciou. Segundo Milton Ivan Heller:
O homem da vassoura, que queria varrer todos os males do país, renunciou de forma tão teatral e absurda que deixou a nação estarrecida. Mesmo no estrangeiro a repercussão foi péssima. [...] A renúncia mergulharia o Brasil na maior crise política de sua história. (1988, p. 18)
João Goulart, vice-presidente, estava na China em missão oficial, mas assumiu depois de os ministros militares tentarem impedir sua posse, alegando, em manifesto que ele tinha predileção pelo regime comunista e que, por isso, havia o risco de que uma guerra civil fosse instaurada se João Goulart assumisse a presidência. Goulart sofria resistência de grupos importantes no período, por isso continuamente buscava o apoio das bases populares e sindicais, de acordo com Evaldo Vieira:
Jango procurava dominar as incoerências políticas, econômicas e sociais por meio da conciliação entre ideologias nacionalistas e capitalismo internacional. [...] No governo de Goulart, com a elaboração do Plano Trienal, que viria a orientar a produção, buscou-se por vezes estabilidade para a economia. Os maus resultados neste setor reforçaram ainda mais sua confiança na realização das reformas de base. (1985, p.12)
O plano de Goulart pelas reformas de base foram fortemente repreendidas pelas diversas posições políticas. Conservadores e esquerdistas exigiam resultados que fossem mais práticos. O governo de Goulart resolveu, depois das críticas e dos graves problemas econômicos, aliar-se aos partidos de esquerda. Segundo Dom Paulo Evaristo Arns:
É um período de forte inflação, mas os trabalhadores conseguem, regra geral, reajustes salariais equivalente ao aumento do custo de vida. No campo, são criadas as Ligas Camponesas. [...] Proliferam as lutas rurais que, de modo semelhante ao ocorrido nas cidades, causam, pânico entre os fazendeiros conservadores, dispostos a tudo para impedir a Reforma Agrária. (1985, p. 58)
É nesse contexto que se inserem incisivamente os militares. A inflação subia a índices altíssimos e o quadro político colaborava para a direita conseguir adeptos junto às classes médias, com a promessa de mudanças profundas que garantissem um governo forte. Já no Congresso, Goulart sofria grande oposição que o impossibilitava a realização do plano trienal. Outro grande problema era a evasão de divisas, “só nos primeiros meses de 64, mais de dois milhões de dólares foram remetidos para os bancos estrangeiros”. (ARNS, 1985, p. 58)
Os Estados Unidos foram decisivos para a efetivação do golpe. Os articulistas eram estimulados abertamente pela CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA) que colaboram com os preparativos da tomada de poder. Acrescenta-se a isso, a disposição norte-americana em ajudar o que significou o último sinal para que os generais interessados em derrubar o presidente passassem a ação.
Provavelmente a última ação importante de Goulart para tentar enfrentar as crises foi o comício de 13 de março de 1964. Todo seu ministério, vários governadores e uma concentração de mais de 200 mil pessoas aclamava as Reformas de Base assinaladas ali pelo presidente.
Os generais aproveitaram a oportunidade do comício para tomarem uma ação. Boa parte da classe média, trabalhadores rurais e urbanos estavam ganhos pela propaganda anticomunista financiada pelos EUA. Partidos fortes como PSD e UND, assim como a Igreja Católica, amparados pela imprensa, juntaram-se as chamadas “Marchas da Família com Deus pela Liberdade”.
