Resumo: O presente artigo analisa um emblemático caso da Suprema Corte Americana que ditaria o futuro da concessão de patentes nos Estados Unidos da América. O caso envolve a Associação para Patologia Molecular (AMP) e o laboratório Myriad envolvendo a discussão a respeito de patentes de genes que detectam as mutações características do câncer de mama e de útero, detidas pelo laboratório. A análise será feita com base nas argumentações de ambos os lados da relação jurídica, considerando os fatores econômicos abrangidos pelo caso e a ainda argumentação utilizada pela Suprema Corte para a decisão do caso no sentido da invalidação das referidas patentes.
Palavras-chaves: Myriad, patente, Suprema Corte, AMP, câncer, interesse econômico, saúde.
Introdução
De um lado, um grande laboratório americano que adquiriu a patente de dois genes importantes, BRCA1 e BRCA2, que detectam as mutações características do câncer de mama e de útero. De outro lado a Associação para Patologia Molecular (AMP), que foi apoiada por pacientes, médicos e pesquisadores, que reivindica a invalidação dessa patente, para assim obter maiores benefícios para as pesquisas com esses genes e maior disponibilidade de exames desses genes com preços acessíveis à toda a população. A quem deveria ser dada a razão?
A AMP entrou com uma ação contra a Myriad para invalidar a patente desta empresa. A ação chegou até a Suprema Corte Americana e seu julgamento aconteceu na metade do ano de 2013. Foi considerado um julgamento muito relevante e que ditaria o futuro das patentes naquele país, por envolver interesses diversos e por indicar o futuro da concessão de patentes nos Estados Unidos da América, assim chamou atenção de grande parte da sociedade. Essas patentes ficaram mais evidentes e na mídia quando a atriz Angelina Jolie realizou um teste com esses genes para identificar suas probabilidade de câncer, e devido ao resultado, passou por uma cirurgia de mastectomia a atriz se posicionou contra essas patentes e os preços absurdos cobrados para a realização desse exame. E, após as suas declarações, o julgamento adquiriu proporções ainda maiores.
Para a análise desse caso, será feito um relatório sobre o caso, para identificar as suas circunstâncias e como ele ocorreu e assim situar melhor a análise. Após é importante explicar as vantagens que a concessão de patentes traz para o laboratório que as adquiriu e as consequências para o mercado. Por fim, será feita uma breve análise dos dois polos da relação jurídica aqui referida para assim, haver uma análise da situação como um todo, pontuando as consequências do julgamento para ambos os lados.
Do caso
No dia 13 de junho de 2013, a Suprema Corte Americana decidiu que não ser permitido o monopólio do laboratório de diagnóstico genético Myriad, que detinha, até agora, a patente do exame que detecta as mutações nos genes BRCA1 e BRCA2. Esses genes indicam o risco hereditário de a mulher contrair câncer de mama ou de ovário, o laboratório Myriad desenvolveu um teste no qual ele conseguiu isolar esses genes e assim descobrir a presença dos genes mutantes no organismo da mulher, antes que o organismo apresente qualquer sintoma de câncer.
Em 2009, Associação para Patologia Molecular juntamente com diversos cientistas e pacientes de câncer entraram na justiça norte-americana com uma ação contra a Myriad para anular essa patente da empresa. Após o Tribunal de Apelação dos Estados Unidos decidir a favor da Myriad, a AMP pediu à Suprema Corte uma revisão do caso, esta enviou o caso novamente ao Tribunal para uma segunda análise. Na nova análise, o Tribunal decidiu novamente a favor da Myriad, assim, a AMP, em setembro de 2012, entrou com uma apelação da decisão junto à Suprema Corte Americana.
Cientistas e médicos afirmaram que a patente desses genes desestimula a pesquisa e a evolução da ciência, ao não permitir a realização de pesquisas sobre esses genes por outras instituições e ainda que essas patentes sobre genes humanas violariam a Primeira Emenda e a lei de patentes, por elas constituírem produtos da natureza, os quais não são passíveis de patente. Além disso, a patente desses genes prejudicaria os pacientes, na medida que estes não possuiriam nenhuma opção ao teste da Myriad, considerando ainda, o fato de o preço do teste, U$ 3 mil a U$ 4mil, ser inacessível para grande parte da sociedade americana. No dia do julgamento, ainda, ativistas de defesa da saúde e pacientes de câncer afirmavam que a ganancia coorporativa da Myriad estava prejudicando e matando seus amigos.
