RESUMO: A Lei nº 12.850/2013 é pioneira em trazer a definição de Organização Criminosa, muito embora outras leis já citassem o crime, este tipo penal era vago e indefinido, o que contrariava o Princípio da Legalidade, desta forma, uma definição legal trouxe segurança jurídica. A Colaboração Premiada também não foi uma grande inovação trazida pela Lei 12.850/2013, pois benefícios para aqueles que se arrependeram da prática criminosa e buscaram meios de reparar os danos causados, já eram previstos em diversos artigos do Código Penal Brasileiro e em outras leis espaças, porém, a atual sistematização é um notório ganho, tanto é verdade que as Colaborações Premiadas se popularizaram em todo o país, devido ao grande destaque que a Operação Lava Jato tem na mídia. A referida Operação, impulsionada pelas Colaborações Premiadas, vem desbaratando um bilionário esquema de corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo diretores da Petrobras, empresários, grandes empreiteiras e políticos.
Palavras-chave: Organização Criminosa; Colaboração Premiada; Operação Lava Jato e Petrobras.
ABSTRACT: The Law No. 12,850 / 2013 is a pioneer in bringing the definition of Criminal Organization, although other laws has already cited crime, this criminal offense was vague and indefinite, which contradicted the Principle of Legality, in this way, a legal definition brought legal security. Awarded Collaboration was also not a great innovation introduced by Law 12,850 / 2013, various articles of the Brazilian Penal Code and other laws have provided benefits for those who have repented of criminal activity and sought ways to repair the damage caused. But the current systematization is a notorious profit, so that the awarded collaborations have become popular across the country, because of the emphasis about “Operação Lava Jato” has had in the media. That operation, driven by Awarded Collaboration, has been disrupting a billionaire scheme of corruption and money laundering, involving Petrobras directors, entrepreneurs, contractors and politicians.
Keywords: Criminal organization? Awarded collaboration? Operação Lava Jato? Petrobras.
SUMÁRIO: I – INTRODUÇÃO. II - A JUSTIÇA NEGOCIADA. III – COLABORAÇÃO X ÉTICA. IV – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS X CONVENÇÃO DE PALERMO. V – COLABORAÇÃO PREMIADA. V. I - Investigação e Meios de Obtenção da Prova. V. II – Realização dos Acordos de Colaboração Premiada. V. III – Direitos dos Colaboradores. VI – OUTRAS LEIS QUE PREVEEM A COLABORAÇÃO PREMIADA. VII – REFLEXOS SOCIAIS E JURÍDICOS DA OPERAÇÃO LAVA JATO. VIII – CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
I – Introdução
A Lei nº 12.850 de 2013 define Organização Criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências.
A referida lei ganhou destaque nos noticiários em virtude da Operação Lava Jato, que impulsionada pelas Colaborações Premiadas, vem desbaratando o maior esquema de corrupção e lavagem de dinheiro da história do Brasil, envolvendo a maior empresa estatal brasileira (a Petrobras), bem como grandes empreiteiras e políticos.
Tal escândalo colocou os holofotes da imprensa mundial sobre o Brasil, e vem causando uma grande crise no governo. Até mesmo manifestações objetivando um impeachment da presidente reeleita, Dilma Rousseff, já foram realizadas em todo o Brasil.
A Operação Lava Jato ganhou esse nome devido ao início das investigações terem sido realizadas num posto de gasolina. O posto é chamado Posto da Torre e se localiza em Brasília, porém, curiosamente, apesar do nome que batizou a Operação, no posto há lanchonete, pastelaria, loja de conveniência, bombas de abastecimento, mas, não há nenhum lava jato para carros.
Ocorre que, no referido posto há uma casa de câmbio e valores, que se tornou alvo da Polícia Federal numa investigação de fraudes em licitações e corrupção de servidores públicos na Petrobras. O dono do posto é o doleiro Carlos Habib Chater, que foi preso preventivamente acusado de lavagem de dinheiro, este trabalhava em conexão com outro doleiro, Alberto Youssef, que se tornou um dos principais delatores na Operação Lava Jato, assim como Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras.
Youssef, Costa e outros investigados, acordaram com o Ministério Público Federal, além da devolução aos cofres públicos de valores auferidos ilicitamente, informações sobre o esquema de lavagem de dinheiro e pagamento de propina.
Os delatores que prestarem informações relevantes e verdadeiras que colaborem para a prisão de outros envolvidos no esquema serão beneficiados nos termos do acordo firmado entre eles e o Ministério Público Federal, homologado via decisão judicial.
O que se pretende tratar neste estudo é a Colaboração Premiada, que é um meio de prova regulada pela lei 12.850/13. A Colaboração Premiada tem inegável natureza processual, como já dito, carecendo de homologação realizada via decisão judicial.
II - A Justiça Negociada
Em se tratando de justiça negociada, nos Estados Unidos há o Plea Bargaining, onde cerca de 85% dos casos penais são encerrados, havendo uma negociação entre acusação e defesa, com o fito de se evitar o juízo.