Em 31 de março de 1964 “o Brasil dobrou o cabo da democracia em direção a uma ditadura que tronar-se-ia cada vez mais fechada, mais violenta e disposta a não reconhecer a linha divisória entre a legalidade e a ilegalidade” (CASTRO, ANO, p. 528). Os militares depuseram o presidente João Goulart e ocupam o poder praticamente sem encontrar resistência. Segundo Dom Paulo Evaristo Arns, a passividade ocorreu porque:
Era evidente que todo aquele movimento nacionalista e popular, estruturado em bases essencialmente legais, não tinha condições de enfrentar a força das armas. A gestação chega ao final e o Brasil entra numa fase de profundas transformações. (1985, p.59)
A fase inicial do regime militar resulta no recesso do populismo e no arquivamento das propostas nacionalistas de desenvolvimento através das Reformas de Base. Implanta-se no país um modelo econômico que se caracterizou pela concentração de renda e pela desnacionalização da econômica. Nas palavras de Osvaldo Coggiola:
O Estado militar se credenciaria como principal guardião do capital internacional e defensor da “restauração da economia” – cambaleante e anarquizada pelas constantes greves – por meio de um “programa de desenvolvimento” baseado na “livre iniciativa” e, como o principal inimigo era externo (não encontrava-se infiltrado no país), no duro combate contra a “ofensiva comunista”. As Forças Armadas não estavam sozinhas: apresentando como defesnoras da “paz social” da “moral” e da “ordem”, os setores mais reacionários dos partidos e instituições brasileiras foram acionados em 1964 a fim de deter o processo de mobilização política. (2001, p. 15)
No plano político, os militares iniciam o processo centralizador por meio de mecanismos antidemocráticos. O governo passa a ser assumido interinamente pelo presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, contudo, o poder de fato é exercido pelo “Comando Supremo Revolucionário”.
Uma das primeiras decisões dos ministros militares foi dar início a uma série de “Atos Institucionais”, que são os dispositivos jurídicos autoritários que passaram a reger a vida política no Brasil. Muitos historiadores consideram que foi exatamente o primeiro ato que deu início ao regime militar, para Nelson Werneck Sodré, a ditadura:
[...] só instala com o chamado AI-1. A partir daí, realmente começa a ficar claro que se trata só de uma ordem, da institucionalização de um novo tipo de poder. O espanto diante, disso, raiando pela incredulidade, foi um pouco ingênuo, como surpresa diante da ocupação do aparelho militar das decisões importantes e até a doutrinação política, assim imposta ao país, como se este fosse, a partir daí, área submetida à ocupação militar e ao silêncio político. (1984, p. 90)
O primeiro Ato Institucional, de 9 de abril, atribuiu poderes especiais ao Executivo federal. O AI-1 trazia em seu texto a justificativa para a legitimação do golpe, “estabelecendo ‘Poderes Constituintes’ àqueles que se auto-intitulavam ‘revolucionário’. Os Atos Institucionais estariam, a partir deste momento, acima do poder legislador de uma Constituição” (CASTRO, 2008, p. 530). Entre os dispositivos do AI-1, mais relevantes, seleciona-se:
-eleições indiretas do Presidente da República (Art. 2°);
-conferido poder ao Executivo para decretar estado de sítio (Art. 6°);
-suspensão por seis meses das garantias constitucionais ou legais da vitaliciedade e estabilidade (Art. 7°);
-conferido poder ao Executivo para cassar mandatos dos legislativos federais, estaduais e municipais e suspender direitos políticos por dez anos (Art. 8° e 9°)
Dois dias depois do primeiro ato, 11 de abril de 1964, o Congresso Nacional elege o novo presidente da República para completar o mandato do presidente deposto. Castelo Branco, um dos principais líderes do movimento, foi eleito pelo Congresso.
Os militares não eram um grupo homogêneo, depois que derrubaram Goulart, as distinções ficaram ainda mais visíveis. Marechal Castelo Branco fazia parte do Grupo da Sorbonne, linha mais intelectualiza e moderada, buscavam a purificação do país por meio da eliminação dos governos populistas e dos comunistas, pretendiam em um horizonte próximo a restauração de um regime democrático baseado na ordem. Em oposição da Sorbonne havia a linha dura, que considerava estarem diante de uma ameaça muito grande comunista, agiam com dureza contra as forças de oposição, tanto com os inimigos quanto com os adversários, para eles a democracia era incompatível com o período, por isso pretendiam prolongar ao máximo a ditadura.
