Resumo: O presente artigo propõe-se a apresentar noções introdutórias sobre títulos de crédito, no tocante à sua finalidade, natureza jurídica e classificação. Inicialmente, na introdução do artigo, apresenta-se a finalidade dos títulos de crédito, destacando-se sua fundamental importância na circulação de riquezas. Em seguida, menciona-se a natureza do título de crédito, a qual pode ser pro solvendo ou pro soluto. Por fim, destacam-se algumas categorias utilizadas pela doutrina para classificar os títulos de crédito.
Palavras-chave: Títulos de crédito. Finalidade. Natureza jurídica. Classificação.
1. Introdução
Os títulos de crédito surgiram na Idade Média com o escopo de simplificar as operações de transferência de crédito num contexto de crescimento das relações mercantis.
Desde então, o título de crédito vem se aperfeiçoando a ponto de transformar-se em um perfeito instrumento para a circulação de direitos de crédito, facilitando consideravelmente as atividades econômicas. Devido à rápida circulação dos títulos, os capitais tornam-se mais úteis e mais produtivos, permitindo que deles melhor se disponha a serviço da produção de riqueza.
Ressaltando a precípua finalidade dos títulos de crédito de fazer circular o capital, escreve Fran Martins:
[...] de modo que, hoje, facilitando grandemente as atividades dos indivíduos e dos povos, temos nos títulos de crédito documentos que representam certos e determinados direitos e, mais que isso, que dão possibilidade a que esses direitos incorporados nos documentos circulem, se transfiram facilmente de pessoa a pessoa, revestidos de inúmeras garantias para os credores e todos quantos figurem nesses papéis. Com o aparecimento dos títulos de crédito e a possibilidade de circulação fácil dos direitos neles incorporados, o mundo na verdade ganhou um dos mais decisivos instrumentos para o desenvolvimento e o progresso. [1]
2. Natureza dos títulos de crédito
A emissão do título de crédito e a sua entrega ao credor tem, em regra, natureza pro solvendo (sem caráter extintivo), isto é, a relação jurídica que originou o título não irá se confundir com a relação cambiária representada pelo título emitido. De forma mais clara, é pro solvendo o título quando não significa a efetivação do pagamento com a sua simples entrega. Deste modo, a obrigação só será cumprida quando o título for quitado.
Assim, por exemplo, se alguém emite uma nota promissória para pagamento da compra de um determinado bem, sua obrigação de pagar somente se extinguirá quando for efetivamente pago o valor prometido na nota.
O título pro soluto (com caráter extintivo), por sua vez, acarreta a extinção da obrigação com a sua transferência ao credor, pois corresponde ao pagamento. Para que haja esse efeito, é preciso de cláusula explícita, o que raramente acontece, dado que a regra geral é que o título tenha natureza pro solvendo.
Na lição de Orlando Gomes:
As notas promissórias podem ser emitidas pro solvendo ou pro soluto. No primeiro caso, o preço somente se considera pago depois de saldado o último dos títulos. Nessa hipótese, as promissórias, como ressaltou em voto o Min. Nelson Hungria, constituem simples 'tentativa de pagamento', segundo a expressão incisiva de Staub. No segundo caso, são pagamento consumado. [...] Saber se as notas promissórias vinculadas a um determinado contrato foram emitidas pro solvendo ou pro soluto depende, portanto, de interpretação da vontade das partes do negócio causal do qual se haja originado a dívida.[2]
3. Classificação dos títulos de crédito
Costuma-se classificar os títulos de crédito a partir de diversos critérios. Passaremos, a partir de agora, a abordar os principais critérios classificatórios utilizados pela doutrina.
3.1. Quanto às categorias
Os títulos de crédito podem ser distribuídos, quanto ao direito que incorporam, em várias categorias. As mais comuns e importantes classificam os títulos de crédito em quatro grupos:
a) Títulos de crédito próprios: são aqueles que encerram uma verdadeira operação de crédito. São os verdadeiros e mais puros títulos de crédito; admitem o saque, o endosso, o aval e o protesto. Neles prepondera o elemento pessoal, posto que são baseados na confiança que merecem os que dele participam. Como exemplos, temos a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata e o cheque.
b) Títulos de crédito impróprios: são aqueles que não representam uma verdadeira operação de crédito, mas que se revestem de certos requisitos dos títulos de crédito propriamente ditos e, por isso, circulam com as garantias que caracterizam estes. Exemplo dessa categoria, segundo Bulgarelli[3], é o conhecimento de depósito, que representa mercadorias. Ulhôa[4] acrescenta ainda outros exemplos, como o conhecimento de transporte, os títulos de Armazéns Gerais e as cédulas de crédito.
c) Títulos de crédito de aquisição de direitos reais: dão ao portador o direito de receber uma prestação de coisas ou de serviços. Fran Martins [5]os denomina de títulos de legitimação e os exemplifica com os bilhetes de espetáculos públicos ou os de passagem, cujas prestações são futuras e, por isso, devem absorver certas qualidades dos títulos de crédito.
d) Títulos de participação: dão ao portador o direito de participação, atribuem a ele a qualidade de sócio. É o caso, por exemplo, das ações de sociedades anônimas. O acionista tem direito de participar dos interesses sociais, não só os relativos à administração, como também nos resultados financeiros obtidos. Estes documentos podem, inclusive, circular mediante endosso ou simples tradição. Com o desenvolvimento do mercado de capitais, os títulos de participação tiveram grande incremento, principalmente em razão de sua fácil negociação nas Bolsas de Valores.