A Myriad argumentou no sentido de que os genes são sim uma construção humana e não um produto da natureza, pois eles só são achados assim depois de intervenções. O diretor da Myriad afirmou que a patente é de moléculas sintéticas baseadas em genes que foram criadas em laboratório e que o correto é uma empresa ser capaz de fazer suas descobertas e possuí-las, para assim conseguir retorno de seu investimento e obter lucro.
A Suprema Corte, após profunda análise, decidiu pela invalidade dessa patente da Myriad, o argumento utilizado para sustentar essa decisão foi que o laboratório não criou e nem modificou qualquer informação genética codificada nos genes, ele apenas os isolou; sendo assim esses genes são encontrados da mesma forma na natureza, antes que a Myriad os encontrasse, dessa forma eles constituem “produtos da natureza”, sobre os quais não cabe patente.
Análise das patentes
Ao patentear um produto, nesse caso genes humanos, a empresa dona da patente faz um investimento a longo prazo. Ela, adquirindo a patente, garante que nenhum outro concorrente seu possa trabalhar e pesquisar aquele produto patenteado. Quais seriam as vantagens para uma empresa patentear um produto? A vantagem garantida pela empresa é a da possibilidade de lucrar sobre aquele produto patenteado e garantir que seus investimentos locados nele resultem em um lucro futuro maior. A empresa está assegurando que pode investir naquele produto, com a certeza de lucro futuro decorrente de suas descobertas, garantindo que ela não vai ter que competir e dividir seus lucros com nenhuma empresa concorrente. Muitas empresas argumentam que sem patente cairia o incentivo a pesquisa, pois como que uma empresa investiria capital tão alto na pesquisa se não tivesse a garantia que seus investimentos seriam compensados?
O patenteamento de genes representa uma vantagem ao laboratório que as possui, visto que este vai empregar diversos recursos e capital para investir na pesquisa daqueles genes visando descobertas e ganhos futuros. A patente vale a pena economicamente para o laboratório detentor porque apesar de ele ter que investir altos custos na sua pesquisa, essa é a forma de ele garantir um lucro que será obtido futuramente com os resultados do trabalho empreendido sobre o seu produto patenteado, como as suas descobertas, pesquisa e desenvolvimento de testes.
É simples de compreender ao se imaginar um cenário no qual determinado laboratório obtivesse um resultado de sucesso em uma pesquisa com genes e desenvolvesse um teste inédito, mas ao não possuir patente, os outros laboratórios poderiam desenvolver o mesmo teste a preços mais baratos, fornecendo uma opção ao consumidor, como o consumidor possui a tendência de buscar preços mais vantajosos, ele iria para o laboratório que possui o menor custo, diminuindo assim a clientela, e por consequência, os lucros do laboratório que desenvolveu o teste.
Fica evidente então que quanto maior o mercado que compete diretamente com o laboratório, menor a chance de o laboratório compensar os seus investimentos realizados. É dessa forma que as patentes significariam mais lucros ao laboratório, na medida que elas diminuem o mercado concorrente daquele determinado produto a zero e garantem resposta financeira ao seu investimento. Fica claro inferir que o patenteamento é um procedimento muito vantajoso economicamente para os laboratórios em questão, por que dessa forma eles podem investir com segurança, da forma que melhor convém, garantindo lucros, eliminando o ser mercado concorrente e podendo estabelecer o preço dos testes e produtos relacionados àquela patente.
Da Myriad
Como uma complementação do tópico anterior, vale ressaltar ser possível pontuar diversos interesses econômicos da Myriad envolvidos no caso. O laboratório possuía a patente dos genes BRCA1 e BRCA2, dessa forma eliminou a sua concorrência no que diz respeito às pesquisas referentes à esses genes, além disso trabalhou muito em cima deles e investiu capital em suas pesquisas; visando um lucro futuro. Ao perder a patente desses genes ela perde um mercado que era apenas pertencente à ela, no qual ela não possuía nenhuma concorrência e podia impor os preços pelo fato de os pacientes não possuírem opções no mercado àquele produto oferecido por ela. A própria Myriad alegou que ao retirar a patente, retira-se juntamente o incentivo aos laboratórios em pesquisar o gene, visto que eles não haveriam retorno financeiro suficiente aos elevados custos que investiriam nas pesquisas, ou seja, os seus investimentos não seriam compensados financeiramente. Conforme o diretor-executivo da empresa, Pete Meldrum, afirmou "Nós acreditamos que é correto que uma empresa seja capaz de possuir suas descobertas, conseguir retorno de seu investimento e obter um lucro razoável".
