RESUMO: O trabalho aborda as principais características da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, apontando aspectos desde sua origem até o atual rito processual construído pela doutrina e jurisprudência, diante da falta de prevista legal. Ao fim, destaca-se como ficará o instituto com a vigência do novo código de processo civil.
Palavras-chave: Desconsideração – personalidade jurídica – novo código de processo civil.
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Considerações gerais sobre a desconsideração da personalidade jurídica: conceito, origem e requisitos 3. Teoria maior x teoria menor 4. A forma inversa de desconsideração da personalidade jurídica 5. Desconsideração da personalidade jurídica x despersonalização da pessoa jurídica 6. Previsão legal 7. O rito processual da desconsideração da personalidade jurídica: construção doutrinária e jurisprudencial 8. A desconsideração da personalidade jurídica no código de processo civil de 2015 – lei 13.105/15 9. Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo busca uma abordagem do instituto da desconsideração da personalidade desde sua construção doutrinária e jurisprudencial, até sua previsão específica no Novo código de processo civil, que entrará em vigor no mês de março de 2016, salvo eventual alteração no prazo da vacatio legis.
Para tanto, a pesquisa teve início destacando conceito, origem e requisitos da desconsideração, apontando, também, as teorias maior e menor, bem como sua disciplina no Código de 1973 e na jurisprudência atual. Ao fim, destacou-se a desconsideração da personalidade jurídica à luz do Novo CPC.
Com isso, espera-se que o leitor reforce o debate atinente ao tema, a fim de enriquecer ainda mais o conteúdo que deu ensejo a esta leitura.
2 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: CONCEITO, ORIGEM E REQUISITOS
No direito brasileiro prevalece a separação patrimonial existente entre o patrimônio de uma empresa e de seus sócios, de modo que os bens daquela não se confundem com os destes. Assim, a pessoa jurídica tem existência distinta da dos seus membros (texto previsto no art. 20 do código civil de 1916), regra esta que, apesar de não contida expressamente no código civil atual, é conseqüência lógica da identidade da pessoa jurídica.
Mitigando a proteção normativa, contudo, surgiu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine), também chamada teoria da penetração na pessoa jurídica (disregard of the legal entity), que autoriza, em casos excepcionais, que a personalidade jurídica seja desconsiderada, a fim de que os bens dos sócios sejam alcançados pelas dívidas da pessoa jurídica.
O Superior Tribunal de Justiça conceitua a desconsideração da personalidade jurídica nos seguintes termos:
Desconsiderar a personalidade jurídica consiste em ignorar a personalidade autônoma da entidade moral, excepcionalmente, tornando-a ineficaz para determinados atos, sempre que utilizada para fins fraudulentos ou diferentes daqueles para os quais fora constituída, tendo em vista o caráter não absoluto da personalidade jurídica, sujeita sempre à teoria da fraude contra credores e do abuso do direito. (REsp 1208852, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ 12/05/2015).
Impende destacar, ademais, que a responsabilização do sócio ou administrador, uma vez desconsiderada a personalidade jurídica, é integral, ou seja, além de suas quotas sociais, afastando a regra de que a responsabilidade do sócio limita-se ao seu capital social. Nesse sentido, somente se pode falar em desconsideração quando existente uma sociedade personificada, devidamente registrada (artigo 45 do código civil).
Sua origem, para parte majoritária da doutrina, ocorreu nos Estados Unidos, em 1809. Vejamos:
Muito se discute acerca da origem histórica do Instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Para a maioria da doutrina, apesar de existir desde o Império Romano – onde, em razão da evolução social, se chegou a conceber, embora timidamente, a subjetividade patrimonial das corporações – o Instituto teve sua origem nos Estados Unidos, em 1809, quando do julgamento do caso Bank of United States v. Deveaux, seguido pelo julgamento do caso Salomon x Salomon Co, em 1897, na Inglaterra[1].
No Brasil, Rubens Requião foi um dos primeiros doutrinadores a defender a aplicação da teoria, na década de 60, ainda que sem previsão legal. O código de defesa do consumidor, do ano de 1990, foi a primeira lei a prever a teoria, que, posteriormente, foi positivada pela lei Antitruste, do ano de 1994, pela lei de crimes ambientais, de 1998, pelo código civil de 2002 e, por fim, pela lei do CADE, do ano de 2011.
Em que pese aos requisitos para sua aplicação, o código civil, no artigo 50, dispõe que, para que seja aplicada, deve-se observar, no caso concreto, o abuso da personalidade jurídica, que se caracteriza pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial entre sociedade e sócios. Outrossim, o simples encerramento irregular das atividades não é suficiente para autorizar a desconsideração e o redirecionamento da execução contra o patrimônio pessoal dos sócios (STJ, EREsp 1.306.553 – SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti).