3.2. Quanto à forma de circulação
Os títulos de crédito são destinados, sobretudo, à circulação. Como bem observa Vivante, cada título nasce com sua lei de circulação, dependente da vontade do legislador ou de quem o emite. Assim, a circulação de cada título se faz de formas diferentes:
a) Títulos ao portador: não revelam o nome da pessoa beneficiada. Têm inserida a cláusula "ao portador" ou mantêm em branco o nome do beneficiário ou tomador. Nessas condições, será considerada titular dos direitos incorporados no documento a pessoa que com ele se apresentar. Segundo Fran Martins[6], explica-se a sua existência pela aceitação do princípio de que o emitente não se obriga apenas para com uma pessoa certa e determinada, mas para com a coletividade de pessoas que eventualmente venham a ser detentoras do título em virtude de sua característica de circulabilidade.
O Código Civil de 2002 trata dos títulos ao portador nos artigos 904 a 909. A disciplina do Código explicita que a transferência do título ao portador se faz por simples tradição (art. 904). O art. 907, por sua vez, preceitua que "é nulo o título ao portador emitido sem autorização de lei especial". Nesse ínterim, algumas leis proibiram expressamente a emissão de certos títulos ao portador. A Lei Uniforme de Genebra (Decreto n. 57663/66) não admite a emissão de letra de câmbio ou nota promissória ao portador. A lei 8.021/90 impõe, no art. 4o, que as ações devem ser nominativas, excluindo as ações ao portador. Por último, a Lei 9.096/95 (que dispõe sobre o plano econômico Real), em seu art. 69 estabeleceu a vedação de emissão, pagamento, compensação de cheques de valor superior a R$ 100,00, sem identificação do beneficiário.
b) Títulos nominativos: segundo a doutrina de Vivante, são os emitidos em nome de uma pessoa determinada e cuja transmissão não é perfeita senão quando se registra nos livros do devedor (entidade emissora). Exemplo são as ações nominativas, que se transferem por termo de transferência no livro da sociedade, devendo constar as assinaturas do cedente e do cessionário. Pressupõem, assim, a tradição do título e a inscrição no livro próprio.
O Código Civil disciplina esta categoria nos artigos 921 a 926. Nos termos do art. 923, caput, o título nominativo também pode ser transferido por endosso em preto.
c) Títulos nominais à ordem: são os que identificam expressamente o seu titular. Dessa forma, a transferência de titularidade do crédito não depende apenas da tradição da cártula, sendo necessário o endosso. Nas palavras de Bulgarelli, "constituem, assim, meio termo entre os nominativos e os ao portador [...]"[7]. Exemplo típico de um título à ordem é a letra de câmbio.
Rubens Requião [8]observa, com base no art. 924 do CC, que se a um título de crédito nominativo for inserida pelo emitente a cláusula "à ordem", o título perde sua natureza de nominativo e passa a ser nominal à ordem, podendo circular por endosso. Se o endosso for em branco, sua circulação pode prosseguir como se fosse um título ao portador.
Os artigos 910 a 920 do Código Civil tratam com mais detalhes dos títulos à ordem.
d) Títulos nominais não à ordem: são também títulos emitidos em favor de pessoa determinada. O ato formal de transferência, no entanto, não é o endosso, mas a cessão civil de crédito, que, como o nome indica, submete-se ao regime jurídico civil. Fran Martins [9]ressalta que a cláusula "não à ordem" retira do título de crédito uma de suas principais funções, permitindo que o crédito seja usado não pela coletividade, mas apenas por uma pessoa, comprometendo a livre circulação do mesmo.
3.3. Quanto à estrutura formal
Segundo esse critério classificatório, os títulos de crédito podem ser uma ordem de pagamento ou uma promessa de pagamento.
Os títulos que se estruturam como ordem de pagamento (letra de câmbio, cheque e duplicata) geram, a partir de sua emissão, três situações jurídicas distintas: a do sacador (emitente), que ordenou a realização do pagamento; a do sacado, para quem a ordem foi dirigida e que irá cumpri-la, se atendidas as devidas condições; a do tomador (beneficiário), a favor de quem o título é emitido.
Já nos títulos que se estruturam como promessa de pagamento (como a nota promissória) existem apenas duas situações jurídicas distintas: a do sacador ou promitente, que assume a obrigação de pagar; e a do tomador, que é o beneficiário do valor prometido.