No Brasil essa negociação penal ainda conta com contornos tímidos, afinal, estamos sob a égide de um sistema garantista, e a liberdade trata-se de um bem inegociável, e, portanto, em nosso país pode haver uma flexibilização, e não uma supremacia do modelo negocial.
Nosso modelo de processo penal é ato para três atores: acusação, defesa e um juiz que irá presidir o processo e ao final sentenciar, trata-se assim, de um sistema acusatório. Sobre negociação penal assevera PACELLI:
Mas não se pode negar que a Lei n 12.850/13 pretende instituir uma modalidade de negociação penal com parcial flexibilização do princípio da obrigatoriedade da ação penal, com contornos mais complexos que aquele previsto na conhecida transação penal da Lei n 9.099/95. Diferença perfeitamente explicável: esta última cuida de infrações de menor potencial ofensivo, enquanto a outra, a primeira, trata de organizações criminosas, associadas, em regra, a crimes de maior relevância jurídico-penal. (PACELLI – 2014)
Significativa diferença há entre o modelo americano de Plea Bargaining, e os modelos de negociação penal no Brasil, pois aqui não há possibilidade de aplicação de pena privativa de liberdade sem sentença, sendo esta oriunda de um devido processo penal.
A lei 9.099/95, citada por PACELLI, prevê em sua transação penal a aplicação de penas restritivas de direito e de multa, uma vez que, como já dito, a liberdade é um bem inegociável. Ademais, a referida Lei abarca crimes de menor potencial ofensivo, o que justifica a substituição de penas privativas de liberdade, por restritivas de direito e/ou multa.
O contrário se dá com os crimes abarcados pela Lei 12.850/13, sendo esses de grande relevância jurídico penal, pois tratam-se de crimes praticados por Organizações Criminosas, e qualquer benefício a ser concedido aos condenados deve ser com muito critério.
O modelo americano, Plea Bargaining, é bem diferente da realidade brasileira, até mesmo devido às diferenças entre os sistemas jurídicos adotados por esses dois países, sendo no Brasil o Civil Law, versus o Common Law americano.
Assim, deferente do Brasil em que ninguém poderá cumprir pena de prisão sem uma sentença condenatória, nos Estados Unidos o acusado mediante negociação entre acusação e defesa, pode aceitar cumprir alguns anos de prisão, em troca de não ir a júri popular e correr o risco de ser condenado à prisão perpétua, por exemplo.
No Brasil, com a Colaboração Premiada contemplada na Lei 12.850/13, o colaborador pode ter sua pena reduzida em até dois terços, ou, ter a pena privativa de liberdade convertida em restritiva de direito, e até mesmo, receber o perdão judicial (artigo 4º).
Mas, para tanto, a negociação realizada entre acusação e defesa deve ser homologada pelo juiz, que poderá inclusive não homologar caso não entenda ser satisfatória ou proporcional à negociação firmada, podendo neste caso propor ajustes.
Como se vê, diferente do modelo americano que visa desafogar o judiciário, compondo as partes e evitando-se o juízo, no Brasil é de suma importância o papel do magistrado.
III – Colaboração X Ética
Uma crítica à Colaboração Premiada gira em torno da ética e da moralidade, uma vez que, o colaborador ou delator seria um traidor, revelando as atividades da Organização Criminosa, e, assim sendo, o Estado estaria se valendo da traição e deslealdade, ou seja, meios imorais para condução da persecução penal.
Haveria ainda, a aplicação de pena desproporcional entre o colaborador e os demais membros da Organização, uma vez que, pelo cometimento do mesmo crime, o colaborador pode ter sua pena reduzida em até dois terços, tê-la substituída por restritiva de direitos, ou até mesmo receber o perdão judicial. Estes benefícios podem gerar certa sensação de impunidade, mesmo que o colaborador devolva o proveito do crime, sempre se terá a impressão que se foi devolvido parte do ganho e não sua integralidade. Como na Operação Lava Jato, onde os colaboradores têm admitido o ganho de cifras bilionárias, e sua devolução ao erário tem se dado de forma tão blasé, que se faz pensar se a quantia admitida é a mesma realmente auferida.
Enfim, em relação à ética fica o questionamento: Deve haver ética entre criminosos? Ora, se o colaborador de livre e espontânea vontade, resolve revelar sua participação em atividades delituosas, e com isso receber os benefícios da Colaboração Premiada, não há que se falar em falta de ética pelo fato do mesmo (colaborador) identificar outros coautores ou partícipes, afinal, a única ética que se deve esperar das pessoas é aquela que mantém os indivíduos dentro da Lei, e não sendo fiel a quem age contra ela.
