RESUMO: Em que pese o comando constitucional de proibição de acumulação remunerada de cargos públicos, com previsão expressa no art. 37, inciso XVI, da Constituição Federal, o próprio dispositivo constitucional alberga 03 (três) hipóteses que excepcionam a referida regra. Contudo, como primeiro e principal requisito para que as exceções possam se materializar, o constituinte fez exigência expressa de que haja compatibilidade de horários entre os cargos públicos a serem acumulados. A respeito da expressão “compatibilidade de horários” sempre existiram divergências no tocante ao seu real e efetivo alcance. Entretanto, as referidas divergências tendem a perder força a partir do posicionamento explicitamente adotado pelo STJ quando do julgamento do MS 19.336-DF.
PALAVRAS-CHAVES: Acumulação remunerada de cargos públicos, compatibilidade de horários, princípio da eficiência, higidez física e mental.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. ACUMULAÇÃO DE CARGOS: UMA ANÁLISE CRÍTICA DO REQUISITO DA COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. 3. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
A realidade brasileira nos mostra hoje que, apesar da proibição constitucional, existem inúmeros casos de acumulação ilícita de cargos, empregos e funções públicas, seja em razão de não se enquadrarem nas hipóteses taxativamente autorizadas pela Carta Maior, seja por não ter sido preenchido o requisito da compatibilidade de horários.
Norma de pouca exatidão e de difícil aplicação prática, conforme será demonstrado nesse trabalho, o impedimento de acumular se revelou um dispositivo pouco respeitado, de modo que a acumulação ilícita se mostra hoje uma prática arraigada à Administração Pública Brasileira.
Dentre os aspectos mais polêmicos e de pouca abordagem doutrinária referente a essa temática, encontra-se a discussão acerca do requisito de compatibilidade de horários. Sem delimitação e conceituação expressa na Lei Maior, aqui reside a importância do presente trabalho, qual seja, elucidar o tema no tocante a seu alcance e aplicabilidade.
Faz-se necessário compreender os princípios constitucionais da eficiência e da moralidade para entender o conceito, a delimitação e o fundamento da compatibilidade de horários como requisito imprescindível para a acumulação lícita de cargos públicos.
Assim, será analisada problemática sob a qual gira em torno a compatibilidade de horários, relacionando seus obstáculos de ordem prática e buscando uma conclusão acerca do tema à luz do entendimento assumido pelos nossos tribunais.
2. ACUMULAÇÃO DE CARGOS: UMA ANÁLISE CRÍTICA DO REQUISITO DA COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS
A Constituição Federal de 1988 manteve a tradição do constituinte brasileiro e adotou, no âmbito da Administração Pública, a regra geral de proibir a situação de um servidor público que ocupa mais de um cargo, emprego ou função.
Na atual vigência constitucional, no entanto, adotou-se, de forma positivada, no art. 37, inciso XVI, a corrente da vedação mitigada à acumulação de cargos, uma vez que, apesar de não mais se exigir a correlação de matérias como condicionante para sua admissibilidade (LIMA, 1992, p. 64)1, estabelece-se o requisito da compatibilidade de horários para sua verificação de sua legalidade.
As origens dessa vedação remetem aos tempos do Império, conforme bem colocou MEIRELLES (2008, p. 416)2, ao colacionar entendimento de José Bonifácio, quando pontua que
“se proíbe seja reunido em uma só pessoa mais de um ofício ou emprego, e vença mais de um ordenado, resultando manifesto dano e prejuízo à Administração Pública e às partes interessadas, por não poder de modo originário um tal empregado público cumprir as funções e as incumbências de que duplicadamente encarregado”.
Em regra, aquele que exerce um ofício deve dedicar-se com profissionalismo a seu trabalho. Assim, mormente porque se trata de Administração Pública, não pode ser diferente com o servidor público, que deve desempenhar suas atribuições com zelo e eficiência, dedicando-se ao cargo ou emprego que ocupa. Daí que cargos acumulados são, em regra, mal desempenhados.
A necessidade de preservar a moralidade administrativa no serviço público impôs a regra proibitiva de acumular cargos, empregos ou funções, na medida em que condutas de apadrinhamento e troca de favores deveriam ser hostilizadas pelo nosso ordenamento jurídico.
O princípio da moralidade, nesse aspecto, merece ser alçado como norte para verificação da legalidade da acumulação de cargos públicos, uma vez que tal mandamento tem a função de limitar a atividade da administração e, por conseguinte, daqueles que atuam em seu nome, os servidores públicos.
Dessa forma, a titularização de mais de um cargo público em um só servidor não se coaduna com aquilo que preceitua o princípio constitucional da moralidade administrativa, pois, revela postura abusiva por parte do administrador, que concentra poderes e remunerações nas mãos de uma só pessoa.
Ademais, importa destacar que o regime de acumulação de cargos pauta-se ainda no princípio da eficiência, previsto constitucionalmente, pois visa a impedir que um servidor público, em razão do acúmulo de funções e atribuições, tenha um desempenho aquém daquele exigível em condições normais.