3.4 Quanto ao modelo
Com relação a esse critério, os títulos de crédito podem ser de modelo livre ou de modelo vinculado.
Os títulos de modelo livre são aqueles para os quais a lei não estabelece uma padronização obrigatória, podendo o emitente dispor à vontade dos elementos essenciais do título. São exemplos a letra de câmbio e a nota promissória, títulos que podem ser criados em uma folha de papel, bastando que nela constem os seus requisitos essenciais.
Os títulos de modelo vinculado, por sua vez, se submetem a uma rígida padronização fixada pela lei, só produzindo efeitos cambiais os documentos que atendam ao padrão exigido. É o caso do cheque e da letra de câmbio. O emitente do cheque, por exemplo, deve necessariamente fazer uso do papel fornecido pelo banco sacado.
3.5. Quanto às hipóteses de emissão
Segundo esse critério classificatório, tratado por Ulhoa[10], os títulos podem ser causais ou não causais (abstratos).
Título causal é o que só pode ser emitido nas restritas hipóteses em que a lei autoriza. É o caso da duplicata, que somente pode ser emitida para documentar a realização de uma compra e venda mercantil (duplicata mercantil) ou um contrato de prestação de serviços (duplicata de serviços).
Já o título abstrato é aquele cuja emissão não está condicionada a nenhuma causa preestabelecida em lei, isto é, pode ser emitido em qualquer hipótese. O cheque e a nota promissória são dessa categoria, posto que podem ser emitidos para documentar qualquer relação negocial.
Conclusão
O estudo das noções introdutórias dos títulos de crédito mostra-se relevante frente à necessidade de constituição de uma base teórica no tocante à finalidade, à natureza jurídica e à classificação dos títulos de crédito antes de adentrar no estudo das espécies de títulos de crédito.
Isso porque, conforme já mencionado, os títulos de crédito constituem um importante meio de circulação de riquezas na sociedade hodierna, facilitando sobremaneira as atividades econômicas. Desta forma, é de sua relevância compreender as características gerais e particulares de cada um deles e as normas que os regem.
Referências bibliográficas
BULGARELLI, Waldírio. - Títulos de Crédito, 13a ed. atualizada, São Paulo: Atlas, 1998.
COELHO, Fábio Ulhoa. - Manual de Direito Comercial, 21a ed., São Paulo: Saraiva, 2009.
COELHO, Fábio Ulhoa. - Curso de Direito Comercial, Volume I, 6a ed., São Paulo: Saraiva,2002.
GOMES, Orlando. - Promissória pro solvendo e pro soluto, Questões de Direito Civil, 4a ed., São Paulo: Saraiva, 1976.
MARTINS, Fran - Letra de Câmbio e Nota Promissória Segundo a Lei Uniforme, 1a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1972.
RAMOS, André Santa Cruz - Direito Empresarial Esquematizado, 1a ed., São Paulo: Método, 2010.
REQUIÃO, Rubens. - Curso de Direito Comercial, vol. 2, 23a ed., São Paulo: Saraiva, 2003.
VENOSA, Sílvio de Salvo. - Direito Civil, Volume III, 9a ed., São Paulo: Atlas, 2009.
[1] MARTINS, Fran - Letra de Câmbio e Nota Promissória Segundo a Lei Uniforme, 1a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1972, p. 12.
[2] GOMES, Orlando. - Promissória pro solvendo e pro soluto, Questões de Direito Civil, 4a ed., São Paulo: Saraiva, 1976, p.319.
[3] BULGARELLI, Waldírio. - Títulos de Crédito, 13a ed. atualizada, São Paulo: Atlas, 1998.
[4] COELHO, Fábio Ulhoa. - Curso de Direito Comercial, Volume I, 6a ed., São Paulo: Saraiva,2002.
[5] MARTINS, Fran - Letra de Câmbio e Nota Promissória Segundo a Lei Uniforme, 1a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1972.
[6] MARTINS, Fran - Letra de Câmbio e Nota Promissória Segundo a Lei Uniforme, 1a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1972.
[7] BULGARELLI, Waldírio. - Títulos de Crédito, 13a ed. atualizada, São Paulo: Atlas, 1998, p. 82.
[8] REQUIÃO, Rubens. - Curso de Direito Comercial, vol. 2, 23a ed., São Paulo: Saraiva, 2003.
[9] MARTINS, Fran - Letra de Câmbio e Nota Promissória Segundo a Lei Uniforme, 1a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1972.
[10] COELHO, Fábio Ulhoa. - Curso de Direito Comercial, Volume I, 6a ed., São Paulo: Saraiva, 2002.
advogada, graduada em direito pela Universidade Federal de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALBUQUERQUE, Lorena Barros. Noções introdutórias sobre títulos de crédito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 mar 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46288/nocoes-introdutorias-sobre-titulos-de-credito. Acesso em: 22 nov 2024.
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