Também não haveria grande inovação por parte do Estado, com a concessão desses benefícios, uma vez que, o Código Penal já contempla benefícios àqueles que se arrependem do cometimento do crime e tentam de alguma forma minimizar seus danos, como no artigo 15, desistência voluntária e arrependimento eficaz, onde o agente só responderá pelos atos já praticados e não pela tentativa daquele crime mais grave que se pretendia cometer, ou o artigo 16, arrependimento posterior, em que o agente pode ter sua pena diminuída em até dois terços, e sempre são circunstâncias que atenuam a pena, segundo o artigo 65, ter o agente procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano.
Ao que tange a diferença de penas aplicadas aos membros da mesma Organização, também não se vê embaraços, uma vez que, o artigo 29 do Código Penal prevê que quem colabora para o cometimento do crime deve responder pelas penas a ele cominadas, na medida de sua culpabilidade, assim, não há que se falar em uma sanção única, devendo cada qual, responder na medida de sua participação e inclusive recebendo os benefícios individuais a que fizer jus.
Neste mesmo sentido o artigo 5º, inciso XLVI da Constituição Federal de 1988, prevê a individualização da pena. Tudo isso torna sim razoável e proporcional, que os delatores sejam beneficiados por suas colaborações, recebendo pena mais branda que seus comparsas, obtendo favorecimento para migrar para regimes de cumprimento de pena menos severos, inclusive com saltos, do regime fechado para o aberto, sem passar pelo intermediário semiaberto, se for o caso.
Em suma, a Colaboração Premiada é de fato uma traição, porém, não se deve esperar valores moralmente elevados entre membros de uma Organização Criminosa, até mesmo em virtude da própria natureza da atividade, que contraria o bem comum, e ademais, a busca de formas de desbaratar essas Organizações, é sim uma discussão bem mais relevante.
IV – Organizações Criminosas X Convenção de Palermo
A Lei nº 12.850 de 2013 foi à primeira Lei a definir o que é Organização Criminosa, inobstante outras mencionassem o crime, era difícil o enquadramento neste tipo penal por falta de definição. A ausência de um conceito poderia ferir o Princípio da Legalidade, deixando pairar em nosso Ordenamento Jurídico, um tipo vago e impreciso. Hoje a definição é:
DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
Art. 1o Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.
§ 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. (Grifo nosso)
Desta forma, se enquadrará neste tipo, quatro indivíduos ou mais que se associarem para o cometimento de crimes, cuja pena máxima a eles cominada seja superior a quatro anos ou tenha caráter transnacional, de forma não eventual e estruturada com divisão de tarefas. A mera associação já configura o crime, não carecendo que a Organização leve a cabo a empreitada delitiva. Trata-se de um crime permanente, ensejando a prisão em flagrante dos membros da Organização a qualquer tempo.
Ocorre que, a definição trazida pela Lei nº 12.850 de 2013 conflita com aquela estabelecida pela Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, mais conhecida como Convenção de Palermo, por ter sido concluída na cidade de Palermo, Itália, no ano de 2000.
O Brasil e muitos outros países são signatários, e como tal, de acordo com o artigo 5º da Convenção, deveriam adotar medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para caracterizar como infração penal a participação em um grupo criminoso organizado.
Tudo isso, objetiva combater a globalização do crime organizado, o que é imperativo, quando se observa uma crescente na prática de crimes como tráfico internacional de armas, pessoas e drogas, que só poderá ser combatido se houver cooperação mútua entre os países.
Fato controvertido ocorre quando a Lei nº 12.850 de 2013 diz que Organização Criminosa é a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas, pois a Convenção de Palermo em seu artigo 2º define: “Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas [...]” e ainda, enquanto para a Lei nº 12.850 de 2013 uma característica seria a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, para a Convenção: “Infração grave - ato que constitua infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior”.
Desta maneira, divergem a Lei nº 12.850 de 2013 e a Convenção de Palermo quanto ao número de pessoas que associadas formariam um grupo criminoso, e o quantum da pena máxima aplicada para a infração penal.
Sendo assim, o que é Organização Criminosa para a Convenção de Palermo, como no caso de três pessoas associando-se para cometer infração penal cuja pena máxima aplicada a eles seria de 4 (quatro) anos, não é para a Lei nº 12.850 de 2013, onde seria preciso a participação de no mínimo quatro pessoas e a pena máxima cominada a infração penal por eles praticada deveria ser superior a 4 (quatro) anos.
Muito embora as diferenças pareçam singelas, na prática têm grande implicação, já que o que se objetiva é a cooperação entre os países, uma divergência entre as definições de Organização Criminosa, pode impossibilitar essa ajuda mútua, pois haverá casos em que, enquanto para outro país que tenha seguido a definição da Convenção de Palermo, os suspeitos se enquadrem como grupo criminoso, para o Brasil não será.
A Lei nº 12.850 de 2013 alterou ainda o artigo 288 do Código Penal brasileiro que hoje define o crime de Associação Criminosa, assim, a antiga redação era: “Art. 288. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes” não mais subsiste, extinguindo-se o crime de quadrilha ou bando. Hoje a nova redação é:
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
Da nova redação do artigo 288 do Código Penal, se compreende que a configuração do crime de Associação Criminosa, se dá no momento em que no mínimo três pessoas decidem se associar para o fim específico de cometer crimes, numa reunião de caráter duradouro. Assim, o enquadramento neste tipo penal independe da efetiva prática delitiva, bastando tão somente à associação para tal fim, uma vez que, o bem jurídico a ser tutelado por este tipo penal é a paz pública, e para mantê-la, deve-se afastar qualquer potencial ameaça.
