RESUMO: Análise das atividades judiciais que podem, eventualmente, vir a causar danos à esfera de direitos particulares, gerando pretensão indenizatória contra o Poder Público. Quando se trata do instituto da Responsabilidade do Estado, cogitava-se das funções exercidas pelos três poderes estatais: o executivo, o legislativo e o judiciário. Ocorre que, comumente, a responsabilidade estatal é atribuída apenas àqueles atos oriundos da atividade administrativa do Estado. O presente estudo visa desmistificar esse entendimento restritivo, que ainda persiste na seara jurisprudencial, por meio da apreciação doutrinária, e acima de tudo, da Constituição Federal, notadamente o artigo 37, parágrafo 6º, que disciplina a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público, bem como das de direito privado também prestadoras de serviços públicos, em todos os âmbitos da atuação estatal.
Palavras-Chave: Responsabilidade estatal, atos judiciais, Poder Público.
ABSTRACT: Analysis of the activities judicial that can, eventually, to come to cause damages to the sphere of particular rights, generating pretension against the Public Power. When one is about the institute of the Responsibility of the State, was cogitated of the functions exerted for the three to be able state: the executive, legislative and the judiciary one. It occurs that, the state responsibility is attributed only to those deriving acts of the administrative activity of the State. The present study it aims at to demystify this restrictive agreement, that still persists in, by means of the doctrinal appreciation, and above all, of the Federal Constitution, article 37, paragraph 6º, that it disciplines the responsibility of the legal people of public law, as well as of the ones of private law also rendering of public services, in all the scopes of the state performance.
Key-word: State responsibility, acts judicial, Public Power.
1 INTRODUÇÃO
Um tema que está em voga na sociedade contemporânea é a responsabilidade civil do Estado diante de atos judiciais que lesionem direitos dos administrados. Percebe-se que a doutrina jurídica vem evoluindo no entendimento do tema e acompanhando suas mudanças no ordenamento jurídico. Entretanto a jurisprudência brasileira ainda não acompanha a evolução do instituto, bem como não acata da doutrina sobre a Responsabilidade Civil por atos judiciais.
Diante deste contexto, formulou-se a seguinte questão problema: Diante da evolução do instituto da Responsabilidade Civil pode o Estado exonerar-se da responsabilidade de responder por atos judiciais danosos?
O objetivo geral do artigo é analisar a possibilidade de responsabilização do Estado e, consequentemente, suas implicações na responsabilidade civil na esfera do particular pelos danos decorrentes da atividade judiciária.
Para alcançar nosso objetivo, iremos identificar os tipos de dano oriundos do mau funcionamento da justiça.
Faremos o estudo do teor do artigo 37, parágrafo 6°, para justifica ou não a restrição da responsabilidade estatal aos atos da Administração Pública, não concedendo qualquer espécie de privilégio ou franquia à atividade judicial.
Esclareceremos as diferentes atividades judiciais danosas, que ao contrário do entendimento comum, não estão restritas ao erro judiciário penal.
Na seção primeira, faz-se um breve histórico da responsabilidade civil do Estado no ordenamento jurídico pátrio. Na segunda seção, mostram-se as teorias acerca da responsabilidade do Estado. A terceira seção trata da responsabilidade do Estado-Juiz, na qual, são verificadas a possibilidade de responsabilização do Estado e a possiblidade de sua responsabilização pelos danos decorrentes do cumprimento da função jurisdicional. Na quinta seção faz-se um apanhado das atividades judiciais danosas. Na sexta seção são feitas as Considerações Finais do trabalho.
2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Esta seção trata da evolução histórica da responsabilidade civil do Estado no ordenamento jurídico do nosso país, abordando todas as mudanças que foram ocorrendo no decorrer dos tempos, bem como a evolução do instituto da responsabilidade civil. Assim como, sua adoção, de acordo com a organização política vigente em cada período histórico.
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
O presente artigo parte dos ensinamentos de Odoné Serrano[1] e utilizará o termo “Responsabilidade” de forma mais abrangente, na medida em que, atualmente, o direito admite outras situações ensejadoras de responsabilidade, para além daquelas decorrentes de termo contratual.
Segundo Madeira[2]:
A noção da palavra responsabilidade pressupõe um limite à ação humana. Não fossem as normas que permeiam a vida em sociedade, os indivíduos agiriam com total arbitrariedade e causariam freqüentes danos uns aos outros. Portanto, é a responsabilidade que cria um liame entre as pessoas e um mundo moral, social e juridicamente organizado, pois prevê a obrigação da reparação de eventuais danos que uns causem aos outros.
O instituto da Responsabilidade Civil do Estado tem sofrido grande evolução com o passar do tempo, de forma que é difícil encontrar uniformidade no que se refere ao alcance do tema. Muitas teorias têm sido formuladas, assim como há muita divergência doutrinária em relação a sua terminologia e alcance.
A responsabilidade civil do Estado consiste, basicamente, na obrigação de poder compensar os danos causados a terceiros, sejam eles realizados por atos ou omissões por parte de seus agentes, sob a forma de atos lícitos ou ilícitos.
Celso Antônio Bandeira de Mello[3], assim define o instituto: Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos.
Yussef Said Cahali conceitua[4]:
A responsabilidade civil do Estado pelo erro judiciário representa o reforço da garantia dos direitos individuais.(...) impõe-se no Estado de Direito o reforço da garantia dos direitos individuais dos cidadãos, devendo ser coibida a prática de qualquer restrição injusta à liberdade individual, decorrente de ato abusivo da autoridade judiciária, e se fazendo resultar dela a responsabilidade do Estado pelos danos causados.
Como adverte Serrano Júnior[5], a ideia de responsabilidade do Estado decorre do fato de que, em um Estado de Direito, o Poder Público está sujeito ao ordenamento jurídico, como qualquer outro sujeito. Assim, as lesões injustas a bens jurídicos de terceiros, que lhe sejam imputadas, importam na obrigação de repará-lo.
Assim, assevera Romeu Felipe Bacellar Filho[6]:
pela mesma razão que o cidadão é obrigado a reparar danos que porventura causar a terceiros, deve o Estado indenizar suas vítimas, por imposição lógica do princípio da igualdade de todos perante a lei, cânone da Administração Pública, erigido à categoria de mandamento constitucional.
O fundamento da responsabilidade estatal relacionada aos atos ilícitos encontra-se nos princípios da legalidade e isonomia, ou seja, é estabelecida na igualdade de todos os sujeitos perante a lei; no entanto, em relação aos atos lícitos, a responsabilidade estatal está embasada na igual repartição dos encargos públicos entre os cidadãos, porque, se só algumas pessoas sofressem danos especiais e anormais, incomuns na vida em sociedade, se estabeleceria um desequilíbrio na distribuição dos ônus públicos.
A responsabilidade civil do Estado com relação às suas atividades administrativas danosas é plenamente aceita. No entanto, no que toca às funções judicial e legislativa, não obstante tenha havido grande evolução no sentido da adoção do princípio da responsabilidade, tal entendimento ainda não é pacífico. O principal entrave a isso, pode-se dizer, é o entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de não admitir a responsabilização nas searas judicial e legislativa. Porém, esse “ranço” corporativista existente entre os magistrados brasileiros tende a sucumbir aos estudos mais apurados dos grandes doutrinadores brasileiros.
Mister lembrar que a responsabilidade estatal é responsabilidade extracontratual, uma vez que não há nenhum contrato firmado entre a Administração e os administrados, mas, tão somente, uma sujeição natural em decorrência da supremacia do Poder Público em relação aos cidadãos.
Afinal, sendo o Estado o criador do Direito, não faria sentido que os atos emanados dos poderes que o integram não se coadunassem como os princípios que emanam do ordenamento jurídico.
Há que se notar que a evolução foi salutar no sentido de adotar-se atualmente a Responsabilidade objetiva do Estado. No entanto, a definição da extensão, dos exatos contornos do instituto em discussão, varia de acordo com o regramento jurídico de cada País, bem como com o posicionamento doutrinário e jurisprudencial adotado pelo mesmo.