Bem esclareceu a preocupação do legislador Paulo Roberto de Oliveira Lima (LIMA, 1992, p. 81)3 quando apontou que
a proibição de acumular cargos (ou empregos) públicos tem sua justificação na comprovação de que uma mesma pessoa não reúne condições para exercer duas atribuições naturalmente cogitadas, cada uma delas, em tese, para tomar todo o tempo e toda a atenção disponível de um indivíduo.
Importante consignar que não se quer aqui dizer que a vedação imposta aos servidores visa a economizar aquilo que é despendido pelo erário público a um só servidor, pois, em verdade, não faz diferença se os vencimentos são pagos a duas ou a uma só pessoa. O que motiva realmente a indesejada acumulação é o prejuízo aos administrados que a divisão de atenção do servidor entre duas funções pode ensejar.
Não se pode olvidar, por conseguinte, que a regra proibitiva de acumular deve estar sempre orientada para a consecução do interesse público, que deve prevalecer sobre o privado, posto que é o Estado o gerenciador de bens e interesses da coletividade.
Uma vez explicitado o regime geral da inacumulabilidade de cargos públicos, importa aqui esclarecer quais hipóteses de acumulação foram excepcionadas pela Carta Constitucional, a teor do art. 37, XVI:
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;
Ao permitir excepcionalmente a acumulação de cargos e empregos públicos, a Constituição Federal estabeleceu um requisito para aferição da sua viabilidade - a compatibilidade de horários de trabalho:
Art. 37 (...)
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.
Trata-se de uma condição imposta àquele que acumula dois ofícios na Administração Pública, cujo objetivo é assegurar que nenhum deles seja executado sem a devida dedicação e o necessário zelo.
Antes de adentrar na discussão sobre do conceito e alcance deste requisito, faz-se necessário pontuar algumas considerações acerca do princípio da eficiência, posto que este foi privilegiado pelo legislador constituinte ao prever que a compatibilidade de horários deve ser respeitada para que a acumulação seja considerada lícita.
No que se refere ao tema proposto neste trabalho, o princípio da eficiência possui uma abordagem que valoriza o modo de agir do agente público, estabelecendo como dever o melhor desempenho possível no exercício de suas atribuições.
É o mais moderno princípio da Administração Pública, inspirado na doutrina italiana e inserido na Carta Constitucional através da EC nº 19/98. Exige presteza, perfeição e rendimento funcional, não bastando o simples cumprimento do princípio da legalidade.
Para haver atendimento a esse princípio constitucional, a acumulação de cargos não pode ser incondicional, posto que se não houver compatibilidade entre os horários de trabalho, a eficiência administrativa restará prejudicada e, por conseguinte, o interesse público não será observado.
Assim, pode-se concluir que o princípio da eficiência está umbilicalmente atrelado ao estudo da acumulação de cargos e empregos públicos, uma vez que, mesmo havendo enquadramento nas hipóteses excepcionalmente autorizadas, o acúmulo somente será lícito se ambos os ofícios forem efetivamente exercidos com a mesma presteza e com o mesmo rendimento que o seriam, se realizados isoladamente.
Fixada a aplicação e o alcance do princípio da eficiência no que tange ao tema proposto, cumpre aqui estabelecer o conceito e a abrangência do requisito da compatibilidade de horários.
Inicialmente pode-se pontuar que haverá compatibilidade de horários quando não houver superposição de jornadas de trabalho, como por exemplo, nos períodos de 8 horas às 12 horas e 16 horas às 22 horas. Haverá incompatibilidade, entretanto, quando não houver intervalo suficiente para deslocamento do servidor entre o final de uma jornada e o início de outra, como, por exemplo, nos períodos de 8 horas às 12 horas e 12 horas às 18 horas (MADEIRA, 2006, p. 164)4.
Ademais, a compatibilidade de horários resta configurada quando não houver prejuízo do número regulamentar das horas de trabalho de cada um dos cargos, bem como do efetivo exercício das atribuições dos cargos.
Isso quer dizer que não é suficiente que, em tese, todas as horas de trabalho sejam cumpridas, mas o que é realmente relevante é o efetivo exercício das funções inerentes aos cargos, sem prejuízo para a Administração Pública.
Na verificação da possibilidade material de exercer dois cargos ou empregos, deve-se considerar, além das jornadas de trabalho, o intervalo necessário para refeição, locomoção e descanso.
Assim, deve-se sempre considerar dois aspectos no que tange à compatibilidade de horários: não podem as jornadas de trabalho se sobrepor, tendo em vista que uma pessoa não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo; bem como, não pode a jornada ser excessivamente estafante, de forma que haja queda no rendimento do servidor público.
Nesse sentido são as lições de RODRIGUES (2006, p. 27-28, apud CRETELLA JÚNIOR, 1992, p. 2215)5:
“Compatibilidade de horários é, ao contrário do que parece, o desencontro de horários, a inajustabilidade de horários, a descoincidência ou não encontro de horários, ocorrida quando houver possibilidade de exercício de dois cargos, em horários diversos, sem prejuízo do número regulamentar das horas de trabalho dedicadas a cada emprego”
Acrescenta o autor ainda que, no caso do servidor exercer cargos em dois locais ou duas cidades distintas, deverá ser levado em consideração o tempo necessário para locomoção de um ponto ao outro, a distância a ser percorrida, a qualidade da estrada e os meios de transporte disponíveis para o servidor.
