SUMÁRIO: Introdução. 1. Evolução Histórico-Constitucional dos direitos fundamentais: dos direitos liberais e sociais aos direitos de solidariedade e suas influências nas constituições brasileiras. 1.1. Dos direitos liberais e sociais aos direitos de solidariedade. 1.2.Do tratamento conferido ao meio ambiente nas Constituições brasileiras anteriores, ao reconhecimento pela Constituição Federal de 1988 do dever jurídico de proteção e obrigatoriedade de intervenção estatal na defesa do ambiente. 2. Responsabilidade do Estado pelo dano ambiental. 2.1. Dano Ambiental. 2.1.1 Peculiaridades do dano ambiental 2.2 Dos regimes de responsabilidade civil por danos ambientais 2.3 Pressupostos da responsabilidade por dano ambiental 2.3.1 Evento danoso 2.3.2 Nexo de causalidade 2.4. Breve abordagem histórica da responsabilidade civil do Estado 2.5. Responsabilidade do Estado em matéria ambiental 2.5.1 Responsabilidade do Estado pela sua omissão no dever proteção, controle e fiscalização ambiental 2.5.2 Responsabilidade estatal solidária, porém de execução subsidiária 3. Controle judicial das omissões estatais lesivas ao meio ambiente. 3.1 Principais objeções ao controle externo da administração pública. 3.2 Possibilidade do controle, via Poder Judiciário, das omissões estatais lesivas à qualidade ambiental: algumas decisões. Conclusões. Bibliografia.
Introdução
A Carta constitucional de 1988 incumbiu ao Estado e à Sociedade o dever de velar pela defesa do Meio Ambiente, nesse sentido, a proteção ao meio ambiente se tornou uma tarefa inevitável do Estado, de que modo que é seu dever desenvolver e elaborar políticas públicas pautadas pelas exigências da sustentabilidade ecológica, visto que a lógica que deve orientar este modelo de estado, o qual prioriza valores ambientais, é a de proteger e defender o meio ambiente, promover educação ambiental, criar espaços de proteção e executar planejamento ambiental.
Entretanto, a atuação administrativa tem se mostrado aquém do padrão esperado, necessário, pontual e suficiente, com vistas à preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado. E possivelmente a causa desse conflito esta no fato de que compete ao Estado o desempenho de papéis colidentes, pois se de um lado ele é responsável pela execução de políticas públicas ambientais, de outro ele é responsável pelo desenvolvimento econômico e social que degradam os bens ecológicos.
Assim, a preocupação central deste trabalho não é com os danos ambientais resultantes da ação positiva dos entes estatais, mas sim com a omissão lesiva destes, motivo pelo qual estudaremos a Responsabilidade civil do Estado pela omissão na defesa do meio ambiente, o qual se apresenta como um tema bastante controvertido na jurisprudência e na doutrina. Isto porque, em primeiro lugar, o direito positivo não apresenta solução normativa específica nos casos de omissão, e em segundo, a doutrina e jurisprudência apresentam divergência na abordagem dos requisitos para a configuração da responsabilidade estatal omissiva.
Estudaremos, também, a viabilidade de imposição coativa ao Poder Executivo, via Poder Judiciário, de adoção de medidas administrativas tendentes a preservar o meio ambiente, analisando tal possibilidade à luz da discricionariedade administrativa, da separação dos poderes e da vinculação do estado à proteção do direito fundamental de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Questionar-se-á a forte corrente jurisprudencial legitimadora das omissões que não admite que possa ser obtida, junto ao judiciário, a imposição à Administração de adoção de medidas positivas de proteção ao meio ambiente, sob a alegação de que tal imposição entraria em choque com o princípio da separação dos poderes, visto que a adoção de tais medidas envolveria decisões de ordem financeira e orçamentária, bem como ofenderia o princípio da discricionariedade e esbarraria na reserva do financeiramente possível.
1. Evolução Histórico-Constitucional dos direitos fundamentais: dos direitos liberais e sociais aos direitos de solidariedade e suas influências nas constituições brasileiras.
1.1. Dos direitos liberais e sociais aos direitos de solidariedade.
O Estado Liberal surge como resultado do pensamento liberal-burguês, o qual tinha como principal preocupação proteger as pessoas do poder opressivo do Estado absolutista, do Estado invasor. Assim, tem-se que:
A concepção liberal do Estado nasceu de uma dupla influência: de um lado, do individualismo filosófico e político do século XVIII e da Revolução Francesa, que considerava como um dos objetivos essenciais do regime estatal a proteção de certos direitos individuais contra os abusos da autoridade; de outro lado, do liberalismo econômico dos fisiocratas e de Adam Smith, segundo o qual o Estado é impróprio para exercer funções de ordem econômica[1].
Nesse contexto há a estruturação de um modelo de Estado amplamente alicerçado no direito, que é o Estado de Direito, caracterizado como aquele onde seu poder e atividade estão regulados e controlados pela lei, em que há a contenção do Estado pelo direito. A Carta Política desse modelo é entendida como Constituição liberal-individualista, fruto de uma concepção político e ideológica necessária a assegurar o livre desenvolvimento da existência burguesa.
O Estado e o Direito se apresentam como instrumentos aptos a legitimar e a realizar direitos que vão ao encontro da ideologia liberal que nega qualquer ingestão do Estado nas relações individuais e sociais, ficando seu papel reduzido a simples guardião das liberdades. Destacam-se os direitos à liberdade, à propriedade privada, à segurança, à igualdade de todos perante a lei e os direitos políticos, todos estes são tidos como direitos de primeira dimensão.
Ingo W. Sarlet e Tiago Fensterseifer asseveram que há à época:
a hipertrofia dos “direitos” e a consequente atrofia dos “deveres” no tratamento doutrinário” e isto resulta “portanto, dentre outros aspectos, de uma preocupação (absolutamente compreensível, especialmente em períodos pós-autoritários!) em parte excessiva – ainda mais quando com um viés meramente individualista – com a afirmação de um espaço de liberdade do cidadão em face da relação de forças travadas entre esse e o Estado[2].
O modelo de Estado Liberal também serviu para consolidar a ciência moderna, voltada “a conhecer as “leis” da natureza para dominá-la, sujeitá-la, controlá-la, colocá-la a serviço dos seres humanos”[3]. Assim, a Revolução Francesa e a Industrial “ao propiciarem a tomada do poder econômico e político pela burguesia, acabaram por consolidar a vertente que via a natureza como objeto amorfo, sem existência própria, a ser dominada, explorado e calado”[4].
Sobre o assunto, Lucas Abreu Barroso leciona que a promessa da dominação da natureza, e do seu uso em prol da comunidade, contido na ideologia liberal, serviu como fundamento para o desenvolvimento econômico experimentado na época, baseado em uma exploração excessiva e sem qualquer preocupação com os recursos naturais. E, antão, arremata o autor “cabe-nos agora ressaltar como o Estado Liberal de Direito assimilou tal paradigma de forma a dar legitimidade a uma incursão acelerada relativamente ao meio ambiente, às custas de degradação até então sem precedentes”[5].
No século XIX ocorreram transformações sociais e econômicas que alteraram o quadro social e político no qual se inseria o Estado Liberal, as quais foram impulsionadas, notadamente, pelas implicações das descobertas científicas que se processaram com maior celeridade a partir da Revolução Industrial, o aparecimento de gigantescas empresas fabris e da formação de grandes aglomerados urbanos. Todas essas mudanças fizeram com que também se alterasse o papel do Estado frente à sociedade, não sendo mais suficiente que se apresentasse apenas como um sujeito inerte e passivo.
Todavia, somente no século XX que o Estado Liberal viera a perder seu primado. Isso se deve a alterações econômicas, políticas e sociais que já vinham acontecendo, como exposto, mas que se acentuaram a partir da Primeira Guerra Mundial e que passaram a exigir a conformação da ordem social pelo Estado[6].
Nasce, assim, o Estado do Bem-Estar Social, no qual estão inseridos os direitos fundamentais de segunda dimensão, e que “fez-se intervencionista na sociedade e na economia nela praticada, exatamente para que os direitos sociais e econômicos fossem indistinta e genericamente assegurados. Sua atitude longe de ser passiva e indiferente em face do desenvolvimento e das relações econômico-sociais, era ativa”[7].
Se por um lado este modelo de estado tinha maior atuação social, por outro, não se desprendeu do liberalismo econômico, base do modelo de Estado Liberal. Acerca do tema Mário Lúcio Quintão Soares relata que “o compromisso político do Welfare State, alicerçado em constituição social, possibilitou crescimento econômico sem precedentes nos Estados industrializados”[8].
Logo, o Estado Social de Direito coexistiu com um avançado estágio do capitalismo industrial e não alterou sua estrutura econômica, o que propiciou a continuação de um crescimento econômico em que a exploração dos recursos naturais não encontrava limites ou qualquer regulação. Acerca disto são de Lucas Abreu Barroso:
Então, paradoxalmente, o Estado Social de Direito assiste inerte a uma propagação dos danos ao meio ambiente (…). A sociedade industrial, no decorrer e amadurecimento, e, mais tarde, a sociedade tecnológica, no momento em que irrompia, serviram de sustentáculo e justificativa para a expansão do modelo econômico vigente, que nunca olvidou do meio ambiente como principal fator do processo produtivo[9].
Como resultado de novas reivindicações, sobretudo devido ao impacto tecnológico e o estado de beligerância, e da capacidade de destruição, pelo homem, do ambiente que o rodeia, surgem os direitos fundamentais de terceira geração, os quais se destinam à proteção do homem em sua coletividade social, e não em sua individualidade. São denominados de direito de solidariedade ou fraternidade, e, entre outros, compreende: o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o direito à paz, o direito à solidariedade universal, à comunicação e ao desenvolvimento.
Nesse contexto, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, abrangendo a preservação da natureza em todos os seus elementos essenciais à vida humana, é elevada ao patamar de direito fundamental, pois, “a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido de que através dela, o que se protege é um valor maior: a qualidade da vida”[10].
A proteção do meio ambiente tornou-se uma tarefa inevitável do Estado Moderno, o que levou a autores como Canotilho a afirmarem que:
o Estado, com o seu dever de defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento territorial, como uma das tarefas básicas que lhe são cometidas, enquadradas nos princípios constitucionais fundamentais” transformou-se em um “Estado de direito democrático-ambiental”, haja vista admitir-se “o direito ao ambiente concebido como fim do Estado[11].
Então, os contornos sociais e jurídicos atuais demonstram que este modelo de Estado se apresenta como um Estado de direito, constitucional, democrático, social e ambiental. Quanto a esta última face, pode afirmar-se que Estado ambiental é aquele em que, em cooperação com os cidadãos, promove políticas públicas comprometidas com a sustentabilidade ambiental, assumindo, de uma vez por todas, a sua responsabilidade perante as gerações presentes e futuras.
Nesse sentido, preleciona Angélica Bauer Marques:
A lógica que orienta este novo modelo de Estado em construção é de que a sociedade política deve orientar seus esforços no sentido de levar a coletividade a preservar aquilo que existe e recuperar aquilo que deixou de existir. As funções deste Estado são de proteger e defender o meio ambiente, promover a educação ambiental, criar espaços de proteção ambiental e executar o planejamento ambiental. (…) a realização do Estado de direito ambiental envolve a ação e abstenção por parte do Estado e da sociedade civil, dentro de um processo comunicativo.[12]
Nas palavras de Canotilho, neste modelo de Estado:
ao lado do “direito ao ambiente”, há um “direito à proteção do ambiente”, que toma forma de deveres de proteção (Schutzpflichten) do Estado, expressando-se nos deveres atribuídos ao ente estatal de: a) combater os perigos (concretos) incidentes sobre o ambiente, a fim de garantir e proteger outros direitos fundamentais imbricados com o ambiente (direito à vida, à integridade física, à saúde, etc.); b) proteger os cidadãos (particulares) de agressões ao ambiente e qualidade de vida perpetrados por outros cidadãos (particulares).[13]
Os direitos e deveres de proteção ambiental, alicerçados no compromisso constitucional assumido pelo ente estatal, no sentido de tutelar e garantir uma vida digna aos seus cidadãos, vinculam todos os poderes estatais, de modo que estão, assim, obrigados, permanentemente, do dever de levar em conta o meio ambiente e de protegê-lo. Nesse sentido, vejamos:
Assim, uma vez que a proteção do ambiente é alçada ao status constitucional de direito fundamental (além de tarefa e dever do Estado e da sociedade) e o desfrute da qualidade ambiental passa a ser identificado como elemento indispensável ao pleno desenvolvimento da pessoa humana, qualquer “óbice” que interfira na concretização do direito em questão deve ser afastado pelo Estado (Legislador, Administrador, e Judicial), seja tal conduta (ou omissão) oriunda de particulares, seja ela oriunda do próprio Poder Público.[14]
É certo, também, que por força desses deveres de proteção e tutela adequado do meio, o Estado não pode omitir-se ou atuar de forma insuficiente na promoção e proteção a tal direito, sob pena de sua ação insuficiente ou omissão implicar afronta à ordem jurídico-constitucional.
Dentro desta perspectiva, o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado foi reconhecido pela Declaração Universal do Meio Ambiente, adotada pela Conferência das Nações Unidas, em Estocolmo, em julho de 1972, a qual firmou 26 princípios fundamentais de proteção ambiental[15], os quais irradiaram seus valores por diversas Constituições do mundo, e tiveram participação fundamental no processo de ecologização delas.
O ambientalismo passou a ser tema de grande importância nas constituições mais recentes, destacando-se a “Constituição da Bulgária de 1971, que, em seu art.31, declara que “a proteção, a salvaguarda da natureza e das riquezas naturais, da água, ar e solo (…) incube aos órgãos do Estado e é dever também de cada cidadão”[16], a Constituição da Grécia de 1975 e Constituição Portuguesa de 1976, “que deu formulação moderna ao tema, correlacionando-o com o direito à vida”[17]. Acerca desta trajetória de ecologização constitucional vejamos:
Há, em tal constatação, um aspecto que impressiona, pois na história do Direito poucos valores ou bens tiveram uma trajetória tão espetacular, passando, em poucos anos, de uma espécie de nada-jurídico ao ápice da hierarquia normativa, metendo-se com destaque nos pactos políticos nacionais.
(…) Nessa evolução acelerada, numa primeira onda de constitucionalização ambiental, sob a direta influência da Declaração de Estocolmo de 1972, vieram as novas Constituições dos países europeus que se libertavam de regimes ditatoriais, como a Grécia (1975), Portugal (1976) e Espanha (1978). Posteriormente, num segundo grupo, ainda em período fortemente marcado pelos padrões e linguagem de Estocolmo, foi a vez de países como o Brasil. Finalmente após a Rio-92, outras Constituições foram promulgadas ou reformadas (…). O exemplo mais recente deste grupo retardatário é a França, que em 2005 adotou sua Charte de l'environnement.[18]
E dentro deste processo de propagação de novas concepções, como o de desenvolvimento sustentável, precaução e biodiversidade, nos textos constitucionais, Herman Benjamin[19] nos mostra alguns dos benefícios dessa constitucionalização, são elas: 1) estabelecimento de um dever constitucional genérico de não degradar, base do regime de explorabilidade limitada e condicionada; 2) a ecologização da propriedade e da sua função social; 3) a proteção ambiental como direito ambiental; 4) legitimação estatal da função estatal reguladora; 5) redução da discricionariedade administrativa[20]; 6) ampliação da participação pública.
Portanto, o desenvolvimento desta consciência, a qual partiu de sua ausência até o reconhecimento, pelas Constituições mais recentes, do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, não foi de uma hora para outra, não caiu dos céus, mas, sim, foi fruto de uma evolução histórica, social e jurídica, a qual também pode ser constatada no ordenamento jurídico brasileiro, como veremos no tópico a seguir.
1.2. Do tratamento conferido ao meio ambiente nas Constituições brasileiras anteriores, ao reconhecimento pela Constituição Federal de 1988 do dever jurídico de proteção e obrigatoriedade de intervenção estatal na defesa do ambiente.
No Brasil, graças à concepção privatista ao direito da propriedade, a tutela jurídica ao meio ambiente sofreu certo atraso, prevalecendo, durante muito tempo, a desproteção total, o que propiciou a devastação de florestas, esgotamento de terras e inúmeras outras ameaças ao equilíbrio ecológico.
Assim, Édis Milaré informa que as Constituições que antecederam a de 1988 não se preocuparam em conferir proteção ao ambiente de forma específica e global, a ponto de “nelas, nem mesmo uma vez foi empregada a expressão meio ambiente, dando a revelar total inadvertência ou, até, despreocupação com o próprio espaço em que vivemos.”[21]
É mister destacar que o tratamento dispensado pelas constituições anteriores a de 1988 era feito sem uma visão holística do meio ambiente e sem qualquer preocupação com a sua preservação ou conservação, de modo que, o que se via nestas Constituições eram dispositivos que tinham por escopo a racionalização econômica das atividades de exploração dos recursos naturais, sem qualquer conotação protetiva.
A Constituição do Império de 1824 não fez qualquer menção à matéria,” apenas cuidando da proibição de indústrias contrárias à saúde do cidadão (art. 179, n. XXIV)”[22]. A primeira constituição republicana, de 1891, tão somente “atribuía competência legislativa à União Para legislar sobre as suas minas e terras (art. 34, n.29)”[23].
A Carta de 1934, em seus arts. 10, III, e 148, “dispensou proteção às belezas naturais, ao patrimônio histórico, artístico e cultural”[24], bem como, no art. 5, XIX, j, “conferiu à União Competência em matéria de riquezas do subsolo, mineração, águas, floresta, caça, pesca e sua exploração”[25].
Por sua vez, a Lei Maior de 1937 “se preocupou com a proteção dos monumentos históricos, artísticos e naturais, bem como das paisagens e locais especialmente dotados pela natureza (art. 134)”[26]; incluiu , no seu art. 16, XIV, a “competência da União Legislar sobre minas, águas, floresta, caça, pesca e sua exploração (art. 16, XIV); cuidou ainda da competência legislativa sobre subsolo, águas e florestas no art. 18, a e e, onde igualmente tratou da proteção das plantas e rebanhos contra moléstias e agentes nocivos”[27].
A Constituição de 1946, no art. 175, repetiu disposições acerca da “defesa do patrimônio histórico, cultural e paisagístico”, e manteve “como competência da União legislar sobre normas gerais da defesa da saúde, da riquezas do subsolo, das águas, floresta, caça e pesca”[28]. Já a Carta Magna de 1967 “insistiu na necessidade de proteção do patrimônio histórico, cultural e paisagístico (art. 172, parágrafo único); disse ser atribuição da União legislar sobre normas gerais de defesa da sáude, sobre jazidas, florestas, caça, pesca e água (art. 8, XVII, h)”[29].
A Emenda Constitucional n. 1, de 1969, em seu art. 180, parágrafo único, cuidou “da defesa do patrimônio histórico, cultural e paisagístico, enquanto o art. 172 dizia que “a lei regulará, mediante prévio levantamento ecológico, o aproveitamento agrícola de terras sujeitas a intempéries e calamidade e que o mau uso da terra impedirá o proprietário de receber incentivos e auxílio do Governo”[30]. Nela destaca-se o uso, pela primeira vez, do vocábulo “ecológico”.
A Constituição Federal de 1988, alinhada com a evolução do direito constitucional experimentada por outros países no final do século XX, notadamente por influência do ordenamento internacional, especialmente pela Declaração de Estocolmo das Nações Unidas sobre Meio Ambiente humano, consagrou, em capítulo próprio, o direito, e o dever, ao ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental do indivíduo e da coletividade, bem como estabeleceu a proteção ambiental como um dos objetivos ou tarefas do Estado.
A Constituição de 1988 foi, portanto, a primeira, dentre as constituições pátrias, a tratar deliberadamente da questão ambiental em termos amplos, moderno e global, a tal ponto que se pode afirmar que ela é uma constituição ambientalista.
Ela dedica um capítulo específico sobre o meio ambiente, que é o Capítulo VI do Título VIII, da “Ordem Social”, sendo neste capítulo que se encontra o núcleo da tutela protetiva ambiental, não sendo, porém, o único a tratá-lo. Quanto a isso, José Afonso da Silva[31] leciona que a questão ambiental aparece no texto constitucional mediante referência explícita ou implícita, sendo que aquelas aparecem de modo claro no texto e estas se apresentam “sob o véu de outros objetos da normatividade constitucional”, e que para se ter a adequada compreensão da temática ambiental, é necessário que aquele capítulo seja interpretado conjuntamente com as referências implícitas e explícitas que constam na Carta Constitucional.