Importante ressaltar que a Myriad visando a obtenção de lucros e retorno ao seus investimentos, impôs um preço considerado muito elevado para os padrões do Mercado, restringindo o exame àqueles que se encontram em uma melhor situação financeira, além de privatizar o exame e, assim, consequentemente, elitizando-o e impedindo que todos os pacientes tenham acesso à ele. Como resultado do patenteamento, nenhum outro laboratório pode desenvolver o teste, e os pacientes não tem a possibilidade de recorrer a nenhum outro teste para confirmar o resultado obtido nos exames da Myriad. A obtenção da patente, parece ser, para esses laboratórios um incentivo e uma oportunidade de maximização dos lucros, muito mais do que uma oportunidade de desenvolver a ciência e a saúde.
Da AMP
A AMP entrou com a ação contra a Myriad objetivando o cancelamento das patentes de genes humanos, ela foi acompanhado por diversos cientistas, médicos, pacientes de câncer e ativistas. A AMP argumentou que a Myriad não teria inventado nada para ter o direito a patente, ela teria apenas isolado os genes em questão. A AMP se posicionou de maneira a afirmar que a concessão das patentes seria um desestimulo à pesquisa e ao desenvolvimento da ciência, além de diminuir o acesso para testes na área de genética, visto que apenas um restrito numero de pessoas estaria permitido a trabalhar dessa forma com o objeto patenteado.
O patenteamento representa um claro prejuízo a sociedade como um todo. Analisando no âmbito cientifico, a patente restringe a pesquisa daquele objeto à um grupo especifico, delimitando imensamente as pesquisas a serem feitas, na medida que só vão ser realizadas as pesquisas que aquele grupo se interessar a fazer, diminuindo a velocidade de desenvolvimento cientifico naquela tipo de pesquisa pois a área contará com menos profissionais atuando. No âmbito social, a patente representa uma grande perda para o consumidor e a sociedade, de modo que as opções de escolha que o consumidor deveria possuir em um mercado capitalista serão eliminadas, sendo o consumidor obrigado a adquirir aquele bem da empresa que possui a patente, nas condições que essa empresa determinar; condições que na maioria das vezes não são nada vantajosas para a sociedade consumidora, visto que os preços que a empresa impõe à esses produtos patenteados, na maioria das vezes são exorbitantes.
Assim, analisando o caso específico, fica evidente que para a sociedade como um todo não é interessante a concessão dessas patentes de genes humanos à uma empresa determinada, pois reduz significativamente o poder de ação da sociedade nessa área, como também restringe o exame apenas às pessoas que tem poder aquisitivo para realizá-lo; não trazendo nenhum beneficio direito a quem não está ligado diretamente à Myriad.
Myriad X AMP
Esse caso envolve muitos aspectos tanto econômicos quanto de saúde; é um caso interessante por abranger duas perspectivas diferentes nos dois polos da relação jurídica, cada uma objetivando atingir os seus interesses individuais. A questão econômica é muito evidente no processo por se tratar de um mercado e indústria que movimenta muito capital, sendo estimulada e engrenada por ele, além de atingir diretamente grande parte da população
Nesse caso, podemos detectar dois polos com interesses bem divergentes e contrapostos. Por um lado, há a Myriad desejando a manutenção da sua patente dos genes BRCA1 e BRCA2, que garante que apenas o seu laboratório possa realizar testes com esses trechos do DNA. Por outro lado, há cientistas, médicos e paciente que desejam invalidar a patente para poderem trabalhar em função desses genes e serem permitidos a oferecer esse teste por um preço mais acessível à população.
Analisando os interesses dos dois polos da relação, é importante ressaltar que nos dois lados percebem-se interesses econômicos envolvidos. A Myriad objetiva com a concessão das patentes, ganhos e retornos financeiros, outros interesses também podem estar presentes, como o pela pesquisa e desenvolvimento, mas claramente, nesse caso, o interesse econômico é aquele que norteia a Myriad. Fica a dúvida, então, de quais seriam as verdadeiras prioridades dos laboratórios, a saúde ou a maximização de seus lucros Já a AMP, objetiva com a invalidação das patentes, a concretização de alguns interesses econômicos também, no sentido de pesquisadores e laboratórios poderem ter acesso aos genes, mais laboratórios poderem disponibilizar os testes e pacientes terem acesso à ele por um menor custo; mas o que difere da Myriad é que eles objetivam prioritariamente a possibilidade de se ter um maior número de pesquisas e desenvolvimento da área da saúde e além disso, maiores vantagens para os pacientes, com exames em um valor mais acessível.