Não obstante as variáveis peculiares a cada regime jurídico destacam- se três fases da evolução do instituto, conforme Paul Duez apud Yussef Said Cahali[7]:
em uma primeira fase não há que se falar em responsabilização estatal, uma vez que o reconhecimento da responsabilidade pecuniária da Administração é tido como grande obstáculo à execução de seus serviços. Sendo assim, os administrados apenas podiam se valer de uma ação de responsabilização contra o funcionário da administração; em um segundo momento, a questão é colocada no plano civilístico, adotando os conceitos de culpa atinentes ao. regime do Direito Civil para apurar a responsabilidade estatal; por fim, encontra-se uma terceira fase, ainda hoje em evolução, notadamente nos campos da Responsabilidade Civil do Estado por Atos Legislativos e Judiciais. Aqui, a questão da Responsabilidade Civil situa-se da forma acertada, no plano do Direito Público.
A partir desse enfoque é possível delimitar as questões centrais referentes às principais teorias que tratam da Responsabilidade Civil do Estado. De maneira simplificada, pode-se dizer que, dentro de um panorama histórico, observa-se de forma mais clara esses três momentos: o de não responsabilização do estado, posteriormente a responsabilização atrelada à idéia de culpa civil e, finalmente, a adoção da responsabilidade objetiva do Estado, de acordo com as normas e princípios de direito público. Ocorre que, tais fases não são estanques e nem mesmo despojadas de certas nuances e períodos de transição, como em toda evolução histórica. E por esse motivo é que são várias as teorias e ramificações, formuladas ao longo do tempo para explicar a responsabilidade civil do Estado.
Almejar que o Estado seja responsável pelos atos decisórios emitidos pelos magistrados, independentemente de serem singulares ou colegiados, representa debruçar sobre a obrigação em se submeter às normas jurídicas por ele mesmo estabelecidas. No direito brasileiro, a teoria da irresponsabilidade não foi aceita, não tendo sido nunca o princípio da responsabilidade civil do Estado posto em dúvida.
Nas Constituições de 1824 e 1891 não havia previsão da responsabilidade do Estado, mas apenas do funcionário que no exercício de suas funções incorresse em algum excesso ou omissão.
O artigo 178, n. 29 da Constituição de 1824[8], preconizava o seguinte: "Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções, e por não fazerem efetivamente responsáveis aos seus subalternos".
Da mesma forma a Constituição Republicana de 1891 em seu art. 82[9], dispunha que “os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrerem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamente seus subalternos”.
Observa-se que as constituições de 1824 e 1891 não houve a previsão da responsabilidade do Estado. Neste sentido pode-se citar Cretella Júnior[10] ao afirmar que:
[...] era o fim básico do Estado, voltado para a tutela do direito, de modo que, quando um funcionário causava danos a terceiros, fazia-o sob sua própria responsabilidade, e não responsabilizando o ente do qual era preposto. O que se justificava sob a filosofia da época desfila hoje como absurdo anacronismo.
O Código Civil de 1916 toma explícita a responsabilidade do Estado, dispondo em seu artigo 15 (artigo 43 do atual Código Civil):
Art. 15: As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo os direito regressivo contra os causadores do dano.[11]
Posteriormente, segundo Matheus Carneiro Assunção[12] houveram modificações nas constituições:
Nas Constituições de 1934 e 1937, acolheu-se o princípio da responsabilidade solidária entre funcionário e Estado. Com a promulgação da Carta de 1946, passou-se a adotar a teoria da responsabilidade objetiva, mantida pelas Constituições de 1967, 1969 e 1988.
Mesmo à época, houve larga discussão na interpretação e aplicação do dispositivo, encontrando-se várias posições acerca do mesmo. A expressão “procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito em lei” conduzia à idéia de que deveria ser demonstrada a culpa do funcionário para que o estado respondesse, conforme Maria Sylvia Zanelia Di Pietro[13].
A Constituição de 1934 referia-se no seu artigo 171, à responsabilidade solidária entre o Estado e o funcionário causador do dano, repetindo a Constituição de 1937 a mesma norma.
Dentro deste contexto pode-se citar os argumentos de Luiz Carlos Canalli[14]
[...] Percebe-se que na vigência das Constituições de 1934 e de 1937, passou a vigorar o princípio da responsabilidade solidária. O prejudicado podia mover a ação contra o Estado, contra o servidor público ou contra ambos, bem como promover a execução de sentença contra ambos ou contra um deles, segundo o seu critério de conveniência e oportunidade.
O art. 194 da Constituição de 1946[15] instituiu no direito constitucional positivo brasileiro a responsabilidade objetiva da administração pública:
a possibilidade de o Estado compor danos oriundos de atos lesivos mesmo na ausência de qualquer procedimento irregular de funcionário ou agente seu, à margem, pois, de qualquer culpa ou falta do serviço.
Dentro desta ótica pode-se citar os ensinamentos de Maria Sylvia Zanelia Di Pietro[16] a Constituição de 1946 consagrou a responsabilidade objetiva. Corroborando este posicionamento pode-se também citar Romeu Felipe Bacellar Filho[17] ao afirmar que “ [...] foi com a Constituição de 1946 que, pela primeira vez, a comunidade jurídica passou a conviver com a responsabilidade direta e objetiva do Estado”.
Outro posicionamento que mostra o estabelecimento da responsabilidade objetiva é dado por Odete Medauar[18]
[...] Informada pela teoria do risco, a responsabilidade do Estado apresenta-se hoje, na maioria dos ordenamentos, como responsabilidade objetiva. Nessa linha, não mais se invoca o dolo ou culpa do agente, o mau funcionamento ou falha da Administração.
A Constituição Federal de 1988[19] acolheu a responsabilidade objetiva do Estado, prevê expressamente a responsabilidade objetiva do Estado, baseada na teoria risco administrativo no seu artigo 37, (parágrafo) sexto, in verbis:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação da EC nº 19/98)
(...)
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (Grifo Nosso)
Lecionando sobre o assunto Alexandre de Moraes apud Matheus Carneiro Assunção[20] afirma que:
a responsabilidade prevista no dispositivo constitucional acima transcrito exige a presença dos seguintes requisitos: ocorrência do dano; ação ou omissão administrativa; existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa e ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.
Dentro deste contexto é válido mostrar o entendimento de Hely Lopes Meirelles [21] sobre a responsabilidade objetiva da Administração:
é regulamentada na modalidade risco administrativo, assim consubstanciada “no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar dano a certos membros da comunidade, impondo-lhes um ônus não suportado pelos demais.
Percebe-se que o conceito de responsabilidade civil do Estado foi consideravelmente alargado com a Constituição de 1988, ampliando a extensão. A partir de então, a responsabilidade do Estado prescindia da apuração de qualquer elemento subjetivo culpa ou dolo, na atuação estatal. A apreciação subjetiva se faz necessária apenas no tocante à atuação do funcionário, no caso de ação regressiva.
Corroborando com a constatação das inovações trazidas pela Constituição de 1988 em relação à responsabilidade civil do Estado Romeu Felipe Bacellar Filho[22] afirma que:
[...] a Constituição de 1988, por sua vez, prevê a responsabilidade do Estado de forma inovadora, estendendo a responsabilidade às pessoa jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, bem como manteve a responsabilização já prevista das pessoas jurídicas de direito público.
Não há como negar a adoção da responsabilidade objetiva; no entanto, o problema que se mostra é o de definir sua exata extensão, ou mais precisamente, demonstrar que a adoção da responsabilidade objetiva do estado não deve cingir-se aos atos da Administração Pública.
3 TEORIAS ACERCA DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO
Esta seção trata dos fundamentos doutrinários que tem sido utilizado no sentido de justificar a incidência da responsabilidade ao ente estatal e, também, a sua evolução no âmbito social e as teorias que desta decorreram.
3.1. TEORIA DA IRRESPONSABILIDADE
A teoria da irresponsabilidade vigia na origem do Direito Público, tendo preponderado na época dos Estados tirânicos ou absolutos em que vigorava o princípio de que “o rei não erra”. Sendo assim, da pretensa ideia de que o Estado absoluto era infalível, decorria a exclusão de sua responsabilidade[23].
Fundada na ideia de soberania do Estado, a teoria da irresponsabilidade confirmava a autoridade incontestável do ente perante os administrados[24]. Dentro deste contexto, José Carlos de Oliveira[25] afirma que:
[...] os atos ilícitos praticados pelos funcionários públicos, em pleno exercício de função, jamais eram considerados atos do Estado, e sim atos praticados em nome próprio, respondendo, então, os funcionários de forma pessoal por tais danos.