O Direito Ambiental possui o seu núcleo normativo no Capítulo VI Título VIII, que só contém o art. 255, com seus incisos e parágrafos. Este artigo, seguindo, ainda, as lições de José Afonso da Silva[32], revela três conjunto de normas: o primeiro aparece no caput, onde se inscreve a norma-princípio, a norma-matriz, a qual revela o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; o segundo encontra-se no § 1º, e seus incisos, que versa sobre os instrumentos de garantia e efetividade do direito tutelado no caput; o terceiro compreende um conjunto de determinações particulares, relativo a objetos e setores, que por tratarem de áreas e situações de elevado conteúdo ecológico, merecem desde logo proteção constitucional.
Acerca da norma-matriz (caput do art. 255[33]), cabe tecer alguns comentários. Primeiramente, criou-se um direito constitucional fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e como todo direito fundamental, ele é indisponível, uma vez que a preservação deve ser feita no interessa das presentes e futuras gerações. “Estabeleceu-se, por via de consequência, um dever não apenas moral, como também jurídico e de natureza constitucional, para as gerações atuais de transmitir esses 'patrimônio' ambiental às gerações que nos sucederem e nas melhores condições do ponto de vista do equilíbrio ecológico”[34].
O uso do pronome indefinido “todos” demostra que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é de cada indivíduo, independentemente de sexo, cor, idade ou nacionalidade, mas também é da coletividade, sendo, portanto, transindividual e difuso. Sendo, assim, o meio ambiente é bem de uso comum do povo, é um bem que não está da disponibilidade particular de ninguém, nem da pessoa privada, nem da pessoa pública. De modo que toda a sociedade tem direito sobre os elementos que integram o meio ambiente. Nesse sentido, vejamos as lições de Paulo Affonso Leme Machado:
A constituição, em seu art. 225, deu uma nova dimensão ao conceito de meio ambiente como bem de uso comum do povo. Não elimina o antigo, mas o amplia. Insere a função social e função ambiental da propriedade (arts. 5, XVIII, e 170, III e VI) como bases da gestão do meio ambiente, ultrapassando o conceito de propriedade privada e pública. O poder público passa a figurar não como proprietário de bens ambientais – das águas e da fauna -, mas como gestor ou gerente, que administra bens que não são dele e, por isso, deve explicar convincentemente sua gestão. A aceitação dessa concepção jurídica vai conduzir o Poder Público a melhor informar, a alargar a participação da sociedade civil na gestão dos bens ambientais e a ter que prestar contas sobre a utilização dos “bens de uso comum do povo”, concretizando um “Estado Democrático e Ecológico de Direito.[35]
Além de ser bem comum do povo, o meio ambiente é reputado bem essencial à sadia qualidade de vida, o que revela seu caráter instrumental, pois, apenas em um meio ambiente equilibrado se consegue reunir todas as condições necessárias que dão suporte a própria vida.
É preciso destacar também que o cidadão deixa de ser mero titular do direito ao meio ambiente equilibrado e passar a ter a titularidade de um dever, que é o de defendê-lo e preservá-lo. Não sendo papel apenas do Estado, sozinho, de defendê-lo, já que essa tarefa não pode ser realizada de forma eficiente sem a cooperação da sociedade.
Por outro lado, cria-se para o Poder Público um dever constitucional, caracterizado por verdadeira obrigação de fazer, de atuar pela defesa e proteção do meio ambiente, de modo que o Poder Público não atua neste campo porque quer, mas sim porque lhe é determinado pelo constituinte originário. Nesse sentido Édis Milaré observa que “não mais, tem o Poder Público uma mera faculdade na matéria, mas está atado por verdadeiro dever. Quanto à possibilidade de ação positiva de defesa e preservação, sua atuação transforma-se de discricionária em vinculada”[36].
Há, desta forma, nas palavras de Ingo W. Sarlet e Tiago Fensterseifer, o reconhecimento pela Carta Magna de 1988, de uma “dupla funcionalidade da proteção ambiental no ordenamento jurídico brasileiro, que assume a forma de um objetivo e tarefa do Estado quanto de um direito (dever) fundamental do indivíduo e da coletividade, implicando todo um complexo de direitos e deveres fundamentais de cunho ecológico”[37].
A própria Carta Magna de 1988, nos incisos do § 1º do art. 225[38], estabelece, de forma exemplificativa, vária medidas de proteção a serem levadas em consideração pelo Estado, consubstanciando, na palavras destes autores, um verdadeiro “dever geral de proteção do Estado”[39].[40].
O atual perfil constitucional do Estado Ambiental e Democrático de Direito brasileiro, desenhado pela Carta Constitucional de 1988, também coloca para o Estado brasileiro a proibição de interferir de modo excessivo e ilegítimo, a ponto de violar o núcleo essencial do direito fundamental em questão, de modo que tem que respeitar tal direito fundamental, bem como a missão de proteção e promoção ambiental, mediante medidas de caráter positivo, prestacional. Nesse sentido, explica Ingo W. Sarlet e Tiago Fensterseifer:
No que tange aos seus deveres de proteção ambiental, incumbe medidas positivas no sentido de assegurar a tutela do ambiente, de tal sorte que a ação estatal acaba por se situar, no âmbito do que se convencionou designar de uma dupla face (ou dupla dimensão) do princípio da proporcionalidade, entre a proibição de excesso de intervenção, por um lado, e a proibição de insuficiência de proteção, por outro.[41]
Ademais, todos os Poderes Estatais, Executivo, legislativo e Judiciário, desta feita, estão obrigados constitucionalmente, na forma de deveres de proteção ambiental, a atuarem, cada um no seu âmbito de competência, de modo a obterem a maior eficácia e efetividade possível dos direitos e deveres fundamentais de cunho ecológico.
Por força dos deveres de proteção ambiental atribuídos constitucionalmente, e aos quais o Estado está vinculado, é certo que ele não pode omitir-se ou atuar de forma insuficiente no tocante ao seu dever de assegurar, promover e proteger o direito fundamental do indivíduo e da coletividade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Neste contexto, tem-se, diante da não adoção, pelo Estado, de medidas de proteção ou diante de sua precariedade no sentido de assegurar efetividade a tal direito, por caracterizada afronta ao plano constitucionalmente traçado, o qual aponta para um Estado promotor e guardião do ambiente.
Portanto, escoimado nas lições de Ingo W. Sarlet e Tiago Fensterseifer, pode se concluir que:
“a não atuação ( quando lhe é imposto juridicamente) ou a atuação insuficiente (de modo a não proteger o direito fundamental de modo adequado e suficiente), no tocante a medidas legislativas e administrativas voltadas ao combate às causas geradoras da degradação do ambiente, pode ensejar até mesmo a responsabilidade do Estado, inclusive no sentido de reparar os danos causados ao indivíduo e grupos sociais pelos efeitos negativos dos danos ambientais.”[42]
2. Responsabilidade do Estado pelo dano ambiental
2.1. Dano Ambiental
Antes de elaborar maiores considerações acerca da responsabilidade civil do Estado por danos ambientais, é necessário compreender o que se entende por dano ambiental, bem como tecer algumas considerações sobre suas peculiaridades, as quais passam a justificar um tratamento especial, diferenciado do tratamento que lhe seria dado caso se adotasse o regime de responsabilidade civil nos moldes tradicionais.
A legislação brasileira não chega a conceituar o dano ambiental, todavia, o art. 3 da Lei 6.938/1981 traz a definição do que é degradação ambiental e poluição ambiental[43]. Sendo assim, o legislador infraconstitucional vinculou, de modo indissociável, poluição e degradação ambiental, uma vez que a lei expressamente dispõe que a poluição resulta da degradação, que se tipifica pelo resultado danoso, independentemente da observância de regras ou padrões específicos.
Logo, a lei não discute se a atividade degradadora ou causadora do dano ambiental foi lícita ou ilícita, se observou ou não as normas ou padrões estabelecidas pelo Poder Público, mas sim se houve, ou não, alterações negativas significativas da qualidade ambiental, e uma vez constatadas, caracterizam-se o dano e a responsabilidade civil.
A lei também ampliou o significado do termo poluição, já que sua noção “é um misto do pensamento antropocêntrico (“prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população”, “criem condições adversas às atividades sociais e econômicas”, “afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente”) e ecocêntrico (“afetem desfavoravelmente a biota”)”[44].Bem como atrelou à noção de dano, não somente as lesões causadas ao elementos naturais, mas também aos artificiais e culturais, os quais são indispensáveis à sadia qualidade de vida.
Logo, identificasse também uma dupla face do dano ambiental, pois os seus efeitos alcançam o homem e o ambiente ao seu redor, nesse sentido a Lei 6.938/1981 prevê, expressamente mo art. 14, § 1o, as duas modalidade, ao fazer referência a “danos causados ao meio ambiente e a terceiros”.
Atento a isto, José Rubens Morato leite afirma que o dano ambiental constitui uma expressão ambivalente, pois em uma primeira acepção significa “uma alteração indesejável ao conjunto de elementos chamados meio ambiente”[45], de modo a se caracterizar como uma lesão ao direito fundamental que todos têm ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; e em uma segunda acepção, o dano ambiental englobaria “os efeitos que esta modificação gera na saúde das pessoas e em seus interesses”[46].
Sendo assim, a doutrina distingue o dano ambiental coletivo (também chamado de dano ambiental em sentido estrito, dano ambiental propriamente dito ou dano ecológico), causado aos elementos naturais do meio ambiente, em sua concepção difusa, como bem comum de todos, do dano ambiental pessoal, sofrido, em ricochete, pelas pessoas, sejam estes danos patrimoniais ou extrapatrimoniais. Percebe-se, então, que os danos ambientais são gêneros, nos quais localizamos aquelas e estas espécies de dano.
A partir dessas considerações, podemos lançar mão dos conceitos de dano ambiental de Morato Leite:
dano ambiental deve ser compreendido como toda lesão intolerável causada por qualquer ação humana (culposa ou não) ao meio ambiente, diretamente, como macrobem de interesses da coletividade, em uma concepção totalizante, e indiretamente, a terceiros, tendo em vista interesses próprios e individualizáveis e que refletem no macrobem.[47]
2.1.1 Peculiaridades do dano ambiental
O dano ambiental apresenta características muito peculiares, ou seja, apresenta elementos que nem sempre são encontrados nos danos comuns, motivo pelo qual se faz necessário um tratamento especial, são razões para assim proceder:
a) Primeiramente, é mister destacar que o bem jurídico tutelado, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, integra a categoria de valores fundamentais da nossa sociedade, o que é reconhecido pela norma constitucional brasileira. Ademais, o meio ambiente é um bem incorpóreo, imaterial, insusceptível de apropriação exclusiva e de interesse da coletividade;
b) Suas consequências são, não raras vezes, de caráter irreversível e irreparável, o que torna demasiadamente difícil sua quantificação. Motivos pelo quais é vital que seja adotada, primordialmente, uma postura, tanto por parte do Estado como da sociedade, preventiva, ao invés de uma simplesmente punitiva ou que vise a reparação, a qual nem sempre é possível.
O dano ambiental diferencia-se também em virtude do modo de sua reparação, pois a simples compensação financeira não é compatível com os postulados do direito ambiental. E mesmo quando se faz necessária a fixação da indenização em pecúnia, se apresenta outra dificuldade que é a quantificação dos prejuízos, haja vista que alguns bens ambientais não têm valor patrimonial;
c) Na constatação do dano ambiental é que se vê a interdisciplinaridade do Direito ambiental, pois, é através de recursos tecnológicos, conhecimentos científicos e de disciplinas como Física, Química e Biologia que se consegue aferir e determinar a sua existência e consequências.
Antônio Herman Benjamin[48] assinala que “toda a matéria ambiental – até pela novidade e extensão do tema – é informada pela incerteza científica, com lacunas e conflitos de opiniões entre cientistas”.
Além do mais, Branca Martins da Cruz[49] observa que a definição de dano ambiental é condicionada a fatores socioeconômicos, razão pela qual sua definição é fruto, não apenas do conhecimento científico, mas, também, de decisão política, em que são levados em consideração aspectos sociais, econômicos e ambientais;
d) Verifica-se a difícil identificação dos sujeitos da relação jurídica obrigacional, “pois a “dobradinha” autor-vítima quase nunca aparece com seus contornos bem definidos (atuação coletiva e vitimização também coletiva, com a consequente fragmentação de responsabilidade e de titularidade)”[50].
No tocante a identificação do agente poluidor, autor do dano, trata-se de tarefa árdua, já que nem sempre é possível, principalmente nos “casos chamados de danos anônimos (emissão de veículos nas grandes cidades, p. ex.)”[51], ou nos casos de “poluição histórica, ou seja, do dano causado pela acumulação de poluentes ao longo de anos e anos de utilização-exploração de determinada área.”[52].
Logo, o dano ambiental é, principalmente, coletivo, visto que resulta de comportamentos sociais massificados, onde o dano, com frequência, é resultado de várias condutas que, se analisadas de forma separadas, são insignificantes e nada causam, entretanto, será constatado caso sejam somadas e levados em consideração todas as ações isoladas e seus efeitos cumulativos e sinérgicos que existem entre elas. Nesse sentido assevera Antônio Herman Benjamin:
Outra é a realidade trazida pelo Direito Ambiental, onde o dano, com frequência, é resultado de riscos-agregados criados por várias empresas independentes entre si. E mais, frequentemente o risco de uma simples fonte é, em verdade, insignificante ou incapaz de causar, sozinho, o prejuízo sofrido pela vitima ou vítimas. Daí que, também na perspectiva dos seus causadores, o dano ambiental é, essencialmente, coletivo.[53]
Também não é fácil definir com precisão o universo das vítimas, pois o dano não se manifesta de imediato, podendo vir a se manifestar anos após o fato gerador, ou seja, sua consequências só serão detectáveis no futuro, de modo que não é possível identificar , desde logo, os sujeitos atingidos, já que o evento danoso poderá vir a atingir pessoas que sequer nasceram ou foram concebidas;
e) O caráter indireto e difuso do ano ambiental também gera problemas relativos ao estabelecimento da cadeia causal, na verificação do nexo de causalidade entre a ação e o resultado danoso, logo, a fim de assegurar maior proteção ao ambiente, se fazem necessárias a sua atenuação e a inversão do ônus da prova, o que será analisado mais na frente.
Desta feita, a responsabilidade civil em sua formulação tradicional, a qual exige a identificação de dano certo e delimitado, comportamento culposo, autor e vítima claramente identificados, bem como nexo causal estritamente identificado, revela a sua inadaptabilidade à complexidade e peculiaridades do dano ambiental, de modo que se fosse aplicado em sua acepção tradicional “não poderia agregar muito à proteção do meio ambiente; seria mais um caso de law in the books, o Direito sem aplicação prática”[54].
Consequentemente, diante do imperativo de compatibilizar o modelo clássico às necessidades e características do dano na seara ambiental, Antônio Herman Benjamin[55] leciona que o Direito Ambiental faz uso de diversos mecanismos, tais como: ampliação do rol dos sujeitos responsáveis, adotando-se a solidariedade entre eles; flexibilização do universo de eventuais vítimas; afastamento integral da exigência de culpa; facilitação da prova de causalidade, inclusive com a inversão do ônus da prova, entre outros.
2.2 Dos regimes de responsabilidade civil por danos ambientais
Imaginou-se, em princípio, que seria possível resolver os problemas relativos aos danos ambientais pela teoria da culpa, pela responsabilidade extracontratual subjetiva, segunda a qual o dever ressarcitório pela prática de atos ilícitos surge da constatação de alguns elementos: da culpa em sentido amplo, necessitando verificar a vontade do autor, seja pelo dolo (consciência e vontade de praticar o ato) ou pela culpa em sentido estrito (violação do dever de diligência e cuidado). Assim, sem culpa, não há reparação; a “existência de um dano certo e efetivo, ou seja, lesão não pode ser hipotética e deve ficar patente a sua repercussão sobre a pessoa ou patrimônio desta.”[56], de modo que o dano tradicional pressupõe que ele seja pessoal; e o nexo causal entre a conduta do agente e o dano causado.
Do somatório destes pressupostos básicos surge o dever de indenizar. Logo, percebe-se que “a responsabilidade civil estava desenhada para situações onde a equação conflitativa, tipicamente inter-subjetiva, operava no plano individual, um-contra-um ou Tício versus Caio.”[57]
Diante desta constatação, vê-se que as regras clássicas de responsabilidade civil não ofereciam proteção adequada e suficiente às vítimas do dano ambiental. Primeiro porque este, como já exposto no item anterior, via de regra, possui natureza difusa, atingindo uma pluralidade vítimas, algumas que sequer foram concebidas. Segundo, pela dificuldade de prova da culpa, posto que a maioria das atividades lesivas ao meio ambiente são lícitas, contam com autorização ou licença administrativa, de modo que elas têm aparência de legalidade, o que excluiria a responsabilidade do agente poluidor. Assim, impor à vítima a demonstração da culpa do autor do dano, seria o mesmo que negá-la, a priori, o direito à reparação, e deixar impune o degradador.
Morato Leite nesse sentido manifesta:
É oportuno reafirmar que a responsabilização subjetiva, por culpa, limita a aplicação do regime de responsabilidade civil por dano ambiental, considerando que boa parte das condutas lesivas ao meio ambiente não são contra legem, pois contam, muitas vezes, com a autorização administrativa requerida, o que elimina a existência de culpa.[58]
Atento a esta realidade, o legislador brasileiro editou a Lei 6.938/81, instituidora da Política Nacional do Meio Ambiente, o qual, em seu art. 14, § 1º[59], deu o devido tratamento à matéria, substituindo a responsabilidade subjetiva, com base na culpa, pelo regime da responsabilidade objetiva, fundamentada no risco da atividade, ou seja, nos riscos advindos das atividades que potencializam um dano ambiental.
Por sua vez, a Constituição Federal de 1988, também atenta, já que era preciso uma adequação aos danos ligados a interesses difusos, constitucionalizou a responsabilidade civil objetiva do poluidor ao recepcionar a Lei 6.938/81, vide arts. 21, XXIII, d, o qual dispõe que a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa, e art. 225, especialmente o §§ 2º e 3º, supracitado.
Pode se estranhar o fato de o art. 225, § § 2º e 3º, da CF não ter previsto expressamente a responsabilidade objetiva, como o fez no art. 21, XXIII, d, ao tratar da atividade nuclear, contudo, Antônio Herman V. Benjamin[60] explica que esse aparente lapso do legislador constitucional aconteceu por três motivos: primeiro por razões históricas, haja vista que o programa nuclear sempre levantou suspeitas e inquietações no meio científico e político, seja pelo potencial uso bélico, seja pelo fato de ser administrado direta ou indiretamente pelos militares. Logo, para se afastar esses fantasmas do passado era necessário deixar explícito que o seu caráter pacífico e da responsabilidade civil independentemente da culpa; em segundo lugar, seria consequência lógica e necessária do tratamento constitucional de valorização do meio ambiente, assim somente a partir da ótica objetiva seria possível cumprir os mandamentos do caput do art. 225; a terceira razão seria dogmática, uma vez que o art. 21 usa a expressão “responsabilidade civil”, enquanto o art. 225 usa “reparação”, dois termos que não são fungíveis. Segundo o autor, enquanto reparação é utilizada, via de regra, para ser feita referência à responsabilidade civil objetiva, Responsabilidade conduz a ideia de culpa, e para se evitar esse efeito é necessário acrescer a expressão “independentemente da existência de culpa”.
Oportuna se faz trazer as conclusões deste autor acerca do assunto:
Em resumo, podemos concluir que certas áreas da conflituosidade humana (relações dos cidadãos com o Estado e seus agentes, atividades perigosas) são modernamente tidas como natural e intrinsecamente de responsabilidade civil objetiva. A regra, então, ao reverso do que se dá no Direito Clássico, passa a ser a de que eventual exigência de culpa precisa constar expressamente do texto legal.
Vale dizer, pelo simples fato de que a Constituição Federal, art. 225, § 3º não ter estabelecido qualquer critério ou elemento vinculativo à culpa como determinante para o dever de reparar o dano causado ao meio ambiente, então a responsabilidade daí decorrente é do tipo objetiva.[61]
Verifica-se, desse modo, que o fundamento da responsabilidade civil é o risco, baseado na ideia de que o agente responde pela indenização em virtude de haver realizado uma atividade apta a produzir risco.
