RESUMO: O presente estudo se propõe a analisar o conteúdo das sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8429/92) aplicáveis aos agentes públicos que por meio de suas condutas se enriquecem ilicitamente, causam dano ao erário ou violam princípios da administração pública. Conceder-se-á especial enfoque à natureza jurídica de tais sanções, objeto de intensa discussão no âmbito doutrinário.
Palavras-chave: Improbidade Administrativa. Lei nº 8.429/92. Sanções legais. Enriquecimento ilícito. Prejuízo ao erário. Violação aos princípios administrativos. Natureza Jurídica.
INTRODUÇÃO
A Lei de Improbidade Administrativa constitui relevante marco histórico na proteção da moralidade administrativa e do erário público, sobretudo considerando a história nacional repleta de casos de corrupção praticados por agentes públicos.
A fim de que a Lei de Improbidade fosse dotada de efetividade no controle das condutas ímprobas é que o legislador previu sanções taxativas seguindo o comando constitucional do art. 37, §4º, da Constituição Federal. No entanto, em razão de conterem uma gama variada de comandos, abrangendo desde uma simples multa a própria perda da função pública, ainda discute-se, no âmbito doutrinário, a real natureza jurídica de tais sanções legais.
DAS SANÇOES PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Nos dizeres de Waldo Fazzio Junior, (2008, p. 340.) “a lei 8.429/92, como norma regulamentadora do art. 37, §4º, da Constituição Federal tem caráter predominantemente sancionador.” Tais sanções, continua o autor (ibid., p. 340), “podem ser vistas como reações sociais, plasmadas nas normas, em face da inobservância de deveres relevantes para a produção e reprodução da vida em sociedade.”
É certo que o artigo 37, §4º estabelece quatro consequências legais para a prática do ato de improbidade: suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e obrigação de ressarcir o erário.
No entanto, o dispositivo constitucional estatuiu um espectro mínimo de sanções ou, conforme lição de Fazzo Junior, um “piso de previsão sancionatória” (ibid., p. 342) que poderia ser ampliado por legislação ordinária, sem que isso acarretasse sua inconstitucionalidade.
Além disso, conforme observa pertinentemente Ruy Alberto Gatto (1993, p. 161:57), vislumbra-se que as sanções (previstas na Lei de Improbidade) têm um caráter autônomo, figurando-se, portanto, independentes das possíveis sanções aplicadas pela esfera penal ou administrativa ao agente público.
Tal entendimento deriva do próprio texto constitucional que utilizou a expressão “sem prejuízo da ação penal cabível”, aliado ao disposto expressamente no caput do artigo 12 da legislação ordinária atinente, o qual enuncia que as penalidades serão aplicadas “independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica.”
Com efeito, o agente pode muito bem ter sido condenado a cumprir pena de detenção por sentença penal transitada em julgado, além de ter sido demitido após o devido processo administrativo, que, ainda assim, ele não escapará da penalização conforme as sanções presentes na Lei de Improbidade administrativa, podendo, dessa forma, ter seus direitos políticos suspensos ou ser proibido de contratar com o poder público durante determinado período de tempo.
A lei foi bastante sistemática ao designar um bloco de sanções para cada espécie de ato de improbidade. Sendo assim, para uma conduta que se configure em enriquecimento ilícito serão aplicadas as sanções presentes exclusivamente no artigo 12, I, da Lei 8429/92. Assim se repete para as condutas que lesionaram ao erário, sendo o inciso II do referido artigo o correspondente e, para as condutas atentatórias aos princípios da administração pública, o artigo 12, III, estabelece taxativamente as devidas sanções.
Tais sanções são constituídas de provimentos condenatórios (ressarcimento do dano, pagamento de multa civil, perda dos bens), desconstitutivos (perda da função pública) e restritivos de direitos (proibição de contratar com o Poder Público, de receber benefícios fiscais ou creditícios e suspensão dos direitos políticos).
Insta relatar que a Lei previu uma relevante gradação para as sanções, estatuindo penalidades mais graves ou severas para as ações que importem enriquecimento ilícito, enquanto as condutas que violem princípios são mais levemente punidas. Tal gradação se reflete somente em três variáveis: o prazo para suspensão dos direitos políticos, o prazo para proibição de contratar com o Poder Público ou receber investimentos e financiamentos e, por último e não menos importante, o valor da multa civil.
Denota-se ainda, pela análise da letra legal, que a lei concede uma determinada liberdade para o julgador na aplicação das penalidades, podendo este, por exemplo, determinar a suspensão dos direitos políticos numa margem de oito a dez anos, para o caso de atos que importem em enriquecimento ilícito. Resta imperativo, contudo, que o magistrado não se olvide da proporcionalidade que deve reger sua atuação como intérprete do texto legal, aplicando as sanções em conformidade estrita aos contornos do caso concreto.