A teoria da irresponsabilidade tem três postulados básicos. Primeiro, a soberania do Estado a qual proíbe sua igualdade ao súdito, em qualquer nível. Segundo, funda-se na ideia de que, representando o soberano seu Estado e, consequentemente, o Direito representativo do mesmo, não poderia ser apresentado como violador desse Direito. Finalmente, havia a ideia de que os atos praticados pelos funcionários que fossem contrários à Lei, não representavam atos do Estado, devendo ser atribuídos tão somente ao próprio funcionário. Ou seja, negava-se que o servidor estivesse representando o ente público, para qualquer efeito.
Diante destes conceitos, entende-se, ainda, que se o Estado fosse causador de algum dano, não lhe poderia atribuir qualquer responsabilidade, uma vez que isto significaria situá-lo no mesmo plano que os súditos, representando uma afronta à sua soberania.
3.2 TEORIAS CIVILISTAS
As teorias civilistas tiveram, na base de sua formação, os princípios de direito civil, notadamente o postulado da culpa[26]. Augusto do Amaral Dergint[27] ressalta que a concepção civilista da responsabilidade estatal não lograva satisfazer as exigências da justiça social. Por certo exigia muito dos administrados, obrigando o lesado a demonstrar, além do dano, a atuação culposa do agente público.
Não há que se negar a importância dessa concepção, uma vez que foi o meio inicial de contestação do princípio da irresponsabilidade absoluta. Essa visão conduziu-se pela ideologia do Estado liberal de intervenção mínima, do século XIX e, nesse panorama, importa estabelecer uma diferença entre atos de império e atos de gestão. Tal divisão constituiu-se em um processo sutil por meio do qual se passou a admitir alguns casos de responsabilidade, enquanto se recusava em outros.
Os atos de império caracterizam-se quando o Estado age no exercício de sua soberania, na qualidade de poder supremo e que, por serem praticados nessa qualidade, os atos jure imperii restariam inatingíveis por qualquer tipo de julgamento, ainda que prejudiciais aos súditos.
Contudo, essa teoria não sobreviveu por muito tempo, em face de grande oposição existente. Não era por menos, afinal, impossível cindir-se a personalidade estatal. Tal diferença só poderia ser considerada arbitrária, uma vez que, o Estado, agindo por meio de quem quer que seja, será sempre o Estado. Não desconsiderando que houve progresso em relação à teoria da irresponsabilidade, cabe salientar que a teoria que subdivide os atos do Estado em atos de império e de gestão, não se mostrou de forma alguma satisfatória, uma vez que àquele que sofre o dano, pouco importa se é um ato de império ou de gestão. A distinção aqui referida, bem como o pressuposto da culpa como condição da responsabilidade civil do Estado, acabou se tornando inaceitável; os princípios subjetivos da culpa civil não poderiam nortear a atuação estatal, uma vez que o Poder Público goza de prerrogativas e privilégios dos quais não desfrutam os particulares. Sendo assim, restaria, segundo Hely Lopes Meirelles[28], a teoria da responsabilidade sem culpa para amparar os administrados, em relação aos danos causados pelo Estado.
3.3 TEORIAS PUBLICISTAS
Em razão do insucesso da teoria civilista, a doutrina de direito público apresentou-se para solucionar o problema da responsabilidade civil do Poder Público, por meio da consagração da responsabilidade sem culpa, ou naquela fundada em uma “culpa especial” administrativa. Esta constitui a terceira e última fase de evolução do instituto[29].
A evolução do instituto nos diferentes países, que se verificou com a superação dos princípios privatísticos e a conseqüente adoção de princípios publicístícos determinadores dessa responsabilidade, foi sendo atingida em momentos distintos em cada nação.
Não obstante a evolução do instituto tenha se dado em momentos diversos em cada nação, norteada, principalmente, por meio de preceitos constitucionais ou leis fundamentais próprias de cada país, mister se faz ressaltar que o primeiro passo no sentido da elaboração de teorias da responsabilidade do Estado, conforme princípios do direito público, deu-se por meio da jurisprudência francesa, com o notável caso Bianco, em 1873. O caso é o seguinte: a menina Agnes Blanco foi atingida por um vagão da Cia. Nacional de Manufatura do Fumo, devido a isso, seu pai promoveu ação civil de indenização, com base no princípio de que o Estado é civilmente responsável por prejuízos a terceiros, em decorrência de danos causados por seus agentes.
3.3.1. Teoria da culpa administrativa
Conforme Hely Lopes Meirelles[30], essa teoria representa “o primeiro estágio de transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a tese objetiva do risco administrativo que a sucedeu, pois leva em conta a falta do serviço para dela inferir a responsabilidade da Administração”.
Mister se faz ressaltar que a responsabilidade baseada na culpa especial, sob a ótica das três modalidades da “falta de serviço”, não é circunstância de responsabilidade objetiva, mas sim, subjetiva, uma vez que é baseada na culpa, não obstante trate-se aqui de uma culpa anônima do serviço público. Há apenas uma presunção relativa de que o serviço público não funcionou ou funcionou de forma inadequada, fato que admite prova em contrário.
3.3.2 Teoria do Risco
Essa teoria serviu de base para a responsabilidade objetiva do Estado. Tem como ponto central na igualdade de distribuição de ônus sociais. Deve haver um equilíbrio em toda a sociedade em relação, não só aos benefícios decorrentes da prestação estatal, como também dos encargos. Se, devido a um dano sofrido por um desses membros da sociedade, ocorre quebra da isonomia, deve o Estado na qualidade de representante da sociedade, indenizar o prejuízo sofrido com o dinheiro público, a fim de que se restabeleça a igualdade. Assim, através da aplicação da “Justiça Distributiva”[31], não teria o particular que suportar o encargo sozinho, sem amparo.
A teoria do risco é entendida como teoria da responsabilidade objetiva uma vez que não é necessária a apreciação da culpa; chama-se teoria do risco pelo fato de que se reconhece haver, nas diversas formas de prestação estatal, um risco de dano. Tal risco seria inerente à prestação estatal, conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro[32].
3.4 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIZAÇÃO ESTATAL
Como já foi visto anteriormente, houve uma evolução da absoluta irresponsabilidade para a responsabilização efetiva do Poder Público, porém, há requisitos para o nascimento do dever ressarcitório do Estado. O artigo 37, §6o, da Constituição Federal de 1988[33] preconiza, no ordenamento jurídico pátrio, a responsabilidade objetiva baseado na teoria do risco administrativo ou risco criado.
Possibilidade do Evento danoso: Não basta a ilegalidade ou a irregularidade do ato para gerar a pretensão indenizatória, sendo necessário que sejam acarretados danos a terceiros imputáveis ao Poder Público. No entanto, cumpre lembrar que não é qualquer dano que esteja relacionado com a atuação estatal que dará margem à indenização. São necessários alguns requisitos para que o dano seja considerado indenizável, como se verá adiante[34].
O Dano Indenizável: O dano deve apresentar certas características para que gere o dever público de indenizar. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello[35], a primeira delas é que ocorra, com esse dano, lesão a um direito da vítima, ou seja, não tem o direito de postular uma indenização quem não teve um direito ofendido. Não basta um dano econômico. Mesmo se pressupondo que tenha havido lesão econômica, é necessário, ainda, que o dano constitua agravo a algo juridicamente protegido. No entanto, não é necessário o dano econômico; pode ter havido apenas um dano moral. A Constituição de 1988 prevê, em seu artigo 5° X, indenização por dano material ou moral[36].
Nexo Causal: Seja qual for a teoria adotada, a causa do dano é requisito indispensável da responsabilidade civil do Estado. Ou seja, o dano sofrido pelo particular, para que gere pretensão indenizatória, tem que ser decorrente de atividade ou omissão do Estado, em conformidade com o entendimento de Yussef Said Cahali[37], “sempre em função de cada caso concreto, cumpre considerar se o dano sofrido pelo particular vincula-se direta e adequadamente ao ato (comissivo ou omissivo) imputado ao agente da administração”.
Evidencia-se a relevância de tal pressuposto da responsabilização estatal, da análise das palavras de Romeu Felipe Bacellar Filho[38]: “esse é o pressuposto que fornece o sustentáculo para que o dano seja efetivamente reparado, dado o seu papel de elo com a atividade administrativa”.
Condição de agente público: Para que haja responsabilização do Estado por dano causado a particular, além, dos requisitos já mencionados, deve concorrer ainda mais uma condição. Como é sabido, o Estado só age por meio de seus agentes, sejam eles efetivamente servidores públicos, particulares em colaboração com a Administração ou agentes políticos. Dessa forma, é essencial que o dano seja causado por um serviço prestado por um agente público; não importa sob que título preste este serviço. Nem mesmo aqueles agentes que não possuem vínculo com a Administração Pública estão livres de serem responsabilizados por danos que venham a causar, se estiverem agindo na qualidade de agentes públicos[39].