Devido às pressões da linha dura, Castelo Branco manteve um governo caracterizado pelo autoritarismo e austeridade. “Principais bandeiras: combate a corrupção e à subversão, recuperação das finanças públicas e da economia. Dura até 1967” (COUTO, 1999, p. 18). No entanto, antes da substituição presidencial foram impostos mais três Atos Institucionais por Castelo Branco. O AI-2, de 27 de outubro de 1965, agiu expressivamente sobre a Constituição e previa que:
- o Presidente passaria a ser eleito de maneira indireta por meio de “Colégio Eleitoral”, dessa forma, o Congresso Nacional escolheria o presidente e o vice (Art. 1°-3°)
- o Superior Tribunal Militar passaria a ser responsável pelo julgamento dos crimes contra a segurança nacional, ou seja, qualquer ato contra o regime (Art. 8°);
-reafirmação da suspensão das garantias constitucionais (Art. 14°);
-ampliação dos poderes presidências que poderiam realizar cassações (Art. 15°);
-intervenção federal na independência dos estados (Art. 17°);
- a extinção de partidos políticos e a autorização de apenas dois partidos, a ARENA (Aliança Renovadora Nacional, que seria o partido oficialista) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) (Art. 18°);
- o Judiciário perde a competência para julgar os atos praticados “em nome da revolução” (Art. 19°);
O Ato Institucional número 3, decretado em 5 de fevereiro de 1966, veio como reação à derrota do partido oficial, ARENA, em três estados importantes que representavam a maior concentração da população do Brasil, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Possivelmente essa derrota tenha sido reflexo do trabalho dos opositores que conseguiram fazer com que os eleitores percebessem que a ditadura viera pra ficar. Segundo Flávia Lages de Castro:
Tendo que manter a mentira eleitoral, mas não suportando a “ofensa” de ver rechaçada nas urnas aquilo que chamavam de “Revolução” a tendência foi controlar o máximo possível o processo eleitoral de forma que mesmo a farsa ocorresse sobre controle. (2008, 543)
Dessa forma, o AI-3 passou a determinar que:
- as eleições de governadores e vice-governadores seriam indiretas, realizadas pelo Colégio eleitoral estadual formado pela Assembléia Legislativa de seu respectivo estado (Art. 1°)
- as eleições seriam realizadas mediante a formação de chapas compostas do governador e vice-governador eleitos simultaneamente (Art. 2°)
- os prefeitos dos municípios das Capitais passaram a serem nomeados pelos Governadores dos estados (Art. 4°)
Assinado por Castelo Branco, em 7 de setembro de 1966, o Ato Institucional número 4 induz o Congresso a elaborar uma nova Constituição que abranja os elementos principais dos atos institucionais, ou seja, os principais comandos de uma legislação autoritária. O AI-4 convoca extraordinariamente o Congresso para,
[...] no período de 12 de dezembro daquele ano a 24 de janeiro de 67, discutir, votar e promulgar projeto de Constituição que apresentado pelo governo Revolucionário. Essa “constituição foi aprovada em apenas 5 dias por um Congresso Nacional desfigurado pelas cassações. Consolidou a extensa legislação revolucionária de quatro atos institucionais, 21 emendas a Constituição de 1946 e cerca de cem decretos-lei. (HELLER, 1988, p. 645)
A partir do momento que uma nova constituição entrasse em vigor seria revogada definitivamente a Constituição de 1946 que já “não podia ser mais considerada como uma Constituição de fato” (CASTRO, 2008, p. 544). Além dos Atos Institucionais seria incorporada a Lei de Imprensa, que instituía o controle total dos meios de comunicação pelo governo, assim como a Lei de Segurança Nacional.
A nova constituição foi apresentada ao Congresso Nacional, é votada em 24 de janeiro de 1967 sem sofrer nenhuma alteração e, em 15 de março de 1967, é outorgada – “apesar da aprovação do Congresso” (GORCZEVSKI; BOTELHO; LEAL, 2007, p. 197) – a Carta Constitucional do regime militar, quinta do período republicano. Dentre as principais disposições da Constituição de 1967, podemos destacar:
-o Executivo torna-se portador do poder de apurar crimes contra a segurança nacional, a ordem pública e social (Art. 8°);
-o Poder Executivo ganhou poder de legislar em matérias de segurança pública e orçamentária (Art. 58°);
- o Presidente, assim como no AI-2, é eleito mediante eleições indiretas por meio do Colégio Eleitoral composto por membros do Congresso Nacional. (Art. 76°);
-ao Executivo é conferido as atribuições de: vetar projetos de lei, nomear os Ministros de Estado, o Prefeito do Distrito Federal e os Governadores dos Territórios, aprovar a nomeação dos Prefeitos dos municípios declarados de segurança nacional, decretar estado de sítio (Art. 83°);
- reforça constitucionalmente a Lei de Segurança Nacional (Art. 89°)
-mantém-se redação de direitos de um Estado de Direitos, com algumas exceções, como a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade (Art. 150°)
- autorizou a desapropriação mediante pagamento em títulos da dívida pública (Art. 157°);
- manutenção dos direitos dos trabalhadores (Art. 158);
No mesmo dia toma posse o segundo presidente do regime, o General Arthur da Costa e Silva tendo como vice Pedro Aleixo. “Costa e Silva faz um governo inexpressivo, marcado somente pela repressão às passeatas estudantis, que culminaram com a morte do jovem Edson Luiz, no Rio de Janeiro.” (HELLER, 1988, p. 28)
Durante o governo de Castelo Branco apareceram as primeiras manifestações contra o regime militar, tanto por parte de trabalhadores em greve e estudantes em passeatas, como por parte dos padres em seus sermões.