Ademais, quando há um concurso de condutas ímprobas, ou seja, quando o agente comete, à guisa de exemplo, tanto um ato atentatório ao princípio da legalidade como um significativo dano ao erário, deve-se resolver tal questão recorrendo-se à hermenêutica jurídica e seu princípio da especialidade.
Com efeito, o julgador não deve incorrer na aplicação draconiana da lei, realizando um acúmulo de penalidades idênticas para agravar a situação do réu. Em contrapartida, deve ele aplicar somente a penalidade mais grave nos termos do princípio da especialidade. Assim, no exemplo citado, deveria o julgador se tanger somente às sanções previstas no artigo 12, I, descartando aquelas relativas às condutas atentatórias aos princípios administrativos.
DA NATUREZA JURÍDICA DAS SANÇÕES
A natureza jurídica das sanções previstas na Lei 8429/92 é objeto de intensas e acaloradas discussões no meio jurídico, derivadas de diferentes correntes doutrinárias, algumas quase que diametralmente opostas.
Ressalte-se, por oportuno, que esta natureza jurídica é de uma importância significativa para o delineamento de qual instância irá julgar os agentes.
Nesse sentido, de início, se insurgem as seguintes correntes:
A primeira, liderada por Affonso Ghizzo Neto (2001, p. 83) visualiza uma natureza administrativa-disciplinar para as sanções previstas na Lei de Improbidade.
Fazzio Junior (2008, p. 341), por outro lado, considera as sanções previstas no artigo 12 da Lei 8429/92 de natureza híbrida, o que se extrai do seguinte excerto de sua obra:
Como a responsabilidade do agente público, por atos praticados em razão do exercício do cargo, função, mandato ou emprego, não é meramente civil, mas civil e político-administrativa (ilícito civil de responsabilidade), as sanções correspondentes também são híbridas, envolvendo, por exemplo, o dever civil de reparar o dano causado pelo ato ilícito e, simultaneamente, a suspensão dos direitos políticos por seu exercício subvertido. Ou, por outro lado, o dever civil de devolver o produto do locupletamento e, ao mesmo tempo, a perda da função pública desconsiderada pela sua conduta.
Já Sergio de Andréa Ferreira (2002, p. 623) afirma que os atos de improbidade são espécies do mesmo gênero dos crimes de responsabilidade e das infrações político-administrativas, assim incorreria em bis in idem sua cumulação com os crimes de responsabilidade previstos na Lei 1079/50.
Ives Gandra da Silva Martins (1992, p. 286/87) sustenta que as sanções teriam natureza penal. A ele se alinham Sebastião Botto de Barros Tojal e Flávio Crocce Caetano Tojal. (2003, p. 399).
Na mesma esteira, Vanderlei Aníbal Júnior e Sérgio Roxo Fonseca (2007, p. 2) que, ao defenderem a natureza penal da própria ação de improbidade, sustentaram, em decorrência, que as sanções possuem natureza restritiva de direitos, exorbitando o cunho meramente patrimonialista. Assim afirmam:
Afora as penas de cunho patrimonial, temos que a maioria das sanções adotadas para o ilícito em voga restringem direitos dos cidadãos. Direitos do mais amplo grau de proteção constitucional. São elas restrições: a) à cidadania, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, exposto no art. 1° da Constituição Federal de 1988 (com a suspensão dos direitos políticos); b) direitos sociais (trabalho – com a perda da função pública); c) livre concorrência (proibição de contratar com o poder público); e d) isonomia (vedado o recebimento de incentivos fiscais ou creditícios). Como visto, atingem determinados bens que comprometem, inclusive, a própria dignidade da pessoa humana e, ante isso, não podem, tais sanções, ficar ao livre alvedrio do direito civil. Atingem bens maiores dos seres humanos, princípios e valores resguardados constitucional e legalmente aos quais não pode ser dado o mero caráter patrimonialista desejado por muitos.(ANIBAL JUNIOR;FONSECA, 2007, p. 2)
Em uma corrente doutrinária paralela, insurgem as opiniões de Arnoldo Wald e Gilmar Mendes que, em artigo intitulado “Competência Para Julgar Ação De Improbidade Administrativa”, afirmam que as sanções legais são dotadas "de forte conteúdo penal", pela simples possibilidade de suspensão de direitos políticos, ou a perda da função pública, isoladamente consideradas. (MENDES; WALD, 1998, p. 213/216)
Outrossim, o STJ, por sua 3ª Seção, em posição isolada, também entendeu que a Lei nº 8.429/1992 dispõe sobre ilícitos penais (MS nº 6.478, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. em 26/4/2000, DJ de 29/5/2000).