Excludentes da Responsabilidade do Estado: Sendo a responsabilidade objetiva do Estado adotada no sistema jurídico brasileiro, pode-se dizer que só se eximirá de responder pelo dano causado se faltar o liame entre o comportamento estatal e o referido dano. Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, “realizados os pressupostos da responsabilidade objetiva, não há evasão possível[40]”.
Vale ressaltar que a Constituição Federal de 1988 adotou a teoria do risco administrativo, fazendo surgir no ordenamento jurídico pátrio a responsabilidade objetiva do Estado, e desde então se um serviço público for prestado bom ou mal não importando qual seja este, mas sim, que o mau funcionamento do funcionamento do serviço público foi o causador do dano sofrido pela vítima, ou seja, havendo nexo de casualidade entre o dano causado e o agente.
A constatação deste cenário pode ser expressa pelas palavras de Ney Nery JR [41];
[...] correto é falar-se, portanto, na existência de apenas responsabilidade objetiva da administração pública, pelo risco (art. 37, §6º), sendo impertinente argumentar-se com responsabilidade subjetiva com culpa administrativa pela falta do serviço, bem como é correto falar-se que são requisitos para haver o dever de a administração indenizar: a) dano; b) nexo de causalidade entre conduta (omissiva ou comissiva) da administração e o dano, sendo também impertinente falar-se em “culpa exclusiva da vítima” ou em “força maior” como causas excludentes da responsabilidade civil do poder público.
Percebe-se que o princípio da responsabilidade civil do Estado jamais foi posto em dúvida no direito brasileiro. Desde o início o legislador nacional optou por adotar a responsabilidade civil do Estado pelos atos praticados por seus agentes, ainda que sob a forma da teoria subjetiva.
Viu-se que a responsabilidade subjetiva é, pois, aquela que deriva da verificação da ocorrência, ou não, de culpa ou dolo por parte do Estado, na hipótese deste vir a causar um dano.
Há ainda que se falar no artigo 186 deste Código Civil de 2002, o qual se mantém fiel ao texto do Código Civil de 1916 e à sua teoria subjetiva, tratando também da reparação do dano exclusivamente moral, complementado pelos artigos subsequentes 187 e 188[42]. Por fim, entre os artigos 389 e 393[43], o legislador concedeu espaço ao inadimplemento das obrigações. Portanto, nota-se que há no ordenamento jurídico brasileiro uma legislação preocupada com a questão da responsabilidade civil, razão pela qual passaram a ser estabelecidas delimitações normativas ao longo do tempo, sempre com o intuito de melhor assemelhar os regramentos às situações da realidade.
Observe-se que, na hipótese de excludente da responsabilidade estatal como a de culpa exclusiva da vítima, há o celebre caso da Companhia Brasileira de Trens Urbanos, na qual o magistrado tratou como análise da culpa o fato de o prestador do serviço ter sido omisso em deixar a passagem aberta na linha do trem. Diante disso, o Estado na figura da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) foi responsabilizado por ser responsável por qualquer dano causado ao indivíduo, independentemente de ser a culpa exclusiva da vítima, hipótese de caso fortuito ou força maior.
Outrossim, não é pretensão do presente artigo traçar distinções entre caso fortuito e força maior, mas ao contrário, consoante grande parte da doutrina administrativista, a proposta é que sejam ambos analisados sob um único foco, principalmente pela infindável divergência dos estudiosos que pretendem diferenciá-los.
Por outro lado, vale observar que, quando houver culpa da vítima, deve-se analisar se é culpa exclusiva ou concorrente, como pode ser visto no Agravo em Recurso Especial Nº 31.127 - SC (2011/0174338-0), cujo relator foi o ministro ARNALDO ESTEVES LIMA
Ementa
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. ACIDENTE EM VIA PÚBLICA DEVIDO A CORRENTE NÃO SINALIZADA. ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 944 E 950 DO CÓDIGO CIVIL. MAJORAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO E FIXAÇÃO DE PENSÃO VITALÍCIA. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO STJ.
1. O Superior Tribunal de Justiça consolidou orientação de que a revisão do valor da indenização somente é possível quando exorbitante ou insignificante a importância arbitrada, em flagrante violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
2. No particular, o Tribunal de origem, ao considerar as circunstâncias do caso concreto, as condições econômicas das partes e a finalidade da reparação, arbitrou, de início, a condenação a título de danos morais e estéticos para a vítima, respectivamente, em R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) e R$ 20.000,00 (vinte mil
reais), e, por fim, determinou a redução em 50% do valor, em decorrência da culpa concorrente.
3. A pretensão trazida no especial não se enquadra nas exceções que permitem a interferência desta Corte, uma vez que o valor arbitrado não é irrisório. Desse modo, forçoso concluir que a pretensão esbarra na vedação contida na Súmula n. 7 do STJ, por demandar a análise do conjunto fático-probatório dos autos.
4. O artigo 950 do Código Civil prevê uma pensão correspondente à importância do trabalho para o qual se inabilitou a vítima ou da depreciação que sofreu. Rever a premissa da capacidade de trabalho demandaria reexame de fatos e provas, vedado na via eleita, a teor da Súmula n. 7/STJ.
5. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1198007/MS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 04/08/2011, DJe 10/08/2011)
No que diz respeito aos artigos 1.536, §2º, do Código Civil de 1916; 405 e 884 do atual Código Civil; e artigo 1º, parágrafo único, da Lei 3.765/60, consigne-se que os referidos dispositivos legais, invocados no recurso especial, a despeito da oposição de embargos aclaratórios, não foram apreciados pelo Tribunal de origem. Incidência, na espécie, da Súmula n. 211/STJ.
O prequestionamento é requisito para que a matéria apresentada no recurso especial seja analisada neste Tribunal. Tal exigência decorre da Constituição Federal, que, em seu artigo 105, inciso III, dispõe que ao STJ compete julgar, em sede de recurso especial, causas decididas em única ou última instância (Grifo nosso).
Pode-se perceber que, nessa decisão, o magistrado determinou a redução em 50% do valor, em decorrência da culpa concorrente. Assim, percebe-se que o dever de indenizar, no caso de ser comprovada que o dano ocorreu por culpa concorrente da vítima, deve ser proporcional a culpa do Estado.
4 RESPONSABILIDADE DO ESTADO-JUIZ
Esta seção faz uma abordagem sobre os erros praticados no curso do processo pelo Estado-Juiz e como a prestação jurisdicional deve ser entregue.
4.1 ATIVIDADE JUDICIÁRIA COMO SERVIÇO PÚBLICO
A noção de serviço público é muito importante, na medida em que serve de fundamento para a responsabilização estatal, conforme o artigo 37, parágrafo sexto da Constituição Federal de 1988[44]. No entanto, é difícil precisar de forma inequívoca o que venha a ser serviço público. A doutrina o classifica de várias formas, de acordo com diferentes critérios. Sem descer a minúcias com relação às diferentes divisões doutrinárias, pode-se dizer que, o que for atribuição específica do Estado, será considerado serviço público, desde que atenda ao requisito da generalidade e venha a atender à necessidade pública ou ao interesse público.
A partir daí, nota-se certa dificuldade em determinar exatamente o que venha a ser serviço público, uma vez que sua definição assenta-se sobre um bem jurídico indeterminado, qual seja o interesse público; não é exata a definição, uma vez que, em muitos casos, ele é aferido em razão de critérios de oportunidade e conveniência.
Ao se analisar a questão da responsabilidade do Estado por atos judiciais, não se pode ignorar o princípio da unidade estatal, visto que, não obstante constitua-se o mesmo de três poderes independentes e harmônicos entre si nos termos da Constituição Federal, a “figura” estatal não pode ser cindida, deve ser vista como um todo; toda atividade praticada por agentes públicos no exercício de sua função é capaz de ensejar responsabilidade estatal, independente do Poder a que pertençam, e qual seja o seu âmbito de atuação.
O Magistrado na qualidade de agente público: O juiz, ao exercer função que lhe é própria, desempenha atividade privativa do Estado seja no desempenho da atividade jurisdicional ou administrativa. Destarte, é um agente público[45].
