Resumo: Objetivando cumprir com o preceito constitucional que determina como sendo dever do Estado à proteção ao meio-ambiente, cabe aos Entes da Federação a adoção, dentre outras atuações, de uma política tributária ambiental que se utilize da finalidade extrafiscal das normas tributárias, para induzir os contribuintes a adotarem posturas e comportamentos que visem a preservação. Autorizado pelo Princípio do Poluidor-Pagador, determina o legislador que ficará sob a responsabilidade do agente poluidor a reintegração do meio-ambiente, arcando este com os custos necessários para tanto, além de persuadir a prática de ações que objetivem primordialmente a eliminação da ocorrência de danos ambientais. Assim, necessária a análise da aplicação do princípio ambiental do poluidor-pagador em relação ao princípio tributário da capacidade contributiva, verificando a relação entre tais complexos normativos para que seja atingido, com eficiência, o objetivo almejado com o emprego da exação extrafiscal, em relação ao seu escopo ambiental.
Palavras-Chave: Meio-ambiente; tributação; extrafiscalidade; preservação; princípios; poluidor-pagador; capacidade contributiva; sustentabilidade.
Abstract: Aiming to comply with the constitutional provision that determines to be the duty of the State to protect the environment, it is for Federation to adopt, among other actions, an environmental tax policy that use of extrafiscal purpose of tax rules, to induce taxpayers to adopt attitudes and behaviors aimed at preservation. Authorized by the Polluter Pays Principle, determines the legislator who will be under the agent's responsibility polluter reinstatement of the environment, bearing the costs required to this end, in addition to persuade the practice of actions that aim primarily to eliminate the occurrence of damage environmental. Therefore necessary to review the implementation of environmental polluter-pays principle in relation to the taxation principle of ability by checking the relationship between such regulatory complexes to reached, effectively, the desired objective with the use of extrafiscal exaction, compared to its environmental scope.
Keywords: Environment; taxation; extrafiscality; preservation; principles; polluter pays; ability to pay; sustainability.
Sumário: Introdução. 1. Extrafiscalidade. 2. O Princípio Ambiental do Poluidor-Pagador. 2.1. Relação com Princípio Ambiental da Prevenção e com Princípio Ambiental da Responsabilização. 2.2. Relação do Princípio Ambiental do Poluidor-Pagador com o Princípio Tributário da Capacidade Contributiva. 3. Considerações Finais. 4. Referências.
Introdução
O crescente desenvolvimento da humanidade, somado a ascendente evolução do domínio por parte dos seres humanos nas áreas que envolvem a tecnologia e a ciência fazem com que, com o passar dos anos, os homens dominem cada vez mais o meio-ambiente como um todo, domínio este que envolve a terra, água e o ar do ambiente em que vivem.
Em que pese essa evolução traga grandes benefícios à humanidade, as quais envolvem facilidades verificadas cotidianamente, tanto no aumento de conforto adquirido pelos homens em seu dia-a-dia, quanto nas criações tecnológicas que traduzem economias de tempo aos seres humanos, “moeda” cada vez mais disputada nos dias atuais, a mesma traduz-se, em números crescentes, em degradações ao próprio meio-ambiente em que vivem, seja a contaminação de rios e florestas, seja na destruição de reservas biológicas, atingindo fauna e flora, culminando em uma falsa ideia de desenvolvimento e crescimento sustentáveis.
Até a Revolução Industrial, verifica-se que os recursos ambientais conseguiam manter uma capacidade de regeneração natural, alimentando-se a ideia de que os mesmos seriam infinitos, estando, portanto, ao dispor da humanidade sem que tal disposição depende-se de maiores organizações e planejamentos que visassem a sua manutenção.
Com a industrialização, verificou-se o domínio em ascensão do homem em relação aos meios de produtividade, resultando consequentemente no aumento do nível de degradação ambiental, a qual passou a não suportar, de forma natural, os danos causados, vez que passou a inexistir o tempo necessário à sua regeneração diante da velocidade e gravidade que tais eventos passaram a apresentar.
Frente à nova realidade, a preocupação com o meio-ambiente, não só aos meios de reparação de eventuais degradações já ocasionadas, mas perante a sua preservação e manutenção, visando inclusive direitos de futuras gerações, passou a ser tema frequente de discussões entre a humanidade, a qual voltou seus olhos ao assunto.
Nesta perspectiva, a busca pelos princípios norteadores de valores genéricos que embasam e orientam o ordenamento jurídico, principalmente, tendo em vista o tema em escopo, os princípios ambientais, vinculados aos princípios de direito tributário, passaram a desempenhar papel fundamental nesta busca constante pelo ideal almejado de preservação ambiental, auxiliando a humanidade na criação de normativas que assegurem o equilíbrio do meio-ambiente, fator indispensável a sobrevivência humana na Terra.
Princípios, no ordenamento jurídico, possuem conexões entre si, formando desta forma um conjunto de normativas harmônicas que impedem que o ordenamento seja uma série de fragmentos desconexos[1]. Assim, auxiliam na interpretação de normas jurídicas, possuindo a capacidade de integrar eventuais lacunas de lei.
Segundo MORATO LEITE (2015, p. 89):
Princípios são normas que externam uma aptidão diferenciada para vincular obrigações e comportamentos porque não tem condições de definir, abstratamente, suas consequências sobre o plano fático.