Segundo a visão objetivista não cabe indagar como ou porque ocorreu o dano, sendo suficiente a prova da ocorrência do dano e do vínculo causal deste com uma determinada atividade para ser assegurada, à vítima, sua indenização. Em outras palavras, “passa a lei a procurar identificar um responsável pela indenização, e não necessariamente um culpado, individualmente tomado”[62].
Este tipo de responsabilidade se coaduna com os preceitos de justiça distributiva, haja vista que aquele que realiza uma atividade potencialmente danosa e lucra com ela deve responder pelos riscos ou desvantagens dela resultantes. “Assume o agente todos os riscos de sua atividade, pondo-se fim, em tese, à prática inadmissível da socialização do prejuízo e privatização do lucro”[63].
Por outro lado, a responsabilidade objetiva apresenta também uma feição preventiva, já que ela estimula o potencial degradador a pesquisar, instalar equipamentos e estruturar-se no intuito de neutralizar as emissões nocivas, considerando que os custos de medidas profiláticas são menores que a de uma eventual indenização.
Além do mais, é importante frisar que o Direito Ambiental brasileiro, diante do quadro alarmante da degradação ambiental do país e do perfil constitucional do bem protegido, considerado como bem e direito de todos, inclusive das futuras gerações, essencial a qualidade de vida e incumbindo a todos o dever de assegurar a devida proteção, abriga a responsabilidade civil em sua forma objetiva com base na teoria do risco integral, que é aquela que para se caracterizar o dever de indenizar basta se fazer presente o dano, ainda que em caso fortuito, de força maior, ou de fato exclusivo de terceiro[64].
Ao encontro desta posição, Sérgio Ferraz já adotava tal posicionamento antes da entrada em vigo da lei instituidora da Política Nacional do Meio Ambiente, quando sustentava que “em termos de dano ecológico, não se pode pensar em outra colocação que não seja a do risco integral. Não se pode pensar em outra malha que não seja a malha realmente bem apertada, que possa, na primeira jogada de rede, colher todo e qualquer possível responsável pelo prejuízo ambiental.”[65]
A respeito da questão afirma Mancuso:
(…) se nos afastarmos da responsabilidade objetiva, ou se permitirmos brechas nesse sistema, os interesses relevantíssimos pertinentes à ecologia e ao patrimônio cultural correrão alto risco de não restarem tutelados ou reparados, porque a força e a malícia dos grandes grupos financeiros, cujas atividades atentam contra aqueles interesses, logo encontrarão maneiras de safar-se à responsabilidade (...) [66]
Ainda neste diapasão, Benjamim leciona que devido a influência dos princípios da precaução, do poluidor-pagador e da reparabilidade integral no regime jurídico da responsabilidade civil pelo dano ambiental, “são vedadas todas as formas e fórmulas, legais ou constitucionais, de exclusão, modificação ou limitação da reparação ambiental, que deve ser sempre integral assegurando a proteção efetiva ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.[67]”Caso fosse possível invocar o caso fortuito ou a força maior como causas excludentes da responsabilidade civil por dano ecológico, ficaria fora da incidência da lei inúmeros casos de poluição ambiental.
Morato Leite, ao examinar a teoria do risco integral, traz um exemplo esclarecedor de Adalberto Pasqualotto acerca da não aceitação das excludentes: “o raio que atinge o paiol é a causa da explosão e dos danos consequentes. A condição do paiol foi condição do evento. Se o galpão estivesse vazio, não haveria explosão nem dano”[68]. Logo, não há porque aceitar as excludentes invocadas, haja vista que a existência da atividade, como neste exemplo, por si só, é reputada como condição para o evento danoso.
Adota-se aqui o entendimento da parcela da doutrina que não aceita as clássicas excludentes da responsabilidade, como caso fortuito e força maior, em se tratando de interesses difusos e meio ambiente,[69] a qual é a prevalecente, segundo Morato Leite[70]. Desta feita, pode se concluir que a adoção da teoria do risco integral traz como consequências principais para que exista o dever de indenizar: a prescindibilidade da investigação da culpa; irrelevância da licitude da atividade; e a não aplicação das causas de exclusão da responsabilidade civil[71].
É de observar, ainda, que a responsabilidade civil nos moldes objetivos não resolve sozinho todos os problemas relativos ao direito ambiental, uma vez que certos danos ambientais apresentam uma característica desafiadora, a irreversibilidade. Diante deste fato, a reponsabilidade civil sempre exercerá um papel complementar, pois o Direito Ambiental prioriza a prevenção. Corroborando esta afirmação, Herman Benjamin traz a seguinte lição:
De tudo retiramos a seguinte síntese: a) a responsabilidade civil, após acertos dogmáticos, é um instrumento válido de proteção ao meio ambiente; b) sua atuação nunca será monopolizadora, mas condominial, incluída num bloco mais amplo de mecanismos de tutela ambiental; c) a concretização de um bom sistema de responsabilidade civil não ocorrerá só com as incursões renovadoras no plano substantivo ou, neste, apenas com a exclusão da exigência de culpa. O processo civil, em última análise, guarda no bolso a chave da porta dos fundos do regime de reparação das vítimas de danos ambientais.[72]
2.3 Pressupostos da responsabilidade por dano ambiental
2.3.1 Evento danoso
O evento danoso, como visto, vem a ser resultado de atividades que, direta ou indiretamente, causem degradação ao meio ambiente, sendo susceptíveis de composição tanto as lesões materiais quanto as imateriais. Neste ponto, nos aparece a difícil questão de se precisar o limite da tolerabilidade do meio ambiente a uma agressão, de se delimitar a zona de fronteira entre o uso e o abuso, pois é sabido que nem todo atentado ao meio ambiente e seus elementos resulta, necessariamente, em um prejuízo à qualidade ambiental.
É importante salientar aqui que os padrões de emissão de certas substâncias consideradas potencialmente poluidoras, como quantidades máximas que podem vir a serem expelidas e mantidas no meio ambiente, não garantem que uma atividade não venha a ser caracterizada como poluidora. “Dessa forma, nem sempre os parâmetros oficiais são ajustados à realidade sanitária e ambiental, decorre daí, que, mesmo em se observando essas normas, as pessoas e a natureza sofrem prejuízos”[73]. Ao encontro do defendido, Álvaro Luiz Valery Mirra assinala:
O fato de a atividade do demandado estar em conformidade com as normas que estabeleceram um certo limite de tolerabilidade não vincula jamais o julgador: se na demanda de reparação restar provado que o meio ambiente não conseguiu absorver e reciclar as agressões que ele sofreu, haverá dano e, por via de consequência, reparação, pouco importando a obediência pelo degradador dos padrões de emissão de substâncias potencialmente poluidoras ou dos padrões de qualidade do meio receptor, pré-determinados administrativamente.[74]
Esta mesma linha de entendimento foi defendida na decisão de ação civil pública, movida pelo Ministério Público, tendo por objetivo a responsabilização do degradador e a cessação de atividade nociva provocada pela queima da palha da cana-de-açúcar. No fundamento do mérito tem-se:
No entanto, é importante salientar que o mero respeito aos padrões de emissão ou de imissão não garantem, por si só, que uma atividade não seja poluidora. Isso porque tais padrões normatizados são meramente indicativos de que as concentrações previamente fixadas de uma dada substância ou matéria no ar não causarão prejuízos à saúde pública, às espécies de fauna e da flora e aos ecossistemas. Pode ocorrer, porém, que apesar de plenamente conforme os padrões estabelecidos, o lançamento de uma determinada substância se mostre nociva e daí será indispensável a sua redução ou proibição para compatibilizá-la com o objetivo básico dessa técnica, que é evitar a poluição.[75]
Este posicionamento é extraído do próprio art. 3 da Lei 6.938/1981, segundo a qual a poluição não se caracteriza apenas pela inobservância de normas e padrões específicos, mas também pela degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que diretamente ou indiretamente: a) prejudique a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente.
A aferição do limite de tolerabilidade não deve ser feita no plano normativo, segundo normas pré-determinadas, mas, sim, no plano fático, uma vez que é no caso concreto que se examinará se a alteração ambiental prejudicou ou não a capacidade de fruição do bem ambiental ou a sua capacidade funcional ecológica.
E, seguindo o ensinamento de Mirra[76], é fundamental que no caso concreto, ao ser executado o confronto entre o ponto máximo aceitável de intervenção e a capacidade de resistência do meio receptor às perturbações, que se prestigie a ideia de prudência e precaução, ao invés da tolerância.
2.3.2 Nexo de causalidade
No regime da responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco da atividade, para que se possa pleitear a reparação do dano, basta a demonstração do evento danoso e do nexo de causalidade, devendo existir entre a atividade do agente, omissiva ou comissiva, e o evento danoso, uma relação causal.
Dito desta forma, tudo parece simples e fácil, todavia, o nexo de causalidade suscita grandes dificuldades, as quais são agravadas ainda mais quando o bem jurídico que se busca tutelar é o meio ambiente, já que a partir do momento que a ideia de culpa é afastada, a causalidade passa a ser a questão mais importante.
Desta maneira, que a simples adoção da responsabilidade objetiva não elimina todas as dificuldades trazidas pela complexidade do dano ambiental, pois se tem que passar pelo difícil procedimento de comprovação do liame de causalidade entre o fato e a lesão.
No caso específico de lides ambientais é possível identificar alguns motivos para a dificuldade da prova da relação de causalidade da lesão ambiental: a) dificuldades técnicas e periciais, devido à carência de conhecimento científico e às incertezas que rodeiam as questões ambientais, o que torna difícil a identificação, de forma inequívoca, das dimensões que determinados danos causam ao meio ambiente; b) algumas consequências danosas só se manifestam após o decurso de um longo lapso temporal, é o que se chama de ação retardada. Nota-se que os riscos desta ação podem aumentar devido ao fato de poderem somar-se a emissões posteriores, o que atrapalha na identificação dos causadores do dano; c) não raras vezes existe enorme distância entre o possível local emissor e o local onde os efeitos danosos são sentidos; d) o dano também pode ser oriundo de emissões indeterminadas e cumulativas.
É o que Herman Benjamin[77] vem a chamar de “império da dispersão do nexo causal”, pois o dano pode ser atribuído a uma multiplicidade de causas, fontes e comportamentos, o que somado a outros problemas, como o exposto no parágrafo anterior e no tópico 2.2.1 “Das peculiaridades do dano ambiental”, conduzem à “pulverização própria ideia de nexo de causalidade”, sendo desafiador relacionar causa e efeito na maioria dos problemas ambientais.
A respeito, afirma Gisela Cruz:
Quando se trata de dano ambiental, por exemplo, a prova do nexo de causalidade transforma-se em obstáculo quase instransponível ao direito das vítimas à indenização. Isto porque o dano ambiental quase sempre resulta de mais de uma causa – causas concorrentes simultâneas ou sucessivas -, manifestando-se de forma lenta e progressiva. A degradação do meio ambiente é, em regra, fruto de comportamentos cumulativos que se operam ao longo do tempo. A prova do nexo causal é, então, dificultada pela distância temporal entre o fato gerador e o dano.[78]
No entanto, essa complexidade não diminui o dever do poluidor reparar os danos causados. No intuito de dirimir estes percalços, podem ser adotados técnicas processuais, as quais serão aqui expostas e analisadas.
Levando-se em conta que o dano ambiental é de difícil individualização, como já afirmado, a solução adotada pela doutrina e pelo legislador brasileiro, nos casos em que foi causado conjuntamente, foi a adoção da regra da solidariedade passiva. Nesse sentido é o entendimento de José Afonso da Silva: “Aplicam-se as regras da solidariedade entre os responsáveis, podendo a reparação ser exigida de todos e de qualquer um dos responsáveis”[79]. Isso também pode ser extraído da do art. 3, inc. IV, da Lei 6.938/81, ao estabelecer que “poluidor é a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”.
Vê-se que a noção de poluidor é ampla e inclui aqueles que diretamente causaram dano ambiental, bem como que indiretamente contribuíram com ele, facilitando, assim, a recomposição do prejuízo. No “direito brasileiro, especialmente após a Constituição Federal de 1988 (é dever de todos...), não admite qualquer distinção – a não ser no plano do regresso – entre causa principal, causa acessória e concausa”[80].
Diante das peculiaridades do dano ambiental também vem se defendendo a necessidade de facilitar, relaxar a carga probatória do nexo causal daqueles que demandam a reparação do dano ambiental individual ou coletivo, através da substituição da certeza pela verossimilhança, probabilidade[81].
“Faz-se mister para melhorar a situação do lesado, com relação à prova da causalidade, não lhe impor a certeza, mas apenas a probabilidade satisfatória”[82]. Abre-se, dessa maneira, a possibilidade de o nexo causal ser provado através de presunções, as quais seriam relativas, o que substitui a certeza pela probabilidade.
Branca Martins Cruz[83] assinala a necessidade de se evoluir, na questão ambiental, para uma teoria da causalidade baseada em juízos de probabilidade, fundados da experiência social e no conhecimento científico, de formar a abandonar a procura de uma causalidade certa e absoluta.
Esse abrandamento do nexo causal decorre da tamanha importância e primazia que é dada pela Constituição Federal de 1988 ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo essencial, para se atingir e garantir essa qualidade, obter de forma célere a prevenção do dano ou sua plena recuperação, não podendo servir o processo de óbice ao integral ressarcimento do dano, sob pena de se tornar irreparável do ponto de vista fático.
Por outro lado, isto também decorre do próprio risco inerente às atividades poluidoras ou potencialmente poluidoras assumido por aqueles que as desenvolvem[84]. No mesmo sentido Nélson Nery Júnior e Rosa Maria B. B. de Andrade Nery[85] entendem que a adoção da teoria do risco faz com que o nexo causal deva ser reconhecido com a só demonstração da existência de ato que ser revele como potencial causador do dano.
Ao encontro da opinião exarada, encontra-se a de José Afonso da Silva, para quem dever haver “a atenuação do relevo do nexo causal, bastando que a atividade do agente seja potencialmente degradante para sua implicação nas malhas da responsabilidade.”[86]Portanto, seguindo a lição de Nelson de Freitas Porfírio Júnior, conclui-se "que o nexo causal deve verificar-se objetivamente de forma atenuada, bastando a existência de lesão e do risco preexistente de criá-lo, o qual deve ser considerado condição da existência do dano, ainda que não se possa demonstrar ter sido sua causa direta.”[87]
Trazendo a questão para a responsabilidade do Estado, pensamos, com base no ensinamento de Ricardo Cavalcante Barroso[88], que pode ser adotada a presunção de causalidade contra o Estado para reparar os danos ao ambiente em solidariedade com o causador direto, embora seja preciso demonstrar a aptidão da ação ou inação do ente estatal para a causação do dano.
Outra forma de facilitar a prova do nexo causal no campo ambiental é com a inversão do ônus da prova, visto que pelas regras de distribuição dos ônus probatórios previstas no art. 333 do Código de Processo Civil, cabe à vítima comprovar que o dano sofrido estaria ligado com determinada causa imputada ao agente, e a este provar que aquela causa não lhe poderia ser atribuída, pois não guardaria relação com o dano. Quanto a esta regra, vejamos o que diz Luciana Stocco Betiol:
Essa regra de distribuição do ônus da prova demonstra, na prática do dia a dia forense, ser um fator que sobrecarrega em demasia a parte que já ingressa na demanda fragilizada por ter sido a vítima do evento danoso.
Não fosse só isso, nos casos em que de pronto já se tem ciência de que será difícil para o autor produzir as provas que comprovam o seu direito, como ocorre nas demandas ambientais, instala-se no processo uma dinâmica perversa. Ao demandado não haverá qualquer estímulo para que produza provas, com receio de que estas possam vir a seu desfavor, o que estimula que permaneça inerte, apenas atacando a prova produzida pelo autor. Como não se vem punido este estado de inação do réu, já que é ônus do autor produzir provas para respaldar o seu direito, o demandado termina por vencer a demanda em decorrência do descumprimento, pelo autor, do ônus decorrentes do art. 333, I, do Código de Processo Civil.[89]
Nesse diapasão são as lições de Morato Leite:
Sem dúvida, a maior guinada que oportuniza a discussão do liame de causalidade seria a inversão do ônus da prova, que parece bastante apropriada ao dano ambiental, pois transfere-se ao demandado a necessidade de provar que este não tem nenhuma ligação com o dano, favorecendo, em última análise toda a coletividade, considerando que o bem ambiental pertence a todos.[90]
Portanto, crê-se que transferindo a prova do nexo causal ao degradador, através da inversão do ônus da prova, e com a aceitação de uma teoria da causalidade que prevalece o requisito da probabilidade, ao invés da certeza, se renovaria os mecanismos de imputação do dano ambiental, de forma a adaptá-la a necessidade de defesa do meio ambiente.
2.4. Breve abordagem histórica da responsabilidade civil do Estado
Como é sabido, o Poder Público pode vir a se encontrar na situação de quem causou prejuízo a alguém, do que lhe resulta a obrigação de indenizar ou recompor os danos oriundos de sua conduta lesiva comissiva ou omissiva. E esta noção, ressalta Celso Antônio Bandeira de Melo, é de suma importância no o Direito Público, a tal ponto que “todos os povos, todas as legislações, doutrina e jurisprudência universais, reconhecem, em consenso pacífico, o dever estatal de ressarcir as vítimas de seus comportamentos danosos”[91].
A responsabilização do Estado pelos atos e omissões de seus agentes constitui premissa básica do Estado Democrático de Direito, de modo que autores, como o citado no parágrafo anterior, chegam a afirmar que tal responsabilização independe de regra expressa para firmar-se, pois, “a ideia de responsabilização é uma consequência lógica da noção de Estado de Direito”[92], em decorrência da submissão do Poder Público ao Direito e da igualdade de todos perante a lei.
Entretanto, nem sempre foi assim, logo, se faz necessário tecer algumas considerações sobre a evolução histórica da responsabilidade do Estado, bem como trazer, desde já, a advertência de Maria Tereza Perez de Almeida:
Entretanto, mesmo depois de efetuada a transformação do Estado absolutista em Estado Constitucional, a implementação do postulado da responsabilidade não se deu automaticamente, já que a regra da irresponsabilidade passou a legitimar-se sobre outras justificativas, entre as quais a da impossibilidade de ingerência do judiciário nas atividades do poder executivo.[93]
A doutrina relata que a primeira fase dessa evolução consagra a irresponsabilidade civil do Estado, e as fórmulas que sintetizam o dogma da infalibilidade são conhecidas pelas seguintes expressões: Le roi ne peut mal faire ou The King can do not wrong (“o rei não pode errar”). Tal concepção se alicerçava na ideia de que quando o Estado exige obediência das pessoas, ele não o faz para fins próprios, mas sim para o bem de todos, consequentemente, ele não podia fazer mal ou causar dano a quem quer que seja.
Todavia, Celso Antônio Bandeira de Mello[94] nos adverte que neste momento não havia completa desproteção dos administrados perante o comportamento do Estado, uma vez que se admitia sua responsabilização quando leis específicas a previssem expressamente ou quando houvesse danos resultantes da gestão do domínio privado por parte do Estado.
Assim, a teoria “dos atos de império e dos atos de gestão” constituiu a primeira etapa de responsabilização Estado, pois o ente estatal poderia ser responsabilizado quando viesse a causar danos decorrentes de atos de gestão, os quais seriam aqueles praticados em nome da gerência do patrimônio público. Contudo, não respondia pelos prejuízos causados pelos atos de império, que correspondem aos atos praticados no exercício do poder de polícia.
Em um momento seguinte, baseada ainda em princípios civilistas, surge a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado, também chamada de teoria da culpa, segundo a qual o obrigação de indenizar surge em razão de uma conduta que vai de encontro ao Direito, seja ela dolosa ou culposa, e que venha a causar dano a outrem ou deixe de impedi-lo, quando haveria obrigação legal de fazer.
Para esta teoria o dever de indenizar está relacionada à ideia de culpa ou dolo de um agente estatal determinado e especifico, ou seja, o Estado é solidariamente responsável desde que demostre a culpa individual de seu funcionário.
Surgem, então, as primeiras teorias publicísticas sobre a responsabilidade estatal, dentre as quais se destaca a de culpa do serviço (faute du servisse ou do acidente administrativo, em que se caracteriza a culpa quando o serviço público não funciona, funciona mal ou funciona atrasado. Tal teoria, segundo Nelson de Freitas Porfírio Júnior, foi “criação jurisprudencial francesa, a partir do famoso “caso Blanco”[95], e consistia na extensão da teoria subjetiva aos caso onde a identificação do agente era extremamente difícil – se não impossível -”[96].