Contudo, mister se faz esclarecer que, sendo o serviço judiciário, por definição, considerado um serviço público capaz de ensejar a responsabilização estatal, todos os atos praticados no curso do processo, sejam ou não oriundos dos juízes, devem ser considerados para fins de responsabilidade civil. Embora, como veremos na jurisprudência no decorrer deste trabalho, o magistrado seja considerado pela jurisprudência uma espécie de “agente político”, não podendo se responsabilizado por danos causados. Entretanto não só a atuação do magistrado deveria ser passível de gerar pretensão reparatória aos particulares, mas sim, qualquer ato praticado por quem, na qualidade de agente público, sob qualquer título, causasse danos a terceiros. Todavia, os atos porventura danosos praticados no âmbito do Poder Judiciário, por agentes públicos que não os juízes, seriam atos administrativos, não restando dúvidas em relação à responsabilização estatal quanto a estes[46].
Teoria da Irresponsabilidade Por atos Judiciais: A teoria da irresponsabilidade por atos judiciais por muito tempo foi predominante na doutrina brasileira. Hoje, essa é a posição minoritária na doutrina, Entretanto, no que diz respeito à colocação jurisprudencial acerca do assunto, âmbito no qual ainda predomina a adoção da teoria da irresponsabilidade estatal em relação aos eventos danosos decorrentes da prestação do serviço judiciário. Assim vejamos:
EMENTA: Erro judiciário. Responsabilidade civil objetiva do Estado. Direito à indenização por danos morais decorrentes de condenação desconstituída em revisão criminal e de prisão preventiva. CF, art. 5º, LXXV. C.Pr.Penal, art. 630. 1. O direito à indenização da vítima de erro judiciário e daquela presa além do tempo devido, previsto no art. 5º, LXXV, da Constituição, já era previsto no art. 630 do C. Pr. Penal, com a exceção do caso de ação penal privada e só uma hipótese de exoneração, quando para a condenação tivesse contribuído o próprio réu. 2. A regra constitucional não veio para aditar pressupostos subjetivos à regra geral da responsabilidade fundada no risco administrativo, conforme o art. 37, § 6º, da Lei Fundamental: a partir do entendimento consolidado de que a regra geral é a irresponsabilidade civil do Estado por atos de jurisdição, estabelece que, naqueles casos, a indenização é uma garantia individual e, manifestamente, não a submete à exigência de dolo ou culpa do magistrado. 3. O art. 5º, LXXV, da Constituição: é uma garantia, um mínimo, que nem impede a lei, nem impede eventuais construções doutrinárias que venham a reconhecer a responsabilidade do Estado em hipóteses que não a de erro judiciário stricto sensu, mas de evidente falta objetiva do serviço público da Justiça. RE 505393 / PE - PERNAMBUCO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE
Julgamento: 26/06/2007[47]
Percebe-se que o entendimento do ministro relator do processo está pautado na premissa de que a Constituição da República de 1988 ao consagrar no art. 37, § 6°, a teoria do risco administrativo, determinou a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes de qualquer atividade pública, comissiva ou omissiva, desde que o particular afetado prove a relação de causa e efeito entre o dano e a atividade normativa do Poder Público.
Em outra decisão pode-se notar:
EMENTA: - Recurso extraordinário. Responsabilidade objetiva. Ação reparatória de dano por ato ilícito. Ilegitimidade de parte passiva. 2. Responsabilidade exclusiva do Estado. A autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados. Os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica. 3. Ação que deveria ter sido ajuizada contra a Fazenda Estadual - responsável eventual pelos alegados danos causados pela autoridade judicial, ao exercer suas atribuições -, a qual, posteriormente, terá assegurado o direito de regresso contra o magistrado responsável, nas hipóteses de dolo ou culpa. 4. Legitimidade passiva reservada ao Estado. Ausência de responsabilidade concorrente em face dos eventuais prejuízos causados a terceiros pela autoridade julgadora no exercício de suas funções, a teor do art. 37, § 6º, da CF/88. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido.
RE 228977 / SP - SÃO PAULO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA
Julgamento: 05/03/2002[48]
A maioria da doutrina aceitava a responsabilização estatal apenas em casos excepcionais, que estivessem expressamente admitidos em lei, a exemplo do artigo 630 do Código de Processo Penal[49].
A teoria da irresponsabilidade estatal calca-se em vários fundamentos, facilmente refutáveis frente à dogmática Constitucional, como se verá adiante.
Soberania do Poder Judiciário: Por muito tempo justificou-se a irresponsabilidade estatal por atos judiciais sob o fundamento de que seria a função jurisdicional manifestação da soberania estatal, sendo intocáveis, pois, os seus atos[50].
Independência da magistratura: Primeiramente, é preciso destacar que não há oposição entre. independência do juiz e a responsabilidade estatal, uma vez que esta não atinge a independência funcional do magistrado.
É inegável a necessidade de serem os magistrados independentes no exercício da função jurisdicional, para que possam proferir suas decisões, desvinculados de qualquer “amarra” que possa freá-los no intuito maior de sua função, qual seja, o de realizar a justiça. Contudo, tal circunstância não impede que o Estado seja responsabilizado se, porventura, os atos de seus agentes, no caso de seus juízes, vierem a causar danos aos particulares, nem tampouco, obsta a responsabilização pessoal dos magistrados, quando agirem com dolo e principalmente com culpa[51].
A posição jurisprudencial predominante que aceita a teoria da irresponsabilidade civil por atos judiciais, traz ao Estado uma situação de “conforto” haja vista que mesmo que o juiz faça, por exemplo, instruções processuais desidiosas acarretando em decisões falhas nada lhe acontecerá, já que o mesmo está protegido por uma intangibilidade(irresponsabilidade civil) sob a desculpa da chamada “plena liberdade funcional dos magistrados” como vimos nas jurisprudências acima.
A Possibilidade de Falha ou Erro dos Juízes: É inegável que os juízes com seres humanos que são, estejam sujeitos a erros na avaliação dos fatos ou na aplicação do direito, uma vez que sua condição profissional não os afasta de uma contingência comum a todas as pessoas[52]. Entendo, bem como a maior parte da doutrina, que a falibilidade embora inerente de todos os seres humanos, no caso de caso de falha do magistrado a responsabilidade civil do estado deve ser imputada. Embora neste caso especifico o direito de regresso do estado fica prejudicado, visto que muitas vezes apesar do magistrado agir com total diligencia, logo sem dolo ou culpa, ainda há a possibilidade de falha do mesmo. É desnecessário comentar que a falha, mesmo que sem culpa do magistrado, acarreta dano ao particular que deve ser indenizado.
Ausência de texto legal expresso: Insistem alguns autores e principalmente a jurisprudência brasileira, em restringir a responsabilidade estatal aos casos em que haja previsão legal específica, a exemplo do artigo 630 do Código de Processo Penal. Desta forma, adotar-se-ia a irresponsabilidade como regra e a responsabilidade como exceção. No entanto, como assevera Augusto do Amaral Dergint[53], existindo textos legais dispondo sobre a responsabilidade do Estado em pontos particulares, o que deles se poderia extrair é um princípio geral de responsabilidade”.
Teoria Da Responsabilidade Do Estado Por Atos Judiciais: Conclui-se por derradeiro, a total improcedência da tese da irresponsabilidade do Estado-juiz e dos fundamentos avocados pelos partidários dessa tese. “Quanto à responsabilidade do Estado em decorrência de atos do Poder Judiciário nenhuma dúvida pode pairar a respeito. É de se repelir a doutrina que defende a tese da irresponsabilidade do Poder Público, baseada no fato de que os juízes não são prepostos do Estado, mas atuam como órgão da soberania nacional[54].”
Atualmente, tanto na doutrina brasileira como estrangeira, pode-se afirmar que a teoria da responsabilidade encontra aceitação majoritária. No âmbito jurisprudencial, vige ainda um conservadorismo, responsável pela não aceitação em grande escala, ao menos no tocante aos atos judiciais, da responsabilidade do Estado.
5 ATIVIDADES JUDICIAIS DANOSAS
Muitos são os danos que podem decorrer da atividade judiciária. Por consequência, múltiplas são as ações por parte dos magistrados passíveis de gerar pretensão indenizatória na esfera dos particulares, podendo decorrer da atuação dolosa ou culposa dos mesmos, ou mesmo de equívocos escusáveis e de boa-fé, como assinala Odoné Serrano Júnior[55] As falhas também podem advir do próprio serviço público, que pode ter funcionado mal, não funcionado, ou funcionado de forma tardia, caracterizando aí a “culpa anônima”.