Desta forma, são diferenciados em relação às regras, vez que enfatizam a dimensão da validade em detrimento da vigência.
Para a compreensão do presente estudo, faz-se necessário entender que existem princípios relacionados aos diversos ramos do direito atualmente vigente, todos eles subordinados aos princípios constitucionais trazidos em nossa Carta Magna, em especial os princípios ligados ao Direito Tributário e ao Direito Ambiental, ambos, sob o enfoque em análise, voltados a balizar a atuação do Estado quanto à tutela do meio-ambiente.
Neste sentido, tem-se o Princípio do Poluidor-Pagador, o qual volta-se a questão da reintegração ambiental sob a responsabilidade do agente poluidor, utilizando-se da extrafiscalidade de normas tributárias para a indução de comportamentos que visem a eliminação de degradações ambientais, e/ou a restituição das consequências geradas pelo evento danoso verificado.
Assim, tratando-se de normativa de cunho ambiental, a qual utiliza-se do caráter extrafiscal que pode ser atribuído às exações, cabe a análise de sua relação com o princípio tributário da capacidade contributiva, o qual possui cunho econômico, voltado à ideia do atingimento da justiça fiscal quando da incidência tributária, objetivando que esta não viole o mínimo existencial do contribuinte, bem como que não interfira nos resultados almejados com a devida aplicação.
1. Extrafiscalidade
A função principal da imposição de tributos aos contribuintes é a arrecadação fiscal, ou seja, o poder de tributar concedido aos entes federados, tem como objetivo o abastecimento dos cofres públicos (OLIVEIRA e HORVATH. 2002, p. 213).
Os professores DERZI e COELHO (1982, p. 31) assim esclarecem:
O poder de tributar do Estado, implicando contribuições dos cidadãos e justificado pela necessidade deste de obter recursos para a consecução de seus fins, em prol da comunidade, decorre diretamente da Constituição (produto da vontade popular e reflexo das ideologias predominantes no meio social).
Desta maneira, denota-se que o poder de tributar encontra-se atrelado ao próprio nascimento do Ente Político, já que, tendo como escopo à arrecadação fiscal, possibilitou a constituição de uma sociedade, obtendo capacidade para geri-la e financiá-la, através de um governo.
E justamente por referir-se à construção do bem-comum da sociedade que cabe à tributação o poder de restringir a capacidade econômica do indivíduo. O poder de tributar justifica-se pela prevalência do bem da coletividade em detrimento dos interesses individuais, pois, na falta do Estado, não haveria garantia nem mesmo à propriedade privada e à preservação da vida (DERZI e COELHO. 1982, p. 214).
Tal poder concedido à tributação, qual seja, o de restrição da renda e da propriedade pessoais, coloca a tributação no patamar de poderes estatais tão fortes como o da manutenção da ordem interna e o da declaração de guerra externa, podendo inclusive utilizar-se do poder de coerção para que a obrigação tributária seja de fato cumprida (DERZI e COELHO. 1982, p. 214).
Assim, através dos tributos, os quais correspondem à imposição de um encargo financeiro sobre o contribuinte a partir da ocorrência de um fato gerador e que é calculado aplicando-se alíquota e base de cálculo, é formada a receita da União, Estados e dos Municípios.
A Extrafiscalidade, de outro modo, ocorre quando a legislação de um tributo é elaborada com providências no sentido de prestigiar certas situações (ou, ao contrário, desprestigiar outras), tidas como social, política ou economicamente valiosas, às quais o legislador dispensa tratamento mais confortável ou menos gravoso (ou, em outras situações, mais gravoso).
MACHADO (2015, p. 435) preceitua que na atualidade, dificilmente um tributo é utilizado apenas como instrumento de arrecadação. Daí surge a extrafiscalidade dos tributos, que constitui função além daquela primordial, qual seja, a de arrecadação. Ligada a valores constitucionais, pode decorrer de isenções, benefícios fiscais, progressividade de alíquotas, finalidades especiais, entre outros institutos criadores de diferenças entre os indivíduos.
Para BARROS CARVALHO (2011, p. 249-250):
Há tributos que se prestam, admiravelmente, para a introdução de expedientes extrafiscais. Outros, no entanto, inclinam-se mais ao setor da fiscalidade. Não existe, porém, entidade tributária que se possa dizer pura, no sentido de realizar tão-só a fiscalidade, ou, unicamente, a extrafiscalidade. Os dois objetivos convivem, harmônicos, na mesma figura impositiva, sendo apenas lícito verificar que, por vezes, um predomina sobre o outro.
Assim, entende-se que extrafiscalidade configura-se como o meio para estímulos e desestímulos de comportamentos humanos, induzindo-os à prática de determinadas ações.
Nesta linha, TORRES (2001, p. 167) sustenta:
A extrafiscalidade, como forma de intervenção estatal na economia, apresenta uma dupla configuração: de um lado, a extrafiscalidade se deixa absorver pela fiscalidade, constituindo a dimensão finalista do tributo; de outro, permanece como categoria autônoma de ingressos públicos, a gerar prestações não tributárias.
Assim, conclui o Autor: reconhece-se que a extrafiscalidade decorre de normas que procuram induzir ou reprimir comportamento (TORRES, 2001, p. 168).