A Suprema Corte decidiu a favor da invalidação da patente da Myriad, foi uma decisão correta, visando ser evidente que a Myriad não produziu nada de novo para possuir direito à patente e ainda, visando o melhor para a sociedade como um todo. Analisando o caso por completo, observamos a existência de dois interesses convergentes, de um lado um interesse geral puramente financeiro da Myriad, e de outro um interesse que apesar de também possuir um lado financeiro, também possui um âmbito mais focado no social e na saúde.
Ao se contrapor dois interesses econômicos, nem sempre é fácil definir qual deve prevalecer, pois é difícil classificar um interesse econômico como sendo totalmente superior ao outro, já que analisando cada lado individualmente encontram-se justificativas para àquele interesse. No presente caso, o interesse da Myriad é totalmente compreensível no âmbito econômico, pois o aspecto essencial de qualquer empresa é a obtenção de lucros. Por outro lado, a posição sustentada pela AMP também é perfeitamente razoável, por ela estar defendendo interesses de quem está fora da patente, quem está sendo prejudicado por ela.
Observa-se então, que o patenteamento de algum produto é um procedimento que inegavelmente vai trazer vantagens e desvantagens tanto para a sociedade quanto para a empresa dona da patente, resta então analisar qual interesse deve prevalecer. Os dois interesses são completamente válidos e compreensíveis, mas para se posicionar a respeito vale analisar qual interesse vai trazer mais benefícios para a sociedade; olhando por esse âmbito, fica difícil dizer que o interesse da Myriad deve prevalecer, pois apesar de ela pode realizar pesquisas que beneficiem a sociedade, ela também pode fazer isso não possuindo a patente, e as desvantagens para a população da permanência dessa patente são evidentes, no sentido que a existência dessa patente restringe muito às pesquisas e às opções do consumidor.
Conclusão
A decisão da Suprema Corte, protegeu o lado jurídico que mais necessitava de proteção, que são os pacientes. Os interesses econômicos de ambas as partes estão evidentemente presentes, assim como na maioria dos conflitos jurídicos, mas para se decidir um caso como esse, tem que se decidir qual dos interesses vai trazer maiores benefícios para a sociedade como um todo.
A concessão de patentes para um laboratório prejudica em grande escala a sociedade, prejudica pacientes, médicos e pesquisadores de formas distintas. Obviamente, as patentes são um ganho excelente para quem as possui, ganho tanto financeiro quanto cientifico, mas por outro lado restringe a atuação cientifica nesses objetos patenteados e prejudica os pacientes que ficam a mercê daquele laboratório determinado. Portanto, são duas posições que dificilmente entrarão em um acordo.
Cabe esclarecer, que a decisão da Suprema Corte Americana foi baseada mais nas origens e modificações daquele gene, e enquadrando o fato concreto da lei das patentes. A decisão não foi baseada majoritariamente nos interesses econômicos de qualquer um dos lados, mas sim, na legislação em si.
Apesar de a decisão representar uma perda econômica para a Myriad, ela representa um ganho econômico para o restante da sociedade. A Myriad ao patentear esses genes fechou o mercado relativo à eles, de forma que nenhum outro laboratório estaria permitido a pesquisar ou realizar exames com esses genes. Isso representa uma dano ao mercado competitivo, a partir do momento que se configura em um monopólio de um tipo de mercado, eliminado toda a sua possível concorrência. É igualmente, um dano à sociedade consumidora, visto que, a população que necessita desse exame não possui alternativa de escolha.
Independente dos interesses financeiros escondidos no posicionamento da AMP, a escolha pela invalidação das patentes se torna essencial quando se visa uma maior vantagem para a sociedade como um todo e, principalmente, para os pacientes. Permitir uma patente como essa é restringir à poucos um exame de importância fundamental para muitos. A Myriad, com essa decisão, pode perder muito capital que foi investido nessas pesquisas, mas a decisão vai gerar um bem socialmente maior para todos os pacientes, que é o lado mais fraco e que merece maior proteção nessa relação jurídica.
Bibliografia
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Rejeitadas duas patentes de genes pela Suprema Corte dos Estados Unidos. Disponível em http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/rejeitadas_duas_patentes_de_genes_pela_suprema_corte_dos_estados_unidos.html
Suprema Corte dos EUA proíbe patente de genes humanos naturais. Disponível em http://www.inovacao.unicamp.br/destaques/suprema-corte-dos-eua-proibe-patente-de-genes-humanos-naturais
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Estudante de Direito da Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROSA, Mariana Fontoura da. Myriad x AMP : Uma análise econômica do caso e da decisão da Suprema Corte norte-americana Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 ago 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45094/myriad-x-amp-uma-analise-economica-do-caso-e-da-decisao-da-suprema-corte-norte-americana. Acesso em: 22 nov 2024.
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