Acerca da culpa do serviço, leciona este autor:
Ainda era necessário, todavia, que se demonstrasse a existência de culpa ou dolo da Administração em relação aos fatos danosos, ou seja, deveria provar a ocorrência de negligência, imprudência ou imperícia – ou seja, que o serviços não se conduziu com a diligência media que dele se poderia legitimamente exigir.[97]
Destaca-se que no Direito tradicional, a regra que predomina é a de que o dever ressarcitório decorre da culpa lato sensu, o que “pressupõe a aferição da vontade do autor, enquadrando-a nos parâmetros do dolo (consciência e vontade livre de praticar o ato) ou da culpa em sentido estrito (violação do dever de cuidado, atenção e diligência com que todos devem pautar-se na vida em sociedade)”[98].
Seguindo sempre no sentido de ampliar a proteção do particular frente ao Estado, passou-se, gradualmente, a admitir hipóteses estritamente objetivas de responsabilização deste, independentemente de qualquer culpa da administração. Nesse campo, não mais se perquire sobre o dolo ou culpa da agente público, ou sobre o mau ou inadequado funcionamento da máquina administrativa.
Então, para fins de ressarcimento do dano, não há mais o questionamento sobre a licitude ou ilicitude da conduta funcional, o que deve ser levado em consideração é, apenas, a existência do nexo causal entre a atividade administrativa e o dano sofrido pelos indivíduos. “Deixando-se de lado, assim, o elemento culpa – que é pessoal, subjetivo e atribuído sempre a uma pessoa determinada -, a responsabilidade estatal passa a se assentar sobre a noção de risco, fundamentada no princípio da causalidade, a qual é impessoal e objetiva”[99].
A responsabilidade estatal objetiva é concebida a partir da elaboração da teoria do risco, a qual entende que a responsabilidade é consequência do risco criado pela atividade desenvolvida pelo Estado, não cabendo indagar sobre eventual licitude ou ilicitude da conduta que tenha originado o dano.
Ressalta-se que a necessidade de uma responsabilidade objetiva do Estado visa a atender especial posição jurídica que ocupa o ente público, pois possui expressiva quantidade de prestações das quais não pode se furtar, bem como pelas prerrogativas de poder que ostenta, o que resulta em uma maior probabilidade de dano aos administrados. Logo, se faz mister maiores garantias aos administrados frente ao poder público, e esta necessidade é atendida através do tratamento objetivo da responsabilidade estatal.
Também relacionado a este tratamento objetivo se encontra o princípio da solidariedade social, segundo o qual, “se, em tese, todos se beneficiam das atividades da Administração, todos devem compartilhar do ressarcimento dos danos que essas atividades causam a alguns”[100]. Nesse sentido, preciosas são as lições de Nelson de Freitas Porfírio Júnior:
se um membro do grupo social sofre danos produzidos em decorrência de ação do próprio grupo organizado, como é o Estado, síntese de todos, não é razoável que se procure uma explicação para eximir a responsabilidade dessa entidade. Ao contrário, a vítima do dano deve receber indenização do Estado, distribuindo-se o ônus desta por todos, numa expressão econômica de solidariedade de todos os agrupados.[101]
Importa destacar que objetivação da responsabilidade estatal, notadamente a partir da adoção do princípio da solidariedade social, como igualdade dos ônus e encargos sociais, acaba por resultar em sua responsabilização pelo ressarcimento dos danos causados mesmo que se trate de atos regulares e lícitos praticados pelos agentes públicos no exercício usual de suas funções e atribuições, o que é fundamental, notadamente, quando se trata da responsabilização do Estado pelo dano ambiental.
No tocante ao tema, a própria Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, § 6º, estipula que a responsabilidade do Estado e das pessoas de direito privado prestadoras de serviço público nos atos praticados por seus agentes se submete ao regime de responsabilidade objetiva, ressalvando a possibilidade de ação de regresso contra o agente em caso de dolo ou culpa.
Nelson de Freitas Porfírio Júnior leciona ainda que há uma tendência moderna no sentido responsabilizar o Estado por atos que, embora formalmente lícitos, contrariam princípios, expressos ou implícitos na maioria das Constituições modernas, que devem reger as suas atividades, e assim sendo determinam a inconstitucionalidade de tais atos e resultam na obrigação de indenizar. Além do mais, há, nas palavras do autor, outra tendência:
expande-se a responsabilidade do Estado a um ponto em que a Administração é chamada a atuar de forma preventiva para evitar a ocorrência de danos, cujas reparações ou indenizações seriam inviáveis ou demasiadamente custosas. Essa nova vertente da responsabilidade do Estado é particularmente importante quando se cuida da questão ambiental (…).[102]
2.5. Responsabilidade do Estado em matéria ambiental
As questões relativas à responsabilidade civil do Estado por dos danos ambientais causados em razão de condutas comissivas ou omissivas são de suma importância, e também problemáticas e controversas.
Isso porque surgem conflitos devido ao fato que o Estado, quanto ao meio ambiente, exerce, como leciona Álvaro Mirra[103], papéis contraditórios, pois se por um lado ele é promotor por excelência da defesa do meio ambiente, por outro, ele é, não raras vezes, responsável direto e indireto pela degradação ambiental, seja quando executa outras políticas públicas, como as relacionadas ao desenvolvimento econômico, colocando o meio ambiente em segundo plano, seja quando se omite de fiscalizar atividades lesivas ou de adotar medidas administrativas indispensáveis à preservação do ambiente.
Logo, a responsabilidade civil do estado em matéria ambiental, devido à relevância e à importância conferida pela CF de 1988 à proteção ambiental, e às características dos seus danos, deve sofrer adaptações e precisa ser pensada não somente como forma de garantia do interesse do indivíduo, isoladamente considerado, frente ao Estado, mas também como meio de garantir o interesse das presentes e futuras gerações de ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado perante os interesses meramente patrimoniais do Estado, quando busca aumentar sua riqueza, e dos particulares que exploram atividades potencialmente danosas em suas buscas, a qualquer custo, pelo lucro.
Nessa perspectiva, na hipótese de condutas comissivas do Estado o direito constitucional pátrio consagra a responsabilidade objetiva, como se pode ler no art. 37, § 6º, da Carta Magna de 1988, o qual dispõe que “as pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Impera destacar que, por motivos já apresentados e analisados nesta obra, adota-se também aqui a responsabilidade objetiva do Estado com base na teoria do risco integral. Todavia, a preocupação central deste trabalho não é com os danos ambientais resultantes da ação positiva dos entes estatais, mas sim com a omissão lesiva destes, motivo pelo qual este aspecto será analisado a seguir.
2.5.1 Responsabilidade do Estado pela sua omissão no dever proteção, controle e fiscalização ambiental
O tema da responsabilidade civil do Estado por omissão dos agentes é um daqueles temas bastantes controvertidos na jurisprudência e na doutrina. Isto porque, em primeiro lugar, o direito positivo não apresenta solução normativa específica nos casos de omissão, e em segundo, a doutrina e jurisprudência apresentam divergência na abordagem dos requisitos para a configuração da responsabilidade estatal por omissão.
Em matéria de danos decorrentes de condutas omissivas em geral por parte do ente estatal, Nelson de Freitas Porfírio Júnior[104] aponta que prevalece na doutrina nacional o entendimento de que deve ser aplicado o princípio da responsabilidade subjetiva. Nessa linha é o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello:
Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar evento lesivo.[105]
Helena Elias Pinto[106], ao fazer pesquisa na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a partir de 1946 até o final de 2006, identificou 32 (trinta e dois) acórdãos no sentido da responsabilidade subjetiva, de um total de 62 (sessenta e dois) casos acerca de responsabilidade civil por omissão, todavia, ela ressalta que daqueles 32 acórdãos apenas 11 são posteriores à Constituição de 1988.
De outro lado, há autores que defendem a responsabilidade objetiva do Estado por omissão, assim assevera Juarez Freitas:
O princípio da responsabilidade extracontratual objetiva do Estado pelas condutas omissivas ou comissivas causadoras de lesão antijurídica apresenta-se como um dos pilares do Estado Democrático, sobremodo pelos riscos inerentes à atuação estatal. Trata-se de proteção que se impõe independentemente de culpa ou dolo do agente causador do dano. Nasce da superação da ideia do Estado como etérea encarnação da vontade geral infalível. A par disso, a consagração, entre nós, da aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais (CF, art. 5º, § 1º) é um dos argumentos mais robustos contra a teoria segundo a qual não poderia o Estado ser objetivamente responsabilizado por omissão.[107] (grifos nossos)
Helena Elias Pinto[108] ainda relata que foi no julgamento do RE 130.764-1/PR, relatado pelo Min. Moreira Alves no ano de 1992, pela primeira vez, desde a Constituição Federal de 1946, se enquadrou a responsabilidade civil do Estado por omissão no sistema de responsabilidade objetiva, todavia o salto não foi muito grande, porque se julgou pela improcedência do pedido de indenização. Foi então no julgamento do RE 109.615/RJ, sob a relatoria do Min. Celso de Mello que no ano de 1996, pela primeira vez, o STF condenou o Estado por omissão com base na responsabilidade objetiva. A autora destaca a importância deste acórdão:
Esse acórdão pode ser considerado o marco fundamental da nova feição da jurisprudência do STF em relação à responsabilidade por danos em casos de omissão do Poder Público. Inaugura-se então (o ano é de 1996) uma série de decisões nesse sentido, intercaladas com outras em que foi aplicado o sistema da responsabilidade subjetiva ou não houve explicitação de qual a teoria adotada.
E houve esta mudança justamente porque, ao se perceber que o problema da responsabilidade civil do Estado é tema constitucional, tornou-se indispensável interpretar os deveres de proteção atribuídos, pela Constituição, ao Estado, de forma capaz a atribuir maior concretização aos direitos fundamentais, ou seja, de uma interpretação mais favorável a eles.
A partir desta perspectiva, é indispensável realizar uma filtragem constitucional para saber se houve ou não omissão no dever jurídico de evitar determinado resultado danoso. Nesse sentido, há de ser reconhecida a responsabilidade do Estado por omissão quando ele violar o seu dever jurídico constitucional de evitar certa lesão a um bem jurídico.
Isto posto, se faz oportuno adentrar na Responsabilidade do Poder Estatal pela omissão no seu dever de proteger o meio ambiente, tema este que também dividi a opinião de doutrinadores e dos julgadores quanto à abordagem dos requisitos para a configuração da responsabilidade estatal por omissão, e assim sendo, há aqueles que defendem a teoria da responsabilidade subjetiva e aqueles que adotam a teoria da responsabilidade objetiva, motivo pelo qual analisaremos as duas correntes.
Contudo, antes de fazer esta análise é preciso trazer os ensinamentos de Mirra[109], para quem, em linhas gerais, as omissões da Administração Pública podem ocorrer: quando o Poder Público se omite no controle e fiscalização das atividades potencialmente danosas, hipótese em que a Administração exerce inadequadamente ou deixa de exercer o seu poder de polícia ambiental, incluindo os casos em que licencia ou autoriza indevidamente atividades degradadoras; ou quando há omissão do Poder Público quanto à adoção de medidas administrativas indispensáveis à preservação e à restauração de bens e recursos naturais, hipótese em que há o descumprimento de normas constitucionais e infraconstitucionais que impõem ao administrador público determinadas posturas de proteção.
A omissão pode ser configurada quando há deficiência do exercício do poder de polícia na fiscalização das atividades poluidoras praticados por terceiro, degradador principal, de forma lícita ou não, é o que se chama de omissão indireta, ou quando o Estado tem o dever legal de prestar serviço público essencial e se omite, sendo esta omissão a causa direta do dano ambiental, é o que pode ser definida como a responsabilidade comissiva por omissão.
Pois bem, feitas estas considerações, nos resta trazer e expor, em um primeiro momento, autores e decisões que pugnam pela responsabilidade civil do Estado por omissão com base na responsabilidade subjetiva, e, em um segundo momento, aqueles que fundamentam com base na responsabilidade objetiva.
Para parte da doutrina, a responsabilidade que surge é do tipo subjetiva, motivo pelo qual não bastaria à configuração da responsabilidade estatal por omissão a simples ligação entre a ausência ou deficiência do serviço e o dano resultante. É indispensável, para configurá-la, a demonstração da culpa por negligência, imprudência ou imperícia no serviço que gerou o dano, quando era exigido do ente estatal certo padrão de conduta capaz de impedir o evento lesivo, aplicando-se nos casos de omissão a teoria da falta de serviço.
Márcia Dieguez Leuzinger e Sandra Cureau[110] defendem que no caso de dano, se o Estado não agiu, tal responsabilização surgirá apenas quando presentes a culpa, seja por negligência, imperícia ou imprudência no serviço, ou dolo, intenção de omitir-se, em situações que exigissem do Estado uma atuação segundo um padrão de eficiência suficientemente capaz de obstar o evento lesivo. E esse padrão de atuação deveria ser apurado a partir dos padrões a que estava legalmente obrigado, bem como levar em conta o meio social e o estágio de desenvolvimento econômico e tecnológico da época.
Logo, apenas caberia a responsabilização do Estado quando estivesse obrigado a tanto ou quando agido, tivesse atuado insuficientemente, abaixo dos padrões e regras a que estava legalmente obrigado. A responsabilidade do Estado, dessa maneira, em caso de omissão, seria subjetiva, na modalidade falta de serviço, que se caracteriza pelo mau funcionamento, funcionamento tardio ou não funcionamento.
Nesse sentido, “haverá responsabilidade civil por omissão sempre que o Estado ferir o dever geral de cautela exigido para aquela espécie de caso. Assim, é dever geral de cautela, e não dever total de cautela”[111]. Essa conclusão, para os seus defensores de um regime responsabilidade subjetiva, decorre também do fato que o Estado não pode ser considerado segurador universal, pois ele não é onipresente, tampouco onipotente. Nesse sentido leciona Ricardo Cavalcante Barroso:
Assim, mesmo quando o Estado adota mecanismos de controle avançados, como, por exemplo, varredura via satélite ou por câmeras, não há qualquer garantia de que o Estado prevenirá o dano, seja por causa do retardo na obtenção da imagem imediata, seja porque seria desrazovável pensar que o Estado estaria sempre a postos, 24 horas, de maneira instantânea, para evitar a ocorrência do dano. Isso, na prática, seria impingir ao Estado um dever que já se sabe será desatendido. E ninguém, como se sabe, é obrigado a cumprir uma obrigação impossível.
(...)
Assim, pretender atribuir ao Estado uma responsabilidade civil por omissão sob o regime da objetividade para os casos de atuações clandestinas ou além do padrão normal de sua atividade seria no mínimo irreal, excessivo e prejudicial à própria coletividade.[112]
Ainda ao encontro do posicionamento[113] dos autores que defendem o princípio da responsabilidade subjetiva, Toshio Mukai explica:
A solução é a mesma quer o dano decorra do não-cumprimento das condições de uma licença ambiental regularmente concedida, quer de ato ilícito realizado de forma clandestina, ou seja, sem qualquer licenciamento prévio. Na primeira hipótese poderá ser mais fácil ao demandante provar que a Administração agiu de forma culposa, pois tinha – ou deveria ter – todos os elementos necessários para controlar a atividade que licenciou. Na segunda hipótese, porém, haverá que se demonstrar que a Administração tinha conhecimento real dos fatos e, dispondo de condições efetivas de agir no sentido de impedir o dano, preferiu manter-se inerte. Em outras palavras, neste caso se aplica a tese da responsabilidade da Administração por omissão, mas apenas por culpa grave.[114]
Indo de encontro a este posicionamento, nota-se que, além da falta de parâmetros para aferir o que venha a ser esse padrão de conduta exigível ou padrões normais de atuação do estado, há de se ressaltar que mesmo atuando dentro deste padrão, não é a ele conferido a possibilidade de permitir ou consentir com o dano ambiental, uma vez que ele é mero gestor do meio ambiente, que pela sua natureza de titularidade difusa.
Assim, se o simples fato de uma atividade estar em conformidade com as normas que estabeleceram um certo limite de tolerabilidade não é suficiente para descaracterizá-la como poluidora, e, por via de consequência afastar a responsabilização de quem a explora, como já exposto em linhas anteriores, tampouco a mera atuação do Estado condizente com um padrão, normativo e social, de conduta exigível seria capaz de obstaculizar sua responsabilização, caso se venha a concretizar a agressão ao meio ambiente.
Ademais, mesmo que a Administração Pública tenha atuado dentro da margem de conduta exigível e, ainda assim, veio a se obter o resultado danoso, é porque algo de errado teve em sua atuação, ela não se mostrou suficiente, ele se mostrou falha, motivo pelo qual é exigida a sua responsabilização, forçando-o a atuar de maneira preventiva para evitar a ocorrência das degradações ambientais.
Na batalha contra a degradação do meio ambiente é inequívoco que não é suficiente o mero padrão normal de conduta, é preciso algo a mais, exige-se um esforço além do normal, até mesmo porque, normalmente, o Estado brasileiro é omisso e ineficiente.
Neste diapasão, há os que defendem a responsabilidade objetiva do Estado por omissão na defesa do meio ambiente, superando-se a indagação do requisito da culpa. É defendida, entre outros doutrinadores, por Edis Milaré[115], Antônio Herman V. Benjamim, Álvaro Luís Valery Mirra, Paulo Afonso Leme Machado[116], Annelise Monteiro Steigleder e José Afonso da Silva[117], com fundamento nos arts. 3º, IV, e 14, parágrafo 1º, da Lei 6938/81 e artigo 225, parágrafo 3º da Constituição Federal de 1988 (seriam estas algumas das expressões destes dispositivos que indicam a interpretação com base na teoria objetiva: “responsável indiretamente”, “independentemente da existência de culpa”, “condutas” – omissivas ou comissivas - “independentemente da obrigação de reparar o dano”).
Vejamos o que Mirra diz a respeito:
O certo, no entanto, é que tal orientação, de exigir a culpa grave da Administração, nesses casos, se aceitável sob o ponto de vista político, parece contrariar frontalmente o disposto nos referidos arts. 3º, IV, e 14, § 1º, da Lei nº. 6938/81, segundo os quais o poluidor ou degradador – seja pessoa pública ou privada – responde objetivamente pela degradação, contribua ele direta ou indiretamente para o evento danoso, bem como a norma do art. 225, § 3º da Constituição Federal, de acordo com a qual as condutas – comissivas ou omissivas – e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitam os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, à obrigação de reparar os danos causados.[118]
Por sua vez, defendendo este entendimento, Annelise Steigleder explica:
(…) a responsabilidade advinda da omissão estatal será sempre objetiva, eis que o art. 3º, inc. IV, refere-se à “responsabilidade indireta”, pelo que não exigiria um nexo de causalidade direto entre ação e dano. Daí que o Poder Público, que não coíbe a ação do particular mediante ações fiscalizatórias, e que concede uma licença ambiental precária e ilegal, está concorrendo indiretamente para a produção do dano, aplicando-se-lhe a regra da responsabilidade civil objetiva e o princípio da solidariedade entre os co-poluidores. Este entendimento, de acordo com os autores referidos, vem reforçado pelo art. 225, caput, da Constituição, que impõe ao Estado o dever de defender o meio ambiente e de preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (…) Comungamos do entendimento no sentido de que a responsabilidade do Estado é objetiva tanto na ação como na omissão lesiva ao meio ambiente.[119]
Ainda ao encontro desta interpretação, o Min. Herman Benjamin, no REsp 1.071.741-SP, de 2009, ao analisar em seu voto se a responsabilidade do Estado por omissão seria objetiva ou subjetiva, entendeu, em linhas gerais, que, via de regra, ao tratar-se de omissão a responsabilidade do Estado dá-se de forma subjetiva ou por culpa. Porém esta regra comportaria duas exceções: 1) quando a responsabilização objetiva do Estado por omissão decorrer de expressa determinação legal; 2) quando houver um dever de ação estatal extraído da Constituição Federal. Consequentemente, como há expressa previsão infraconstitucional neste sentido, nos arts. 3º, IV, e 14, parágrafo 1º, da Lei 6938/81, bem como foi imposto ao Estado, pela Lei Maior, o deveres de controle, vigilância e fiscalização do meio ambiente, a responsabilidade do Poder Público por omissão comporta a modalidade objetiva[120]. Vejamos, esta parte de seu voto:
(...)Numa palavra, seja a contribuição do Estado ao dano ambiental direta ou indireta, sua responsabilização sempre observará, na linha de fator de atribuição, o critério objetivo. Não se pretende trazer aqui o regime (geral ou comum) de responsabilidade civil objetiva do Estado, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, pois o sentido jurídico desse dispositivo não veda a existência de regimes especiais, em que a objetividade cubre também os comportamentos omissivos.