O código de defesa do consumidor, lei 8.078/90, em seu artigo 28, caput, por sua vez, traz como requisitos: o abuso de direito, o excesso de poder, a infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social, falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. No §5º do mesmo artigo, prevê, ainda, que poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
Com efeito, é notório que o CDC expressa outras possibilidades permissivas de desconsideração da personalidade jurídica, até mesmo em razão de seu caráter protecionista, chamando atenção para o § 5º supracitado, que permite a desconsideração diante do mero prejuízo ao consumidor.
De igual modo, a lei de crimes ambientais, n. 9.605/98, prevê de modo expresso a desconsideração da personalidade jurídica em seu artigo 4º, sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente, sendo este o único requisito legal.
Por fim, destaca-se, em relação ao artigo 50 do código civil, que só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido (Enunciado número 7 da I Jornada de direito civil – CJF/STJ), não se admitindo sua utilização ilimitada, a fim de satisfazer tão-somente os interesses do credor.
3 TEORIA MAIOR X TEORIA MENOR
Fabio Ulhoa Celho[2] aponta a existência de duas teorias: teoria maior e teoria menor. De acordo com o autor, no que diz respeito à teoria maior:
(...) a primeira é a teoria mais elaborada, de maior consistência e abstração, que condiciona o afastamento episódico da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas à caracterização da manipulação fraudulenta ou abusiva do instituto”, distinguindo-a de institutos jurídicos distintos, que apesar de também implicarem a afetação de patrimônio de sócio por obrigação da sociedade, com ela não se confundem. Exemplo destes institutos são a responsabilização por ato de má gestão, a extensão da responsabilidade tributária ao administrador, etc. (...)
A teoria maior foi expressamente adotada pelo artigo 50 do código civil, tratando de requisitos mais rigorosos para desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
Para a aplicação da teoria menor, entretanto, exige-se tão-somente o prejuízo ao credor, o que se observa na lei 9.605, em seu artigo 4º, e no artigo 28 do código de defesa do consumidor.
Nesse sentido vale registrar a conceituação adotada pelo Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Especial n. 279273, assim ementado:
RESPONSABILIDADE CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. SHOPPING CENTER DE OSASCO-SP. EXPLOSÃO. CONSUMIDORES. DANOS MATERIAIS E MORAIS. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. PESSOA JURÍDICA. DESCONSIDERAÇÃO. TEORIA MAIOR E TEORIA MENOR. LIMITE DE RESPONSABILIZAÇÃO DOS SÓCIOS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REQUISITOS. OBSTÁCULO AO RESSARCIMENTO DE PREJUÍZOS CAUSADOS AOS CONSUMIDORES. ART. 28, § 5º.
- Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum.
- A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).
- A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.
- Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.
- A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. - Recursos especiais não conhecidos. (STJ, REsp: 279273-SP, Relator: Ministro ARI PARGENDLER, DJ 04/12/2003).
Em resumo, a teoria maior, mais rigorosa, terá aplicação quando o caso concreto sujeitar-se às normas de direito civil. Neste caso, como já visto, o mero encerramento irregular das atividades não autoriza, por si só, a desconsideração e o redirecionamento da execução contra o patrimônio pessoal dos sócios.
A teoria menor, contudo, que incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica, é aplicável aos ramos do direito protetivo, tais como o direito do consumidor, ambiental, trabalhista e tributário. Nestes casos, inclusive, admite-se a desconsideração em virtude do simples encerramento irregular das atividades da empresa devedora.
4 A FORMA INVERSA DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Pela forma típica de desconsideração da personalidade jurídica os sócios ou administradores da pessoa jurídica devedora são atingidos pelos efeitos da execução contra esta movida.
Admite-se, todavia, com base em uma interpretação teleológica do código civil, a desconsideração inversa ou invertida, que transfere a responsabilidade pelas dívidas dos sócios à empresa, nos casos de confusão patrimonial.
O Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial n. 948.117/MS, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, julgado em 22/06/2010, referente à desconsideração invertida, destacou que:
(...) A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador. IV Considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma (...)
Flávio Tartuce[3] traz como exemplo do instituto em estudo:
“(...) a situação em que o sócio, tendo conhecimento do divórcio, compra bens com capital próprio em nome da empresa (confusão patrimonial). Pela desconsideração, tais bens poderão ser alcançados pela ação de divórcio, fazendo com que o instituto seja aplicado no Direito de Família (...)”.