Desta forma, surgem possibilidades quanto à tributação ambiental, onde a função extrafiscal dos tributos contribui de modo eficiente ao mudar a carga fiscal dos chamados “comportamentos bons”, ligados à preservação, para os “comportamentos ruins”, como a poluição e a devastação dos recursos naturais.
A tributação, assim, estaria cumprindo sua função extrafiscal, se estruturando de modo a tornar completamente inconveniente o comportamento ambiental danoso. O legislador poderá gerar incentivo a atividades sustentáveis ou coibir atividades danosas ao meio ambiente, através da concessão de benefícios fiscais frente ao cumprimento de determinadas ações, pelo contribuinte, que visem à preservação.
Conforme ensinamentos de LEÃO (2015, p. 71), a defesa do meio-ambiente tem gerado forte influência no campo do Direito Tributário, afirmando que cada vez mais verifica-se a “ecologização” deste ramo do Direito, a qual vem decorrente de uma política ambiental que suscita pela oneração das atividades poluentes, as quais geram prejuízos ambientais, em detrimento das normas que visam apenas a concessão de benefícios fiscais para aqueles que contribuem com a preservação ambiental.
Segundo SCHOUERI (2005, p. 97), a proteção ambiental é um vasto campo a aplicação de normas com cunho extrafiscal, denominadas pelo autor de “normas indutoras”, vez que induzem comportamentos de seus contribuintes, já que permite a internalização dos custos ambientais gerados pela degradação ocorrida, imputando-se aos agentes poluidores a responsabilidade pela integração do valor referente às medidas de proteção ambiental nos seus custos de produção.
Conforme DOMINGUES (2007, p. 135), os instrumentos econômicos-ambientais fundam-se no princípio do poluidor-pagador, obtendo um sentindo impositivo, pelo qual imputa-se ao poluidor a responsabilização perante os custos da degradação ambiental verificada bem como dos serviços públicos de defesa ambiental, e ainda um sentido seletivo, pelo qual gradua-se a carga tributária consoante a intensidade da degradação, assumindo um caráter extrafiscal.
Sob o mesmo enfoque, a extrafiscalidade socioambiental é caracterizada como sendo um meio de intervenção indireta do Estado, utilizada como ferramenta de indução de comportamentos sociais ecologicamente sustentáveis, segundo o qual o Estado conduz os instrumentos de intervenção econômica em razão das leis que regem o funcionamento do mercado, configurando-se em um meio de indução de comportamentos para estimular ou desestimular determinada conduta (BECKER, 2007, p. 158).
Desta maneira, torna-se perceptível que a tributação ambiental sempre será dotada de extrafiscalidade, cujo objetivo precípuo consiste na orientação do comportamento dos contribuintes em favor da tutela ambiental e da justiça social. Por conseguinte, ainda que trate de tributos essencialmente fiscais, de caráter retributivo ou contraprestacional, haverá uma finalidade de direção dos comportamentos dos contribuintes (OLIVEIRA. 1997, p. 125-135).
2. O Princípio Ambiental do Poluidor-Pagador
Com a Conferência de Estocolmo, realizada na Suécia em 1972, teve início a criação de ditames princiológicos voltados ao Direito Ambiental, vez que se verificou a necessidade premente quanto a realização de parcerias no setor público e privado que estivessem voltadas à preocupação quanto a defesa do meio-ambiente (GUSMÃO, 2006, p. 113-148).
Como resultado da Conferência de Estocolmo, GUSMÃO (2006, p. 124) destaca a elaboração da Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, documento que trouxe em seu texto normativo a criação de vinte e seis princípios ambientais.
Internacionalmente, o Princípio do Poluidor-Pagador (PPP) nasceu através da Recomendação C (72) 128, de 26 de maio de 1972, pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, respondendo diretamente à escassez verificada quanto aos recursos naturais e aos anseios de se obter um meio-ambiente equilibrado, para a busca do bem-estar da população (TUPIASSU. 2006, p. 81).
Segundo a OCDE, o princípio do poluidor-pagador deve se identificar com o princípio da internalização dos custos na poluição, devendo o poluidor suportar, senão a totalidade, ao menos a maior parte dos gastos advindos dos danos ambientais, buscando-se alcançar à restituição ideal do dano (TUPIASSU. 2006, p. 82).
No Brasil, tal construção principiológica foi reforçada com a Declaração do Rio de Janeiro, de 1992, mais precisamente em seu artigo 16, o qual menciona o princípio do poluidor-pagador, conforme colacionado abaixo:
As autoridades nacionais devem procurar assegurar a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando em conta o critério de quem contamina deve, em princípio, arcar com os custos da contaminação, levando-se em conta o interesse público e sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais.
Ainda no ordenamento pátrio, verifica-se a adoção do PPP na Lei nº 6.938/81, a qual dispõe sobre a Política Nacional do Meio-Ambiente, apontando, em seu artigo 4º, inciso VII, a imposição “ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”.
Ademais, o PPP foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, parágrafo 3º, que prescreve que “as atividades e condutas lesivas ao meio-ambiente sujeitarão aos infratores, pessoas físicas ou jurídicas, às sanções penais ou administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Segundo depreende-se da legislação acima esposada, o princípio do poluidor-pagador é um dos princípios do direito ambiental que tem como objetivo primordial a imputação da responsabilidade pelos danos gerados ao meio-ambiente àquele que o deu causa, para que este suporte com os custos decorrentes dos prejuízos ambientais ocasionados, com o escopo principal de manutenção, ou o quanto for possível, do padrão de preservação desejado (TUPIASSU. 2006, p. 101).