Vale dizer, se é certo que a responsabilidade civil do Estado, por omissão, é, ordinariamente, subjetiva ou por culpa, esse regime, tirado da leitura do texto constitucional, enfrenta pelo menos duas exceções principais. Primeiro, quando a responsabilização objetiva para a omissão do ente público decorrer de expressa determinação legal, em microssistema especial, como na proteção do meio ambiente (Lei 6.938/81, art. 3º, IV, c.c. o art. 14, § 1º). Segundo, quando as circunstâncias indicarem a presença de um dever de ação estatal – direto e mais rígido – que aquele que jorra, segundo a interpretação doutrinária e jurisprudencial, do texto constitucional.
(...)
Nesse contexto, forçoso reconhecer a responsabilidade solidária do Estado quando, devendo agir para evitar o dano ambiental , mantém-se inerte ou age de forma deficiente ou tardia. Ocorre aí inexecução de uma obrigação de agir por quem tinha o dever de atuar. Agir no sentido de prevenir (e, cada vez mais, se fala em precaução), mitigar o dano, cobrar sua restauração e punir exemplarmente os infratores. A responsabilização estatal decorre de omissão que desrespeita estipulação ex vi legis, expressa ou implícita, fazendo tábula rasa do dever legal de controle e fiscalização da degradação ambiental, prerrogativa essa em que o Estado detém quase um monopólio. Ao omitir-se contribui, mesmo que indiretamente, para a ocorrência, consolidação ou agravamento do dano. Importa ressaltar, mais uma vez, que não há porque investigar culpa ou dolo do Estado (exceto para fins de responsabilização pessoal do agente público), pois não se sai do domínio da responsabilidade civil objetiva, prevista no art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81, que afasta o regime comum, baseado no elemento subjetivo, de responsabilização da Administração por comportamento omissivo. (...)
Por todo o exposto, é perceptível, através de uma interpretação sistêmica do nosso arcabouço legal determinar que a responsabilidade do Poder Público pelos danos causados ao meio ambiente, decorrentes de sua conduta omissiva, é objetiva, até porque desta forma se promoverá uma melhor e mais efetiva tutela ambiental. O que se coaduna com os postulados da prevenção, pois serve como mais um meio de forçá-lo a atuar de maneira preventiva para evitar a ocorrência das degradações ambientais, e com o princípio do nível elevado de proteção ambiental, o qual impõe que seja eleita e aplicada, em situações de conflito entre mais de uma interpretação, mais de um regime jurídico ou valor, aquela que apresente um maior nível de proteção do meio ambiente:
O princípio do nível elevado de protecção ecológica aplica-se, portanto, em situações de transição, situações que possa existir comparação entre dois ou mais termos que correspondem a diferentes níveis de protecção. Havendo dois ou mais níveis, o princípio do nível de protecção elevado diz que, em concreto, deve ser escolhido aquele que se revelar mais elevado. Se houver dúvidas, é de escolher o que for globalmente mais elevado na protecção, o que permitir preservar bens ecológicos não renováveis em detrimento de bens ecológicos renováveis, o que garantir a preservação de um bem natural em maior perigo, o que garantir a preservação de uma extensão maior de um dado bem natural.[121]
2.5.2 Responsabilidade estatal solidária, porém de execução subsidiária
A Administração Pública, como outrora afirmado, é solidária e objetivamente responsável pelos danos ambientais decorrentes da omissão do seu dever de precaução, controle e fiscalização, à medida que contribua, direta ou indiretamente, tanto para a degradação ambiental, como para o seu agravamento ou perpetuação, nos termos da Lei n. 6.938/81 e da Constituição Federal vigente.
Todavia, é mister que a responsabilidade ambiental solidária do ente público, no caso de omissão do seu dever de fiscalização e defesa, seja de execução subsidiária, de modo que, em caso de condenação, ainda que o Poder Público também atue como responsável pelo dano, o levantamento do montante necessário para custear as medidas ambientais corretivas deve ser suportado primeiramente pelo particular e subsidiariamente pelo Estado.
E esta conclusão é extraída do fato que, caso adotássemos um entendimento diverso deste, estaríamos duplamente punindo a sociedade, seria uma espécie de bis in idem, haja vista que além de sofrer as consequências negativas advindas do dano ambiental, ela também teria que arcar com as despesas das medidas ambientais corretivas.
Assim, com a socialização da reparação ambiental, impediríamos a internalização das externalidades ambientais negativas geradas por aqueles que, assumindo o risco de causar o dano, decidiram, mesmo assim, explorar a atividade potencialmente com o intuito maior de lucrar. Pertinentes são as palavras de Édis Milaré acerca destas conclusões:
Na prática, para não penalizar a própria sociedade, que é quem paga as contas públicas, e que teria, em última análise, de indenizar os prejuízos decorrentes do dano ambiental, convém, diante das regras de solidariedade entre os responsáveis, só aciona o Estado quando puder ser increpada a ele a causação direta do dano. Na verdade, se é possível escolher um dos responsáveis, segundo as regras da solidariedade, por que não se valer da opção mais conveniente aos interesses da comunidade, chamando-se, primeira e prioritariamente, aquele que lucra com a atividade?![122]
Não discrepa deste posicionamento o voto do Min. Herman Benjamin proferido no Resp. 1.071.741 - SP, que ao discorrer sobre a execução subsidiária nos casos de responsabilidade estatal por danos decorrentes em caso de omissão, assim afirmou:
(...)Diferentemente, a inspirá-la estão razões de ordem social, política e econômica, mas também de justiça, já que seria desaconselhável chamar o Estado – que, fruto de sua posição anômala, ao final das contas, como representante da sociedade-vítima do dano urbanístico-ambiental, também é prejudicado –, a responder, na linha de frente, pela degradação materialmente causada por terceiro e que só a este beneficia ou aproveita.
(…)
Se é certo que “todas as atividades de risco ao meio ambiente estão sob controle do Estado e, assim sendo, em tese, o mesmo responde solidariamente pelo dano ambiental provocado por terceiros”, cautela deve existir para não se “adotar irrestritamente a regra da solidariedade do Estado pelo dano ambiental, pois responsabilizando irrestritamente o Estado quem está arcando com o ônus, na prática, é a própria sociedade” (José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala, Dano Ambiental: Do Individual ao Coletivo Extrapatrimonial , 2ª edição, São Paulo, 2003, p. 197).
Daí ser necessário deixar bem claro que, tendo por objetivo resguardar a plena solvabilidade financeira e técnica do crédito ambiental, não é desiderato da responsabilidade solidária e de execução subsidiária do Estado – sob pena de onerar duplamente a sociedade, romper a equação do princípio poluidor-pagador e inviabilizar a internalização das externalidades ambientais negativas, com a socialização da reparação ambiental, embora resguardada a privatização do lucro decorrente da degradação – substituir, mitigar, postergar ou dificultar o dever, a cargo do degradador material e principal, de recuperação integral do meio ambiente afetado e indenização pelos prejuízos causados. (...)
3. Controle judicial das omissões estatais lesivas ao meio ambiente.
Tendo em vista tudo o que foi analisado e exposto até então, chegasse ao momento em que é necessário estudar a viabilidade de imposição coativa ao Poder Executivo, via Poder Judiciário, de adoção de medidas administrativas tendentes a preservar o meio ambiente, analisando tal possibilidade à luz da discricionariedade administrativa, da separação dos poderes e da vinculação do estado à proteção do direito fundamental de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
E o tema do controle da Administração Pública ganha especial atenção quando ele está inserido na temática do direito ambiental, uma vez que, como já exposto em linhas anteriores, o Estado, quanto ao meio ambiente, exerce papéis contraditórios, pois se por um lado ele é promotor por excelência da defesa do meio ambiente, por outro, ele se apresenta como responsável direto ou indireto pela degradação ambiental. Acerca desta dualidade, Álvaro Mirra expõe:
Tal duplicidade de papéis desempenhados pelo Estado gera frequentemente dificuldades na compreensão das atribuições do Poder Público na área ambiental e na aceitação da necessidade de uma maior controle sobre as ações e as omissões estatais necessárias. Isso porque, na maioria das vezes, quando o Estado age ou se omite e com isso causa diretamente ou contribui de alguma forma para a degradação do meio ambiente, ele o faz com base no interesse público ou escudado no argumento de que persegue a satisfação de interesses ou necessidades imediatas da coletividade, dando a impressão – falsa – de não haver outra alternativa a não ser a postergação da proteção ambiental até que exigências diversas, de ordem econômica e social, sejam cumpridas.[123]
Ao mesmo tempo, deve-se reconhecer que as dificuldades de aplicação das normas ambientais no Brasil decorrem de diversas causas, como assinala Antônio Herman Benjamin[124], são alguns deles os problemas de desempenho dos órgãos públicos, como carência de recursos humanos e financeiros, falta de vontade política, falta de estratégias de implementação e de planejamento, preparação profissional deficiente, bem como o clientelismo e a corrupção. Devido a esta realidade, Francisco Queiroz Cavalcante entende que se justifica
um mais efetivo controle da Administração Pública, cuja estrutura é extremamente viciada, inclusive pela excessiva penetração do elemento político no funcionamento da administração, assolada por males como o 'spoil system' na designação dos titulares de 'cargos em comissão', cujo excessivo número, sem dúvida, macula qualquer sentido de profissionalismo dos Órgãos de direção, por serem alçados a esses postos da Administração Pública pessoas que efetivamente têm bem mais vinculação com as estruturas de poder político responsáveis pelas indicações que com o efetivo interesse público.[125]
Tem-se, então, devido ao déficit na implementação das normas jurídicas ambientais, o surgimento, nas palavras de Antônio Herman Benjamin, de um Estado Teatral, o qual é marcado pela separação entre a lei e a sua aplicação, entre a norma escrita e a norma praticada.
Infelizmente, nem sempre o Estado conjuga, com igual ênfase, atuação legislativa e implementadora. É comum o Poder Público legislar, não para aplicar, mas simplesmente para aplacar, sem resolver, a insatisfação social. É o Estado teatral, aquele que, ao regular a proteção do meio ambiente, mantém uma situação de vácuo entre a lei e a implementação. Um Poder Público que, na letra fria do texto normativo, não se importa em bravejar, mas que fácil e rapidamente amansa diante das dificuldades da realidade político-administrativa e de poderosos interesses econômicos, exatamente os maiores responsáveis pela degradação ambiental. A teatralidade estatal é a marca dessa separação entre lei e implementação, entre a norma escrita e a norma praticada. O resultado é uma Ordem Pública Ambiental incompleta.[126]
Observa-se que, nesta seara, muitos são os danos causados pelo Poder Público, seja por omissão ou comissão. E no tocante à omissão estatal, que é o objeto do presente estudo, Álvaro Mirra, aponta diversas situações em que o Estado se omite no cumprimento do dever de adotar medidas protetivas dos bens e recursos ambientais, são algumas delas:
Os principais exemplos extraídos da prática nessa matéria são: (i) as omissões da Administração em fiscalizar e impedir a ocorrência de degradações causadas por particulares; (ii) as omissões da Administração em efetuar o tratamento de efluentes e esgotos urbanos e industriais antes do seu despejo em curso d'água; (iii) omissões da Administração em providenciar adequado depósito e tratamento de lixo urbano; (iv) as omissões da Administração em adotar as medidas necessárias para a proteção do patrimônio cultural; e (v) as omissões da Administração em providenciar a implementação efetiva de áreas naturais protegidas já criadas ( como um Parque Nacional ou Estadual, uma Estação Ecológica etc.).[127]
Frente a estas omissões estatais cumpre perquirir se estaria, ou não, a sociedade autorizada constitucionalmente a exigir, por meio do Judiciário, a imposição coativa ao Estado de medidas administrativas de proteção ao meio ambiente, bem como se a discricionariedade administrativa e a tripartição dos poderes são capazes de eximir o Estado de sua responsabilidade de promover políticas públicas protetivas do meio ambiente.
Resta destacar que, diante da gravidade e do perigo de irreversibilidade dos danos ambientais, para se responder tais questões satisfatoriamente, a Responsabilidade do Estado será aqui analisada “a partir não mais de elo de efeitos existentes entre a conduta do agente (comissão ou omissão), mas debater o dever de agir como um dado primário”[128], pois a sua responsabilidade não pode se resumir à mera reparação.
Logo, com base nas lições de Leônio José Alves da Silva, para se responder àquelas indagações, deve se ter em mente que a Responsabilidade do Estado deve ser pautada por um “novo modelo de responsabilidade civil destinado a não meramente reparar ou indenizar e sim condenar em atitude positiva o administrador para o cumprimento coercitivo de suas obrigações institucionais.”[129]
3.1 Principais objeções ao controle externo da administração pública.
A fim de ilustrar os principais argumentos aventados por aqueles que pugnam pela inviabilidade da imposição coativa ao Poder Executivo, através do Poder Judiciário, da adoção de medidas administrativas protetivas do meio ambiente, trazemos um julgado do Superior tribunal de Justiça, o qual apresenta possíveis fundamentos desta impossibilidade, vejamos:
ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
I – O Ministério Público está legitimado para propor ação civil pública para proteger interesses coletivos.
II – Impossibilidade do juiz substituir a Administração Pública determinando que obras de infra-estrutura sejam realizadas em conjunto habitacional. Do mesmo modo, que desfaça construções já realizadas para atender de proteção ao parcelamento do solo urbano.
III – Ao Poder Executivo cabe a conveniência e a oportunidade de realizar atos físicos (construção de conjuntos habitacionais etc.). O judiciário não pode, sob o argumento de que está protegendo direitos coletivos, ordenar que tais realizações sejam consumadas.
IV – As obrigações de fazer permitidas pela ação civil pública não têm força de quebrar a harmonia e independência dos Poderes.
V – O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário está vinculado a perseguir a atuação do agente público em campo de obediência aos princípios da legalidade, da moralidade, da eficiência, da impessoalidade, da finalidade e, em algumas situações, o controle do mérito.
VI – As atividades de realizações dos fatos concretos pela administração depende de dotações orçamentárias prévias e do programa de prioridades estabelecidos pelo governante. Não cabe ao Poder Judiciário, portanto, determinar as obras que deve edificar, mesmo que seja para proteger o meio ambiente.
VII – Recurso provido.
(RECURSO ESPECIAL N. 169876-SP. RELATOR: MINISTRO JOSÉ DELGADO. DECISÃO EM 16.06.1998. PUBLICADA NO DIÁRIO DA JUSTIÇA DE 21.09.1998.) (grifos nosso)
Um dos argumentos utilizados por aqueles que defendem a impossibilidade do controle das políticas públicas, e que pode ser observado nesta decisão, é o da separação dos poderes, previsto no art. 2º da CF/88. Assim, para os partidários desta opinião, o judiciário não poderia controlar os atos da Administração Pública em virtude da tripartição dos poderes, sob pena de ingerência destrutiva daquele sobre o Poder Executivo.
Todavia, os que compartilham desta visão desconhecem ou desconsideram a mudança da postura do Estado frente às demandas sociais ocorrida com passagem do Estado Liberal para o Estado Social, pois, para este, a atuação do Poder Público não se reduz a simples produção da norma legal, sendo, ela apenas o ponto de partida para a concretização efetiva da finalidade estabelecida pela norma. A respeito dessa mudança Rodolfo de Camargo Mancuso aduz:
enquanto à época em que se idealizou a tripartição dos Poderes a promulgação de uma lei significava o fim ou o coroamento da precípua atividade estatal e mesmo conferia legitimidade ao Estado de Direito, hoje essa atividade não basta ao corrente Estado Social de Direito, em face do qual a promulgação de uma lei surge, na verdade, como...um começo: de obrigações a serem adimplidas, de condutas a serem implementadas, a par das correspondentes responsabilidades administrativas e políticas atribuídas ao Estado e aos seus agente.
Por conta dessa evolução, a própria terminologia das atribuições do Estado foi sendo alterada, vindo a expressão Poderes gradativamente substituída por Atividades ou Funções (…).[130]
Assim, a tripartição dos poderes, que em sua concepção clássica visava evitar a concentração do Poder estatal em um único órgão, de forma a garantir proteção aos direitos humanos contra o arbítrio do Estado, com a ascensão do Estado Social ela ganha novos contornos, já que neste modelo é indispensável o controle de um Poder sobre o outro, como forma de concretização dos objetivos estabelecidos na Constituição. Nesse sentido afirma Lídia Helena Ferreira da Costa Passos:
Neste contexto, só se pode compreender a disposição do art. 2 da ordem constitucional mediante a consideração de seus princípios sociais e fundamentais: mais do que mera “divisão funcional” do poder soberano, tendente à garantia instrumental contra a tirania ou o autoritarismo político, trata-se aqui de adotar o mecanismo de garantia material das finalidades e princípios assegurados pelo legislador ordinário.
O Poder que controla o Poder, visto sobre este prisma, não pode ser um freio, que limite o Poder Democrático (que, de resto, por ser soberano, não pode mesmo ser limitado, como já demonstrou o grande Hobbes), mas é o mecanismo que o reafirma, fazendo-o forte, vivo e eficaz.
As esferas dos poderes-funções do Estado Democrático de Direito devem ser vistas, portanto, com a imagem da independência dos elementos de um sistema de engrenagens: funcionalmente independentes, porém finalisticamente integradas - “harmônicas entre si” -, para usar a expressão constitucional.[131]
Mostra-se, desta feita, que a separação dos poderes, atualmente vista como interação e complementariedade,[132] entre as funções do Estado, finalisticamente dirigida à concretização da Constituição, não é um obstáculo ao controle das Polícias Públicas estatais pelo Judiciário, mas sim, um fundamento para tal possibilidade, já que este controle vem a reafirmar o compromisso de todos os Poderes para o alcance dos preceitos constitucionais. “Não há cogitar, de intromissão indevida de um Poder na esfera de atribuições de outro. O que se pretende com a sindicabilidade dos atos administrativos é afirmar a possibilidade de controle finalístico, a fim de que se garanta o respeito à ordem jurídica estabelecida pela atuação governamental.”[133]
Nesse sentido é a lição de Álvaro Mirra:
Ora, se assim de fato é, ou seja, se a separação de poderes representa uma garantia destinada a assegurar a proteção dos direitos humanos contra o arbítrio do Estado, seria no mínimo contraditório que ela fosse invocada pelos detentores do poder de administração com fundamento precisamente para negar a preservação de um direito fundamental – o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – que se pretende alcançar com a supressão da omissão estatal lesiva.[134]
Utiliza-se também como argumento capaz de obstaculizar a sindicabilidade judicial dos atos administrativos uma suposta falta de legitimidade democrática do Poder Judiciário, já que seus membros não são eleitos pela via do voto popular, pois, são alçados ao cargo público através de concursos públicos de provas e títulos.
Em primeiro lugar, é de bom alvitre destacar que é atribuído ao Poder Público o dever de atuar na defesa do meio ambiente, não apenas no âmbito executivo, mas, também, no âmbito legislativo e jurisdicional, ou seja, todos os Poderes são destinatários do comando normativo do art. 225 da Constituição. Razão pela qual podemos afirma que existe um verdadeiro dever de cooperação entre eles.
Ademais, assim como a escolha dos membros do Poder Legislativo e do Executivo, por meios das eleições, não é capaz de eximi-los do controle judicial das políticas públicas, pois, pensar de modo contrário seria aceitar que são imunes à responsabilidade perante o eleitorado, a democracia participativa brasileira não se resume, nem se exaure, simplesmente, com eleição dos membros daqueles Poderes.
A participação popular na defesa do meio ambiente está prevista no ordenamento jurídico pátrio, uma vez que a Carta Constitucional de 1988, no art. 225, impôs, igualmente, à coletividade e ao Estado, o qual não tem o monopólio na gestão ambiental, o dever defender e preservá-lo. E entre os meios de participação popular na proteção do meio ambiente, Álvaro Mirra aponta os seguintes:
a) a participação popular nos processos de criação do direito ambiental – que se dá por intermédio da iniciativa popular nos procedimentos legislativos, pela realização de referendos sobre leis e pela atuação de representantes da sociedade civil em órgãos dotados de poderes normativos ou regulamentares, como o Conama; b) a participação popular na formulação e na execução de políticas públicas ambientais – que se dá pela atuação de representantes da sociedade em órgãos colegiados incumbidos pela formulação de diretrizes e pelo acompanhamentos da execução de políticas públicas ou por ocasião da discussão de estudos de impacto ambiental em audiências públicas; e c) a participação judicial, que é que nos interessa aqui mais de perto, ou seja, a participação popular por intermédio do Poder Judiciário na proteção do meio ambiente.[135](grifos nossos)
Sendo assim, o processo judicial utilizado como canal de participação da sociedade na defesa do meio ambiente, deixa explícito que ele está cumprindo suas funções[136], quais sejam, sua função jurídica, de realizar o direito ambiental, sua função social, de educar as pessoas ao exercício de práticas sustentáveis e de respeito aos valores ambientais, e ainda sua função política, como meio de participação do cidadão na conservação dos bens e valores ambientais.