No âmbito das Cortes estaduais a aplicação da desconsideração invertida também é incontroversa, valendo destacar:
PROCESSUAL CIVIL. DISREGARD DOCTRINE - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE FORMA INVERSA. DÍVIDA DO SÓCIO QUE AUTORIZA A PENHORA DE BENS DA PESSOA JURÍDICA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1.O FUNDAMENTO ÉTICO QUE INFORMA A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA DEVEDORA PARA ALCANÇAR OS BENS PARTICULARES DO SÓCIO TAMBÉM AUTORIZA A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE FORMA INVERSA PARA ALCANÇAR OS BENS DA PESSOA JURÍDICA POR DÍVIDA NÃO PAGA DO SEU CONTROLADOR. 2. PRECEDENTE DO EGRÉGIO STJ - RESP 948.117/MS, DA RELATORIA DA MINISTRA NANCY ANDRIGHI. 3.CABE AO JUIZ DA EXECUÇÃO, DIANTE DA CIRCUNSTÂNCIA CONCRETA QUE SE LHE APRESENTAR, A VERIFICAÇÃO DA OCORRÊNCIA DAS HIPÓTESES AUTORIZADORAS DA DESPERSONALIZAÇÃO (ART. 50, DO CÓDIGO CIVIL). 4.RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 5.SEM CUSTAS E SEM HONORÁRIOS. (TJDF, DVJ: 314932720088070007, Relator: ASIEL HENRIQUE, DJ: 22/03/2011).
AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO DE SENTENÇA - PENHORA DE BEM PERTENCENTE À EMPRESA DA QUAL É SÓCIO O EXECUTADO - TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE FORMA INVERSA - DISREGARD DOCTRINE - POSSIBILIDADE - MATÉRIAS NÃO SUBMETIDAS À ANÁLISE PELO JUIZ A QUO - OFENSA AO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO - CONHECIMENTO PARCIAL - RECURSO IMPROVIDO. I - É possível aplicar a regra da desconsideração da personalidade jurídica na forma inversa quando haja a evidência de que o devedor se vale da empresa ou sociedade à qual pertence, para ocultar bens que, se estivessem em nome da pessoa física, seriam passíveis de penhora. II - As matérias não submetidas ao crivo do Juiz de 1ª instância não podem ser objeto de análise em sede de agravo de instrumento, sob pena de ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição. (TJMS, AG: 15353, Relator: Des. Josué de Oliveira, DJ 21/02/2006).
LOCAÇÃO DE IMÓVEIS - DESPEJO C.C. COBRANÇA - EXECUÇÃO CONTRA FIADORES - PESSOA JURÍDICA EM QUE OS DEVEDORES SÃO OS ÚNICOS SÓCIOS - DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA- BLINDAGEM PATRIMONIAL - ARTIGO 50 DO CÓDIGO CIVIL - ADMISSIBILIDADE - DECISÃO MANTIDA -RECURSO IMPROVIDO. Admissível a desconsideração inversa da personalidade jurídica para que o patrimônio da empresa responda pela obrigação pessoal de seus sócios, quando o conjunto probatório colacionado aos autos evidencia a utilização da sociedade para o fim de ocultar os bens dos devedores. (TJSP, AI: 4903736620108260000, Relator: Clóvis Castelo, DJ 14/02/2011).
Por fim, na IV Jornada de Direito Civil foi aprovado o Enunciado n. 283, que assim dispõe: “É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros”.
5 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA X DESPERSONALIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA
A melhor doutrina, no que tange aos conceitos ora estudados (desconsideração e despersonalização), aponta tratar-se de institutos distintos.
Para o professor Pablo Stolze Gagliano[4]:
“Assim sendo, o rigor terminológico impõe diferenciar as expressões: despersonalização, que traduz a própria extinção da personalidade jurídica, e o termo desconsideração, que se refere apenas ao seu superamento episódico, em função de fraude, abuso ou desvio de finalidade”.
Na mesma obra o professor Pablo Stolze Gagliano[5] também destaca:
“Entretanto, reconhecemos que, em situações de excepcional gravidade, poderá justificar a despersonalização, em caráter definitivo, da pessoa jurídica, entendido tal fenômeno como a extinção compulsória, pela via judicial, da personalidade jurídica. Apontam-se os casos de algumas torcidas organizadas que, pela violência de seus integrantes, justificariam o desaparecimento da própria entidade de existência ideal ”.