Desta forma, busca-se com o PPP evitar que se crie uma esfera de impunidade àqueles que, decorrente de atividades ou dos atos que pratiquem, gerem lesões ambientais, vez que serão passíveis de punições decorrentes da legislação ambiental.
Conforme SEBASTIÃO (2011, p. 210), o princípio do poluidor-pagador, em que pese não haver unanimidade dentre os doutrinadores, é princípio que envolve o Direito Econômico e o Direito Ambiental, vez que, utilizando-se de ensinamentos de Maria Alexandra de Souza Aragão, iniciou apenas como princípio que objetivava o alcance da máxima eficácia da internalização dos custos provenientes da degradação ambiental verificada, porém ascendeu à princípio ambiental, sendo considerado como princípio de ordem pública ecológica.
Neste sentido, o PPP impõe ao poluidor a obrigação de arcar com os valores necessários a diminuição, já que não somente com a reparação, dos danos ocasionados ao meio-ambiente, originários de má exploração dos recursos naturais por parte do sujeito passivo. Verifica-se, desta forma, a preocupação por parte do PPP não somente com a reparação, mas com a neutralização até a desejada eliminação de tais danos ambientais, uma vez que o bem tutelado é o próprio meio-ambiente, fato que faz com que os prejuízos verificados atinjam a coletividade como um todo, inclusive as futuras gerações.
Advinda do princípio do poluidor-pagador, a obrigação de internalizar as externalidades negativas traduz-se em uma ideia oposta àquela de privatização de lucros e socialização de perdas (ou privatização do bônus e socialização do ônus), no sentido de se obrigar o poluidor a internalizar os custos sociais externos (externalidades negativas) que acompanham o processo de produção, a fim de que o custo resultante da poluição seja por ele assumido no custo da produção, devendo agir para diminuir, eliminar ou neutralizar o dano ambiental[2].
As externalidades negativas decorrem do custo social gerado pela ausência de preço de mercado de bens e de serviços ambientais que não são contabilizados no processo produtivo de atividades econômicas (GERENT. 2006, p. 40-63).
Desta forma, para assegurar o equilíbrio ecológico que garante a vida com qualidade e ainda minimizar os impactos negativos no meio ambiente produzidos pelas atividades econômicas, a economia elaborou a ideia de “internalização das externalidades”, a qual fica limitada a obrigação do empreendedor em minimizar o impacto ambiental decorrente de sua atividade (GERENT. 2006, p. 47).
Segundo MORATO LEITE (2015, p. 102), o princípio do poluidor-pagador impõe a internalização, pelo sujeito verificado poluidor, dos custos necessários a diminuição do dano realizado no processo produtivo ou na execução da atividade. E explica:
Isso porque aquele que lucra com uma atividade é quem deve responder pelo risco ou pela desvantagem dela resultante. Tal princípio impede que ocorra a privatização dos lucros e a socialização dos prejuízos, procurando corrigir as externalidades negativas trazidas pela atividade poluidora. Assim, o poluidor deve internalizar os custos ambientais e reparar os danos causados de forma intolerável.
Verifica-se, desta forma, que o PPP, princípio predominantemente de cunho ambiental, visa à imputação de responsabilidade ao causador de prejuízos ao meio-ambiente quanto a sua total retaliação, além do dispêndio de custos de ordem financeira que resultem na diminuição quanto à ocorrência destes danos, buscando a sua total eliminação.
Conforme ensina PRIEUR, citado por SEBASTIÃO:
Numa acepção ampla este princípio visa imputar ao poluidor o custo social da poluição que ele dá causa. Isto implica na adoção de um mecanismo de responsabilidade pelo dano ecológico abrangendo todos os efeitos de uma poluição não somente sobre os bens e pessoas mas também sobre a própria natureza. [...] Em termos econômicos, é a internalização dos custos externos ou teoria das externalidades. Numa concepção mais limitada, que é a adotada pela OCDE e pela CEE, o princípio do poluidor-pagador visa encarregar o poluidor das despesas de combate contra a poluição[3].
O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido da aplicação do princípio do poluidor-pagador quando verificada a responsabilidade do agente poluidor quanto ao evento danoso ocorrido, imputando-lhe objetivamente a responsabilidade pela restituição do gravame ambiental, conforme se vê:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VAZAMENTO DE OLEODUTO. INDENIZAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. ELEMENTOS DOCUMENTAIS SUFICIENTES. LEGITIMIDADE ATIVA DO PESCADOR ARTESANAL. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR. MATÉRIAS DECIDIDAS PELA SEGUNDA SEÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. REVISÃO. SÚMULA Nº 7/STJ.
1. (...)
2. Extrai-se, ainda, do mesmo voto que "O dano ambiental, cujas consequências se propagam ao lesado, é, por expressa previsão legal,de responsabilidade objetiva, impondo-se ao poluidor o dever de indenizar".
3. Inviável, em sede especial, a revisão dos critérios adotados não rigem para a distribuição dos ônus sucumbenciais, dadas as peculiaridades de cada caso concreto, nos termos da Súmula nº 7/STJ.