Apesar da repressão e das prisões arbitrárias, feitas aos milhares em todo o país, o povo saiu às ruas em 1967 e 68, para exigir a restauração da normalidade democrática, com destacada participação do movimento estudantil. (HELLER, 1988, P 648)
Tais eventos foram significativamente influenciados pelo movimento francês de greves gerais do Maio de 1968, “movimento de origem estudantil que quase desestabiliza o governo do general Charles De Gaulle” (COUTO, 1999, p. 19). Esse movimento que objetivava a mudança das instituições tradicionais e dos costumes políticos alterou as concepções de mundo em vários planos, principalmente culturais. A influência mais direta culturalmente no Brasil foi à explosão do tropicalismo que se expressou na música, mas também nas artes plásticas, no cinema e no teatro.
Entre as manifestas mais importantes no Brasil situa-se a Passeata dos Cem Mil, ocorrida em 26 de junho de 1968, no Rio de Janeiro. Organizada pelo movimento estudantil, a mobilização buscava a redemocratização, contou com a participação de artistas de renome e intelectuais.
Diante de tantas manifestações e com a convicção de que qualquer abertura relutava em desordem, os militares deliberaram usar de poderes excepcionais para combater a subversão. Por isso, em 13 de dezembro de 1968, o governo decreta o Ato Institucional número 5, que se sobrepõem a Constituição de 1967, concedendo poderes absolutos ao chefe do Executivo e completa suspensão de várias garantias constitucionais. D. Paulo Evaristo Arns explica que:
A gota d’água foi um discurso do deputado federal Márcio Moreira Alves, considerado ofensivo as Forças Armadas. Ao contrário dos atos anteriores o AI-5 não vinha com vigência de prazo. Era a ditadura sem disfarces. O Congresso é colocado em recesso, assim como seis assembléias legislativas estaduais e dezenas de câmaras de vereadores em todo o país. (1985, p. 62)
Com o AI-5 a linha dura foi intensamente fortalecida, as prisões militares tornaram-se rotineiramente palco de torturas. Entre as principais atribuições do ato, observa-se:
- o Presidente da República podia decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, em estado de sítio ou fora dele, que só voltariam quando o Presidente os convocasse (Art. 2°);
-durante o recesso, o Poder Executivo ficaria autorizado a legislar (Art. 2°§ 1º);
- o Poder Executivo podia decretar a intervenção nos Estados e Municípios (Art. 3°);
- o Poder Executivo podia suspender os direitos políticos de qualquer cidadão pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais (Art. 4°);
- a suspensão de Direitos Políticos significou a cessação de privilégios de foro por prerrogativa de função, a suspensa do direito de votar e ser votado nas eleições sindicais, a proibição de atividades ou manifestações sobre assuntos de natureza política. E ainda a aplicação da liberdade vigiada, a proibição de freqüentar determinados lugares e o domicílio determinado (Art. 5°);
-o Presidente da República podia a qualquer momento decretar o estado de sítio (Art. 7°);
- o Presidente da República podia decretar o confisco de bens em decorrência de enriquecimento ilícito no exercício de cargo ou função pública (Art. 8°);
- suspensão da garantia de Habeas Corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e a economia popular (Art. 10°);
Depois do AI-5, que restringia ao máximo as liberdades políticas e restabeleceu o que a Constituição de 67 tinha suspenso, mais doze Atos Institucionais foram decretados. Entre os mais surpreendentes encontram-se o AI-13 que em seu primeiro artigo possibilitava o banimento de cidadãos brasileiros que fossem considerados indesejados e ainda em 1969 foi baixado o AI-14 que possibilitava a pena de morte.