Não se pode olvidar também, que a atuação lícita dos serviços judiciários pode gerar responsabilização estatal se for danosa e vier a acarretar para alguém um dano injusto, entendido como dano indenizável, devendo estar presentes para sua configuração, os requisitos da anormalidade e especialidade, já apreciados no presente estudo.
Mas constitui tarefa muito difícil relacionar todas as hipóteses que as atividade judiciais poderão acarretar danos e, por conseqüência, gerar pretensão indenizatória. O que se pretende, então, é elencar e analisar alguns dos casos em que tal fenômeno se configura, tais como: o erro judiciário (penal ou civil), a denegação da justiça, o atraso na prestação da tutela jurisdicional, assim como a atividade judiciária danosa onde se verifica dolo ou culpa do magistrado. O erro judiciário implica a própria negação da justiça, e pode se dar tanto no âmbito criminal, como no cível, como pode ser visto a seguir nas palavras do Ministro Hamilton Carvalhido da Primeira Turma entendeu da seguinte forma.
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE PRISÃO ILEGAL. HOMÔNIMO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 538 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. REJEIÇÃO DOS EMBARGOS, SEM MULTA. SÚMULA Nº 284/STF. ERRO JUDICIÁRIO. VALOR INDENIZATÓRIO. REVISÃO DO CONJUNTO DA PROVA. SÚMULA Nº 7/STJ.
1. "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia." (Súmula do STF, Enunciado nº 284).
2. "A alteração do entendimento adotado pelo Tribunal de origem, a fim de perquirir eventual existência de erro judiciário a justificar a indenização por danos morais, demanda reexame das provas dos autos, o que é obstado pela Súmula 7/STJ." (REsp nº 1.169.029/PR, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, in DJe 15/3/2011).
3. Encontrando-se o valor dos danos morais adequado aos parâmetros de razoabilidade e de proporcionalidade, como no presente caso, é inadmissível a sua alteração, na via do recurso especial, por exigir, necessariamente, o reexame do conjunto fáctico-probatório dos autos, medida inexequível nesta instância especial, nos termos do enunciado nº 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
4. Agravo regimental improvido.[56]
Corroborando esta decisão cita-se as palavras de Odoné Serrano Júnior[57]:
Em todos os seus aspectos, o erro judiciário deve ser tido como um risco inerente ao próprio exercício da função jurisdicional. Compete ao Estado assumi-lo, para figurar na posição de devedor, toda vez que um ato judicial provocar um dano injusto.
O erro judiciário penal é o que mais lesiona a esfera dos direitos individuais, pois pode atingir a vida, os bens e a honra do lesado ou de sua família. Cabe lembrar aqui, que o erro judiciário penal refere-se normalmente à sentença criminal, porém abrange por extensão, também a prisão preventiva ilegal ou injusta, cujos danos patrimoniais e morais são patentes.
A decisão
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANO MORAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA PUBLICADA EM NOME DO AUTOR DA DEMANDA. UTILIZAÇÃO DE DOCUMENTO EXTRAVIADO PELA PESSOA QUE EFETIVAMENTE COMETEU O CRIME. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. TERMO INICIAL.
1. Trata-se de Ação ajuizada contra o Estado do Paraná com o fim de obter indenização por danos morais e materiais em virtude de erro judiciário. Foi proferida sentença penal contra o autor em razão da apresentação de seu documento de identidade, outrora extraviado, pela pessoa que efetivamente cometeu o crime.
2. No caso em exame, o constrangimento cuja reparação se pretende ocorreu nas eleições de outubro do ano 2000, conforme anotado pelo aresto de origem, oportunidade em que o recorrido teve ciência da
condenação criminal em seu nome.
3. O fundo de direito foi fulminado pela prescrição qüinqüenal, uma
vez que decorreram mais de cinco anos entre a data do
constrangimento (1º.10.2000) e o ajuizamento da ação indenizatória
(8.11.2005).
4. Recurso Especial provido.
As razões que justificam a reparação dos danos causados pelos erros judiciários civis são as mesmas que justificam a reparação pelos erros judiciários penais. Alguns autores, entretanto, só reconhecem a responsabilidade estatal pelos erros causados pela esfera penal.
Quando o artigo 5°, LXXV dispõe que o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, entende-se que tal postulado não se limita apenas ao erro judiciário penal, abrangendo também o erro judiciário civil. Tanto no processo civil como no penal, o Estado desempenha indistintamente a função jurisdicional. Na eventualidade da ocorrência de um dano, derivado do exercício de tal função pelo órgão jurisdicional, o Estado deve repará-lo ao jurisdicionado lesado[58].
Denegação de Justiça: O conceito de denegação de justiça pode ser tomado em seu sentido amplo, no que consistirá em “toda deficiência na organização ou no exercício da função jurisdicional, que implique em uma falta do Estado quanto ao seu dever de proteção judiciária. Já em seu sentido estrito, a denegação de justiça consiste na negativa do Estado-Juiz em oferecer a devida proteção aos direitos de seus cidadãos mediante a prestação da tutela jurisdicional[59]”.
Enfim, toda omissão do juiz em direcionar o processo e, principalmente em julgar dentro do lapso temporal estabelecido ou de necessidade das partes, implica em não prestação da atividade jurisdicional, e, por via de consequências, denegação de justiça.
Demora na prestação Jurisdicional: Ao Estado cumpre zelar por um certo grau de perfeição na prestação do serviço judiciário, de modo que seu funcionamento tardio gera, como consequência lógica, seu dever de responder pelos danos que eventualmente causar. O dever do Estado de prestar a tutela jurisdicional dentro dos prazos previamente fixados em lei decorre do princípio da legalidade, constituindo garantia constitucional implícita, baseada também no postulado do Estado de Direito, em que o Estado deve se submeter, assim como todos, a lei por ele criada[60].
Conforme Augusto Amaral Dergint, “a demora no andamento dos processos sucede em virtude de mau aparelhamento do serviço judiciário ou por desídia do magistrado, senão pela não rara conjugação de ambos os fatores[61]”.
Concessão Liminar: A concessão de liminar não é ato discricionário do juiz. Verificados os pressupostos necessários (fumus boni iuris e periculum im mora) não poderá o juiz deixar de concedê-la, cumprindo-lhe assegurar efetivamente o direito do impetrante[62].
Dolo ou Culpa do Juiz: A idéia de que, nos casos de ato judicial doloso ou culposo a responsabilidade deve ser atribuída exclusivamente ao magistrado, ainda encontra adeptos na doutrina e na jurisprudência.
É indiscutível o fato de que deve o magistrado exercer a função pública judiciária, sob determinadas regras e princípios, cuja violação importa a sujeição a determinadas sanções. No entanto, a responsabilidade pessoal do agente público não pode excluir a responsabilidade do Estado, segundo os princípios do Direito Público.
5.1 DEMANDA INDENIZATÓRIA
Há uma corrente que entende ser possível o lesado intentar demanda indenizatória também contra o agente faltoso, com fulcro no artigo 133 do diploma processual civil. Diógenes Gasparini é partidário dessa idéia: “A ação de indenização deve ser proposta pela vítima perante a Justiça competente. A ação é de rito ordinário e pode ser ajuizada contra a entidade responsável pelo ressarcimento, contra seu agente causador do dano ou contra ambos[63]”.
“Inobstante as ponderações em prol de um ecletismo (possibilidade de ação contra o juiz e/ou contra o Estado), parece mais razoável, pelo menos em matéria de dano causado por ato judicial, a posição de que cumpre ao Estado indenizar a vítima, respondendo o agente público faltoso apenas regressivamente[64]”.
Resta lembrar que, os casos aqui tratados, em que divergem os autores quanto à possibilidade de o agente faltoso integrar o pólo passivo da demanda indenizatória, dizem respeito às situações em que se verifica dolo ou culpa por parte do agente, notadamente o magistrado. Afinal, a responsabilidade do Estado pode existir ainda que inexista a responsabilidade do juiz ou outro agente. Em outros termos, é a ação regressiva que depende de culpa (ou dolo) do agente público, e não a responsabilidade do Estado em face de terceiro prejudicado.