4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 238427 / PRAGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL2012/0207927-2, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (1147), Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA, Data do Julgamento: 06/08/2013, Data da Publicação/Fonte: DJe 09/08/2013 - STJ).
Ademais, o STJ, em outra decisão, manifestou-se no sentido da possibilidade de cumulação da responsabilidade objetiva pelo dano ambiental (culminando na obrigação de restitui-lo), com a obrigação de pagamento de indenização (quantia certa), conforme colacionado abaixo:
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO. DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL E DO POLUIDOR-PAGADOR. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). POSSIBILIDADE. NATUREZA PROPTER REM. INTERPRETAÇÃO DA NORMA AMBIENTAL.
1. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente permite a cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar, que têm natureza propter rem. Precedentes: Resp 1.178.294/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, j. 10/8/2010; REsp 1.115.555/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, j. 15/2/2011; AgRg no REsp 1.170.532/MG, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, j.24/8/2010; REsp 605.323/MG, Rel. p/ acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, j. 18/8/2005, entre outros.
2. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação de indenização pecuniária comas obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, com a devolução dos autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur. (REsp 1165284 / MG RECURSO ESPECIAL 2009/0217030-6, Relator(a): Ministro HERMAN BENJAMIN (1132), Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA, Data do Julgamento: 01/03/2011, Data da publicação/Fonte: DJe 12/04/2012).
Mesmo que represente uma normativa com reais preocupações em relação a degradação ambiental ocasionada diante a realização de determinadas atividades pelo sujeito tido como poluidor, além de verificar-se como uma resposta ao problema da internalização dos custos originários da reparação de tais danos, o PPP encontra diversas críticas, principalmente quanto à sua repercussão sobre o consumidor, além da difícil definição, por vezes, do verdadeiro responsável pela poluição verificada (TUPIASSU, 2006, p. 83).
Para alguns ambientalistas, o escopo principal do princípio do poluidor-pagador mostra-se ineficaz, uma vez que todos os custos a ele atribuídos serão repassados ao contribuinte quando da composição do preço dos produtos[4].
Por outro lado, tais doutrinadores salientam que, pelo fato de viver-se atualmente em um mercado concorrencial, o encarecimento de produtos que não se utilizam de instrumentos que evitem a degradação ambiental pode fazer com que os consumidores prefiram adquirir aqueles produtos que foram criados a partir de tecnologias limpas, os quais não terão adicionados em seu preço o custo de danos ambientais, por não terem ocorrido.
Em que pese tais discussões, o presente estudo defende que a implementação do princípio do poluidor-pagador é de suma importância atualmente, tendo em vista os objetivos intrínsecos que justifiquem o seu ânimo, tornando-se primordial na concretização de políticas públicas que visem a proteção do meio-ambiente[5].
2.1. Relação com Princípio Ambiental da Prevenção e com Princípio Ambiental da Responsabilização
Destarte o PPP imputar a responsabilidade ao poluidor pelo pagamento dos custos da reparação ambiental, vale ressaltar que tal princípio não visa a concessão de permissão para poluir, nem mesmo a compra de tal direito pelos agentes poluidores, pelo contrário, verifica-se a intenção preventiva de tal princípio, buscando-se evitar que o dano ambiental ocorra ou fique sem a devida restauração.
Assim, é de clara constatação a ligação do princípio do poluidor-pagador com o princípio ambiental da prevenção, diante da constatação de que as políticas públicas ambientais devem estar cada vez mais voltadas ao momento anterior a degradação do meio-ambiente, ou seja, atuando preventivamente, diante da relativa eficácia da reparação ambiental, quase sempre incerta e bastante onerosa (TUPIASSU. 2006, p. 86).
Ademais, SEBASTIÃO (2011, p. 215) aduz que:
A internalização das externalidades ambientais a que se propõe o princípio do poluidor-pagador, sob inspiração do princípio da responsabilização, mas com este não se confundindo, consiste em fazer com que o causador da poluição arque com as despesas necessárias à diminuição, eliminação ou neutralização do dano ambiental. É, portanto, de índole mais preventiva do que reparatória.
Neste sentido, DERANI (2001, p. 166) afirma que:
O custo a ser imputado ao poluidor não está exclusivamente vinculado à imediata reparação do dano. O verdadeiro custo está numa atuação preventiva, consistente no preenchimento da norma de proteção ambiental. O causador pode ser obrigado pelo Estado a mudar o seu comportamento ou a adotar medidas de diminuição da atividade danosa. Dentro do objetivo estatal de melhora do ambiente deve, então, participar ativamente o particular. De fato, o que se estaria praticando seria a não poluição.
De outro norte, encontra-se na doutrina ambiental o princípio da responsabilização, o qual exige uma atuação repressiva do Estado, visando a garantia de que o poluidor arque com os custos decorrentes de sua atividade poluente. Desta forma, em que pese ser passível de confusão, o PPP possui vinculação mais estreita com o princípio ambiental da prevenção, em detrimento do princípio da responsabilização, tendo em vista que aquele possui natureza proativa, ou seja, estão interligados ante a preocupação comum quanto a viabilidade de instrumentos para a manutenção da incolumidade ambiental (SEBASTIÃO. 2011, p. 221).