O crime de Associação Criminosa não se confunde com a qualificadora ou majorante concurso de pessoas, pois a Associação deve ter como já dito, caráter duradouro, contrário da eventualidade dos crimes cometidos em concurso de pessoas, onde os agentes se reúnem para cometer determinado crime meramente por conveniência, como num crime de homicídio, por exemplo, que pode ser cometido por um único agente, porém, buscando êxito em uma emboscada, três agentes agem em concurso de pessoas, dividindo tarefas. Note-se, que essa união foi para o cometimento de um único crime, não havendo a intenção de esses agentes associarem-se para o cometimento de uma série de homicídios. A esse respeito assevera Rogério Greco.
[...] os integrantes do grupo não se reúnem apenas, por exemplo, para a prática de um ou dois delitos, sendo a finalidade do grupo a prática constante e reiterada de uma série de crimes, seja a cadeia criminosa homogênea (destinada à prática de um mesmo crime), seja heterogênea (cuja finalidade é praticar delitos distintos, a exemplo de roubos, furtos, extorsões, homicídios, etc.). (GRECO, 2014).
O parágrafo único do artigo 288 do Código Penal traz a causa especial de aumento de pena, de até a metade, se a Associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente. Isso se dá em virtude do maior juízo de censura ou reprovação, porém, vale ressalvar que, para que os integrantes da Associação tenham suas penas agravadas em virtude de participação de adolescentes, é imperativo que estes saibam que se tratava de menores, do contrário podem alegar erro de tipo, afastando a causa especial de aumento de pena.
V – Colaboração Premiada
A imprensa nacional popularizou o termo “Delação Premiada” em virtude da grande cobertura dada a Operação Lava a Jato. Diariamente nas mídias são vinculadas notícias acerca dos colaboradores e suas declarações. Neste momento faz-se mister uma conceituação. Para Capez:
Delação ou chamamento de correu é a atribuição da prática de crime a terceiro, feita pelo acusado, em seu interrogatório, e pressupõe que o delator também confesse a sua participação. Tem o valor de prova testemunhal na parte referente à imputação e admite reperguntas por parte do delatado (Súmula 65 das Mesas de Processo Penal da USP). (CAPEZ, 2014)
Nos ensinamentos de Nucci:
Delatar significa acusar, denunciar ou revelar. Processualmente, somente tem sentido falarmos em delação quando alguém, admitindo a prática criminosa, revela que outra pessoa também o ajudou de qualquer forma. Esse é um testemunho qualificado, feito pelo indiciado ou acusado. Naturalmente, tem valor probatório, especialmente porque houve admissão de culpa pelo delator. (NUCCI, 2014)
Desde o início das investigações da Lava Jato um fato curioso é o “protagonismo” ou notoriedade que vem sendo dispensada ao Juiz da 13ª Vara Federal Criminal no Paraná, Sérgio Fernando Moro. Os holofotes da mídia se voltaram a Moro, inobstante a fase ser de investigações naquele momento, e com isso, o, mais natural seria que tamanho destaque fosse dado a Polícia Federal que é a competente para o caso, ou mesmo, ao Ministério Público Federal.
Tal fato tem ocorrido em virtude do comprometimento de Moro, que tem conduzido muito bem as investigações a ponto de merecer tal notoriedade e destaque. O que preocupa neste caso, é que no Brasil, ao contrário do que se vê na evolução do processo penal de outros países, a prevenção é uma causa de fixação de competência, ou seja, o Juiz que atuou em decisões na fase pré-processual é o competente para julgar.
Assim, esse Juiz que já precisou julgar, por exemplo, um pedido de prisão preventiva ou temporária, será aquele que julgará o processo. O que vai à contramão do entendimento do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, onde o Juiz prevento é Juiz contaminado e não pode julgar, pois teria neste caso, sua imparcialidade comprometida.
Afinal, ser humano que é, este Juiz talvez não consiga se “descontaminar” de sua atuação na fase pré-processual, para ressurgir distante e imparcial para ao final do processo sentenciar com justiça, quanto antes, será o processo mero jogo de cena, onde o ato final será a condenação do réu, que se viu pré-julgado, mesmo antes de poder defender-se num processo.
No caso em apreço, Moro já precisou decidir várias vezes, e demonstrou preocupação com a fuga dos investigados, devido ao seu alto poder econômico, e desta forma, decretava prisões. Como no Brasil o sistema processual adotado é o acusatório, e, ao contrário do que sugere o nome, “acusatório” é uma garantia, quer dizer que serão pessoas distintas, a que acusa da que julga, sendo esta última (a que julga) imparcial, não é conveniente que o julgador participe de decisões, e condução das investigações se envolvendo na produção de provas, por exemplo.