Nestes termos, quando se está a debater acerca do controle judicial das omissões estatais na defesa do meio ambiente, se discute, na verdade, a próprio controle da sociedade por intermédio do Poder Judiciário, já que este se apresenta como um canal apto a concretizar a participação e o controle do cidadão sobre o Poder Público.
Não há como não admitir, sob o argumento de ausência de legitimidade democrática do judiciário, o controle social, pela via judicial, sobre as omissões da administração na preservação do meio ambiente, pois, “quando se fala em controle judicial sobre a omissão da Administração Pública na proteção do meio ambiente, está se referindo ao controle da sociedade por intermédio do Poder Judiciário”[137]. Acerca deste aspecto, valiosos são os ensinamentos de Álvaro Mirra:
Dito de outra maneira, não é o juiz propriamente, não é o Judiciário a rigor, que efetua o controle sobre a Administração Pública nesse caso, mas sim a sociedade, representada em juízo pelos cidadãos ou por entes representativos dos seus interesses na defesa do meio ambiente. O judiciário, na verdade, é apenas o canal de que se vale a sociedade para o controle da Administração Pública na área ambiental. (…)
Na verdade, não é o judiciário que supre a inércia da Administração nessas hipóteses, mas sim a sociedade organizada, que tem o direito de ver cumpridas as obrigações legais e constitucionais impostas ao Poder Público para a efetividade do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, nos termos do § 1º, do art. 225 da CF.[138]
Outro artifício usado, inclusive pelo Magistrado que proferiu a decisão acima exposta, para inviabilizar o controle do Poder Judiciário sobre os atos e omissões administrativas é o da discricionariedade[139] que reveste a atuação da Administração Pública, e quanto a isto, Carlos Roberto de Siqueira Campos observa que:
essa excessiva deferência de nossa ordem jurídica às competências discricionárias do Poder Público, notadamente no campo do poder de polícia, bem revela a idolatria do Estado no Brasil e sua função autoritária, em cujo âmago descansa a proeminência e a incontrastabilidade dos agentes governamentais em face do cidadão comum (…)
No torvelinho desse autoritarismo jurídico, a Constituição e o remanescente das liberdades públicas nela consignadas, a despeito de toda sorte de atos institucionais e complementares que mutilaram a ambas, acabaram tragadas pelo poder discricionário das autoridades executivas...A bem dizer, as tênues fronteiras entre a discricionariedade e a arbitrariedade esmaeceram, deixando os indivíduos e a coletividade num persistente estado de orfandade (…).[140]
Acerca da discricionariedade administrativa, se faz oportuno trazer as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello. Ele nos chama a atenção para o fato de que a ordenação normativa impõe que seja alcançada uma série de finalidades, as quais se apresentam como obrigatórias para o agente estatal. E, para que este cumpra o seu dever, e assim, obtenha as metas fixadas pelo ordenamento jurídico, lhe é atribuído poder, o qual tem que ser manejado, exclusivamente, para que se atinjam as finalidades.[141] “Então, se percebe que o eixo metodológico do Direito Público não gira em torno da ideia de poder, mas gira em torno da ideia de dever”[142], de finalidade a ser cumprida.
O poder, nesse sentido, se apresenta como instrumento indispensável para o cumprimento do dever, da finalidade estampada na lei, o que nos revela o caráter funcional da atividade administrativa, pois, se encontra sempre sujeita ao dever de atingir a finalidade. Tendo isso em mente, “percebe-se que o 'poder discricionário' tem que ser simplesmente o cumprimento do dever de alcançar a finalidade legal. (...) compreendendo-se, então, que o que há é um dever discricionário, antes que um 'poder' discricionário”[143].
O autor ainda nos lembra de que a discricionariedade existe, justamente, pelo fato de o legislador, ao notar a impossibilidade de fixar, de antemão, qual seria o comportamento administrativo imprescindível para cada caso concreto, percebeu, também, a necessidade de conferir certa margem de liberdade ao administrador para adotar, diante das circunstâncias concretas, a melhor solução possível, aquela que atenda com perfeição a finalidade da lei.
Então, “a discrição nasce precisamente do propósito normativo de que só se tome a providência excelente, e não a providência sofrível e eventualmente ruim”[144]. A discricionariedade administrativa não confere ao administrador a possibilidade de adotar qualquer medida, diante das várias possibilidades abstratamente consideradas pela norma jurídica, mas, sim, aquela que se mostre ótima, perfeita às contingências do caso concreto, e que, por via de consequência, atenda a finalidade legal. Ao encontro desse entendimento, vejamos:
Em outras palavras, a lei só quer aquele específico ato que venha a calhar à fiveleta para o atendimento do interesse público. Tanto faz que se trate de vinculação, quanto de discrição. O comando da norma sempre propõe isto e se uma norma é uma imposição, o administrador está, então, nos casos de discricionariedade, perante o dever jurídico de praticar, não qualquer ato dentre os comportados pela regra, mas, única e exclusivamente aquele que atenda com absoluta perfeição à finalidade da lei.[145]
Existe, como se constata, uma correlação lógica entre os meios empregados e a finalidade legal, razão pela qual, ao praticar ou não certo ato, ou um ou outro tipo, tais opções devem corresponder a meios idôneos ao cumprimento do objetivo fixado pela norma jurídica. De modo que, caso o administrador tenha “praticado ato discrepante do único cabível, ou se tiver eleito algum seguramente impróprio ante o confronto com a finalidade da norma, o Judiciário deverá prestar a adequada revisão jurisdicional, porquanto, em rigor, a Administração terá desbordado da esfera discricionária”[146] [147].
É Importante, também, trazer as lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, uma vez que ela leciona que a “discricionariedade não é mais a liberdade de atuação limitada pela lei, mas a liberdade de atuação limitada pelo direito”[148], o que inclui não apenas a lei, no seu sentido formal, mas, também, todos os princípios que integram, implícito ou explicitamente, a Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido, além do controle judicial da competência, da finalidade, da forma de dos motivos determinantes da ação da autoridade administrativa, se usa também como parâmetro de controle dos atos administrativos os princípios da moralidade administrativa, da supremacia do interesse público, da razoabilidade, da precaução, entre outros. Portanto, “A discricionariedade, se existente, será sempre vinculada aos princípios constitucionais”[149].
Acerca do assunto, são as palavras de Maria Sylvia Z. Di Pietro:
Todos esses princípios foram acolhidos implícita ou explicitamente na Constituição Federal de 1988. Eles limitam a discricionariedade administrativa, norteiam a tarefa do legislador e ampliam a ação do Poder Judiciário, que não poderá cingir-se ao exame puramente formal da lei e do ato administrativo, pois terá que confrontá-los com os valores consagrados como dogmas na Constituição.[150]
Não existe, portanto, uma discricionariedade pura[151] capaz de impedir a sindicabilidade dos atos administrativos, ainda que este se enquadre na categoria de ato político, pois, a autoridade administrativa sempre estará vinculada aos princípios constitucionais fundamentais, às finalidades que estes pretendem atingir. Nesse sentido leciona Rodolfo de Camargo Mancuso:
Hoje já se vai formando um consenso no sentido de que, dada a indisponibilidade do interesse público, torna-se pequena a margem de efetiva discrição nos atos e condutas da Administração Pública, quase se podendo falar que os atos discricionários hoje já estão sujeitos a uma sorte de liberdade vigiada!
Em matéria ambiental, como já afirmado em momentos anteriores, o texto constitucional, bem como as normas infraconstitucionais, estabelecem, deliberadamente, como finalidade a preservação da qualidade de vida e a proteção do meio ambiental contra as ações degradantes, incumbindo ao ente estatal não poluir, bem como evitar danos ambientais causados pelos administrados.
Ou seja, foi pré-estabelecido, pela CF de 1988, no intuito de concretizar a ordem socioambiental constitucional vigente, o dever do Poder Público elaborar e implementar políticas públicas aptas a assegurar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. “Não há falar, portanto, em possibilidade de deliberação da Administração Pública sobre a oportunidade ou a conveniência em implementar políticas públicas já determinadas pela Constituição Federal.”[152]
Assim, reconhecida a contaminação dos atos administrativos pelos princípios constitucionais, o ente público não pode alegar a discricionariedade com o intuito de justificar a sua omissão na defesa dos bens e valores ambientais, já que ele está vinculado aos objetivos e fundamentos do Estado Social Ambiental, os quais foram traçados pelo legislador constituinte e ordinário.
Há, dessa maneira, um verdadeiro dever, uma obrigação, do Estado de implementar políticas públicas que assegurem o equilíbrio ecológico, de modo que não é ofertada a ninguém, inclusive ao ente estatal, dentre as possibilidades de escolha, aquela que represente omissão no cumprimento da Constituição. Logo, quando estamos a discutir o papel do Estado no resguardo do equilíbrio ecológico, a nossa Magna Carta apresenta a ele apenas uma possibilidade, qual seja, a de defender e preservar o meio ambiente.
Logo, no tocante a matéria de políticas públicas ambientais, a discussão, acerca do controle externo dos atos da administração, se dará quanto aos meios empregados para implementá-las, se eram, ou não, razoáveis, idôneos, se atendiam com perfeição a finalidade constitucional, e não se o ente público tinha ou não o dever de concretizá-las, pois a existência desse dever é inquestionável.
Assim, no plano das políticas públicas, quando a Constituição determina um fazer ao Estado, o qual foi estabelecido no tocante à proteção ambiental, automaticamente ele assume a condição de “devedor” e, assim, fica assegurada aos cidadãos a possibilidade de cobrança, via Poder Judiciário, de sua obrigação de fazer, de cumprir o deu dever. “Onde o processo político da definição concretizadora e implementação de uma política pública falha em nível do Executivo, o Judiciário tem não somente o poder, mas o dever de intervir.”[153]
Nessa senda, a omissão do estado na proteção ambiental não se coloca entre as opções idôneas da administração para a consecução das normas da ordem socioambiental, mas se mostra, antes de tudo, como uma negação dos princípios e valores ambientais estampados na nossa Carta Constitucional. Consequentemente, surge a possibilidade de imposição coativa, pelo Poder Judiciário, ao Executivo de adoção das medidas administrativas indispensáveis à proteção do meio ambiente.
Quanto ao assunto, importante são as palavras de Andreas J. Krell:
No fundo, a questão envolve a própria supremacia da Constituição: se o texto da Carta Federal declara a proteção ao meio ambiente e a promoção da saúde pública expressamente como deveres do Poder Público, tem que ser dada também a possibilidade ao Judiciário de corrigir possíveis omissões dos outros Poderes no cumprimento destes deveres.[154]
Outra tese utilizada é a da inoponibilidade à administração pública de determinações judiciais que representem ingerência no planejamento orçamentário e financeiro do ente público, feito em conjunto entre o Executivo e o Legislativo, já que as atividades concretas da administração dependem de dotações orçamentárias prévias e do programa de prioridades fixado pelo gestor público[155].
É inquestionável que os gastos públicos devem ser compatíveis com o plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias, lei orçamentária anual e com a Lei complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), para que assim se possa zelar pelo equilíbrio orçamentário das contas públicas.
Todavia, isto, em nada modifica a possibilidade de controle judicial sobre as políticas públicas estabelecidas como prioridade pelo Poder Legislativo e Executivo, notadamente quando se omitem em prever na peça orçamentária numerário capaz concretizar e implementar políticas públicas que são estabelecidas, de antemão, como prioritárias pela Constituição. Antes mesmo de a Administração estar vinculada ao orçamento aprovado, ela estar vinculada aos preceitos fundamentais inseridos na Constituição de 1988. Afinal, quem governa é a Constituição.
Contudo, é preciso ter em mente que condicionar a realização de bens e interesses sociais à decisão política orçamentária importaria em ignorar a eficácia vinculante e a força normativas da Constituição, o que permitiria frustrar a efetividade de seus preceitos com a opção não alocar recursos necessários a sua fruição e concretização.
No mesmo sentido, Lúcia Valle Figueiredo, citada por Ximena Cardozo[156]:
O orçamento não é uma peça livre para o Administrador. Há valores que são priorizados pela Constituição Federal e Estadual. Aqui, também, por vezes, o administrador não tem qualquer discricionariedade, pois, do contrário, seria lhe dar o poder de negar, pela via transversa, a escala de prioridades e de urgência que, no Brasil e no Estado de São Paulo, foi constitucionalmente fixada. Nessa linha de raciocínio, vejo como possível a acumulação de pedidos em ação civil pública, um referente à obrigação de não fazer (deixar de lançar efluentes não tratados) e outro pertinente à inclusão da respectiva despesa no orçamento do ano seguinte.
Sendo assim, no momento da exigência da concretização de direitos sociais por meio de políticas públicas, é necessário levar em conta questões de ordem orçamentária (Ex.: se o orçamento do ano de certo ente estatal comporta ou não a realização da obra necessária), todavia este mister não constitui empecilho à possibilidade de condenação da Fazendo Pública em executar programas de defesa ambiental. Segundo Ximena Cardozo, tal necessidade:
não funcionará como obstáculo à pretensão deduzida contra o ente público responsável; apenas determinará a observância das etapas fundamentais à obtenção dos resultados buscados: inexistindo recursos suficientes no orçamento do órgão estatal para a concreção das atividades exigidas, a determinação de seu cumprimento passará, necessariamente, pela previsão de verbas para o exercício seguinte ou, ainda, pela formalização de crédito adicional, nas hipóteses admitidas pela legislação de regência.[157]
Nesta linha de pensamento também se encontra Luiz Renato Topan:
O Estado trabalha vinculado a um orçamento. Portanto, quando se condena o Estado a atuar e esta atuação gera a necessidade de uma obra pública, deve-se perquirir, no momento procedimental próprio, se aquele ente estatal possui verba em seu orçamento compatível. Se existirem fundos próprios e suficientes para a feitura da obra almejada, será o Poder Público condenado de imediato (logicamente dentro dos prazos técnicos do caso concreto) a realizar tal obra. Porém, se o orçamento daquele ano não comportar mais a magnitude desta obra, o ente estatal será inicialmente condenado a incluir no próximo orçamento verba específica à obra pleiteada, sendo em sequência condenado à realização propriamente dita da obra. [158]
Não se aplica, também, em relação às políticas públicas asseguradoras de direitos socioambientais a reserva possível em sua dimensão que diz respeito à efetiva disponibilidade fática dos recursos financeiros para a efetivação dos direitos fundamentais. O argumento, aqui, é um só: não existem recursos financeiros disponíveis à efetivação do direito. E ele é usado, de forma retórica, para justificar as omissões ambientais estatais em promover políticas públicas de proteção do meio ambiente, e para o descumprimento de preceitos socioambientais que norteiam a atuação estatal . Sobre o assunto, vejamos as palavras de Ingo Sarlet e Mariana Figueiredo:
(...) vale destacar que também resta abrangida na obrigação de todos os órgãos estatais e agentes políticos a tarefa de maximizar os recursos e minimizar o impacto da reserva do possível. Isso significa, em primeira linha, que se a reserva do possível há de ser encarada com reservas, também é certo que as limitações vinculadas à reserva do possível não são, em si mesmas, necessariamente uma falácia. O que tem sido, de fato, falaciosa, é a forma pela qual muitas vezes a reserva do possível tem sido utilizada entre nós como argumento impeditivo da intervenção judicial e desculpa genérica para a omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais.[159]
E este caráter retórico, se torna ainda mais visível diante das contradições dos planos governamentais, que não raras vezes elegem políticas públicas pouco condizedentes com as reais demandas sociais, como ocorrem com as despesas de propagandas nas mídias, concertos musicais ou em obras faraônicas, como a construção dos dozes estádios de futebol para a Copa do Mundo de 2014. “Nestas condições o controle judicial importa na composição do déficit de legitimidade das opções políticas com a preservação dos bens e interesses sociais pela adjudicação das prestações necessárias.”[160]
É preciso levar em consideração as lições de Eros Grau, pois ele ensina que a reserva do possível “não pode ser reduzida a limite posto pelo orçamento, até porque, se fosse assim, um direito social sob “reserva dos cofres cheios” equivaleria, na prática, como diz José Joaquim Gomes Canotilho – a nenhuma vinculação jurídica.”[161] Condicionar a prestação de direitos sociais, econômicos e culturais à existência de cofres cheios implicaria reduzir a sua eficácia a zero.
Se por uma lado é difícil implementar todos estes direitos de uma vez só, por razões de ordem financeiro, entre outras, por outro é inegável que o Estado deve prestá-los, logo, na busca conciliar esta realidade eles devem ser satisfeitos de forma progressiva e planejada. Neste sentido, Anderson Rosa Vaz entende que a cláusula do reserva do possível deve ser trabalhada como pressuposto de planejamento e efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais, e não como barreira[162].
O autor entende que quando o Estado alega a falta de recursos para efetivar direitos econômicos sociais e culturais a agressão aos direitos humanos é dupla: “uma comissiva, caracterizada pela má gestão dos recursos públicos e que acaba por gerar uma lesão comissiva, explicitada pela inércia na efetivação dos direitos humanos”[163]. E ainda assevera:
Claro que não se trata de exigir a prestação estatal sem desconsiderar os limites do orçamento. (...)
Ocorre que a mera alegação da cláusula da reserva do possível não é motivo bastante para obstacularizar a efetivação desses direitos. O Poder Público, caso alegue essa cláusula, deve demosntrar o tratamento que o direito social lesado está recebendo no orçamento. Tanto no passado, quanto no presente, quanto no futuro.[164]
Portanto, não parece razoável aceitar que a cláusula da reserva do possível possa ser limitadora dos direitos socioambientais, pelo contrário, é exigível que o Estado programe os orçamentos públicos e suas políticas públicas com recursos necessários à efetivação progressiva desses direitos, o que implica reconhecer que estes direitos deveriam ter sidos concretizados ontem, e que são necessárias medidas para o presente e paro o futuro.
3.2 Possibilidade do controle, via Poder Judiciário, das omissões estatais lesivas à qualidade ambiental: algumas decisões.
Haja vista que não há que se falar em ingerência destrutiva do Poder Judiciário na esfera de competência do Poder Executivo ou do Poder Legislativo, não havendo, desta forma, violação da separação dos Poderes, bem como, “que na maioria das questões relacionadas com a proteção ambiental não há mais, propriamente, liberdade efetiva do administrador na escolha do momento conveniente e oportuno para a adoção de medidas específicas de preservação”[165], nem mesmo sob a alegação de contingências de ordem orçamentária, impõe-se admitir o controle judicial sobre as omissões da Administração Pública na proteção do meio ambiente através da imposição de medidas positivas de preservação ambiental em ações judiciais que visem o cumprimento de obrigação de fazer.
Atualmente a responsabilidade civil pode ter diversos efeitos principais, não se limitando à simples reparação do dano, “pois muitas vezes não basta indenizar, mas fazer cessar a causa da mal, pois um carrinho de dinheiro não substitui o sono recuperador, a saúde dos brônquios, ou a boa formação do feto.”[166]
Sendo assim, o controle judicial das omissões do Poder Público nas questões ambientais pode se dar, no âmbito da responsabilidade civil do Estado, tanto para se obter a reparação do dano causado ao ambiente, quanto para a supressão da omissão estatal danosa. Acerca das finalidades visadas em matéria de responsabilidade civil, Álvaro Mirra leciona:
Se em certa matéria a responsabilidade civil for utilizada como meio de obter a cessação ou diminuição de um prejuízo, o seu efeito vai ser a reparação do dano. Se, diversamente, a responsabilidade civil for utilizada como meio de fazer cessar a atividade ou omissão que se encontra na origem do dano, o seu efeito vai ser a supressão de uma situação ou fato danoso. (…) Tudo depende, portanto da opção que se fizer em determinado ordenamento jurídico, quanto aos efeitos da responsabilidade civil no tocante a determinada matéria.