2.2. Relação do Princípio Ambiental do Poluidor-Pagador com o Princípio Tributário da Capacidade Contributiva
Diante do exposto acerca do princípio do poluidor-pagador e seus ditames legislativos, necessária se faz a análise quanto à sua vinculação com o princípio da capacidade contributiva, em razão de verificar-se o alcance do princípio tributário em oposição às expectativas geradas em relação aos resultados almejados pelo princípio ambiental.
Determina o artigo 145, § 1º da Constituição Federal:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
(...)
§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
O princípio da capacidade contributiva, ligado ao Direito Tributário e ao Direito Econômico, leva em conta, sempre que possível, a condição econômica do contribuinte, e tem por escopo o atingimento do ideal de justiça fiscal, repartindo os encargos do ente da federação na proporção das possibilidades de cada contribuinte.
Para SIQUEIRA (2010, p. 82), a capacidade contributiva se subordina à ideia de justiça distributiva, determinando que cada qual pague o imposto de acordo com a sua capacidade subjetiva. Neste contexto, capacidade contributiva é capacidade econômica do contribuinte, significando que cada um deve contribuir na proporção de suas rendas e haveres, independentemente de sua eventual disponibilidade financeira.
Para BARROS CARVALHO (2011, p. 215), mensurar a possibilidade econômica de contribuir para o erário com o pagamento de tributos é o grande desafio de quantos lidam com este delicado instrumento de satisfação dos interesses públicos e o modo como é avaliado o grau de refinamento dos vários sistemas do direito tributário.
Segundo SABBAG (2011, p. 36), o princípio reforça o princípio da isonomia tributária, vez que apregoa a graduação de incidência quanto aos impostos pessoais, no tocante a fixação de alíquotas diferenciadas.
Convém ressaltar, como acima mencionado, que a graduação só se refere a impostos, não atingindo a totalidade dos tributos.
BARROS CARVALHO (2011, p. 234) aduz que: Personalizar pressupõe graduar impostos segundo a capacidade contributiva de cada um.
Assim, o texto legal abriga não só a capacidade contributiva em si, mas sim o princípio da personalização dos impostos graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, sempre que possível.
Diante do exposto, verifica-se que, quando estamos diante da tributação ambiental, o princípio da capacidade contributiva apresenta uma perspectiva peculiar, especialmente pela função metajurídica que se pretende com a espécie normativa.
Isso porque na tributação ambiental o dever de contribuir se mostra como dever guiado por um interesse coletivo e solidário, que, além de atender as exigências econômicas, abrigará a tutela ambiental incentivando o desenvolvimento de maneira sustentável.
Para tanto, utiliza-se do princípio do poluidor-pagador para, através da responsabilização do agente que, diante da atividade exercida, causou prejuízos ao meio-ambiente, obrigá-lo a ressarcir o dano de forma a atingir o máximo de perfeição possível e ainda, preliminarmente ao evento ocorrido, evitar que tais devastações venham a ocorrer (BARROS CARVALHO. 2011, p. 235).
A questão aqui, tal como na fiscalidade, é inferir se o ordenamento jurídico brasileiro comporta a utilização extrafiscal dos tributos visando à proteção ao meio ambiente considerando-se os princípios tributários e os princípios ambientais, principalmente, os Princípios da Capacidade Contributiva e do Poluidor-Pagador.
A doutrina divide-se quanto aos entendimentos relativos à questão, apresentando-se manifestações no sentido da observância obrigatória do princípio da capacidade contributiva quando da aplicação do princípio do poluidor-pagador no caso concreto, em oposição à doutrinadores que expõem seus pensamentos na possibilidade de desvinculação de ambos os princípios, em razão do bem tutelado significar um “bem maior”, direito garantido inclusive às futuras gerações.
Segundo SCHOUERI, analisado por LEÃO (2015, p. 105), quando do conflito entre normas com cunho extrafiscal, como o caso daquelas baseadas no princípio do poluidor-pagador, e o princípio da capacidade contributiva, três posições são possíveis de ser adotadas pelo intérprete, quais sejam: i) considerar ilegítima a norma indutora (extrafiscal) ante o descumprimento ao princípio da capacidade contributiva e igualdade; ii) afirmar a aplicação do princípio da igualdade às normas indutoras, mas afastar a aplicação do princípio da capacidade contributiva; e iii) defender a aplicação do princípio da capacidade contributiva e igualdade, buscando a sua compatibilidade com a norma indutora no caso concreto.
Denota-se que o entendimento de SCHOUERI se dá de acordo com os ditames da terceira opção, segundo a qual a aplicação do princípio do poluidor-pagador, norma indutora que é, não perde a sua natureza tributária, em que pese estar voltada ao ramo do Direito Ambiental, e, portanto, continua sujeita aos ditames tributários, cabendo ao jurista analisar a compatibilidade entre as normas (LEÃO. 2015, p. 105).
Em contradição ao pensamento de SCHOUERI, a corrente doutrinária defendida por ZILVETI e YAMASHITA, segundo LEÃO (2015, p. 107), não concebe a relação do princípio da capacidade contributiva com a aplicação de normas de cunho extrafiscal, em especial as de cunho ambiental como as decorrentes do princípio do poluidor-pagador, vez que não se poderia justificar a própria extrafiscalidade da norma pela capacidade de o sujeito passivo pagar o tributo.