5.2. PROTEÇÃO DO JURISDICIONADOS E A NECESSIDADE DE LIMITES À RESPONSABILIZAÇÃO ESTATAL POR ATOS JUDICIAIS
Não resta o Estado responsável por todo e qualquer ato que vier a acarretar danos aos jurisdicionados. Não seria plausível nem tampouco coerente que o Estado tivesse de arcar com todos os danos que os particulares sofressem em sua esfera de direitos, uma vez que é inerente a todo litígio, notadamente da seara cível, que uma das partes resulte “prejudicada” em detrimento do reconhecimento, pelo Estado-Juiz, da procedência do pedido da parte oposta.
Da mesma forma, quando da atuação da atividade jurisdicional na esfera penal, não cabe ao Poder Público indenizar o indivíduo sob seu julgamento, se a decisão foi correta segundo os princípios e regras de direito.
A responsabilização do Estado é um instituto, consagrado constitucionalmente e de suma importância, mas que não pode ser desvirtuado. Tem como escopo principal a garantia da Justiça, uma vez que, mesmo sendo o Poder Judiciário a sede responsável pela garantia de uma efetiva distribuição da Justiça, este não é imune à falhas e, por que não dizer, a injustiças, o que, embora seja um contra senso, não pode ser ignorado na prática, como pode ser visto na seguinte jurisprudência que trata sobre eventual erro de juiz negando seguimento ao recurso de apelação, com fulcro no art. 557, caput, do Código de Processo CIVIL.
EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. PRISÃO. POSTERIOR ABSOLVIÇÃO. INDENIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE DANO MORAL E MATERIAL. RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO (ART. 557, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL).
1. A NORMA INSERTA NO ART. 37, §6º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, CONSAGRA A TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA, TAMBÉM DENOMINADA DE TEORIA DO RISCO, EM QUE A OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR PRESCINDE DA COMPROVAÇÃO DOS ELEMENTOS SUBJETIVOS DOLO OU CULPA.
2. A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO NÃO SE APLICA AOS ATOS DOS JUÍZES E DOS REPRESENTANTES DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUANDO ATUAM NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS, A NÃO SER NOS CASOS EXPRESSAMENTE DECLARADOS EM LEI.
3. A SUPERVENIENTE ABSOLVIÇÃO DO ACUSADO NÃO ENSEJA, PER SI, INDENIZAÇÃO PELO TEMPO EM QUE FOI MANTIDO PRESO, QUANDO A RESTRIÇÃO DE LIBERDADE FOI AMPARADA EM ATO LEGAL POR PARTE DO ESTADO.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0878.07.016279-6/001 - COMARCA DE CAMANDUCAIA - APELANTE(S): EDUARDO DE MARTINO - APELADO(A)(S): ESTADO MINAS GERAIS
DECISÃO MONOCRÁTICA
Trata-se de apelação interposta por EDUARDO DE MARTINO em face da sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito Paulo Henrique Aranda Fuller, da comarca de Camanducaia, que julgou improcedente a ação de indenização ajuizada em face do ESTADO DE MINAS GERAIS.
Pleiteia a reforma integral da sentença, argumentando ter sido ilegalmente preso, sob a acusação de tráfico de drogas, tendo permanecido recluso por 118 dias, até a audiência de instrução e julgamento, quando lhe fora concedida a liberdade provisória e, posteriormente, absolvido por falta de provas. Sustenta que a permanência indevida na prisão causou-lhe prejuízos financeiros e constrangimentos, razão pela qual faz jus à indenização por DANOS materiais e morais[65].
Percebe-se que esse tipo de erro ainda não é aceito na justiça. Neste momento posiciona-se do entendimento que a omissão dos atos dos juízes e dos representantes do ministério público quando atuam no exercício de suas funções institucionais pode ocasionar danos a terceiros, ensejando a responsabilidade do ente estatal a partir da inércia do legislador ordinário em editar normas destinadas a dar cooperatividade prática e eficácia social a direitos garantidos constitucionalmente.
Por outro lado, toma-se partido que pelo fato do judiciário não aceitar essa responsabilidade acaba mascarando alguns erros dos juízes. Por isso, a ideia de reparação de danos por parte do Poder Judiciário não é de forma alguma paradoxal ou incabível como entendem alguns, mas antes, a afirmação de um Estado Social e Democrático de Direito, de um Estado que deve garantir os direitos dos cidadãos, como pode ser visto a seguir:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATOS JUDICIAIS E DE AGENTES PÚBLICOS.
INJUSTA ACUSAÇÃO CRIMINAL. ERRO JUDICIÁRIO. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA.
COMPROVADA A INOCÊNCIA DO AUTOR. SENTENÇA MONOCRÁTICA CONFIRMADA.
O Estado responde objetivamente pelos danos causados ao administrado em razão da injusta acusação em processo criminal, assim considerada a denúncia desprovida de indícios suficientes de autoria. A pretensão punitiva do Estado deve ser harmonizada com o direito do administrado à honra e à moral. Os danos indenizáveis são aqueles que acarretam lesão a direito subjetivo da parte de somente ser acusado quando existam indícios plausíveis que indiquem o seu envolvimento na ação criminosa. Resultando o processamento criminal de erro judiciário dos agentes estatais, cabe a reparação pelos danos morais causados. A injusta denunciação criminal enseja prejuízos de ordem moral que são presumíveis de indenização.
À unanimidade de votos, recursos de apelação conhecidos e improvidos, para manter incólume todos os termos da sentença[66].
Posiciona-se a favor desta decisão, pois entende-se que deve-se primar pela responsabilidade civil do Estado por ato judiciais, em razão de danos causados ao particular, em moldes objetivos, nos casos de lei de efeito concreto e lei inconstitucional; bem como nos moldes subjetivos, a omissão constitucional, ressalvando a imputação somente à lei constitucional. Não fosse assim, estar-se-ia adotando uma concepção completamente liberal dos direitos constitucionais, em que os direitos são meros instrumentos de oposição e resistência frente ao Estado, traduzidos em uma conduta negativa, de não intervenção estatal na esfera individual.
O que se deve buscar, e pode ser bem representando pelo instituto da responsabilização estatal, é a atuação positiva do Estado, no sentido de exigir sua intervenção, quando necessário, a fim de propiciar a efetivação dos direitos outorgados pelo próprio Estado. Não sendo assim, careceria de eficácia e sentido a Constituição e os direitos nela previstos.
Posiciona-se da forma em que o Estado brasileiro, em qualquer das suas três esferas - federal, estadual ou municipal, é responsável independentemente comprovação de culpa, pelos danos causados por seus agentes administrativos a particulares, aí incluídos os funcionários de qualquer entidade estatal e seus desmembramentos. Resta apenas observar que para o prejuízo não tenha contribuído de forma culposa a vítima, quando será a responsabilidade mitigada (culpa concorrente), ou afastada (culpa exclusiva da vítima).
6 CONCLUSÃO
A Responsabilidade Civil do Estado é um dos institutos mais dinâmicos do direito, na medida em que sua evolução constitui, em grande parte, reflexo da própria evolução da organização estatal.
A responsabilização do Estado, da Administração evoluiu de forma dissonante da responsabilização do Estado por atos judiciais, de forma que, hodiernamente, é pacífica a aceitação da responsabilidade do Estado em relação àquela esfera, enquanto nesta, ainda há divergências em sede doutrinária e jurisprudencial.
A teoria da irresponsabilidade estatal vigia na época dos Estados absolutos e despóticos, e o argumento de que o Estado era soberano e infalível, resultava na exclusão da responsabilidade pelos atos praticados por seus agentes. Ainda que se reconhecesse a falibilidade do Estado em algum momento, não se permitia colocá-lo no mesmo plano de seus súditos, para fins de responsabilização. Essa teoria nunca foi adotada no Brasil, ao menos em relação aos atos da Administração Pública, não tendo sido o princípio da responsabilidade do Estado posto em dúvida no direito pátrio.
A teoria civilista, que coloca a responsabilidade do Estado num plano privatístico, foi adotada expressamente no direito brasileiro com o Código Civil de 1916. No entanto, percebe-se desde logo que tal tese é insatisfatória, posto que não atinja a finalidade precípua do instituto da responsabilidade civil, qual seja, a de efetivamente não deixar sem amparo aquele que teve um direito lesionado por uma atuação estatal. Isto porque, era necessária a comprovação de culpa do agente público para responsabilizar o Estado, o que na prática tornava-se inviável.
Já as teorias publicistas, trouxeram em seu bojo maior potencialidade de realização efetiva da Justiça frente as possíveis atuações danosas do Estado. Este passa a responder pelos atos dos agentes públicos que, agindo nessa qualidade, viessem a causar danos a terceiros, sem a necessidade de se perquirir a respeito de dolo ou culpa do funcionário.