A Constituição Federal estabeleceu como condição para o acúmulo de cargos a compatibilidade de horários, no entanto, deixou ao intérprete e aplicador da lei a incumbência de determinar seu conceito e alcance.
O Parecer nº GQ – 145, exarado pela Advocacia Geral da União (AGU) e aprovado pelo Presidente da República em 30 de março de 1998, trata da matéria e possui caráter vinculante para toda a Administração Direta e Indireta, nos termos do art. 40, LC nº 73/93:
Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República.
§ 1º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.
O referido parecer aborda o requisito da compatibilidade de horários e estabeleceu como razoável uma jornada máxima de 60 horas semanais, de forma que seja preservada a saúde física e mental do servidor e seja reservado tempo suficiente para locomoção, higiene, alimentação e repouso, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, positivado na Carta Constitucional como norte de toda a interpretação constitucional.
Assim anotou o Advogado Geral da União:
por mais apto e dotado, física e mentalmente, que seja o servidor, não se concebe razoável entenderem-se compatíveis os horários cumpridos cumulativamente de forma a remanescer, diariamente, apenas oito horas para atenderem-se à locomoção, higiene física e mental, alimentação e repouso.
Aduz ainda o Parecer GQ – 145 da Advocacia Geral da União:
De maneira consentânea com o interesse público e do próprio servidor, a compatibilidade horária deve ser considerada como condição limitativa do direito subjetivo constitucional de acumular e irrestrita sua noção exclusivamente à possibilidade do desempenho de dois cargos ou empregos com observância dos respectivos horários, no tocante unicamente ao início e término dos expedientes do pessoal em regime de acumulação, de modo a não se abstraírem dos intervalos de repouso, fundamentais ao regular exercício das atribuições e do desenvolvimento e à preservação da higidez física e mental do servidor.
Ademais, o dispositivo da CLT que estabelece ser necessário um repouso interjornadas de 11 horas é aplicado aqui analogicamente, pois permite condições normais de trabalho e vida do servidor, assegurando sua integridade física e mental:
Art. 66 - Entre 2 (duas) jornadas de trabalho haverá um período mínimo de 11 (onze) horas consecutivas para descanso.
Esse entendimento é compartilhado também pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que vem decidindo reiteradamente que o cômputo da carga horária de ambos os cargos deve alcançar o máximo de 60 horas semanais:
Corroborando-o, ressalto que, embora a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT não seja diretamente aplicável a servidores públicos stricto sensu, ao menos demonstra a necessidade de se fixar máximo e mínimo, respectivamente, para os tempos diários de labor e de descanso – arts. 59 e 66 da CLT -, que, desrespeitados, geram, em última instância, comprometimento da eficiência do trabalho prestado.
Por analogia àquela Norma Trabalhista, destaco a coerência do limite de sessenta horas semanais que vem sendo imposto pela jurisprudência desta Corte, uma vez que, para cada dia útil, ele comporta onze horas consecutivas de descanso interjornada – art. 66 da CLT -, dois turnos de seis horas – um para cada cargo, obedecendo ao mínimo imposto pelo ar. 19 da Lei n. 8.112/1990, com a redação dada pela Lei n. 8.270, de 17/12/1991 – e um intervalo de uma hora entre esses dois turnos destinada à alimentação e deslocamento, fato que certamente não decorre de coincidência, mas da preocupação em se otimizarem os serviços públicos, que dependem de adequado descanso tanto dos funcionários celetistas quanto os estatuários. (Acórdão n° 2.133/2005, Rel. Marcos Bemquerer, DOU 21.09.2005)
Além de ser uma afronta ao princípio da eficiência, o exercício de mais de 60 horas semanais de trabalho viola o princípio da razoabilidade, posto que um homem médio não poderia exercer com a atenção e eficiência exigidas no desempenho de suas atribuições.
Cabe ressaltar também que, ainda que o servidor esteja licenciado sem remuneração de um dos cargos, a jornada máxima de 60 horas semanais deve ser respeitada, tendo em vista entendimento exarado pelo Tribunal de Contas da União, através da Súmula 246, anteriormente citada, conforme se depreende a partir da seguinte decisão:
ADMISSÃO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PERMITIDA PELO ART. 37, XVI, DA CF. CARGA HORÁRIA TOTAL DE 80 HORAS SEMANAIS. LIÇENÇA SEM VENCIMENTOS. INVIABILIDADE DE ACUMULAÇÃO DE CARGOS. ILEGALIDADE.
1. O fato de o servidor licenciar-se, sem vencimentos, do cargo público ou emprego que exerça em órgão ou entidade da administração direta ou indireta não o habilita a tomar posse em outro cargo ou emprego público, em que é permitido o exercício cumulativo de que trata o artigo 37, inciso XVI, da Constituição Federal, quando se verifica uma carga horária total inviável faticamente, pois que o instituto da acumulação de cargos se dirige à titularidade de cargos, empregos e funções públicas, e não apenas à percepção de vantagens pecuniárias. (Acórdão 1582/2007 – 2ª Câmara – TCU)
Entretanto, cumpre destacar que, historicamente, a jurisprudência pátria divergia dos órgãos já citados, sustentando a tese de que não podem órgãos administrativos estabelecer uma restrição de jornada não prevista constitucionalmente, por ferir a hierarquia das normas em um ordenamento jurídico.