Contra a natureza penal da Ação de Improbidade, milita Walter Claudius Rothemburg (2002, p. 465-66), Procurador da República em São Paulo, que assim descreve:
Num contexto capitalista, uma sanção pecuniária (indenização ou multa) pode revelar-se muito mais pesada do que outra restrição de direitos. Enfim, a improbidade administrativa da Lei 8.429/92 não pode conduzir à restrição da liberdade individual, pelo que se acentua seu caráter extracriminal (que, bem entendido, não se define apenas pela impossibilidade de restrição à liberdade individual, visto que nem todo tipo criminal prevê essa pena). (ROTHEMBURG, 2002, p. 465-66)
Alinham-se ao nobre membro do parquet, grande parte dos administrativistas contemporâneos, tais como: Odete Medauar (2001, p. 52); Fábio Medina Osório (1998, p. 217-224); Wallace Paiva Martins Júnior (2001, p. 255); José Augusto Delgado (2001, p. 211); entre outros.
A natureza cível das sanções, em correspondência ao cunho cível da própria ação de improbidade, parece, sem dúvidas, a tese mais apropriada e razoável. Para embasar tal afirmação, serve-se da lição trazida por Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, in Improbidade administrativa, os quais elencam contundentemente sete razões para se aderir à tese da natureza jurídica cível das sanções, senão veja-se:
a) o art. 37, 4º, in fine, da Constituição, estabelece as sanções para os atos de improbidade e prevê que estas serão aplicadas de acordo com a gradação prevista em lei e ‘sem prejuízo da ação penal cabível’;
b) regulamentando esse dispositivo constitucional, dispõe o art. 12, caput, da Lei nº 8.429/92 que as sanções serão aplicadas independentemente de outras de natureza penal;
c) as condutas ilícitas elencadas nos arts. 9º, 10, e 11 da Lei de Improbidade, ante o emprego do vocábulo ‘notadamente’, tem caráter meramente enunciativo, o que apresenta total incompatibilidade com o princípio da estrita legalidade que rege a seara penal, segundo a qual a norma incriminadora deve conter expressa e prévia descrição da conduta criminosa.
d) o processo criminal atinge de forma mais incisiva o status dignitatis do indivíduo, o que exige expressa caracterização da conduta como infração penal, sendo relevante frisar que ela produzirá variados efeitos secundários;
e) a utilização do vocábulo “pena” no art. 12 da Lei nº 8.429/1992 não tem o condão de alterar a essência dos institutos, máxime quando a similitude com o direito penal é meramente semântica;
f) a referência a “inquérito policial” constante do art. 22 da Lei nº 8.429/1992 também não permite a vinculação dos ilícitos previstos neste diploma legal à esfera penal, já que o mesmo dispositivo estabelece a possibilidade de o Ministério Público requisitar a instauração de processo administrativo e não exclui a utilização do inquérito civil previsto na Lei nº 7.347/85, o que demonstra que cada qual será utilizado em conformidade com a ótica de análise do ilícito e possibilitará a colheita de provas para a aplicação de distintas sanções ao agente;
g) a aplicação das sanções elencadas no art. 12 da Lei de Improbidade pressupõe o ajuizamento de ação civil (art. 18), possuindo legitimidade ativa ad causam o Ministério Público e o ente ao qual esteja vinculado o agente público, enquanto que as sanções penais são aplicadas em ações de igual natureza, tendo legitimidade, salvo as exceções constitucionais, unicamente o Ministério Público. (GARCIA; ALVES, 2008, p. 526)
CONCLUSÃO
Por todo o exposto, é certo que não há unanimidade entre os doutrinadores administrativas quanto à natureza jurídica das sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa, difundindo-se teses que defendem tanto uma natureza penal, como administrativa, político-administrativa, cível ou híbrida.
Malgrado seja, a corrente que conta com maior acepção doutrinária e amparada em consistentes argumentos de ordem lógico-jurídica, contraria diretamente a natureza penal das sanções previstas na Lei 8429/92, apontando invariavelmente a uma natureza cível das reprimendas.
REFERÊNCIAS
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GHIZZO NETO, Affonso. Improbidade Administrativa e Lei de Responsabilidade Fiscal. Florianópolis: Habitus, 2001.
FERREIRA, Sergio de Andréa. A probidade na Administração Pública. Boletim de Direito Administrativo, agosto/2002, 623.
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Aspectos procedimentais do instituto jurídico do "impeachment" e conformação da figura da improbidade administrativa. Revista dos Tribunais, v.81, n.685, 1992.
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ROTHEMBURG, Walter Claudius. Ação por improbidade administrativa: aspectos de relevo, in: José Adercio Leite Sampaio et al (org.), Improbidade administrativa, comemoração pelos 10 anos da Lei n.º 8.429/92, Belo Horizonte, Del Rey, 2002.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno, 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
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MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
DELGADO, José Augusto. Improbidade Administrativa: Algumas Controvérsias Doutrinárias e Jurisprudenciais sobre a Lei de Improbidade Administrativa. In: Improbidade Administrativa, Questões Polêmicas e Atuais, org. por Cássio Scarpinelle Bueno et alii. São Paulo: Malheiros, 2001.
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: XIMENES, Eduardo Araujo Rocha. A natureza jurídica das sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jan 2016, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45825/a-natureza-juridica-das-sancoes-previstas-na-lei-de-improbidade-administrativa. Acesso em: 22 nov 2024.
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