Na despersonalização, que é definitiva, portanto, ocorre a extinção da pessoa jurídica, ao passo que na desconsideração, além de temporária, a pessoa jurídica é preservada, mas a regra de separação entre o patrimônio da empresa e de seus sócios é afastada momentaneamente.
6 PREVISÃO LEGAL
A desconsideração da personalidade jurídica pode ser encontrada nos seguintes dispositivos legais:
Código civil (lei 10.406/2002):
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Código de defesa do consumidor (lei 8.078/1990):
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
Lei do CADE (lei 12.259/2011)
Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.
Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
Lei de crimes ambientais (lei 9.605/98)
Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
7 O RITO PROCESSUAL DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: CONSTRUÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL
Em razão da falta de previsão legal quanto ao rito processual da desconsideração da personalidade jurídica, apesar de pacífica sua aplicação no direito brasileiro, doutrina e jurisprudência buscaram suprir a omissão legislativa, apontando os aspectos processuais da teoria.
Inicialmente, é pacífico o entendimento de ser desnecessário o ajuizamento de ação autônoma, podendo o juiz, incidentalmente, determinar a desconsideração. Nesse sentido:
FALÊNCIA. ARRECADAÇAO DE BENS PARTICULARES DE SÓCIOS-DIRETORES DE EMPRESA CONTROLADA PELA FALIDA. DESCONSIDERAÇAO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (DISREGARD DOCTRINE). TEORIA MAIOR. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇAO ANCORADA EM FRAUDE, ABUSO DEDIREITO OU CONFUSAO PATRIMONIAL. RECURSO PROVIDO.
(...)
2. A jurisprudência da Corte, em regra, dispensa ação autônoma para se levantar o véu da pessoa jurídica, mas somente em casos de abuso de direito - cujo delineamento conceitual encontra-se no art. 187 do CC/02 -, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, é que se permite tal providência. Adota-se, assim, a" teoria maior "acerca da desconsideração da personalidade jurídica, a qual exige aconfiguração objetiva de tais requisitos para sua configuração. (...) (STJ, Quarta Turma, REsp 693.235-MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ 30/11/2009)
Ainda, é desnecessária a citação dos sócios em prejuízo de quem foi decretada a desconsideração, porquanto os direitos constitucionais à ampla defesa e ao contraditório são garantidos com a intimação da constrição, permitindo-se a defesa posterior, mediante embargos, impugnação ao cumprimento de sentença ou objeção de pré-executividade. Assim entende o STJ:
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS E MATERIAIS. OBSERVÂNCIA. CITAÇÃO DOS SÓCIOS EM PREJUÍZO DE QUEM FOI DECRETADA A DESCONSIDERAÇÃO. DESNECESSIDADE. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO GARANTIDOS COM A INTIMAÇÃO DA CONSTRIÇÃO. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VIA ADEQUADA PARA A DISCUSSÃO ACERCA DO CABIMENTO DA DISREGARD. RELAÇÃO DE CONSUMO. ESPAÇO PRÓPRIO PARA A INCIDÊNCIA DA TEORIA MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO. ART. 28, § 5º, CDC. PRECEDENTES.
(...)
2. A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual e não como um processo incidente, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos, dispensando-se também a citação dos sócios, em desfavor de quem foi superada a pessoa jurídica, bastando a defesa apresentada a posteriori, mediante embargos, impugnação ao cumprimento de sentença ou exceção de pré-executividade. (...) (STJ, REsp 1096604-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ 02/08/2012.)
A quarta turma do STJ, recentemente, alterando seu entendimento, admitiu a legitimidade recursal da pessoa jurídica para impugnar a desconsideração de sua personalidade jurídica, defendendo que: quando o anúncio de medida excepcional e extrema que desconsidera a personalidade jurídica tiver potencial bastante para atingir o patrimônio moral da sociedade, à pessoa jurídica será conferida a legitimidade para recorrer daquela decisão (REsp 1208852, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ 12/05/2015).
Por fim, a desconsideração é autorizada por decisão interlocutória.
8 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 – LEI 13.105/15
O novo código de processo civil - lei 13.105/15, que entrará em vigor em março de 2016, supera a falta de previsão legal em relação aos aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica, dispondo em seus artigos 133 a 137 o procedimento legal do incidente.
O Novo código, a bem da verdade, positiva a construção jurisprudencial de nossos tribunais, aqui já estudadas, pondo fim a qualquer espécie de controvérsia sobre o tema, ditando, também, novas regras.
No artigo 133, caput, o NCPC aponta como legitimados para o pedido de instauração do incidente a parte ou o Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. Afasta-se, pois, a possibilidade de desconsideração por iniciativa do juiz.