Em 1969, Consta e Silva experimenta uma tentativa de liberalização. Manda um grupo de juristas, incluindo seu vice Pedro Aleixo, elaborarem uma emenda para tornar menos autoritária a Constituição de 1967. “Mas doença irreversível (um acidente vascular-cerebral) não lhe permite assiná-la nem reabrir o Congresso. Impedido em agosto, morre em dezembro de 1969” (COUCO, 1999, p. 20).
A Emenda n° 1 baixada pela Junta Militar, acoplado ao AI-12, impediu que o vice-presidente Pedro Aleixo assumisse, que era opositor do AI-5. Em seu lugar é indicado o general Emilio Garrastazu Médici. Com Médici a Emenda número 1 mais do que fazer revisões nos blocos não revistos da Constituição de 1967, trazia alterações que aumentavam ainda mais o Poder Executivo. Quanto suas alterações:
Já em 1969, entrou em vigor a Emenda Constitucional n° 1, alterando a Constituição de 1967 (outorgada). A pesar de tratar de uma Emenda, na verdade a alterações foi tamanha, que ela praticamente consistiu em uma nova Constituição bem mais conservadora e autoritária do que a versão original [...]. (GORCZEVSKI; BOTELHO; LEAL, 2007, p. 197)
A Emenda Constitucional número 1 fez com que o poder político do Executivo ficasse ainda mais centralizado nas mãos dos militares. Acrescenta-se a essas medidas, o decreto da Lei de Segurança Nacional, que passou a restringir as liberdades civis e da Lei de Imprensa, que estabeleceu a censura Federal.
O período do presidente Médici, iniciado em 30 de setembro de 1969, foi, sem dúvida, o período mais duro da repressão, dezenas de pessoas foram mortas em sessões de torturas, a perseguição aos oposicionistas passou a ser de forma sistemática. Foi à fase mais obscura do regime militar. Ao lado da brutal repressão culminou no Brasil a aceleração econômica iniciada em 1968, chamado de “milagre econômico”. Médici não conseguiu fazer um sucessor da linha dura.
Ernesto Geisel eleito, em 1974, era ligado ao grupo da Sorbonne e tinha o objetivo de promover, com muitas ressalvas, a democratização. Durante seu mandato Geisel fez vários ajustamentos e redefinição de prioridades, entretanto, o milagre econômico havia chegado ao fim, o Brasil passava por graves endividamentos, flutuação de desempenho e dificuldades inflacionárias. No plano do regime militar, apesar de sofrer forte contestação dos adversários da linha dura, o presidente abranda a segurança nacional de forma lenta e gradual, sem eliminar os atos repressivos:
[...] a prioridade é a promoção de abertura política gradual e segura, cuidadosamente dosada e monitorada, inclusive sobre o látego do AI-5, que permanece em vigor e é frequentemente aplicado até 1977. Pouco a pouco a ditadura vai sendo desmontada. Especialmente pelo progressivo renascimento político da sociedade civil organizada. Instala-se o ciclo de concessão-conquista-concessão de liberdades e direitos. A censura à imprensa murcha rapidamente. (COUTO, 1999, p.22)
No final de 1978, o Congresso extingue o AI-5 por meio da aprovação de uma emenda constitucional. A partir dessa emenda o regime está fragilizado, há relativa segurança individual e mais liberdade do que antes. Entretanto, a abertura política não significava a democratização, pois apenas foram restabelecidos alguns institutos fechados.
Geisel consegue fazer seu sucessor o ministro-chefe do Serviço Nacional de Informação, general João Baptista Figueiredo, eleito em 1978, via Congresso. Figueiredo dá continuidade à reabertura política, entretanto, devido a sua vinda dos órgãos fortes de repressão, concede anistia recíproca. Consoante Couto, a anistia foi muito importante: “Politicamente, seu melhor momento é o da aprovação de lei de anistia geral em agosto de 197. Um pacto complexo, melindroso e sofrido, mas fundamental para a trajetória da abertura. ” (1999, p. 23)
Entre as mudanças mais interessantes do período estão à volta do pluripartidarismo, às eleições diretas de governadores de 1982, a eliminação de eleições indiretas para um terço dos senadores e o intervencionismo em relação às greves decresce.