Indo mais além, YAMASHITA defende seu posicionamento tendo em vista que adota a própria capacidade contributiva como critério para diferenciar normas fiscais de normas extrafiscais, afirmando que aquelas normas de cunho indutor, como o princípio do poluidor-pagador, por utilizarem-se da extrafiscalidade facultada ao legislador, afastam-se do ramo do Direito Tributário, passando então a invadir outros ramos, como o Direito Econômico, Direito Ambiental, dentre outros (2002, p. 64).
Pois bem. No presente estudo, defende-se a inexistência da correspondência total entre a capacidade contributiva do agente poluidor em relação ao dano ambiental por ele causado, podendo uma empresa de pequeno porte causar prejuízos ao meio-ambiente em grau muito mais elevado do que empresas de grande porte por exemplo. Desta forma, a aplicação do princípio do poluidor-pagador não se vê, pela simples leitura de seu escopo principal, atrelada aos ditames do princípio da capacidade contributiva, podendo desta maneira transgredir com o conjunto de normativas estabelecidas pelo Direito Tributário Nacional.
Segundo TORRES (2005, p. 21), em visão direta quanto ao tema, o mesmo entende que o princípio da capacidade contributiva ligado ao Direito Tributário conflita com o princípio do poluidor-pagador, que, por definição, independe da situação econômica do contribuinte.
De fato, conforme salientado acima, o princípio do poluidor-pagador, ao ser enunciado pela legislação vigente, não traz em seu bojo a verificação da capacidade contributiva do poluidor, bastando que o mesmo seja o causador do dano ambiental verificado, para a sua responsabilidade perante o devido ressarcimento.
Defendendo a linha adotada no presente trabalho, HERNÁNDEZ (1998, p. 153), quando se trata de extrafiscalidade tributária-ambiental, afirma que é possível afastar a capacidade contributiva do contribuinte em prol da proteção do meio ambiente:
Es necesario recordar que se bien los tributos ecológicos deben observar la existencia de capacidad contributiva, respetando un límite mínimo (mínimo exento) y um límite máximo (exigência constitucional de no confiscatoriedad) de riqueza, aquellos no encuentran total fundamento en el princípio de capacidad económica, ya que como impuestos com fines extrafiscales son otros los principios que los rigen. Como consecuencia de tal razonamiento, no es necesario que el presupuesto objetivo de la figura tributaria elegida coincida con el objeto imponible, entendido como la manifestación de riqueza gravada. Es decir, sea cual sea la fuente a señal de riqueza (renta, patrimonio o consumo), el elemento objetivo del hecho imponible no debe basarse en un índice que mida la riqueza, como es la obtención de una renta o la titularidad de un patrimonio, sino en uno que mida la actividad nociva para el medio ambiente como es la contaminación.
Nitidamente se observa em relação à extrafiscalidade tributária-ambiental, nesse contexto, um conflito de princípios constitucionais que regem cada ramo. De fato, a aplicação pura e simples dos princípios tributários provoca a exclusão dos princípios ambientais e vice-versa, o que impossibilita a utilização dos tributos para os fins desejados.
Desta forma, filiamo-nos parcialmente a corrente defendida por LANG[6], conforme LEÃO (2015, p. 106), quando o autor aduz que a justificativa para o desprendimento do princípio da capacidade contributiva quando da aplicação do princípio do poluidor-pagador se dá pela própria abordagem do “imposto ecológico” (Umweltsteuern), vez que, por possuir cunho social, tal rompimento leva em conta o elevado valor do bem comum de proteção ao meio ambiente, justificando a restrição quanto ao princípio da capacidade contributiva
Assim, em que pese a defesa quanto ao afastamento do princípio da capacidade contributiva em relação a aplicação do princípio do poluidor-pagador, ante o bem tutelado no caso em tela, ressalta-se que tal pensamento se dá de modo parcial em virtude da importância na manutenção do chamado “mínimo existencial”, o qual é garantido constitucionalmente.
O mínimo existencial constitui-se, em resumo, pelos ensejos tidos como mínimos, devidos a todo e qualquer ser humano, cuja finalidade primordial seja a possibilidade de o mesmo desenvolver-se adequadamente e ter uma vida minimamente digna (TORRES. 2009, p. 273).
Na mesma linha, TABOADA (2005, p. 83/84) defende a relativização do princípio da capacidade contributiva quando da extrafiscalidade de normas tributárias, ao envolver fins reconhecidos constitucionalmente, conforme se vê:
El sacrificio del principio de la capacidad contributiva debe, sin embargo, ser
proporcionado, para lo cual tiene que superar, como expone Herrera Molina ,un triple control: 1) de idoneidad de los tributos o elementos tributarios ambientales para alcanzar su objetivo; “es decir, han de constituir um verdadero incentivo para la protección del medio ambiente, puesto que de outro modo no podría justificar se la desviación del principio de la capacidad económica”; 2) de necesidad o lesión mínima que “implica que no existan otras medidas igualmente eficaces y económicas que permitan alcanzar los mismos objetivos de protección ambiental con una menor incidencia sobre losderechos de los interesados y una menor desviación de otros princípios constitucionales”; y 3) control de proporcionalidad en sentido estricto, que“exige ponderar los beneficios ambientales y la lesión sufrida por el principio de capacidad económica”.
Desta feita, entendemos que o princípio da capacidade contributiva fica relativamente descartado quando da aplicação do princípio do poluidor-pagador ao caso concreto, diante da defesa do mínimo existencial relativo ao sujeito poluidor, ou seja, a responsabilização pelo evento degradante ao meio ambiente deve se dar de modo a objetivar a total reintegração do meio-ambiente, porém aplicado na medida a se garantir aquilo que é fundamental para a existência digna do contribuinte.