Assim sendo, o mais prudente seria mesmo que, o Juiz que participasse da fase pré-processual fosse considerado contaminado, e não julgasse o caso, pois é humanamente inexigível que alguém que participou de coletas de provas, decidiu acerca da prisão e liberdade dos acusados, venha a ser imparcial em sua sentença, fica evidente que o resultado não poderá ser outro se não a condenação, pois de outra forma, se não convencido da robustez do lastro probatório, não teria sequer iniciado a ação penal, movimentando a “máquina” estatal sem justa causa.
Ainda acerca do “protagonismo” de Moro, conclui-se que o fato se deve a população costumar “endeusar” aqueles que realizam bem seu trabalho, principalmente no combate a corrupção ou punição dos corruptos, como ocorreu com o ex-ministro Joaquim Barbosa, amado pelo povo, mas, nem tanto assim por alguns colegas e políticos, que preferiu se afastar do Supremo pedindo sua aposentadoria.
V. I - Investigação e Meios de Obtenção da Prova
A Lei nº 12.850 de 2013 contempla em seu artigo 3º, inciso I, a Colaboração Premiada como meio de obtenção de prova, que pode se dá em qualquer fase da persecução penal, sem prejuízo de outros meios previstos em Lei.
A Colaboração Premiada é um benefício concedido ao integrante da Organização Criminosa, que de livre vontade decide confessar os crimes cometidos, bem como diminuir ou reparar seus efeitos, colaborando com as investigações, assim permitindo o fim das atividades da Organização.
O colaborador poderá obter até mesmo o perdão judicial, mas cada caso deverá ser analisado, e os benefícios serão concedidos levando-se em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do crime cometido, bem como a eficácia da colaboração prestada.
No que se refere aos benefícios concedidos ao colaborador e os resultados que se devem alcançar para obtê-los, artigo 4º da Lei nº 12.850 de 2013:
Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
I - a identificação dos demais cultores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;
IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
Como se vê, os incisos do artigo 4º são alternativos, e não cumulativos, assim, a discussão ética acerca da colaboração, que para muitos seria a premiação de um traidor, não tem respaldo, pois não é condição sine qua non que o colaborador indique os outros membros da Organização, a simples devolução do produto ou proveito do crime já dá ensejo aos benefícios da Colaboração Premiada.
Ou ainda, pensemos num caso de extorsão mediante sequestro, onde mesmo não tendo o colaborador indicado o nome de outros membros da Organização, a vítima tenha sido encontrada ilesa e entregue a família mesmo sem pagar o valor do resgate. Assim, mesmo sem ter “traído” seus comparsas, o colaborador terá contribuído com algo muito mais valioso, que é a preservação da vida da vítima.
Segundo o parágrafo 2º, do artigo 4º da Lei, dependendo da relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, mesmo que tal benefício não constasse no acordo inicial de Colaboração Premiada, assim, o acordo não permanece “engessado” em seus termos iniciais, afinal, com o desenrolar das investigações, novos fatos podem surgir, e as informações do colaborador, podem se mostrar mais relevantes do que aparentavam ser num primeiro momento.
No que concerne ao oferecimento de denúncia em face ao colaborador, o prazo poderá ser suspenso por até seis meses, prorrogáveis por igual período, suspendendo-se o prazo prescricional, a fim de que, se dê tempo hábil para averiguação das informações prestadas, e consequente desmantelamento da Organização Criminosa e suas atividades delitivas.
O Ministério Público poderá até mesmo deixar de oferecer denúncia contra o colaborador, desde que, este não seja o líder da Organização Criminosa ou for o primeiro a prestar efetiva colaboração para as investigações.
Caberão ainda benefícios, para àqueles que prestarem colaboração após a sentença, podendo nestes casos, ocorrer à redução da pena pela metade, ou ainda, progressão de regime sem que se pesem os requisitos objetivos.
V. II – Realização dos Acordos de Colaboração Premiada.
Segundo inteligência do parágrafo 6º, do artigo 4º da Lei nº 12.850/13, o Juiz não participará das negociações para realização do acordo de Colaboração Premiada, tarefa que será exercida pelo Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor. Tal tarefa poderá ainda ser exercida pelo delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a devida manifestação do Ministério Público.
Este ponto se torna controverso, afinal o “dono” da Ação Penal Pública é o Ministério Público, e aqui a Lei 12.850/13 relativiza dando ao Delegado de Polícia a capacidade postulatória para realizar acordos de colaboração.
Sobre relativização, vejamos: a Constituição Federal atribui a titularidade da Ação Penal ao Ministério Público e excepcionalmente ao ofendido, assim, em virtude dos Princípios da Obrigatoriedade e o da Indisponibilidade da Ação Penal, uma vez iniciada a Ação, o Ministério Público não pode desistir dela, tendo o dever de investigar e buscar a punição para o autor de uma infração penal.