Ademais, o Novo Código traz previsão expressa da desconsideração inversa da personalidade jurídica (artigo 133, §2º).
Além disso, o incidente de desconsideração é, de acordo com novo código, cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial (artigo 134, caput), dispensando-se sua instauração quando a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que, de início, será citado o sócio ou a pessoa jurídica (artigo 134, §2º).
Igualmente, com exceção do pedido requerido na petição inicial, a instauração do incidente sempre suspenderá o processo, de acordo com a regra disciplinada no §3º, do artigo 134.
Em continuidade, o NCPC, prestigiando os direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa, determina que, instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica deverá ser citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis, dando-lhe prazo de 15 (quinze) dias (art. 135).
Por fim, destaca o Novo código que o incidente em estudo é resolvido por decisão interlocutória (art. 136, caput), logo, recorrível por agravo de instrumento (artigo 1.015, inciso IV), entretanto, se proferida pelo relator, passível de agravo interno (artigo 136, parágrafo único).
9 CONCLUSÃO
Diante do exposto, podemos concluir:
a) no direito brasileiro prevalece a separação patrimonial existente entre o patrimônio de uma empresa e de seus sócios. Entretanto, mitigando a determinação legal surgiu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine), também chamada teoria da penetração na pessoa jurídica (disregard of the legal entity).
b) uma vez desconsiderada a personalidade jurídica a responsabilização do sócio ou administrador é integral.
c) a origem da teoria da desconsideração da personalidade jurídica deu-se, para parte majoritária da doutrina, nos Estados Unidos, em 1809. No Brasil, Rubens Requião foi um dos primeiros doutrinadores a defender a aplicação da teoria, na década de 60, ainda que sem previsão legal. O código de defesa do consumidor, do ano de 1990, foi a primeira lei a prever a teoria, que, posteriormente, foi positivada em outras legislações.
d) a doutrina aponta a existência de duas teorias: teoria maior e teoria menor. A teoria maior, prevista no artigo 50 do código civil, disciplina requisitos mais rigorosos para desconsideração da personalidade jurídica. Para a aplicação da teoria menor, entretanto, exige-se tão-somente o prejuízo ao credor
e) admite-se, com base em uma interpretação teleológica do código civil, a desconsideração inversa ou invertida, que transfere a responsabilidade pelas dívidas dos sócios à empresa, nos casos de confusão patrimonial.
f) existe uma evidente diferença entre desconsideração da personalidade jurídica e despersonificação. Na despersonalização, que é definitiva, ocorre a extinção da pessoa jurídica, ao passo que na desconsideração, além de temporária, a pessoa jurídica é preservada, mas a regra de separação entre o patrimônio da empresa e de seus sócios é afastada momentaneamente.
g) a teoria da desconsideração é expressamente prevista nos seguintes dispositivos: art. 50 do código civil, artigo 28 do código de defesa do consumidor, artigo 34 da lei 12.259/11 e artigo 4º da lei de crimes ambientais.
h) em razão da falta de previsão legal quanto ao rito processual da desconsideração da personalidade jurídica, doutrina e jurisprudência buscaram suprir a omissão legislativa, apontando os aspectos processuais da teoria.
i) O novo código de processo civil supera a falta de previsão legal em relação aos aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica, dispondo em seus artigos 133 a 137 o procedimento legal do incidente.
REFERÊNCIAS
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. V. 2.
BITTENCOURT, Hayna. A desconsideração da personalidade jurídica – modalidades e possibilidade. Disponível em: http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/rcursodeespecializacao_latosensu/direito_processual_civil/edicoes/n1_2013/pdf/HaynaBittencourt.pdf. Acesso em 21 Dez. 2015.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 3. ed. São Paulo: Método, 2013. V. único.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil - parte geral. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
[1] BITTENCOURT, Hayna. A desconsideração da personalidade jurídica – modalidades e possibilidade. Disponível em: http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/rcursodeespecializacao_latosensu/direito_processual_civil/edicoes/n1_2013/pdf/HaynaBittencourt.pdf. Acesso em 21 Dez. 2015.
[2] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. V. 2, p. 35.
[3] Manual de direito civil. 3. ed. São Paulo: Método, 2013. V. único, p. 153.
[4] Novo curso de direito civil - parte geral. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 270.
[5] Idem. p. 269.
Mestre em Ciências Jurídicas. Especialista em Direito Processual Civil, Direito Público, Direito Constitucional Aplicado e Direito da Seguridade Social. Oficial de Justiça Federal (TRF1).
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