Neste mesmo trilhar, aduzem renomados juristas que a Administração Pública, ainda que sob a égide do princípio da eficiência do serviço público, não pode alargar exigência prevista constitucionalmente. Sustenta-se que o constituinte não fixou um limite de jornada deliberadamente, posto que a compatibilidade de horários deveria ser verificada em cada caso concreto.
Assim, por se tratar de uma garantia constitucional do servidor, a jurisprudência dos Tribunais Superiores entendia que a limitação da jornada cria, sem amparo constitucional ou legal, um requisito adicional para a acumulação de cargos:
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CUMULAÇÃO LEGAL DE CARGOS PÚBLICOS. AUXILIAR DE ENFERMAGEM E AUXILIAR OPERACIONAL DE SERVIÇOS DIVERSOS DE SAÚDE. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIO. GARANTIA CONSTITUCIONAL. PARECER DA ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO IMPONDO LIMITE DE CARGA HORÁRIA SEMANAL DE 30 HORAS. IMPOSSIBILIDADE.
(...)
2. Falta respaldo jurídico ao entendimento que considera ilícita a acumulação de cargos apenas por totalizarem uma jornada de trabalho superior a sessenta horas semanais. Ora, tanto a Constituição Federal, em seu art. 37, XVI, como a Lei 8.112/90, em seu art. 118, § 2°, condicionam a acumulação à compatibilidade de horários, não fazendo qualquer referência à carga horária. Nestes termos, desde que comprovada a compatibilidade de horários, como de fato ocorreu no caso em analise, não há que se falar em limitação da jornada de trabalho, sendo que entendimento contrário implicaria, sem respaldo legal, criar outro requisito para cumulação de cargos. O Parecer GQ-145 da AGU, de 30.08.98, não tem força normativa que possa preponderar sobre a garantia constitucional. Precedentes dos Tribunais Regionais Federais.
(...)
4. Apelação e remessa oficial desprovidas. TRF - PRIMEIRA REGIÃO. AMS – 200332000000039 AM. PRIMEIRA TURMA. 05/03/2008
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. PROFISSIONAL DA SAÚDE. LIMITAÇÃO DA CARGA HORÁRIA. INEXISTÊNCIA. EXEGESE DO ART. 37, XVI, DA CF/88 E ART. 118, § 2º, DA LEI 8.112/90. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Comprovada a compatibilidade de horários e estando os cargos dentro do rol taxativo previsto na Constituição Federal, não há falar em ilegalidade na acumulação, sob pena de se criar um novo requisito para a concessão da acumulação de cargos públicos.
2. (AgRg no Ag 1007619, 25.08.2008, Quinta Turma – STJ – Min. Arnaldo Esteves Lima)
Ocorre que em fevereiro de 2014, no julgamento do MS 19.336-DF (informativo de jurisprudência nº 549), o Superior Tribunal de Justiça sinalizou uma mudança nesse seu posicionamento histórico. Neste sentido, o STJ decidiu que é vedada a acumulação de cargos públicos quando a soma da carga horária referente aos dois cargos ultrapassar o limite máximo de 60 horas semanais.
Segundo o Tribunal da Cidadania, como a possibilidade de acumulação é exceção, esta acumulação de cargos deve ser interpretada de forma restritiva. Ademais, a acumulação remunerada de cargos públicos deve atender ao princípio constitucional da eficiência. O servidor precisa estar em boas condições físicas e mentais para bem exercer as suas atribuições, o que certamente depende de adequado descanso no intervalo entre o final de uma jornada de trabalho e o início da outra, o que é impossível em condições de sobrecarga de trabalho.
Observa-se, assim, que o STJ considerou que a jornada excessiva de trabalho atinge a higidez física e mental do profissional de saúde, comprometendo a eficiência no desempenho de suas funções, nos seguintes termos:
DIREITO ADMINISTRATIVO. INADMISSIBILIDADE DE JORNADA SEMANAL SUPERIOR A SESSENTA HORAS NA HIPÓTESE DE ACUMULAÇÃO DE CARGOS PRIVATIVOS DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE.
É vedada a acumulação de dois cargos públicos privativos de profissionais de saúde quando a soma da carga horária referente aos dois cargos ultrapassar o limite máximo de sessenta horas semanais. Segundo o que dispõe a alínea c do inciso XVI do art. 37 da CF, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI, a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas. Por se constituir como exceção à regra da não acumulação, a acumulação de cargos deve ser interpretada de forma restritiva. Ademais, a acumulação remunerada de cargos públicos deve atender ao princípio constitucional da eficiência, na medida em que o profissional da área de saúde precisa estar em boas condições físicas e mentais para bem exercer as suas atribuições, o que certamente depende de adequado descanso no intervalo entre o final de uma jornada de trabalho e o início da outra, o que é impossível em condições de sobrecarga de trabalho. Observa-se, assim, que a jornada excessiva de trabalho atinge a higidez física e mental do profissional de saúde, comprometendo a eficiência no desempenho de suas funções e, o que é mais grave, coloca em risco a vida dos usuários do sistema público de saúde. Também merece relevo o entendimento do TCU no sentido da coerência do limite de sessenta horas semanais - uma vez que cada dia útil comporta onze horas consecutivas de descanso interjornada, dois turnos de seis horas (um para cada cargo), e um intervalo de uma hora entre esses dois turnos (destinado à alimentação e deslocamento) -, fato que certamente não decorre de coincidência, mas da preocupação em se otimizarem os serviços públicos, que dependem de adequado descanso dos servidores públicos (TCU, Acórdão 2.133/2005, DOU 21/9/2005). MS 19.336-DF, Rel. originária Min. Eliana Calmon, Rel. para acórdão Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 26/2/2014.