(…) A supressão da atividade ou omissão danosa é uma providência autônoma, cujo objetivo é inviabilizar a renovação do dano já reparado ou em vias de reparação ou impedir o agravamento do prejuízo ainda não reparado. Ela se distingue da reparação do dano porque a reparação age diretamente sobre o dano e apenas sobre o dano; já a supressão do fato danoso atua sobre a causa do dano, eliminando a fonte do prejuízo.[167]
O autor ainda nos ensina que a prevenção do dano também se apresenta como um dos efeitos da responsabilidade civil, a qual se diferencia da supressão, ainda que reconheça certa similitude entre elas, já que “a prevenção atua também sobre a fonte do dano, para evitar a sua produção, tanto quanto a supressão do fato danoso constitui, de sua parte, a prevenção da renovação do dano já consumado e reparado ou da agravação antes da reparação.”[168]Todavia, a supressão de uma atividade ou inatividade lesiva, como efeito da responsabilidade civil, supõe a existência do dano, enquanto que a prevenção não admite a existência do dano, pois, ela tem como finalidade impedir a aparição ou consumação do dano.[169]
Tem-se que a reparação do dano, a supressão da atividade ou omissão danosa e a prevenção são providências juridicamente válidas no âmbito da responsabilidade civil em matéria ambiental. O que é reforçado pelos arts. 3º e 11 da Lei n. 7.347/85, os quais prevêem a possibilidade de manejo da ação civil pública ambiental com o intuito de obter obrigação de fazer ou não fazer tendentes ao cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade (ou inatividade) lesiva. Por sua vez, o art. 4º desta lei permite a utilização da ação civil pública para o fim específico de prevenção ao dano ambiental.
Sendo assim, quando o constituinte, no art. 225, § 3°, da CF, e o legislador ordinário, no art. 4º, VI e VII, e no art. 14, caput, e § 1°, da lei 6.938/81, fazem uso das expressões “reparação”,“restauração”, “recuperação” e “correção” de danos ambientais, eles a usam em sentido amplo, de modo a abarcar, como possíveis efeitos da responsabilidade civil em matéria ambiental, não só a reparação do dano, mas também a prevenção e a supressão da atividade ou omissão danosa à qualidade ambiental.
Essas conclusões são corroboradas pelos princípios da precaução e da prevenção[170], os quais “informam a responsabilidade civil pelo dano ambiental proporcionando a alteração do modus operandi que determinou a degradação, pelo que atuam diretamente na fase anterior à produção do dano, e conduzem para a responsabilização ex ante”[171]. “As ações incidentes sobre o meio ambiente devem evitar sobretudo a criação de poluições e perturbações na origem e não apenas combater posteriormente os seus efeitos, sendo melhor prevenir a degradação ambiental do que remediá-la a posteriori.”[172]
Portanto, há uma verdadeira mudança de paradigma acerca do momento da incidência da responsabilidade civil pelo dano ambiental, o qual se desloca para a fase anterior à produção do dano ambiental. Ou seja, é mais importante adotar medidas ambientais profiláticas ou minimizadoras do dano, que esperar a sua consumação, para só a partir de então adotar soluções reparadoras ou meramente indenizatórias.
Nessa senda, admitir o controle judicial das omissões do poder público na prestação de serviços públicos protetivos do meio ambiente, de modo a conferir àquele a possibilidade de impor a este um fazer ou não fazer protetivos do ambiente, só vem a confirmar o dever de cooperação entre todos na proteção dos bens e valores ambientais, uma vez que a tarefa de atuar preventivamente é uma responsabilidade compartilhada por todos, ou seja, pela sociedade e pelo Estado, incluídos aqui não só o Poder Executivo ou Legislativo, mas também o Poder Judiciário.
E como o dever de atuar preventivamente na proteção ambiental também cabe ao Judiciário, consequentemente, ele deve condenar a Administração Pública a adotar medidas preventivas ou aptas a cessar o dano, quando estas não forem implantadas espontaneamente. Já que é possível condená-la a realizar despesas para reparar o dano ambiental, uma vez acolhido o pedido, é ilógico pensar que o Judiciário não pode condená-la a realizar gastos aptos a evitar ou minimizar lesões ambiente. Como ele pode ser instado a atuar posteriormente, também pode ser chamado para prevenir ou cessar uma lesão..
Em posicionamento favorável à tese de uma ingerência construtiva do Poder Judiciário na Administração Pública, a partir da premissa de complementariedade e interação entre os Poderes, a qual é aqui defendida, o Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a omissão do Estado, reconheceu como legítimo o controle e intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de políticas públicas, vejamos:
A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.” (...)
É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (...) pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. (...)
Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. (...)
Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado. (...)
Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional. No entanto, parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais. (...). Muitos autores e juízes não aceitam, até hoje, uma obrigação do Estado de prover diretamente uma prestação a cada pessoa necessitada de alguma atividade de atendimento médico, ensino, de moradia ou alimentação. Nem a doutrina nem a jurisprudência têm percebido o alcance das normas constitucionais programáticas sobre direitos sociais, nem lhes dado aplicação adequada como princípios-condição da justiça social. A negação de qualquer tipo de obrigação a ser cumprida na base dos Direitos Fundamentais Sociais tem como conseqüência a renúncia de reconhecê-los como verdadeiros direitos. (...) Em geral, está crescendo o grupo daqueles que consideram os princípios constitucionais e as normas sobre direitos sociais como fonte de direitos e obrigações e admitem a intervenção do Judiciário em caso de omissões inconstitucionais.
(ADPF 45 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 29/04/2004, publicado em DJ 04/05/2004) (grifos nossos)
O Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar Recurso Especial 429.570-GO, corroborou este entendimento[173], inclusive, reconheceu a possibilidade de interferência judicial no orçamento público para que sejam incluídos recursos necessários à realização de obras de recuperação em prol do meio ambiente.
A pergunta que se faz é a seguinte: pode o Judiciário, diante de omissão do Poder Executivo, interferir nos critérios da conveniência e oportunidade da Administração para dispor sobre a prioridade da realização de obra pública voltada para a reparação do meio ambiente, no assim chamado mérito administrativo, impondo-lhe a imediata obrigação de fazer? Em caso negativo, estaria deixando de dar cumprimento à determinação imposta pelo art. 3º, da lei de ação civil pública?(…)
Entendo que a ótica sob a qual se deve analisar a questão não é puramente a da natureza do ato administrativo, mas a da responsabilidade civil do Estado, por ato ou omissão, dos quais decorram danos ao meio ambiente.
Estando, pois, provado que a erosão causa dano ao meio ambiente e põe em risco a população, exige-se do Poder Público uma posição no sentido de fazer cessar as causas do dano e também de recuperar o que já foi deteriorado.
O primeiro aspecto a considerar diz respeito à atuação do Poder Judiciário, em relação à Administração.
No passado, estava o Judiciário atrelado ao princípio da legalidade, expressão maior do Estado de direito, entendendo-se como tal a submissão de todos os poderes à lei.
A visão exacerbada e literal do princípio transformou o Legislativo em um super poder, com supremacia absoluta, fazendo-o bom parceiro do Executivo, que dele merecia conteúdo normativo
abrangente e vazio de comando, deixando-se por conta da Administração o facere ou non facere, ao que se chamou de mérito administrativo, longe do alcance do Judiciário.
A partir da última década do Século XX, o Brasil, com grande atraso, promoveu a sua revisão crítica do Direito, que consistiu em retirar do Legislador a supremacia de super poder, ao dar nova interpretação ao princípio da legalidade.
Em verdade, é inconcebível que se submeta a Administração, de forma absoluta e total, à lei. Muitas vezes, o vínculo de legalidade significa só a atribuição de competência, deixando zonas de ampla liberdade ao administrador, com o cuidado de não fomentar o arbítrio. Para tanto, deu-se ao Poder Judiciário maior atribuição para imiscuir-se no âmago do ato administrativo, a fim de, mesmo nesse íntimo campo, exercer o juízo de legalidade, coibindo abusos ou vulneração aos princípios constitucionais, na dimensão globalizada do orçamento.
A tendência, portanto, é a de manter fiscalizado o espaço livre de entendimento da Administração, espaço este gerado pela discricionariedade, chamado de "Cavalo de Tróia" pelo alemão Huber, transcrito em "Direito Administrativo em Evolução", de Odete Medauar. Dentro desse novo paradigma, não se pode simplesmente dizer que, em matéria de conveniência e oportunidade, não pode o Judiciário examiná-las. Aos poucos, o caráter de liberdade total do
administrador vai se apagando da cultura brasileira e, no lugar, coloca-se na análise da motivação do ato administrativo a área de controle. E, diga-se, porque pertinente, não apenas o controle em sua acepção mais ampla, mas também o político e a opinião pública.(...)
Com essas considerações, dou provimento ao recurso especial para ordenar que a Administração providencie imediatamente as obras necessárias à recomposição do meio ambiente” (DJ de 22.03.2004, Relatora Min. Eliana Calmon).
Portanto, no âmbito da responsabilidade civil ambiental é perfeitamente possível obter a supressão das omissões estatais lesivas ao meio ambiente, o que poderá gerar, como uma de suas consequências, a depender do caso concreto, a implementação obrigatória, por parte do Poder Público, de políticas públicas e obras em prol do meio ambiente.
Conclusões
O dever de tutelar o meio ambiente é imposto ao Poder Público e à coletividade, tratando-se de responsabilidade compartilhada, sendo a intervenção do Poder Público obrigatória. É imperativo que o Poder Público atue preventivamente ou repressivamente, assumindo o papel no sentido de evitar a ocorrência de danos ambientais.
As particularidades do dano ambiental e da responsabilidade a ele correspondente, que extrapolam os limites do sistema tradicional da responsabilidade civil, exigem, para o fim de garantir a efetividade na proteção ambiental: que se adote a responsabilidade objetiva com base na teoria do risco integral; transferência da prova do nexo causal ao degradador, através da inversão do ônus da prova; a aceitação de uma teoria da causalidade em que prevalece o requisito da probabilidade, ao invés da certeza.
A responsabilidade ambiental do Poder Público, advindos de danos ocasionados ao meio ambiente por meio de condutas comissivas ou omissivas, deve ser considerada objetiva, independentemente da indagação de dolo ou culpa, e solidária, pois todos aqueles que contribuem, direta ou indiretamente, para a ocorrência do dano ambiental, devem ser responsabilizados.
No caso de omissão de dever de fiscalização, a responsabilidade da Administração é solidária, porém de execução subsidiária, de modo que o levantamento do montante necessário para custear as medidas ambientais corretivas deve ser suportado primeiramente pelo particular e subsidiariamente pelo Estado.
A Responsabilidade do Estado deve ser pautada por um modelo de responsabilidade civil destinado a não meramente reparar ou indenizar e sim condenar em atitude positiva preventiva o administrador para o cumprimento coercitivo de suas obrigações constitucionais e institucionais.
Assim, argumentos como separação dos poderes, falta de legitimidade democrática, discricionariedade administrativa, falta de previsão orçamentária ou da reserva do financeiramente possível não podem impedir o controle do Poder Judiciário sobre as omissões estatais lesivas ao meio ambiente, razão pela qual estas objeções devem ser superadas para possibilitarmos o controle da Administração Pública, caso contrário, sob pena de admitirmos a negação de direitos sociambientais assegurados pela Carta Constitucional.
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[1]JÚNIOR, Diley da Cunha. Curso de direito constitucional. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 586.
[2]SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. A natureza de direito-dever da norma jusfundamental ambiental. In: Revista de Direito Ambiental , n.67. São Paulo: RT, julh-set/2012, p.16.
[3]SOFFIATI, Arthur. A natureza no pensamento liberal clássico. In: Revista de Direito Ambiental , n.20. São Paulo: RT, out-dez/2000, p.161.
[4]Ibidem, p. 176.
[5]BARROSO, Lucas Abreu. A obrigação de indenizar e a determinação da responsabilidade civil por dano ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 34 e 35.
[6]São algumas destas mudanças: os desequilíbrios contínuos gerados pela livre concorrência; a inexistência da garantia do justo preço, do justo salário e justo lucro, diante da concentração de capitais e do capitalismo de grupos.
[7]JÚNIOR, Diley da Cunha. Curso de direito constitucional. Ob. cit., p.587.
[8]SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.p.292.
[9]BARROSO, Lucas Abreu. A obrigação de indenizar e a determinação da responsabilidade civil por dano ambiental. Ob. cit., p.39.
[10]Silva, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 70.
[11]CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Protecção do ambiente e direito de propriedade: crítica de jurisprudência ambiental. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. p. 13, 81 e 93, respectivamente. Apud, BARROSO, Lucas Abreu. A obrigação de indenizar e a determinação da responsabilidade civil por dano ambiental. Ob. cit., p. 41 e 42.
[12]MARQUES, Angélica Bauer. A cidadania ambiental e a construção do Estado de direito do meio ambiente. In: FERREIRA, Heline Silvini; LEITE, José Rubens Morato (Orgs.). Estado de direito ambiental: tendências – aspectos constitucionais e diagnósticos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 180.
[13]CAOTILHO, José Joaquim Gomes. O direito ao ambiente como direito subjetivo. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004. p.188. Apud SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Breves considerações sobre os deveres de proteção do Estado e a garantia da proibição do retrocesso em matéria ambiental. In: Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, n.35. São Paulo: Magister Editora, Abr-Maio/2011, p. 20 e 21.
[14]SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Breves considerações sobre os deveres de proteção do Estado e a garantia da proibição do retrocesso em matéria ambiental. Ob. cit., p. 20.
[15]Dentre os princípios destaco: Princípio 1 - O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. A este respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação estrangeira são condenadas e devem ser eliminadas.
[16]Silva, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 44.
[17]Ibidem, p.45.
[18]BENJAMIN, Antônio Herman. Direito constitucional ambiental brasileiro. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 61-62.
[19]Ibidem, p. 69-81.
[20]“os comandos constitucionais reduzem a discricionariedade da Administração Pública, pois impõem ao administrador o permanente dever de levar em conta o meio ambiente e de, direta e positivamente, protegê-lo, bem como exigir seu respeito pelos demais membros da comunidade, abrindo ao cidadão a possibilidade de questionar ações administrativas que de forma significativa prejudiquem os sistemas naturais e a biodiversidade”. Ibidem, p. 75.
[21]MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p.151.
[22]Ibidem.
[23]Ibidem.
[24]Ibidem.
[25]Ibidem.
[26]Ibidem.
[27]Ibidem.
[28]Ibidem.
[29]Ibidem.
[30]Ibidem.
[31]Silva, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. Ob. cit., p.46 e 47.
[32]Ibidem. p.52
[33]O caput do art. 255 dispõe: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
[34]MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Fundamentos do direito ambiental no Brasil. São Paulo, RT, v.706, 1994. p.13.
[35]MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores , 2005. p.120.
[36]MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. Ob. cit., p. 157.
[37]SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Breves considerações sobre os deveres de proteção do Estado e a garantia da proibição do retrocesso em matéria ambiental. Ob. cit., p. 19 e 20.
[38]Art. 225, § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”
[39]Ibidem. p. 22.
[40]Milaré também destaca a ideia de um “dever estatal geral de defesa e preservação do meio ambiente”, o qual se encontra fragmentado em deveres específicos, igualmente constitucionalizados. MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. Ob. cit., p.157 e ss.
[41]SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Breves considerações sobre os deveres de proteção do Estado e a garantia da proibição do retrocesso em matéria ambiental. Ob. cit., p. 24.
[42]Ibidem. p.24 e 25.
[43]Os conceitos de degradação ambiental e poluição ambiental podem ser visto no Art. 3, inc. II e III, vejamos: II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; (grifos nossos)
[44]BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. In: Revista de Direito Ambiental , n.09. São Paulo: RT, jan-mar-1998, p. 49.
[45]LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: RT, 2003. p. 94.
[46]Ibidem. p. 94.
[47]Ibidem. p.104.
[48] BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Ob. cit., p. 14.
[49]CRUZ, Branca Martins da. Responsabilidade civil pelo dano ecológico: alguns problemas. In: Revista de Direito Ambiental , n.05. São Paulo: RT, jan-mar-1997, p. 29.
[50]BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Ob. cit., p. 12.
[51]Ibidem. p. 37.
[52]CRUZ, Branca Martins da. Responsabilidade civil pelo dano ecológico: alguns problemas. Ob. cit., p. 29.
[53]BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Ob. cit., p. 13.
[54]BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Ob. cit., p. 8.
[55]Ibidem, p. 20 e 21.
[56]LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. Ob. cit., p. 121.
[57]BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Ob. cit., p. 19.
[58]LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. Ob. cit., p. 129.
[59]Art. 14 – (omissis) § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. (grifos nossos)
[60]BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Ob. cit., p. 42 e 43.
[61]BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Ob. cit., p. 44.
[62]GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Código civil comentado. Barueri: Manole, 2008. p. 857.
[63]MILARÉ, Édis. A ação civil pública por dano ao ambiente. In: Ação Civil Pública: Lei 7.347/1985 – 15 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 155.
[64] Há aqueles que admitem as excludentes, já que elas seriam a verdadeira causa do dano, razão pela qual haveria uma ruptura do nexo de causalidade entre a atividade do agente e o resultado. “Se o dano foi causado por uma fato da natureza, como uma tempestade, abalo sísmico, etc; a força maior, assim manifestada, exclui, a toda evidência, o nexo causal entre o prejuízo e a ação ou omissão da pessoa a quem se atribuiu a responsabilidade pelo prejuízo. O dano (…) foi produzido, só e só, pela tempestade, pelo abalo sísmico, etc.” PORTO, Mário Moacyr. Pluralidade de causas do dano e redução da indenização: força maior e dano ao meio ambiente. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 638, p. 07-09, dez. 1988. p.9. Apud STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: As dimensões ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 181.
Existe, ainda, uma posição intermediária, a qual é defendida por Annelise Monteiro Steigleder “ que admite apenas a força maior e o fato de terceiro como causas excludentes, eis que consistem em fatos externos, desvinculados ao empreendimento, nada tendo a ver com os riscos intrínsecos ao estabelecimento ou atividade. E desde que não se trate de empresa exploradora de atividade de risco e que sua atuação não possa ser considerada causa indireta do dano.” Ibidem, p. 182.
[65]FERRAZ, Sérgio. Responsabilidade civil por dano ecológico. Revista de Direito Público, v.49-50. São Paulo: 1979. p. 38.
[66]MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública. São Paulo: RT, 1994. p. 176. Apud LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: RT, 2003. p. 200.
[67] BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Ob. cit., p. 19.
[68]PASQUALOTTO, Adalberto. Responsabilidade civil por dano ambiental: considerações de ordem material e processual. In: BENJAMIN, Antonio Herman V. (Coord.). Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: RT, 1993. p. 454. Apud José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: RT, 2003. p. 201.
[69]Nesse sentido, além dos já citados: Édis Milaré. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. ob. cit., p. 961; José Afonso da Silva. Direito ambiental constitucional. Ob. cit., p. 316-317; Antônio Herman V. Benjamin. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Ob. cit., p.41; José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. Ob. cit., p. 199 a 202.
[70]LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. ob. cit., p. 199.
[71]Nesse sentido é do entendimento do Min. Luiz Fux, conforme julgado do STJ, Resp 442.586-SP:
ADMINISTRATIVO. DANO AMBIENTAL. SANÇÃO ADMINISTRATIVA. IMPOSIÇÃO DE MULTA. EXECUÇÃO FISCAL. (…)
4. Depreende-se do texto legal a sua responsabilidade pelo risco integral, por isso que em demanda infensa a administração, poderá, inter partes, discutir a culpa e o regresso pelo evento. (...)
[72]BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Ob. cit., p. 22.
[73]MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. Ob. cit., p. 340.
[74]MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004. p. 110.
[75]Excerto de sentença proferida, em ação civil pública, da 2.a Vara da Comarca de Sertãozinho-SP, pelo Juiz Álvaro Luiz Valery Mirra, publicada na Revista de Direito Ambiental , n.01. São Paulo: RT, 1996. p.238-259.
[76]MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. Ob. cit., p. 114-115.
[77]BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Ob. cit., p.44.
[78]CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p.262.
[79]SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. Ob. cit., p. 318.
[80]BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Ob. cit., p.45.
[81]Segundo LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. Ob. cit., p.185. A legislação alemã de 10 de dezembro de 1990 estabelece, em seu art. 6º uma presunção de causalidade do dano ambiental, no caso em que uma instalação, dada as circunstâncias de sua particularidade, estará apta a produzir dano, pois presume-se que o dano foi causado por esta instalação.