Porém, pode haver uma relativização desses Princípios, como ocorre na suspensão condicional do processo, do artigo 89 da Lei 9.099 de 1995, ou o trancamento da Ação Penal por meio de um habeas corpus.
Os acordos de Colaboração Premiada deverão respeitar a forma prescrita no artigo 6º da Lei 12.850/13, in verbis:
Art. 6o O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter:
I - o relato da colaboração e seus possíveis resultados;
II - as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia;
III - a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor;
IV - as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor;
V - a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.
Uma vez realizado o acordo, este carece de homologação judicial, e para tanto, o referido acordo juntamente com cópias das investigações, deverão ser remetidas ao Juiz competente que verificará a regularidade, legalidade e voluntariedade do acordo, mesmo que, para isso, o Juiz ouça sigilosamente o colaborador, porém, acompanhado de seu defensor. A esse respeito, Pacelli:
[...] se de acordo os legitimados, MP, o colaborador e seu defensor, será assinado um termo de colaboração, devidamente acompanhado das declarações do colaborador e cópia dos procedimentos de investigação já registrados, para posterior encaminhamento à distribuição em juízo, a quem caberá o exame da regularidade e da legalidade do ajuste (art. 4, parágrafo 7). Querendo, o juiz poderá ouvir o colaborador, na presença de seu defensor. (PACELLI – 2014)
Caso o Juiz entenda que a proposta de acordo não está adequada, seja por não atender aos requisitos legais, ou ainda, não guardar proporcionalidade entre os benefícios que se almejam e o caso concreto, o Juiz poderá recusar homologar o acordo, e nesta situação, propor um ajuste, como a aplicação de pena restritiva de direito ao invés de perdão judicial, ou redução de um terço da pena no lugar de dois terços, e, se ainda assim as partes não chegarem a um consenso, o acordo não será homologado.
Nos casos onde houver a homologação do acordo, o investigado ou acusado fica à disposição do Ministério Público ou do delegado de polícia responsável pelas investigações, para ser ouvido sempre que preciso, desde que, acompanhado de seu defensor, nessa oportunidade renunciará ao direito ao silêncio e terá o compromisso legal de dizer a verdade.
Este é outro ponto controverso da Lei nº 12.850/2013, uma vez que, o silêncio é um direito Constitucional, consagrado no artigo 5° que trata dos direitos e garantias fundamentais, senão, vejamos:
Art. 5º - LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; (Grifo nosso)
Porém, Pacelli entende que esse direito Constitucional não causa nenhum óbice ou embaraço, pois para ele: “as declarações do colaborador, para serem eficientes e fundamentarem o acordo deverão ser tomadas como se de testemunhas se tratasse, não se aplicando as regras atinentes ao direito ao silêncio” (PACELLI – 2014). Ainda segundo o mesmo autor não há “dever ao silêncio” e o delator ao tomar a livre decisão de colaborar, abrindo mão desde “direito” estaria tão somente aceitando as consequências da sua confissão.
A obrigação de comparecer para ser ouvido pesa até mesmo sobre os colaboradores que fizeram acordos onde se prevê o perdão judicial, ou ainda, nem sequer serem denunciados, devendo sempre que possível, ser realizado registros de seus depoimentos por meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, com o fito de se obter maior fidelidade as informações prestadas, ressalvando-se que, em todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, o colaborador deverá estar assistido por seu defensor.
As partes poderão se retratar da proposta de acordo, porém, tal discricionariedade não garante que esta retratação seja feita por ato unilateral do Estado de forma arbitrária, pois se a colaboração restar infrutífera, não há que se falar em retratação, mas sim em ineficácia, sendo esta uma condição essencial para validade do acordo de colaboração. Portanto, não é razoável aceitar que sejam retirados direitos dos colaboradores sem que estes tenham dado causa, retratando-se de um acordo que cumpriu sua finalidade.
Quando a retratação se der por parte do investigado ou acusado, as provas autoincriminatórias produzidas com a ajuda deste, não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor.
No que diz respeito à sentença, essa deverá apreciar os termos do acordo homologado, desde que eficaz a colaboração prestada, porém, nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamentação exclusiva nas declarações do delator, que deverão servir para colaborar nas investigações, e estas sim, formarem um lastro probatório inconteste que pesará sobre o condenado.
V. III – Direitos dos Colaboradores
Os direitos dos colaboradores estão elencados no artigo 5º da Lei ora em análise, e são eles:
Art. 5o São direitos do colaborador:
I - usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica;
II - ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados;
III - ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes;
IV - participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;
V - não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito;
VI - cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.
Como se vê, o colaborador tem direito a ter seu nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservadas e não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito.
Nada disso guarda qualquer semelhança com o que tem sido visto na Operação Lava Jato, onde diariamente as mídias “bombardeiam” seus espectadores com informações pessoais dos colaboradores, bem como, daqueles que estão sendo apontados como beneficiados do esquema de corrupção e pagamento de propina.