No caso concreto, a servidora acumulava dos cargos públicos privativos de profissionais de saúde e a soma da carga horária semanal de ambos era superior a 60 horas. A servidora foi notificada para optar por um dos dois cargos, tendo se mantido inerte. Diante disso, foi demitida de um deles por acumulação ilícita de cargos públicos. A servidora impetrou o referido mandado de segurança, mas o STJ reconheceu que a demissão foi legal.
Contudo, é imperioso registrar que o julgado acima tratava especificamente de impetrante que era servidora da área de saúde. No entanto, aqui se defende que o entendimento vale também para as demais hipóteses de acumulação previstas nas alíneas “a” e “b” do inciso XVI do art. 37 da CF/88. Inclusive, é bastante provável que o STJ mantenha o referido entendimento para os demais casos, haja vista inexistir qualquer motivo razoável que justifique um tratamento diferenciado entre as hipóteses.
Assim, constata-se que a limitação da carga horária máxima, para fins de acumulação constitucionalmente permitida em 60 horas é fruto da aplicação do princípio da razoabilidade. FRANÇA (2008, p. 05)6 esclarece a aplicação deste princípio:
Determina o princípio da razoabilidade que a atividade administrativa deve ser desenvolvida com racionalidade, equilíbrio e sensatez, com o cuidado de ponderar os bens jurídicos envolvidos na superação de conflitos relevantes para o direito positivo.
Nesse diapasão, tem-se que o conceito de compatibilidade de horários não pode se reduzir a apenas a não superposição de horários de trabalho, mas deve se adstrir à possibilidade material de exercer com eficiência dois ofícios, de forma que a razoabilidade mostra que uma jornada superior a 60 horas semanais não proporciona condições saudáveis ao servidor, em detrimento da dignidade da pessoa humana e da boa prestação do serviço público.
Dessa forma, a limitação da jornada em 60 horas semanais revela-se um critério objetivo e razoável para aferição da possibilidade de acumulação de cargos ou empregos públicos, posto que evita subjetivismos, favores ou condescendências das chefias imediatas. O princípio da razoabilidade, portanto, atua aqui como ferramenta hermenêutica para elucidação de um conceito que não teve seu alcance delimitado pela Carta Constitucional.
Importante ressaltar que, no caso dos professores, não se deve contabilizar apenas as horas efetivamente trabalhadas em sala de aulas, para efeitos de acumulação de cargos, mas deve-se considerar o regime de horas de trabalho a que está submetido. LEANDRO (2005, p. 03)7 assim delineou sua compreensão acerca do tema:
Sob essa ótica, deduz-se irrelevante a conotação de que o regime laboral dos docentes compreende as aulas efetivas e as atividades de "orientação e atendimento a alunos, conferências, correções de trabalhos e provas, elaboração de aulas e trabalho de campo, atividades estas desenvolvidas com ampla flexibilidade de horário e liberdade para exercê-las fora do estabelecimento de ensino", como o afirma a Universidade, porquanto, ainda que essa elástica distribuição de atividades apresente respaldo legal, não possui o condão de desobrigar o professor de cumprir integralmente a carga horária e em decorrência da qual é retribuído.
Oportuno se faz ainda tecer considerações sobre a incidência do requisito da compatibilidade de horários quando se refere à acumulação de proventos com vencimentos.
É pacífico na doutrina e na jurisprudência que, estando o servidor aposentado, não há que se falar em compatibilizar horários de trabalho para que o serviço prestado não seja prejudicado, uma vez que o servidor aposentado encontra-se exonerado de qualquer atribuição.
Corroboram esse posicionamento as lições de FRANÇA (2008, p. 5)8:
Ao examinar a questão ora apresentada, parece-nos nítido que o pressuposto a compatibilidade de horários não teria cabimento na avaliação da acumulação e proventos com vencimentos, haja vista o servidor aposentado não apresenta qualquer empecilho de ordem material, quanto à dedicação ao cargo que ocupa.
Assim também se inclinou a Advocacia Geral da União, através do Parecer AC-054:
Assim, quando o servidor já se encontra aposentado em um dos cargos, o requisito da compatibilidade de horários perde a sua razão de ser, pois, por óbvio, não haverá jornada de trabalho a cumprir neste se não há mais o seu exercício pelo inativo.
Não destoam desse posicionamento os nossos Tribunais:
PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA. CUMULAÇÃO DE APOSENTADORIAS. REQUISITOS LEGAIS. DEFERIMENTO.
(...)
- Verossimilhança reconhecida pela própria magistrada singular, de acordo com orientação desta Corte no sentido de que a compatibilidade de horários de que trata o art. 37, XVI, da Constituição Federal não é exigível na acumulação entre aposentadorias.