[82]LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. Ob. cit., p.185.
[83]CRUZ, Branca Martins da. Responsabilidade civil pelo dano ecológico: alguns problemas. Ob. cit., p.31.
[84]LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. Ob. cit., p.182. Aponta que a Convenção de Lugano, em seu art. 10, já acolhe esta perspectiva, ao determinar que o juiz deva levar em conta, no nexo de causalidade, “o risco acrescido de causar danos inerentes às atividades perigosas”. Tratando-se, isso, da aplicação da verossimilhança, pois a Convenção de Lugano incita o juiz a mostra-se menos exigente em matéria de causalidade de atividades de risco.
[85]NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade, e NERY JÚNIOR, Nelson. O Ministério Público e a responsabilidade civil por dano ambiental. Justitia 161. São Paulo, jan-mar/1993. p. 63.
[86]SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. Ob. cit., p. 318.
[87]PORFIRIO JÚNIOR, Nelson de Freitas. Responsabilidade do Estado em face do dano ambiental. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 57.
[88]BARROSO, Ricardo Cavalcante. A responsabilidade civil do Estado por omissão em face do dano ambiental. In: Revista de Direito Ambiental , n.63. São Paulo: RT, jul-set/2011, p.215.
[89]BETIOL, Luciana Stoco. Responsabilidade civil e proteção ao meio ambiente. São Paulo: Saraiva, 2010. p.181.
[90]LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. Ob. cit., p. 186.
[91]BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009. p.983.
[92]Ibidem, p. 989.
[93]ALMEIDA, Maria Tereza Perez de. O Estado e a responsabilidade civil por omissão na proteção do ambiente. Recife: Ed. do autor, 2003. p. 46.
[94]BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. Ob. Cit., p. 991.
[95] O caso versou acerca do atropelamento da menina Angès Blanco, atropelada pelo vagão da Companhia Nacional de Manufatura de Fumo da França. Seu pai moveu ação perante os tribunais civis contra o Prefeito do Departamento, sob o fundamento de que o Estado é civilmente responsável pelos prejuízos causados a terceiros em decorrência da ação danosa dos seus agentes.
[96]PORFIRIO JÚNIOR, Nelson de Freitas. Responsabilidade do Estado em face do dano ambiental. Ob. cit., p. 19.
[97]Ibidem, p. 19.
[98]MILARÉ, Édis. A ação civil pública por dano ao ambiente. In: Ação Civil Pública: Lei 7.347/1985 – 15 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.153.
[99]PORFIRIO JÚNIOR, Nelson de Freitas. Responsabilidade do Estado em face do dano ambiental. Ob. Cit., p.19 e 20.
[100]ALMEIDA, Maria Tereza Perez de. O Estado e a responsabilidade civil por omissão na proteção do ambiente. p. 55.
[101]PORFIRIO JÚNIOR, Nelson de Freitas. Responsabilidade do Estado em face do dano ambiental. Ob. Cit., p.20.
[102]Ibidem.p. 23.
[103]MIRRA, Álvaro Luiz Valery Mirra. O problema do controle judicial das omissões estatais lesivas ao meio ambiente. In: Revista de Direito Ambiental , n.15. São Paulo: RT, julh/set 1999, p.61.
[104]PORFIRIO JÚNIOR, Nelson de Freitas. Responsabilidade do Estado em face do dano ambiental. Ob. cit., p. 69.
[105]BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. Ob. cit., p.1002-1003.
[106]PINTO, Helena Elias. Responsabilidade civil do Estado por omissão na jurisprudência do STF. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 156-157.
[107]FREITAS, Juarez. A responsabilidade extracontratual do Estado e o princípio da proporcionalidade: vedação de excesso e de omissão. In: Revista de direito administrativo, n. 241. Rio de Janeiro: 2005. p. 184.
[108]PINTO, Helena Elias. Responsabilidade civil do Estado por omissão na jurisprudência do STF. Ob. cit., p. 168.
[109]MIRRA, Alvaro Luiz Valery . Proteção do meio ambiente: a omissão do Poder Público e o papel social do judiciário no controle da administração pública. In: Revista de Direito Ambiental , n.30. São Paulo: RT, abr/jun2003, p.36.
[110]LEUZINGER, Márcia Dieguez; CUREAU, Snadra. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p.149.
[111]PORFIRIO JÚNIOR, Nelson de Freitas. Responsabilidade do Estado em face do dano ambiental. Ob. cit. p. 70.
[112]BARROSO, Ricardo Cavalcante. A responsabilidade civil do Estado por omissão em face do dano ambiental. In: Revista de Direito Ambiental , n.63. São Paulo: RT, jul-set/2011, p.227. Este autor defende, por outro lado, que a responsabilidade civil objetiva pode ser aplicada se há omissão do Estado em promover as devidas exigências para o licenciamento ambiental, já que nesses casos a omissão decorre do descumprimento direto do dever legal, o qual condiciona a emissão de licença ambiental à realização das avaliações de impacto ambiental e/ou adoção de medidas mitigadoras.
[113]Nesse sentido, veja-se a decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça no Resp 647.493/SC, Segunda Turma, do Ministro Relator João Otávio de Noronha, j. em 22.05.2007, o qual trata de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra a União, Nova Próspera S.A. e outras companhias de extração de carvão, bem como seus sócios. A Companhia Siderurgia Nacional (CSN) e o Estado de Santa Catarina passaram a compor o pólo passivo ao longo dos trâmites processuais. O intuito de tal ação era a recuperação da região sul do Estado de Santa Catarina atingida pel poluição causada pelas empresas mineradoras. Vejamos o Acórdão:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLUIÇÃO AMBIENTAL. EMPRESAS MINERADORAS. CARVÃO MINERAL. ESTADO DE SANTA CATARINA. REPARAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR OMISSÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA.
1. A responsabilidade civil do Estado por omissão é subjetiva, mesmo em se tratando de responsabilidade por dano ao meio ambiente, uma vez que a ilicitude no comportamento omissivo é aferida sob a perspectiva de que deveria o Estado ter agido conforme estabelece a lei.
2. A União tem o dever de fiscalizar as atividades concernentes à extração mineral, de forma que elas sejam equalizadas à conservação ambiental. Esta obrigatoriedade foi alçada à categoria constitucional, encontrando-se inscrita no artigo 225, §§ 1º, 2º e 3º da Carta Magna. (...)
[114]MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994 p.72-73.
[115]MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. Ob. cit., p. 966-967.
[116]MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. Ob. cit., p. 340-342.
[117]SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. Ob. cit., p. 318.
[118]MIRRA, Álvaro Luiz Valery. A Noção de poluidor na lei nº 6.938/81 e a questão da responsabilidade solidária do Estado pelos danos ambientais causados por particulares. In: LEITE, José Rubens Morato; DANTAS, Marcelo Buzaglo (orgs.). Aspectos Processuais do direito ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 8.
[119]STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: As dimensões ambiental no direito brasileiro. Ob. cit., p. 195.
[120] Além deste julgado, cito outros do Superior Tribunal de Justiça, o que nos faz perceber que ele vem admitindo, reiteradamente, a responsabilidade objetiva do Estado, em matéria ambiental, por omissão no seu dever de controle e fiscalização, são eles: O REsp 604.725/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/06/2005, DJ 22/08/2005, em que consigna em sua ementa o seguinte teor: “5. Assim, independentemente da existência de culpa, o poluidor, ainda que indireto (Estado-recorrente) (art. 3º da Lei nº 6.938/81), é obrigado a indenizar e reparar o dano causado ao meio ambiente (responsabilidade objetiva).6. Fixada a legitimidade passiva do ente recorrente, eis que preenchidos os requisitos para a configuração da responsabilidade civil (ação ou omissão, nexo de causalidade e dano), ressalta-se, também, que tal responsabilidade (objetiva) é solidária, o que legitima a inclusão das três esferas de poder no pólo passivo na demanda, conforme realizado pelo Ministério Público (litisconsórcio facultativo).”; O REsp 28222/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, julgado em 21/06/2005, DJ 15/10/2001 “I - O Município de Itapetininga é responsável, solidariamente, com o concessionário de serviço público municipal, com quem firmou "convênio" para realização do serviço de coleta de esgoto urbano, pela poluição causada no Ribeirão Cairito, ou Ribeirão Taboãozinho. II - Nas ações coletivas de proteção a direitos metaindividuais, como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a responsabilidade do poder concedente não é subsidiária, na forma da novel lei das concessões (Lei n. º 8.987 de 13.02.95), mas objetiva e. portanto, solidária com o concessionário de serviço público, contra quem possui direito de regresso, com espeque no art. 14, §1 o da Lei n.º 6.938/81. Não se discute, portanto, a liceidade das atividades exercidas pelo concessionário, ou a legalidade do contrato administrativo que concedeu a exploração de serviço público; o que importa é a potencialidade do dano ambiental e sua pronta reparação.”
[121]ARAGÃO, Alexandra. Direito Constitucional do ambiente da União Europeia, In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p.31.
[122]MILARÉ, Édis. A ação civil pública por dano ao ambiente. Ob. cit., p.166.
[123]MIRRA, Álvaro Luiz Valery. O problema do controle judicial das omissões estatais lesivas ao meio ambiente. Ob. Cit., p. 62.
[124]BENJAMIN, Antônio Herman V. O estado teatral e a implementação do direito ambiental. p. 48 e 49. Disponível em: http://bdjur.sjt.org.br
[125]CAVALCANTE, Francisco Queiroz B. Breves considerações sobre o controle da função administrativa e a plenitude da tutela jurisdicional. Anuário dos cursos de pós-graduação em direito da UFPE, n. 8, Recife, 1997, p. 98s. Apud KRELL, Andreas J. Discricionariedade administrativa e proteção ambiental: o controle dos conceitos jurídicos indeterminados e a competência dos órgãos ambientais: em estudo comparativo. Porto alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004. p.51.
[126]BENJAMIN, Antônio Herman V. O estado teatral e a implementação do direito ambiental. p. 7. Disponível em: http://bdjur.sjt.org.br
[127]MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Proteção do meio ambiente: a omissão do Poder Público e o papel social do judiciário no controle da Administração Pública. Ob. cit., p.36.
[128]SILVA, Leônio José Alves da. Omissão administrativa e disfunção social da propriedade urbana: o dirigismo urbanístico e a efetivação do direito social à moradia. Olinda: Livro Rápido, 2011. p. 123.
[129]Ibidem, p. 126.
[130]MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A ação civil pública como instrumento de controle judicial das chamadas políticas públicas. In: Ação Civil Pública: Lei 7.347/1985 – 15 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.780.
[131]PASSOS, Lidia Helena da Costa. Discricionariedade administrativa e justiça ambiental: novos desafios do poder judiciário nas ações civis públicas. In: Ação Civil Pública: Lei 7.347/1985 – 15 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 506.
[132]Essa interação e complementariedade pode ser vista, no ordenamento jurídico brasileiro, pois: compete ao Poder Legislativo julgar o Presidente, o Vice-Presidente da República e os ministros do STF por crimes de responsabilidade (Art. 52, I e II, da CF); o Poder Executivo legisla quando edita medidas provisórias (art. 59, V, e art. 62, ambos da CF); bem como, o Poder Judiciário administra quando promove a organização dos seus servidores (art. 96 e art. 125, ambos da CF).
[133]FERREIRA, Ximena Cardozo. Possibilidade do controle da omissão administrativa na implementação de políticas públicas relativas à defesa do meio ambiente. In: Revista de Direito Ambiental , n.47. São Paulo: RT, julh/set 2007, p. 159.
[134]MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. Ob. cit., p. 409.
[135]MIRRA, Álvaro Luiz Valery Mirra. Proteção do meio ambiente: a omissão do Poder Público e o papel social do judiciário no controle da Administração Pública. Ob. cit., p.39.
[136]Cândido Rangel Dinamarco, citado por Álvaro Mirra, ensina que, modernamente, processo efetivo é aquele que cumpre sua função jurídica, de realizar o direito, sua função social, de eliminar as insatisfações com a justiça e de educar as pessoas ao exercício e respeito aos direitos, bem como sua função política, que é de servir como como canal de participação dos cidadãos no destino da sociedade. .DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: RT, 1987. p. 379 e ss. Apud MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Proteção do meio ambiente: a omissão do Poder Público e o papel social do judiciário no controle da Administração Pública. Ob. cit., p.40.
[137]MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Proteção do meio ambiente: a omissão do Poder Público e o papel social do judiciário no controle da Administração Pública. Ob. cit., p. 40.
[138]Ibidem, p. 40-41.
[139]Com base nos ensinamentos de Maria Sylvia Z. Di Pietro, podemos afirmar, embora seja impossível definir todas as situações em que a discricionariedade se faz presente, que, em regra, ela se apresenta quando: 1. a lei expressamente a confere à administração; 2. a lei é insuficiente, porque não lhe é possível prever todas as situações supervenientes ao momento de sua promulgação; 3. a lei prevê determinada competência, mas não estabelece a conduta a ser adotada; 4. a lei usa certos conceitos indeterminados, como “interesse público”, “valor histórico e paisagístico”, “degradação ambiental”, “impacto ecológico significativo”, entre outros. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 2001. p. 75 e 76.
[140]CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 186s. Apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. Ob. cit., p. 130.
[141]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. São Paulo: Malheiros, 2001. p.13-16.
[142]Ibidem, p.14.
[143]Ibidem, p.15.
[144]Ibidem, p.35.
[145]Ibidem, p.32-33.
[146]Ibidem, p.37.
[147]Acerca dos vícios da discricionariedade, Andreas J. Krell, com base na doutrina e jurisprudência Alemã, identifica três tipos de vícios: 1) transgressão dos limites do poder discricionário - em que a autoridade escolhe uma consequência não prevista ou pressupõe erroneamente a existência de fatos, os quais possibilitariam o exercício discricionário; 2) não exercício do poder discricionário - seria o vício da inoperância, quando o administrador deveria ter se utilizado de uma escolha, mas não o fez; 3) abuso ou desvio do poder discricionário - ocorre quando a autoridade se afasta da finalidade prescrita ou viola direitos fundamentais ou princípios administrativos gerais, como a igualdade e a proporcionalidade. O autor ensina, ainda, que existe “a teoria da “redução da discricionariedade a zero”: quando as circunstâncias normativas e fáticas do caso em concreto eliminam a possibilidade de escolha entre as diversas opções, tornando-se juridicamente viável somente uma única solução. (...) As circunstâncias de fato, a práxis administrativa e, sobretudo, os direitos fundamentais, representam uma base para essa redução da discricionariedade.” KRELL, Andreas J. Discricionariedade administrativa e proteção ambiental: o controle dos conceitos jurídicos indeterminados e a competência dos órgãos ambientais: em estudo comparativo. Ob. cit., p.55.
[148]DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. Ob. cit., p. 233.
[149]FERREIRA, Ximena Cardozo. Possibilidade do controle da omissão administrativa na implementação de políticas públicas relativas à defesa do meio ambiente. Ob. cit., p. 163.
[150]DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. Ob. cit., p. 234.
[151]Nesse sentido leciona FERREIRA, Ximena Cardozo. Possibilidade do controle da omissão administrativa na implementação de políticas públicas relativas à defesa do meio ambiente. Ob. cit., p.165. e ALVES, Sérgio Osborne Moreira. A discricionariedade dos atos administrativos na proteção do meio ambiente em um estado socioambiental de direito. In: Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, n.35. São Paulo: Magister Editora, Abr-Maio-2011, p. 95.
[152]FERREIRA, Ximena Cardozo. Possibilidade do controle da omissão administrativa na implementação de políticas públicas relativas à defesa do meio ambiente. Ob. cit., p.164.
[153]KRELL, Andreas J. Discricionariedade administrativa e proteção ambiental: o controle dos conceitos jurídicos indeterminados e a competência dos órgãos ambientais: em estudo comparativo. Ob. cit., p.85.
[154]KRELL, Andreas J. Direitos Sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha – os descaminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Antonio Fabris, 2002. p.85.
[155] Esta, segundo Ingo Sarlet, é uma das dimensões da assim designada reserva do possível, a qual corresponde “a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima conexão com distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional federativo.” SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p.287. Dentro desta perspectiva, a impraticabilidade do controle Judicial, para os que assim entendem, reside na impossibilidade de se exigir uma escolha que não foi feita no momento oportuno, já que caberia ao Poder Legislativo a atribuição de definir prioridades dentre as múltiplas demandas existentes em um contexto de limitação de recursos públicos. Desse modo, sendo inexistente previsão orçamentária, não caberia ao Poder Judiciário ordenar a alocação ou sequestro de verbas necessárias a realização de uma prestação, já que estaria assim desconsiderando as escolhas realizadas em um contexto de escassez de recursos e de infinitas demandas, em violação às competências constitucionais.
[156]FERREIRA, Ximena Cardozo. Possibilidade do controle da omissão administrativa na implementação de políticas públicas relativas à defesa do meio ambiente.. Ob. cit., p.168.
[157]Ibidem, p. 169.
[158]TOPAN, Luiz Renato. O Ministério Público e a ação civil pública ambiental no controle dos atos administrativos. Revista Justitia, 56 (165). São Paulo, 1995. p. 54.
[159]SARLET, Ingo Wolfgang e FIQUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas considerações. In: Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2010. P. 32.
[160] MOURA, Emerson Affonso da Costa. Do controle jurídico ao controle social das políticas públicas: parâmetros à efetividade dos direitos sociais. In: Revista de Direito Constitucional e Internacional. Vol. 77. São Paulo: out-dez/2011. P. 167.
[161]SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Ob. Cit., p. 359.
[162] VAZ, Anderson Rosa. A cláusula da reserva do financeiramente possível como instrumento de efetivação planejada dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais. In: Revista de Direito Constitucional e Internacional. N.66. São Paulo: jan-mar/2009. P. 34-37.
[163] Ibidem, p. 34.
[164] Ibidem, p.34.
[165]MIRRA, Álvaro Luiz Valery. O problema do controle judicial das omissões estatais lesivas ao meio ambiente. Ob. cit., p. 73.
[166]MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. Ob. cit., p. 324.
[167]MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Proteção do meio ambiente: a omissão do Poder Público e o papel social do judiciário no controle da Administração Pública. Ob. cit., p. 42.
[168]MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. Ob. cit., p. 371.
[169]Ibidem, p. 371.
[170]Alguns autores, como Nelson de Freitas Porfirio Júnior, entendem que tal distinção é desnecessária, já que a noção de precaução está contida no conceito de prevenção. PORFIRIO JÚNIOR, Nelson de Freitas. Responsabilidade do Estado em face do dano ambiental. Ob. cit., p. 38. Por outro lado, autores como Morato Leite fazem distinção. “Comparando-se o princípio da precaução com o da atuação preventiva, observa-se que o segundo exige que os perigos comprovados sejam eliminados. Já o princípio da precaução determina que a ação para eliminar possíveis impactos danosos ao meio ambiente seja tomada antes de um nexo causal ter sido estabelecido com evidência científica absoluta.” LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. Ob. cit., p. 47.
[171]STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: As dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. Ob. cit., p.163.
[172]CANOTILHO, José Joaquim Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição da república portuguesa. Coimbra: Coimbra Editora, 1993. p.348. Apud LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. Ob. cit., p. 50.
[173]Também pode ser citado o Resp. 493.811-SP, DJU 15.03.2004, rel. Min. Eliana Calmon ,o qual não tratava de temática ambiental, mas sim acerca da possibilidade de compelir a Prefeitura Municipal de Santos a implantar serviço oficial de auxílio, orientação e tratamento de alcoólatras e toxicômanos, assim ementado: ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO: NOVA VISÃO.1. Na atualidade, o império da lei e o seu controle, a cargo do Judiciário, autoriza que se examinem, inclusive, as razões de conveniência e oportunidade do administrador. 2. Legitimidade do Ministério Público para exigir do Município a execução de política específica, a qual se tornou obrigatória por meio de resolução do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. 3. Tutela específica para que seja incluída verba no próximo orçamento, a fim de atender a propostas políticas certas e determinadas. 4. Recurso especial provido.
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procurador da Fazenda Nacional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SIQUEIRA, Thiago Machado Dias de. Responsabilidade do Estado pela omissão na proteção e defesa do meio ambiente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 dez 2015, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45676/responsabilidade-do-estado-pela-omissao-na-protecao-e-defesa-do-meio-ambiente. Acesso em: 22 nov 2024.
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