Há um episódio marcante, em abril de 1891 no Rio de Janeiro, durante um show de celebração do dia do trabalho uma bomba explode dentro do carro particular de um capitão do Exército que estava com um sargento. Embora, a opinião pública e a imprensa considerem que as próprias vítimas tenham sido os executores, as autoridades militares encarregadas de apurar os fatos negaram as evidências e concluem que os executores não puderam ser identificados. De acordo com Couto “O atentado Riocentro é o último da sucessão de atos terroristas atribuídos à extrema direita. Ele sinaliza o início do fim do regime militar. Liquida o projeto presidencial da linha dura e racha o governo”.
Nos anos 80 ocorrem ainda importantes movimentos populares. No final de 1983 em todo país os movimentos pelas eleições diretas para presidente tomam proporções nunca vistas no país. Todo país está engajado, mas, em abril de 1984, quando a emenda é colocada para votação, a proposta é vetada pelo Congresso por 22 votos de diferença. Os opositores do governo procuraram, a partir daí, por meio de pressões tentarem eleger por meio do Colégio Eleitoral, ainda que indiretamente, um presidente civil. O resultado da votação foi a favor da vontade popular, pois Tancredo Neves foi eleito em 15 de janeiro de 1985, porém o novo chefe do Executivo adoeceu e morreu. Seu vice José Sarney toma posse. Chega ao fim o período militar. O país volta suas esperanças por uma nova Constituição que consolide a tranquilidade democrática que tanto ansiou.
Considerações Finais
Conclui-se, a partir da análise histórica, que durante o período militar brasileiro o sistema de normas de condutas impostas conseguiu de maneira satisfatória dar completa sustentação para o governo, ou seja, desempenhou a função desejada pelos seus instituidores.
A Constituição de 1964, que regia o Brasil antes do golpe, representou para o país significativos avanços democráticos, pois dava espaço de destaque aos direitos individuais e equilibrava a atuação dos poderes. Entretanto, depois da tomada de poder em 1964, a série de Atos Institucionais baixados pelos militares serviu de dispositivos jurídicos autoritários que legitimavam e legalizavam as ações políticas dos militares.
As medidas dos dezessete Atos Institucionais, que passaram a reger a vida política no Brasil, decretaram entre muitos aspectos a supremacia do Poder Executivo sobre os demais, a cassação dos mandatos de opositores do governo, as eleições indiretas para presidente a e extinção dos antigos partidos. O maior instrumento de repressão da ditadura foi o AI-5 que instituiu o fechamento do Poder Legislativo conferindo poderes totais ao presidente e a suspensão dos direitos políticos e individuais.
Outro mecanismo importante do período foi a Constituição de 1967, determinada pelo AI-4, e a Emenda número 1, que propôs alterações na Constituição, por isso foi chamada de Constituição de 1969. A nova Carta Constitucional acrescenta a Lei de Segurança Nacional e a Lei de Imprensa que tornam a ditadura ainda mais violenta. As prisões, torturas e assassinatos passam a ser de maneira sistemática.
Em síntese, conforme o exposto o Direito foi usado no período como instrumento de uma elite militarizada que visando os seus interesses impôs suas decisões autoritárias a toda sociedade. Dessa forma, observa-se que o Direito decisivamente pode ser usado a favor da democracia ou ser contrário a ela, dependendo de como as classes no poder decidem aplicá-lo.
Referências:
ARNS, Dom Paulo Evaristo. Brasil: nunca mais. Petrópolis: vozes, 1985.
BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 24 de janeiro de 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao67.htm. Acesso em: 21 de novembro de 2010.
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Bacharelando do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande - FURG É Vice-Presidente do Conselho da Comunidade da Vara de Execuções Criminais da Comarca do Rio Grande/RS. Realizou intercâmbio na Faculdade de Direito, da Universidade de Coimbra (UC), em Portugal. Experiência em projetos de extensão e pesquisa com ênfase no Cooperativismo, Economia Popular Solidária, Execução Penal, Direitos Humanos, Gênero, Questões Decoloniais e Sistema Penitenciário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HATJE, Luis Felipe. A normatividade no regime militar brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 ago 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45063/a-normatividade-no-regime-militar-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabriel Bacchieri Duarte Falcão
Por: Gabriel Bacchieri Duarte Falcão
Por: Sócrates da Silva Pires
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