(AI nº 2003.04.01.029036-0 de Tribunal Regional Federal da 4a Região, Terceira Turma, 08 de Junho de 2004)
Pode-se concluir, portanto, que é permitido acumular jornadas de 40 horas semanais em cada cargo ou emprego público, se o servidor encontra-se aposentado de um deles ou de ambos, posto que não haveria razão em se exigir a incidência do requisito de compatibilidade de horários pelas razões já expostas.
Faz-se necessário ainda discutir algumas questões acerca do instituto da dedicação exclusiva e suas conseqüências no estudo da acumulação de cargos e empregos públicos, especialmente no que se refere aos cargos de professores.
O Decreto-Lei 96.664 regulamenta a carreira do Magistério Superior e estabelece que:
Art. 14. O Professor da carreira do Magistério Superior será submetido a um dos seguintes regimes de trabalho:
I - dedicação exclusiva, com obrigação de prestar quarenta horas semanais de trabalho em dois turnos diários completos e impedimento do exercício de outra atividade remunerada, pública ou privada;
A dedicação exclusiva pressupõe, portanto, que, neste regime de trabalho, os docentes não poderão ter outras rendas ou outros vínculos empregatícios, salvo nas hipóteses autorizadas em lei. Nesse sentido tem decidido o Tribunal de Contas da União:
O regime de dedicação exclusiva é um pacto feito entre a Administração e o servidor, cabendo à primeira o pagamento da remuneração nessa condição e ao professor, a renúncia ao exercício de qualquer cargo ou emprego, de natureza pública ou privada. [Acórdão 2388/2006 – Plenário TCU]
Parece ser nítida a interpretação do referido dispositivo à luz da proibição constitucional de acumular cargos no sentido de que aquele que possui regime de trabalho de dedicação exclusiva não pode acumular outro cargo ou emprego, ainda que seja uma daquelas hipóteses previstas constitucionalmente, posto que a natureza de exclusividade do vínculo impede a acumulação.
A jurisprudência pátria possui julgados nesse sentido:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO QUE CONSIDEROU ILEGAL APOSENTADORIA E DETERMINOU A RESTITUIÇÃO DE VALORES. ACUMULAÇÃO ILEGAL DE CARGOS DE PROFESSOR. AUSÊNCIA DE COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. UTILIZAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PARA OBTENÇÃO DE VANTAGENS EM DUPLICIDADE (ARTS. 62 E 193 DA LEI N. 8.112/90). MÁ-FÉ NÃO CONFIGURADA. DESNECESSIDADE DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS. INOCORRÊNCIA DE DESRESPEITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL E AO DIREITO ADQUIRIDO.
1. A compatibilidade de horários é requisito indispensável para o reconhecimento da licitude da acumulação de cargos públicos. É ilegal a acumulação dos cargos quando ambos estão submetidos ao regime de 40 horas semanais e um deles exige dedicação exclusiva.
(MS 26085, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 07/04/2008, DJe-107 DIVULG 12-06-2008 PUBLIC 13-06-2008 EMENT VOL-02323-02 PP-00269 RTJ VOL-00204-03 PP-01165)
Dessa forma, entende-se que tal regime é uma opção do servidor, que, caso tenha interesse em exercer seu direito constitucional de acumular cargos, deverá submeter-se ao regime de 20 ou 40 horas semanais. Assim entende o Tribunal de Contas da União:
RECURSO DE RECONSIDERAÇÃO. RECEBIMENTO DE OBRA INACABADA. PROFESSOR COM REGIME DE DEDICAÇÃO EXCLUSIVA. OUTRA ATIVIDADE EVENTUAL. POSSIBILIDADE. PROVIMENTO. CONTAS REGULARES COM RESSALVA. QUITAÇÃO AO RESPONSÁVEL.
(...)
4. Os professores que desejarem, sempre sem prejuízo de sua jornada de trabalho normal na instituição federal de ensino superior a que servem, exercer outras atividades de caráter não esporádico deverão optar, quando juridicamente possível e do interesse da Administração, pelo regime parcial de 20 horas semanais ou pelo regime integral de 40 horas semanais sem exclusividade de dedicação, com a conseqüente perda do acréscimo remuneratório devido à dedicação exclusiva.
(Acórdão 1651/2005 – Segunda Câmara)
Ocorre que há entendimento contrário, que sustenta a tese de que o referido Decreto-Lei não haveria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e, por isso, o direito de acumular cargos públicos assegurado constitucionalmente não poderia ser preterido diante de uma norma infraconstitucional.
MOTTA (2007, p. 06)9 defende essa corrente:
Com a nova ordem constitucional, notadamente após a reforma administrativa, impõe-se a convicção de que o regime de trabalho de dedicação exclusiva, estabelecido pelo Decreto-Lei 96.664/87, não deve impedir que membros do corpo docente das universidades exerçam outra atividade remunerada após o término de sua jornada de oito horas diárias e quarenta semanais.