Para que nasça a legítima pretensão indenizatória do particular lesado contra o Estado, mister que se façam presentes os seguintes pressupostos autorizadores: a efetiva configuração de um evento danoso à parte, a constatação de que tal dano é indenizável, ou seja, que se trata de dano anormal e especial em relação aos parâmetros aceitáveis no convívio social, e acima de tudo, a constatação do liame causal entre o prejuízo sofrido e a atuação estatal.
O artigo 37, parágrafo 6° da Constituição Federal de 1988, seguindo a linha das Constituições precedentes a partir de 1946, consagra expressamente a responsabilidade objetiva do Estado, norteando a responsabilidade estatal no âmbito de seus três poderes.
A maior parte da doutrina brasileira vem se insurgindo em prol da admissão da responsabilização do Estado por atos judiciais, enquanto a jurisprudência pátria, ainda mantém um conservadorismo, denegando a responsabilidade estatal pela atividade judiciária danosa, exceto no caso de expressa previsão legal. Tal posição é inconsistente, uma vez que o princípio da responsabilidade do Estado é regra geral no sistema jurídico brasileiro, decorrente da Constituição Federal.
Por fim, a demonstração da incompatibilidade dos argumentos em favor da teoria da irresponsabilidade com o Estado Social e democrático de Direito, com os anseios populares e com a Constituição, deverão romper a barreira do conservadorismo jurisprudencial nesta seara. Somente dessa forma, a evolução da responsabilidade do Estado por atos judiciais ficará completa.
REFERÊNCIAS
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BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Responsabilidade Civil Extracontratual das Pessoas Jurídicas de Direito Privado Prestadoras de Serviço Público. Interesse Publico, Ano 2, n° 6. São Paulo: Nota dez, 2000.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000.
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[1] SERRANO JUNIOR, Odoné. Responsabilidade Civil do Estado por Atos Judiciais. Curitiba: Juruá, 1996, p.27
[2] MADEIRA, João. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO E A SUA APLICABILIDADE NO ESTADO DE DIREITO. Disponível em http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=6212. Acesso: 15 mai. 2012, 17:54:15.
[3] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000, 12. edição, p. 606.
[4] CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado, 2ª ed. amp. rev. atual. São Paulo, Malheiros, 1995, p. 599-602.
[5] SERRANO JUNIOR, Odoné. Responsabilidade Civil do Estado por Atos Judiciais. Curitiba: Juruá, 1996, p. 66.
[6] BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Responsabilidade Civil Extracontratual das Pessoas Jurídicas de Direito Privado Prestadoras de Serviço Público. Interesse Publico, Ano 2, n° 6. São Paulo: Nota dez, 2000, p. 14.
[7] CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. 2 edição. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 17.
[8] BRASIL. CONSTITUICÃO POLITICA DO IMPERIO DO BRAZIL (DE 25 DE MARÇO DE 1824). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm. Acesso em 17. mai. 2012, 23:33:17.
[9] BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL ( DE 24 DE FEVEREIRO DE 1891). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm. Acesso em 17. mai. 2012, 23:41:08.
[10] CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 101.
[11] DI PIETRO, Maria Syma Zaneila. Direito Administrativo. 12. edição. São Paulo: Atlas, 2000, p. 510.
[12] ASSUNÇÃO, Matheus Carneiro. A responsabilidade civil do Estado na visão do STF e do STJ. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1677, 3fev. 2008 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10915>. Acesso em 16 mai. 2012, 23:17:51
[13] DI PIETRO, Op. cit., 2000, p. 511.
[14] CANALLI, Luiz Carlos. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ATOS JURISDICIONAIS. Disponível em http://www.rkladvocacia.com/arquivos/artigos/art_srt_arquivo20111004230626.pdf. Acesso em 17 mai. 2012, 00:21:31.
[15] BRASIL. CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 18 DE SETEMBRO DE 1946). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm. Acesso em 17 mai. 2012, 00:29:31.
[16] DI PIETRO, Op. cit., 2000, p. 511
[17] BACELLAR FILHO, Op. cit., 2000, p. 205.
[18] MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 430
[19] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1998. Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em: 07 abr. 2012.
[20] ASSUNÇÃO, Matheus Carneiro. A responsabilidade civil do Estado na visão do STF e do STJ. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1677, 3fev. 2008 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10915>. Acesso em 16 mai. 2012, 23:17:51
[21] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27 edição. São Paulo: Malheiros, 2002, p.654
[22] BACELLAR FILHO, Op. cit., 2000, 206.
[23] BACELLAR FILHO, Op. cit., 2000, p. 114.
[24] SOARES, Orlando. Responsabilidade civil no direito brasileiro: teoria, prática forense e jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 432.
[25] OLIVEIRA, José Carlos de. Responsabilidade patrimonial do estado. São Paulo: Edipro, 1995, p. 30
[26] OLIVEIRA, Op. cit., 1995, p. 30.
[27] DERGINT, Augusto do Amaral. Responsabilidade do estado por atos judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p.38.
[28] MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., 2002, p.556.
[29] BACELLAR FILHO, Op. cit., 2000, p. 115.
[30] MEIRELLES. Op. cit., 2002, p. 619.
[31] BANDEIRA DE MELLO, Op. cit., 2000, p. 616.
[32] DI PIETRO. Op. cit., 2000, p. 504.
[33] BRASIL, Op. cit., p. 1988
[34] MEIRELLES, Op. cit., 2002, p.558.
[35] BANDEIRA DE MELLO, Op. cit., 2000, p. 630.
[36] MEIRELLES, Op. cit., 2002, p.558.
[37] CAHALI, Op. cit., 1996, p. 100.
[38] BACELLAR FILHO, Op. cit., 2000, p. 40, 41.
[39] MEIRELLES, Op. cit., 2002, p.559.
[40] BANDEIRA DEMELLO, Op. cit., 2000, p. 634.
[41] NERY JR, Ney. Responsabilidade civil da administração pública. Revista de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais. n.1, p. 29-42, jan/mar, 2000, p. 40
[42] BRASIL. Op. cit., 2020
[43] Idem
[44] BRASIL, Op. cit., 1988
[45] MEIRELLES, Op. cit., 2002, p.560.
[46] LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A Responsabilidade Civil do Juiz. São Paulo: RT, 2000, p. 45.
[49] MEIRELLES, Op. cit., 2002, p.561.
[50] DI PIETRO. Op. cit., 2000, p. 511.
[51] DI PIETRO. Op. cit., 2000, p. 511.
[52] Idem, p. 114.
[53] DERGINT, Augusto do Amaral Responsabilidade do Estado por atos Judiciais. São Paulo; RT, 1994, p. 154.
[54] HARADA, Kyioshi. Responsabilidade Civil do Estado. Disponível: site Sentinela . (01/02/2000). Disponível em www.advocaciamilitar.adv.br/respCMI .html. Acesso em 05 fev. 2012, 17:35:28.
[55] SERRANO JUNIOR. Op. cit., 1996, p. 148.
[57] Idem, p. 150.
[58] SERRANO JUNIOR. Op. cit., 1996, p. 151.
[59] Idem, p. 189.
[60] DERGINT. Op. cit., 1994, p. 195.
[61] Idem, p. 196.
[62] Ibidem
[63] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 8a edição. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 848.
[64] DERGINT. Op. cit., 1994, p. 214.
[65] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Processo de Número: 1.0878.07.016279-6/001, Relator: Des.(a) BITENCOURT MARCONDES, Data da decisão:16/09/2011. Disponível em http://www.tjmg.jus.br/juridico/sf/proc_resultado2.jsp?listaProcessos=10878070162796001. Acesso 17 de mai. 2012, 18:21:02.
[66] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ. Nº DO ACORDÃO: 83291, Nº DO PROCESSO: 200730061807, ÓRGÃO JULGADOR: 1ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, COMARCA: BELÉM, RELATOR: LEONARDO DE NORONHA TAVARES, PUBLICAÇÃO: Data:18/12/2009 Cad.1 Pág.94. Disponível em
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Advogado Militante (Civil e Trabalhista). Bacharelado em Direito - Centro Universitário do Pará (Cesupa).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Pedro Ivo Campos. Responsabilidade civil do Estado diante de atos judiciais que lesionam direitos dos administrados Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 nov 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45579/responsabilidade-civil-do-estado-diante-de-atos-judiciais-que-lesionam-direitos-dos-administrados. Acesso em: 22 nov 2024.
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