Ser considerado inocente até que se prove o contrário é uma garantia Constitucional, porém, quando um investigado ou acusado é exposto na mídia, essa presunção de inocência resta prejudicada, uma vez que, grande parte da população é leiga, e não compreende a diferença entre investigado, acusado e condenado, pondo todos no mesmo patamar.
Assim, mesmo que um investigado ou acusado seja inocentado ao final do processo, sua imagem pública já terá sofrido danos irreparáveis, e, muito provavelmente a sensação que se gerará será a de impunidade, e não a da real inocência do agente.
Bem verdade que a população brasileira anda “sedenta” de justiça, e assim como ocorreu no “mensalão”, todos estão acompanhando atentamente o “petrolão”, o que incentiva as mídias a repercutirem, afinal matéria é dinheiro, pois gera audiência.
Esta publicidade pode atrapalhar o curso das investigações, que deveria ser sigilosa visando maior eficiência, pois provas importantes podem ser perdidas, caso de antemão alguém saiba que será investigado, por estar sendo apontado por algum colaborador, pode destruir provas e indícios do cometimento do crime.
O Juiz Sérgio Fernando Moro tornou público detalhes das investigações da Operação da Lava a Jato, e na ocasião sofreu críticas, ensejo em que alegou não estar vazando informações e sim dando publicidade as mesmas.
Em obediência ao artigo 7º da Lei nº 12.850/2013, o pedido de homologação do acordo deveria ser sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não poderiam identificar o colaborador. Mais uma vez não é o que se tem visto na Lava Jato, pois os nomes dos colaboradores da operação estão sendo largamente vinculados pelas mídias.
O acordo de Colaboração Premiada deixa de ser sigiloso assim que é recebida a denúncia, porém, deve-se ainda respeitar os direitos dos colaboradores elencados no artigo 5º da Lei nº 12.850/2013.
VI – Outras Leis que preveem a Colaboração Premiada
A Colaboração Premiada não é exclusividade da Lei 12.850/13 para o crime de Organização Criminosa, pois já havia esta previsão em outras leis. Senão vejamos:
No crime de Extorsão Mediante Sequestro, artigo 159 do Código Penal Brasileiro, prevê que quando tal crime for cometido em concurso de pessoas, aquele que colaborar e por resultado houver a libertação da vítima, será o agente beneficiado com uma redução de pena de um a dois terços.
Art. 159 - Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate:
§ 4º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços. (Grifo nosso)
Semelhante benefício é previsto na Lei nº 7.492/86 que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, pois também prevê redução de pena de um a dois terços para os agentes que, tendo agido em associação criminosa ou como coautor ou partícipe, de espontânea vontade confesse, revelando assim toda a trama delituosa.
Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes.
§ 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços. (Grifo nosso)
Fato diferente não se dá com os agentes enquadrados na Lei nº 8.137/90 que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, onde, mais uma vez, caso o agente pertencente à associação criminosa, colabore de espontânea vontade, revelando toda a trama delituosa, poderá ver sua pena abrandada em até dois terços.
Art. 16. Qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do Ministério Público nos crimes descritos nesta lei, fornecendo-lhe por escrito informações sobre o fato e a autoria, bem como indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.
Parágrafo único. Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços. (Grifo nosso)
Ainda mais benéfica é a Lei nº 9.613/98 com redação dada pela Lei n° 12.683/12, que dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores, pois nela, além da retro mencionada redução de pena de um a dois terços, poderá ainda o agente cumprir pena em regimes menos severos, tais como aberto ou semiaberto, sendo facultado ao Juiz até mesmo deixar de aplicar à pena.
Outra faculdade dada ao Juiz é a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos. Tudo isso, ponderando-se a colaboração do agente que, sendo autor, coautor ou partícipe, colabore com as autoridades a fim de apurar-se a infração penal, identificar outros coautores ou partícipes ou a localização dos bens ocultados.
Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
§ 5o A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, cultor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. (Grifo nosso)
O perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade têm previsão na Lei nº 9.807/99, a qual estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas.
O agente sendo primário e havendo colaborado efetiva e voluntariamente com as investigações, poderá obter tal benefício caso através dessa colaboração a vítima seja encontrada com a integridade física preservada; outros coautores ou partícipes sejam identificados e o proveito do crime seja recuperado de forma parcial ou em sua integralidade.
Mesmo nos casos onde não houver o perdão judicial, poderá haver o benefício da redução de pena de um a dois terços.
Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado. (Grifo nosso)
I - a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa;
II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;
III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.
Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços. (Grifo nosso)
Por fim, a Lei nº 11.343/06 que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, também contempla o benefício da redução de pena de um a dois terços, para os agentes que colaborarem com a persecução penal e consequente identificação de outros agentes envolvidos, sejam coautores ou partícipes, bem como, a recuperação integral ou parcial do proveito do crime.
Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços. (Grifo nosso)
Nenhuma dessas Leis foi revogada pela Lei 12.850/13, porém, certamente há divergências acerca dos benefícios concedidos ao colaborador, e, portanto, como a Lei 12.850/13 foi a única a instituir um modelo de procedimento para a Colaboração Premiada, deve ser esta, a ser aplicada nos casos onde for mais benéfica.
VII – Reflexos Sociais e Jurídicos da Operação Lava Jato
Revelar o maior esquema de corrupção da história do Brasil rende a Operação Lava Jato reflexos sociais e jurídicos, exemplo disso é a recente decisão do Juiz da 2ª Vara Criminal de Franca - SP, Drº Wagner Carvalho Lima, que em 12 de maio de 2015, ao decidir sobre a concessão de Liberdade Provisória a 20 acusados de integrar uma quadrilha especializada na falsificação e comercialização de defensivos agrícolas (agrotóxicos), se valeu da decisão do Supremo Tribunal Federal que concedeu prisão domiciliar aos investigados da Operação Lava Jato.
Para Lima em um país onde os integrantes de uma Organização Criminosa que roubou bilhões de reais de uma empresa de patrimônio nacional estão em casa por decisão do STF, ele não teria como justificar a manutenção da prisão do réu neste processo, que proporcionalmente causou um mal menor à sociedade, embora também muito grave, segundo sua avaliação.
Como se vê, não é apenas o cidadão comum que se sente aviltado com os privilégios concedidos a essa Organização Criminosa, nosso Judiciário também não é indiferente a desproporcionalidade de tratamento dado a grandes empresários e políticos versus investigados de menor poder aquisitivo, sendo que, para esses últimos sempre faltam as tornozeleiras eletrônicas, que seriam uma ótima alternativa contra o encarceramento, sendo esses investigados acompanhados por uma central de monitoramento. Seria a tecnologia a serviço da Justiça, minorando gastos com o cárcere, e evitando-se injustiças, privando a liberdade de alguém que pode ao final do processo provar ser inocente.
Com isso, inobstante a indignação da população com o tratamento dado aos investigados da Lava Jato, o que de fato está errado é que este tratamento não se estenda a todos os investigados no Brasil, exceto é claro nos casos onde a prisão preventiva for à medida mais adequada, pois os métodos alternativos ao cárcere são um avanço, mas não está aí para beneficiar somente uma minoria privilegiada.
VIII – Considerações finais
Com tudo isso, vê-se que a Colaboração Premiada é uma eficiente ferramenta para se desbaratar uma Organização Criminosa, pois o colaborador com o fito de obter benefícios como redução de pena; substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos; progressão de regime de forma mais célere e benéfica; perdão judicial ou até mesmo não ser denunciado, colabora com as investigações ajudando a cessar as atividades delituosas da Organização.
Inobstante as críticas sofridas pelo instituto, viu-se que a Colaboração Premiada em nada contraria a ética, não tendo respaldo o argumento que o Estado estaria se utilizando de meios imorais como a traição e a deslealdade para conduzir as investigações, pois como demonstrado, não é condição sine qua non que o colaborador indique os nomes de outros membros da Organização, havendo outras condições no artigo 4º da Lei nº 12.850/13 que se cumpridas podem gerar um acordo de Colaboração Premiada, e, ainda assim, mesmo que o colaborador indique nomes de comparsas, não é exigível esperar lealdade entre criminosos, e a única ética que devemos esperar de uma pessoa é aquela que a mantenha dentro da lei, e não fora dela.
Para maior eficiência da Colaboração Premiada, esta deve ser mantida em sigilo, porém, este instituto ficou conhecido em todo o Brasil através da Operação Lava Jato, sobre a qual, diariamente é largamente divulgada informações pelas mídias.
O artigo 5º da Lei nº 12.850/13 garante aos colaboradores uma série de direitos, dentre os quais terem seu nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservadas e não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito, o que claramente não vem ocorrendo no caso dos colaboradores da Operação Lava Jato, cuja identificação e teor de suas colaborações são amplamente vinculados.
Desta forma, se respeitado os termos da Lei nº 12.850/13, o instituto da Colaboração Premiada ajudará no combate deste terrível mal que são as Organizações Criminosas.
REFERÊNCIAS
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Advogada. Bacharela em Direito pelo Centro Universitário São Camilo. Pós-Graduada em Práticas Processuais: Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho, pelo Centro Universitário São Camilo e Pós-Graduanda em Direito de Família e Sucessões, pelo Damásio Educacional S/A.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CANCELLA, Márcia Lúcia Ferreira. Lei 12.850 de 02 de agosto de 2013 - a colaboração premiada como meio de obtenção de prova para se desbaratar uma organização criminosa. Reflexões acerca da Operação Lava Jato Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jan 2016, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45873/lei-12-850-de-02-de-agosto-de-2013-a-colaboracao-premiada-como-meio-de-obtencao-de-prova-para-se-desbaratar-uma-organizacao-criminosa-reflexoes-acerca-da-operacao-lava-jato. Acesso em: 22 nov 2024.
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