No mesmo sentido, LINS (2009, p. 1)10:
Dessa feita, o instituto da dedicação exclusiva, como proibição absoluta de acumulação de outros cargos, é fruto de interpretação equivocada e contrária à Constituição vigente, não podendo ser utilizado contra os professores que exercem as atividades previstas nas exceções do art. 37, XVI, da CF/88. Ademais, admitir como válido esse impedimento equivale a restringir injustificadamente a atividade de magistério àqueles que podem transmitir não apenas a teoria científica, mas a vivência prática da ciência.
Esse entendimento defendido pela doutrina minoritária e pouco acatado pela jurisprudência brasileira sustenta-se na tese de que a Carta Maior não estabeleceu restrições no que se refere ao regime de dedicação exclusiva, de tal modo que não pode a legislação infraconstitucional fazê-lo. Assim, restaria apenas o requisito da compatibilidade de horários a ser cumprido para que restasse lícita a acumulação de cargos, em que um dele fosse exercido sob o regime de dedicação exclusiva.
NOGUEIRA JÚNIOR (2006, p.1, apud MATTOS, 2006, p. 584-585)11 assim compreende a questão em tela:
nem a Constituição Federal, nem a Lei no. 8.112/90, ao tratarem da matéria em seus artigos 118 a 120, ressalvam a impossibilidade de acumulação de cargos em razão da carga horária semanal, apenas estabelecem que os horários devem ser compatíveis.
Aduz o autor ainda que:
a acumulação de cargos é a possibilidade de duas situações jurídicas do servidor (vínculo) perante o Poder Público, em horários que sejam compatíveis, entendendo-se por compatíveis, os horários conciliáveis, aqueles que não prejudiquem a regular prestação do necessário serviço público desempenhado pelo servidor, há que concluir-se que deve prevalecer a interpretação de que cumprida integralmente a freqüência de trabalho, há compatibilidade de horário.
Ressalta-se que escassas decisões acatam esse entendimento:
RESP - CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - PROFESSOR - CARGO - CUMULAÇÃO - A HIERARQUIA DAS NORMAS JURIDICAS AFASTA A VIGENCIA DE LEI QUANDO CONTRASTAR COM A CARTA POLITICA.
ESTA ADMITE A CUMULAÇÃO DE DOIS CARGOS DE PROFESSOR, QUANDO HOUVER COMPATIBILIDADE DE HORARIOS (CF/1988, ART. 37, XVI, "A"). O ATUAL REGIME DE TRABALHO (DEDICAÇÃO EXCLUSIVA), POR SI SO, NÃO E OBSTACULO.
EVIDENTE, DEVERA CONFERIR A NECESSARIA ATENÇÃO AS DUAS DISCIPLINAS, NO TOCANTE AO HORARIO.
(REsp 97.551/PE, Rel. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, SEXTA TURMA, julgado em 22/10/1996, DJ 25/08/1997, p. 39411)
Adota-se, neste trabalho, entretanto, entendimento defendido pela doutrina e jurisprudência majoritária de nosso País, no sentido de que aquele que exerce cargo sob regime de trabalho de dedicação exclusiva não pode acumular outro cargo ou emprego público, por ser da natureza desse regime a exclusividade e a conseqüente impossibilidade de exercer qualquer outro ofício, ainda que não remunerado, o que se inclui, obviamente, outro cargo ou emprego público.
Admitir que um professor com dedicação exclusiva acumule outro cargo invalida a única finalidade para a qual o referido instituto foi criado. Se assim não o fosse, qual a razão de se majorar sua remuneração sem uma contraprestação?
A Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento manifestou-se, inicialmente, através da Nota Técnica nº 884, de 14 de setembro de 2010, no sentido de permitir a acumulação de cargos públicos, mesmo que um deles esteja submetido ao Regime de Dedicação Exclusiva, desde que respeitado o requisito constitucional da compatibilidade de horários.
Entretanto, retratou-se de seu entendimento, por meio da Nota Técnica nº 899, de 29 de setembro de 2010, esclarecendo que
o propósito do regime de dedicação exclusiva é manter o professor totalmente voltado à atividade docente (...) para tanto, o profissional que se submete a este regime especial de trabalho, dedicando-se exclusivamente à docência, como já salientado, recebe do Estado uma contraprestação pecuniária.
O seguinte Acórdão do Tribunal de Contas da União sintetiza bem a conclusão a que se chega acerca da matéria
Cumpre esclarecer que a remansosa jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que é ilícita a acumulação de cargo de professor com dedicação exclusiva, de que tratam os arts. 14 e 15 do Decreto 94.664/1987, com o exercício de qualquer outra atividade, publica ou privada, ainda que na mesma instituição de ensino, como por exemplo, no desempenho de função ou cargo de direção.
Sobre essa questão não há que se falar em inconstitucionalidade do Decreto 94.664/1987, pois o art. 37, inciso XVI, da Constituição Federal, ao autorizar as acumulações ali definidas, não impede que a administração pública, amparada nos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da eficiência, faça exigência em sentido contrário, em defesa do interesse público. (Acórdão 672/2009 – Plenário)
Ressalte-se que é pacífico o entendimento de que, quando o servidor encontra-se aposentado de um dos cargos, não há que se falar em ilicitude na acumulação de cargos, quando um deles está submetido ao regime de dedicação exclusiva.