3. Considerações Finais
Diante de tudo o que foi exposto, verifica-se que cada vez mais a humanidade preocupa-se com a questão da preservação ambiental, ampliando debates e discussões a respeito do tema, além de exigir o incremento de políticas públicas voltadas a questão da manutenção ambiental, não somente para a conservação da espécie humana na Terra, como para a garantia da existência de futuras gerações.
Com o mundo globalizado, a evolução crescente do capitalismo e seu incentivo ao consumo faz com que a dominação do meio-ambiente pelo homem não gire mais em função apenas da exploração do necessário à sua subsistência, e sim vise o lucro, o aumento da quantidade de produção com a mínima quantidade de tempo dispendido possível, causando consequentemente um aumento no grau de exploração do meio-ambiente, o que resulta em um incremento na degradação verificada.
Desta forma, como uma das formas de exigir-se, através de normativas instituídas por lei, a prevenção ambiental e a minoração quanto a ocorrência de eventos danosos, nasceu o princípio do poluidor-pagador, afeto ao ramo do Direito Ambiental, cujo espoco principal é a imputação de responsabilidade ao agente poluidor pela reintegração do meio-ambiente, utilizando-se da extrafiscalidade dada através da intervenção do Estado, na medida em que o dano decorrente da sua atividade tenha sido calculado.
Em contrapartida, uma vez que se utiliza da função extrafiscal de normas tributárias, somando-se ao fato de o fim tutelado ser considerado como um “fim maior”, tendo em vista a defesa de um bem de cunho social atrelado à própria existência da humanidade, necessário se faz o estudo da relação do princípio do poluidor-pagador com o princípio tributário da capacidade contributiva, o qual tem como um de seus intuitos o alcance da justiça fiscal quando da aplicação de exações aos contribuintes.
Repisando-se o que fora mencionado, justificou-se o entendimento adotado pelo presente artigo na própria defesa do meio-ambiente e sua manutenção tutelada constitucionalmente, o qual defende o afastamento, em que pese não ser de forma integral, do princípio da capacidade contributiva em relação a aplicação do princípio do poluidor-pagador quanto ao caso concreto. Diz-se de forma parcial tal afastamento uma vez que se entende que o chamado mínimo existencial inerente ao sujeito poluidor deva ser preservado, pois como o próprio nome diz, trata-se daquilo tido por incondicional a sua existência.
Assim, o princípio tributário da capacidade contributiva não pode representar uma limitação ao princípio ambiental do poluidor-pagador, uma vez que o que se pretende com tal normativa é a eliminação da prática adotada que gere prejuízos ambientais e, no caso de já ocorrido o dano ambiental, que o mesmo seja reparado na sua totalidade.
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[1] Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9163.
[2] Disponível em http://oprocesso.com/2012/06/08/em-que-consiste-a-expressao-internalizacao-das-externalidades-negativas/
[3] “Dans une acception large ce príncipe vise à imputer au pollueur le coût social de la pollution qu’il engendre. Cela conduit à entraîner um mécanisme de responsabilité pour dommage écologique couvrant tous les effets d’une pollution non seulement sur les biens et les personnes mais aussi sur la nature ele-même. [...] C´est en termes économiques l´internalisation des coûts externes ou théorie des externalités. Dans une acception plus limitée, qui est celle retenue par l´OCDE et la CEE, le principe pollueur-payeur vise à faire prende em charge les dépenses de lutte contre la pollution par le pollueur” (PRIEUR, Michel. Droit de l´environnement. Paris: Dalloz, 1991, p. 123).
[4] Citada por Lise Vieira da Costa Tupiassu, a posição de JENKIS e LAMECH afirma que havendo a total transferência da carga imposta ao poluidor para os consumidores, acaba-se por equiparar tal prática a um subsídio consistente em um pagamento por parte da sociedade para que o responsável pela poluição adapte suas atividades. (JENKIS, Glenn & LAMECH, Ranjit. Green taxes and incentives policies: an international perspective, p. 03 IN TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação Ambiental: a utilização de instrumentos econômicos e fiscais na implementação do direito ao meio ambiente saudável. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 83.
[5]Idem, p. 86.
[6] LANG, Joachim. Konkretisierungen und Restriktionen des Leistungsfähigkeitsprinzips. In: DRENSECK, Walter; SEER, Roman. (Eds). Festschrift für Heinrich Wilhelm Kruse zum 70. Geburstag. Colonia: O. Schmidt, p. 313-338. In LEÃO, Martha Toribio. Controle da Extrafiscalidade - Série Doutrina Tributária v. XVI. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p.106.
Especialista em Direito Tributário pelo IBET - Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Graduada em Direito pela UNIVALI - Universidade do Vale do Itajaí. Advogada. Atualmente é Diretora de Tributos Imobiliários da Prefeitura Municipal de Florianópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Carolina Schauffert Ávila da. O Princípio do Poluidor-Pagador e sua vinculação ao Princípio da Capacidade Contributiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jan 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45767/o-principio-do-poluidor-pagador-e-sua-vinculacao-ao-principio-da-capacidade-contributiva. Acesso em: 26 nov 2024.
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