Nesse sentido tem decidido o Tribunal de Contas da União:
Em estando aposentado do primeiro cargo de professor, o interessado pode exercer o segundo cargo de professor sob qualquer regime previsto no Decreto n. º 94.664/87 (20 ou 40 horas semanais ou dedicação exclusiva), sem que com isso tenha incorrido em qualquer incompatibilidade de horários, sendo, portanto lícita a opção do interessado pelo regime de dedicação exclusiva.
(Decisão 322/2001, da Segunda Câmara, Ministro Benjamin Zymler)
A jurisprudência pátria também perfilha esse entendimento:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. PROFESSOR. DEDICAÇÃO EXCLUSIVA. APOSENTADORIA NO CARGO ANTERIOR. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. POSSIBILIDADE.
1. A jurisprudência deste Sodalício entende pela possibilidade de acumulação de dois cargos de professor, sendo o segundo de dedicação exclusiva se o servidor já encontrar-se aposentado no primeiro cargo.2. Agravo regimental improvido. STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO: AgRg no Ag 1118050 RS 2008/0248997-0.
3. CONCLUSÃO
A proibição constitucional referente à acumulação de cargos e empregos públicos revela-se bastante complexa, apesar da literalidade do dispositivo conduzir a superficiais conclusões.
Em regra, o sistema constitucional veda o acúmulo de cargos no serviço público, conforme dispõe o art. 37, XVI, da Carta Constitucional. necessidade de preservar a moralidade administrativa impõe que não se concentrem dois ofícios públicos nas mãos de uma só pessoa e a exigência constitucional de eficiência administrativa estabelece que uma pessoa não deve exercer atribuições correspondentes a dois cargos públicos, sob pena de causar prejuízo à Administração Pública.
Para autorizar a acumulação de cargos, a Constituição Federal, privilegiando o princípio da eficiência administrativa, estabeleceu um requisito para verificação de sua viabilidade fática, qual seja, a compatibilidade dos horários de trabalho.
A compatibilidade configura-se quando não há superposição de jornadas de trabalho, bem como quando há respeito a um intervalo para locomoção, descanso e alimentação. Sobre a matéria, o Parecer GQ nº 145 da Advocacia Geral da União estabeleceu como razoável a limitação da soma das jornadas de trabalho em 60 horas, tendo em vista o princípio da dignidade da pessoa humana e a aplicação analógica do intervalo interjornadas de 11 horas da Consolidação das Leis Trabalhistas.
Importa destacar que não se exige cumprimento de tal condição na hipótese de acumulação de cargo com aposentadoria, tendo em vista que nesta, o servidor encontra-se desonerado de qualquer atividade.
Historicamente, a jurisprudência pátria sempre se posicionou, majoritariamente, no sentido de que a limitação em 60 horas semanais é inconstitucional, posto que é um requisito criado por norma infraconstitucional, que limita o direito do servidor público de acumular cargos públicos.
Ocorre que, convergindo com o entendimento do Tribunal de Contas da União, Ministério do Planejamento e Controladoria Geral da União, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do MS 19.336-DF, posicionou-se pela vedação da acumulação de dois cargos públicos quando a soma da carga horária referente aos dois cargos ultrapassar o limite máximo de 60 horas semanais.
É bem verdade que o referido julgado tratava especificamente de impetrante que era servidora da área de saúde. Todavia, é provável que o Tribunal da Cidadania mantenha o referido entendimento para as demais hipóteses de acumulação previstas nas alíneas “a” e “b” do inciso XVI do art. 37 da CF/88, haja vista não existir nenhuma diferença substancial que justifique o tratamento diferenciado.
Especificamente neste trabalho, o posicionamento adotado está em consonância com o recente entendimento do STJ, tendo em vista que a limitação em 60 horas semanais é fruto da aplicação do princípio da razoabilidade, que orienta toda a Administração Pública.
No que se refere ao regime de dedicação exclusiva, apesar de alguns posicionamentos, ainda incipientes em nossa doutrina, não se admite que o servidor que se encontra submetido a tal regime possa acumular cargos, ainda que naquelas hipóteses previstas constitucionalmente, considerando o caráter de exclusividade do regime e a conseqüente majoração de sua remuneração.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2008. 9MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Regime de dedicação exclusiva: aplicação do art. 133 da Lei nº 8.112/90. Proposições. Conceito de reincidência. Fórum administrativo: direito público, Belo Horizonte, v. 7, n. 75, maio 2007. Disponível em: . Acesso em: 22 abr. 2010
NOGUEIRA JÚNIOR, Alberto. Da possibilidade de acumulação de cargo público de professor universitário, em regime de dedicação exclusiva, com cargo de magistrado federal. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1027, 24 abr. 2006. Disponível em: . Acesso em: 6 nov. 2010. RODRIGUES, Raimilan Seneterri da Silva. Acumulação remunerada de cargos públicos: conceito de cargo técnico para efeito de acumulação. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1223, 6 nov. 2006. Disponível em: . Acesso em: 5 nov. 2010.
Servidor Público Federal. Graduado em Bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe (2010/2). Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera - Uniderp (2012).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Victor Hugo Machado. Acumulação de cargos: uma análise crítica do requisito da compatibilidade de horários Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 fev 2016, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46044/acumulacao-de-cargos-uma-analise-critica-do-requisito-da-compatibilidade-de-horarios. Acesso em: 22 nov 2024.
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